'Não precisamos
deles', diz Trump: por que elite brasileira se ofende ao ouvir a verdade?
O novo presidente
dos EUA, Donald Trump, inaugurou suas relações públicas com o Brasil ao dizer
que os EUA não precisam da América Latina. Para a analista ouvida pela Sputnik
Brasil, Trump não só está falando a verdade, como o Brasil ainda tem poucos
meios para se defender de ofensivas da Casa Branca.
Nesta semana, o
novo presidente dos EUA, Donald Trump, imprimiu o tom de seu futuro
relacionamento com países da América Latina e com o Brasil. Durante entrevista
coletiva, o recém-empossado Trump declarou que as relações com a região são
"excelentes".
"Eles precisam
de nós, muito mais do que nós precisamos deles. Não precisamos deles. Eles
precisam de nós. Todo mundo precisa de nós", declarou o mandatário dos EUA
em seu primeiro dia de governo.
A declaração foi
recebida com cautela pela diplomacia brasileira, que evitou polemizar com a
Casa Branca. A secretária-geral do Ministério das Relações Exteriores,
embaixadora Maria
Laura da Rocha, declarou que o Itamaraty dará prioridade às áreas de
convergência entre os países.
Apesar do tom
desconfortável da declaração de Trump, as estatísticas do comércio entre
Brasil e EUA corroboram a assimetria entre as partes. Enquanto os EUA são o
segundo principal mercado para as exportações brasileiras, o Brasil é somente o
18º mercado para os norte-americanos.
"Às vezes,
Trump fala coisas que não soam bem, mas, no fundo, elas são razoavelmente
verdades. E essa é uma delas", disse a professora Livre Docente de
Política Internacional da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Cristina
Soreanu Pecequilo, à Sputnik Brasil.
A declaração gera
mal-estar no Brasil, por sua elite nacional superestimar o seu papel no
processo decisório em Washington, notou a professora. O alinhamento durante os
anos Bolsonaro e a aproximação ideológica durante o atual mandato de Lula teriam
reforçado esse equívoco.
"Parte da
elite brasileira acredita que o Brasil tem importância central para os EUA, e
que um alinhamento brasileiro aos EUA traria inúmeros efeitos
positivos. Mas é claro que os EUA têm um sistema de relações
internacionais [...] muito mais ampliado do que o brasileiro", declarou
Pecequilo. "Essa afirmação [de Trump] soa como uma ofensa para parte da
sociedade brasileira, quando não deveria. Ele não falou nada que não seja
realidade."
De acordo com
a professora adjunta da Faculdade de Economia e do programa de
pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ), Lia Valls Pereira, os EUA detêm capacidade assimétrica de
influência no comércio brasileiro.
"A grande
diferença entre os EUA e o Brasil é a capacidade de retaliação. Caso
o Brasil seja alvo de tarifas impostas pelo governo Trump, nós não temos
nenhuma capacidade de retaliar os norte-americanos", disse Valls Pereira à
Sputnik Brasil. "Os produtos que os EUA adquirem do Brasil podem ser
adquiridos em outros mercados."
Por outro lado,
o Brasil
conseguiria sobreviver a uma retirada dos EUA de sua economia, acredita
Pecequilo. Apesar do alto custo de uma saída norte-americana, há diversificação
suficiente na pauta comercial brasileira para que outros mercados suprissem
essa ausência.
<><> Pauta
Norte-Sul?
Apesar da assimetria,
as relações comerciais entre Brasil e EUA já não podem ser classificadas
como uma típica relação Norte-Sul, acredita Valls Pereira. As relações
comerciais Norte-Sul são caracterizadas pela exportação de bens primários por
países do Sul, que importam mercadorias de alto valor agregado produzidas pelo
Norte.
A maior parte das
exportações brasileiras para os EUA são oriundas da indústria de transformação.
De acordo com os dados de 2024 da
Secretaria de Comércio Exterior do Brasil, o setor industrial representou 78,3%
do total exportado para os EUA.
"Apesar do bom
desempenho da indústria de transformação [no comércio com os EUA], temos que
dividir essa pauta em commodities e não commodities", notou Valls Pereira.
"O motor das exportações brasileiras para os EUA são, na realidade, as
commodities que fazem parte da indústria de transformação."
De fato, dentre
os produtos mais exportados pelo Brasil para os EUA estão óleo combustível
de petróleo, sucos, carne bovina e celulose, todos computados na categoria de
produtos industriais.
Segundo ela,
os produtos de maior valor agregado da pauta brasileira, como máquinas e
equipamentos, são exportados no âmbito do comércio intraindústria, isto é, são
trocas realizadas dentro de uma mesma cadeia produtiva ou mesmo dentro de uma
mesma empresa, considerando a forte presença de multinacionais norte-americanas
no Brasil.
Nesse contexto,
a professora Pecequilo acredita que o padrão Norte-Sul do comércio entre
Brasil e EUA persiste, apesar do maior índice de diversificação.
"E isso não
tanto porque os EUA têm interesse na indústria brasileira, mas porque somos
concorrentes no agronegócio. Nós frequentemente competimos por mercados
similares", notou Pecequilo. "Por isso, acho que existe um
padrão Norte-Sul, independentemente de ser uma pauta comercial um pouco mais
consolidada."
Além disso,
a participação industrial no comércio entre Brasil e EUA poderá diminuir,
conforme commodities estratégicas ganham relevância para o setor de tecnologia
norte-americano.
"Há uma
perspectiva de maior participação dos EUA no mercado de minerais críticos
brasileiros, dado o interesse de Trump no desenvolvimento da economia digital.
Basta notarmos o alinhamento do presidente dos EUA com as empresas de big
tech", explicou Pecequilo. "Podemos esperar uma primarização da pauta
de negócios entre Brasil e EUA."
<><> Setores
em risco
Uma das estratégias
do presidente dos EUA, Donald Trump, é ameaçar países com a imposição de
tarifas, a fim de renegociar acordos comerciais a partir de uma posição de
força. Essa retórica dura, que já foi direcionada para países como México e
Canadá, poderá atingir o Brasil.
"Trump usa
isso como mecanismo de pressão e para responder às demandas de lobbies
protecionistas dentro dos EUA", considerou Valls Pereira. "Os setores
brasileiros que podem ser afetados [por pressões tarifárias] para atender
a demandas internas dos EUA seriam siderurgia, carnes e sucos."
Por outro lado,
Trump terá poucos incentivos para taxar produtos brasileiros, já que
os EUA acumulam superávits comerciais com o Brasil. Em 2024, o superávit
norte-americano foi de US$ 253,3 milhões (cerca de R$ 1,5 bilhão).
"Os EUA têm
superávit em suas relações com o Brasil. São um dos poucos países que são
superavitários com a gente. E o Brasil normalmente fica entre os dez
países com os quais os EUA têm maior superávit comercial", notou Valls
Pereira.
Para ela, a pressão
norte-americana sob Trump poderá incidir não na pauta comercial, mas sim na
agenda de investimentos. Após se consolidar como principal parceiro comercial
do Brasil, a China aumenta a sua participação em investimentos diretos no país.
"O
investimento estrangeiro no Brasil ainda é, basicamente, europeu e
norte-americano. As multinacionais norte-americanas obtêm muitos recursos com
as remessas de lucros oriundas do Brasil. Mas os chineses estão entrando, ainda
que aos poucos", disse Valls Pereira. "E os EUA podem reagir nessa
área, para deter o avanço chinês, como fizeram na questão da Internet
5G."
<><> Relações
Brasil-EUA
Apesar da
declaração constrangedora de Trump, o presidente brasileiro Luiz
Inácio Lula da Silva expressou desejo de manter "o respeito mútuo" e
a "amizade histórica" entre Brasil e EUA. O mandatário
brasileiro asseverou não querer "briga com os americanos".
Segundo Pecequilo,
o Brasil poderá passar ao largo das agendas combativas de Trump, já que
"estamos fora do radar de problemas imediatos para os norte-americanos, ou
rol de países que poderiam oferecer soluções".
"O Brasil se
preparou mal para uma potencial vitória de Trump, apostando na continuidade da
linha democrata Biden-Harris. Agora, o Brasil não deve esperar que os EUA
compareçam à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025
[a ser celebrada em novembro em Belém do Pará]. Tampouco o Brasil deve
esperar avanço em pautas multilaterais que a diplomacia brasileira
promove", alertou Pecequilo. "A relação, ela vai ter um padrão muito
mais pragmático."
Como presidente
do BRICS para 2025,
o Brasil terá que lidar com as desconfianças de Washington sobre os rumos do
bloco. Durante a sua posse, Trump voltou a dizer que o BRICS deve desistir de
seus esforços para estabelecer sistemas alternativos de pagamento.
"A fonte de
pressão sobre o Brasil poderá vir em relação ao BRICS, em função de temas como
a dolarização. Trump já falou diversas vezes que ele não vai tolerar algumas
atitudes do BRICS. O resultado poderão ser tarifas, sanções ou
isolamento. E Trump vai implementar - ele não está brincando",
concluiu Pecequilo.
¨
Ameaça de tarifa de
100% dos EUA sobre o BRICS parece um blefe, diz analista
Tarifas sobre
produtos importados "teriam um impacto direto na inflação" dos
Estados Unidos, alerta o analista político e financeiro Angelo Giuliano, de
Hong Kong.
Mesmo que os lucros
dessas tarifas ajudem a financiar a reindustrialização dos EUA, isso não
garante que os Estados Unidos obterão a "vantagem competitiva" que
países como a China têm.
Os países cujos
produtos seriam afetados
por essas tarifas provavelmente
revidariam com suas próprias tarifas sobre as exportações dos Estados Unidos.
Tais tarifas
afetariam "indústrias de baixo valor agregado" nos EUA, "onde há
muita pouca margem e onde há muito
valor agregado em
termos de mão de obra".
Outra política
de Trump,
a iniciativa de deportar todos os imigrantes ilegais dos EUA, também pode ter
um impacto negativo sobre os consumidores americanos porque o trabalho
desses imigrantes atualmente se traduz em preços baixos nos setores de serviços
e manufatura.
¨
Javier Milei pode
retirar Argentina do Acordo de Paris e da OMS, revela mídia
À semelhança do
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o homólogo argentino Javier Milei
pode retirar o seu país do Acordo de Paris. Além disso, Milei defende a saída
da Argentina da Organização Mundial de Saúde (OMS).
A informação foi divulgada
nesta quinta (23) pela Rádio Nacional Argentina. Conforme a mídia, "o
presidente acredita que organizações
internacionais como a OMS representam uma ameaça à soberania nacional e ao
modelo liberal, em linha com as políticas que Donald Trump começou a aplicar
nos Estados Unidos."
No ano
passado, Milei
chegou a anunciar que
a Argentina não iria aderir ao protocolo sobre pandemias da OMS, ao justificar
que a medida "poderia comprometer a soberania nacional".
"Além da
possível saída da OMS, o governo está analisando a adesão da Argentina a
outros organismos internacionais e considerando a saída do Acordo de Paris,
assinado em 2015, que busca mitigar as mudanças climáticas por meio de
compromissos internacionais para reduzir as emissões de gases de efeito
estufa", destacou o veículo.
'Ambientalismo
fanático'
Durante discurso,
também nesta quinta, no Fórum
Econômico Mundial em Davos, o presidente argentino afirmou ainda que há um
"ambientalismo fanático em que o ser humano é visto como um câncer que
deve ser eliminado, e o desenvolvimento econômico é tratado como pouco mais que
um crime contra a natureza".
¨
'China
é um parceiro natural', diz presidente brasileiro da COP30 após EUA deixarem
Acordo de Paris
Em entrevista ao
jornal Folha de S. Paulo, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da
COP30, afirmou que a China se tornou um parceiro natural do país na realização
do evento, sobretudo após Trump deixar o Acordo de Paris.
Além disso, o
diplomata ressaltou que o financiamento climático não depende apenas dos países
ricos.
O Brasil vai sediar
a COP30, principal
conferência climática do planeta, entre 10 a 21 de novembro de 2025, em
Belém. Pela primeira vez, o evento acontece na Amazônia. Porém, a o evento
se depara com um enorme desafio: a saída
dos Estados Unidos do Acordo de Paris, um dos primeiros atos de governo
anunciado pelo presidente Donald Trump. Além disso, o republicano tem
sinalizado que o maior poluidor histórico do planeta vai investir cada vez mais
no uso dos combustíveis fósseis.
Para o presidente
brasileiro da COP de Belém, o embaixador André Corrêa do Lago, os EUA "estavam em uma
direção muito interessante, de favorecimento da transição energética, e
entraram em uma fase inversa". Além disso, o Brasil ainda tem uma outra
difícil missão para a conferência desse ano, que é efetivar o financiamento
climático por parte dos países ricos, algo que não ocorreu na COP
em Baku, no Azerbaijão.
"A gente tem
que, antes de mais nada, discutir o que é financiamento climático, um tema
muito complicado que a gente ainda não conseguiu abordar de maneira
racional. Se forem considerados somente os recursos concessionais de países
ricos para países em desenvolvimento, aí, sim, de fato, está saindo o país mais
rico do mundo que, em princípio, se esperaria que fosse um dos maiores
contribuidores. No entanto, o financiamento climático é muito mais do que
isso", declarou à Folha de S.Paulo.
O diplomata afirmou
ainda que, em meio à ausência dos Estados Unidos nas ações contra as mudanças
climáticas, a China
se tornou um parceiro "absolutamente
natural", além da Índia. "E há outros países em
desenvolvimento querendo caminhos parecidos com o do Brasil, inclusive com
biocombustíveis", acrescentou.
Legado do G20 e
nova meta de financiamento
Durante as
discussões em Baku, a declaração final defendeu a meta de US$ 1,3 trilhão
(R$ 7,7 trilhões) para o financiamento climático, mas sem detalhar como
chegar a esse valor. Inclusive em negociações anteriores, como o próprio Acordo
de Paris, os países doadores nunca cumpriram os valores acordados.
Porém, o presidente
da COP30 afirmou que o Brasil vai atuar em conjunto
com os ministérios do
Meio Ambiente, Minas e Energia e da Fazenda, além do Banco Central, para
construir um apoio entre os participantes da conferência.
"Foram órgãos
que trabalharam juntos no G20. Vamos dar continuidade a isso. Então, a ação do
Brasil este ano não vai ser uma negociação que vai acontecer só em Belém, mas
um esforço ao longo de todos estes meses até lá. Essa mudança de foco vai
trazer para a COP soluções que outros órgãos vão contribuir para encontrar",
finalizou.
Fonte: Sputnik
Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário