sábado, 25 de janeiro de 2025

'Não precisamos deles', diz Trump: por que elite brasileira se ofende ao ouvir a verdade?

O novo presidente dos EUA, Donald Trump, inaugurou suas relações públicas com o Brasil ao dizer que os EUA não precisam da América Latina. Para a analista ouvida pela Sputnik Brasil, Trump não só está falando a verdade, como o Brasil ainda tem poucos meios para se defender de ofensivas da Casa Branca.

Nesta semana, o novo presidente dos EUA, Donald Trump, imprimiu o tom de seu futuro relacionamento com países da América Latina e com o Brasil. Durante entrevista coletiva, o recém-empossado Trump declarou que as relações com a região são "excelentes".

"Eles precisam de nós, muito mais do que nós precisamos deles. Não precisamos deles. Eles precisam de nós. Todo mundo precisa de nós", declarou o mandatário dos EUA em seu primeiro dia de governo.

A declaração foi recebida com cautela pela diplomacia brasileira, que evitou polemizar com a Casa Branca. A secretária-geral do Ministério das Relações Exteriores, embaixadora Maria Laura da Rocha, declarou que o Itamaraty dará prioridade às áreas de convergência entre os países.

Apesar do tom desconfortável da declaração de Trump, as estatísticas do comércio entre Brasil e EUA corroboram a assimetria entre as partes. Enquanto os EUA são o segundo principal mercado para as exportações brasileiras, o Brasil é somente o 18º mercado para os norte-americanos.

"Às vezes, Trump fala coisas que não soam bem, mas, no fundo, elas são razoavelmente verdades. E essa é uma delas", disse a professora Livre Docente de Política Internacional da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), Cristina Soreanu Pecequilo, à Sputnik Brasil.

A declaração gera mal-estar no Brasil, por sua elite nacional superestimar o seu papel no processo decisório em Washington, notou a professora. O alinhamento durante os anos Bolsonaro e a aproximação ideológica durante o atual mandato de Lula teriam reforçado esse equívoco.

"Parte da elite brasileira acredita que o Brasil tem importância central para os EUA, e que um alinhamento brasileiro aos EUA traria inúmeros efeitos positivos. Mas é claro que os EUA têm um sistema de relações internacionais [...] muito mais ampliado do que o brasileiro", declarou Pecequilo. "Essa afirmação [de Trump] soa como uma ofensa para parte da sociedade brasileira, quando não deveria. Ele não falou nada que não seja realidade."

De acordo com a professora adjunta da Faculdade de Economia e do programa de pós-graduação em Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Lia Valls Pereira, os EUA detêm capacidade assimétrica de influência no comércio brasileiro.

"A grande diferença entre os EUA e o Brasil é a capacidade de retaliação. Caso o Brasil seja alvo de tarifas impostas pelo governo Trump, nós não temos nenhuma capacidade de retaliar os norte-americanos", disse Valls Pereira à Sputnik Brasil. "Os produtos que os EUA adquirem do Brasil podem ser adquiridos em outros mercados."

Por outro lado, o Brasil conseguiria sobreviver a uma retirada dos EUA de sua economia, acredita Pecequilo. Apesar do alto custo de uma saída norte-americana, há diversificação suficiente na pauta comercial brasileira para que outros mercados suprissem essa ausência.

<><> Pauta Norte-Sul?

Apesar da assimetria, as relações comerciais entre Brasil e EUA já não podem ser classificadas como uma típica relação Norte-Sul, acredita Valls Pereira. As relações comerciais Norte-Sul são caracterizadas pela exportação de bens primários por países do Sul, que importam mercadorias de alto valor agregado produzidas pelo Norte.

A maior parte das exportações brasileiras para os EUA são oriundas da indústria de transformação. De acordo com os dados de 2024 da Secretaria de Comércio Exterior do Brasil, o setor industrial representou 78,3% do total exportado para os EUA.

"Apesar do bom desempenho da indústria de transformação [no comércio com os EUA], temos que dividir essa pauta em commodities e não commodities", notou Valls Pereira. "O motor das exportações brasileiras para os EUA são, na realidade, as commodities que fazem parte da indústria de transformação."

De fato, dentre os produtos mais exportados pelo Brasil para os EUA estão óleo combustível de petróleo, sucos, carne bovina e celulose, todos computados na categoria de produtos industriais.

Segundo ela, os produtos de maior valor agregado da pauta brasileira, como máquinas e equipamentos, são exportados no âmbito do comércio intraindústria, isto é, são trocas realizadas dentro de uma mesma cadeia produtiva ou mesmo dentro de uma mesma empresa, considerando a forte presença de multinacionais norte-americanas no Brasil.

Nesse contexto, a professora Pecequilo acredita que o padrão Norte-Sul do comércio entre Brasil e EUA persiste, apesar do maior índice de diversificação.

"E isso não tanto porque os EUA têm interesse na indústria brasileira, mas porque somos concorrentes no agronegócio. Nós frequentemente competimos por mercados similares", notou Pecequilo. "Por isso, acho que existe um padrão Norte-Sul, independentemente de ser uma pauta comercial um pouco mais consolidada."

Além disso, a participação industrial no comércio entre Brasil e EUA poderá diminuir, conforme commodities estratégicas ganham relevância para o setor de tecnologia norte-americano.

"Há uma perspectiva de maior participação dos EUA no mercado de minerais críticos brasileiros, dado o interesse de Trump no desenvolvimento da economia digital. Basta notarmos o alinhamento do presidente dos EUA com as empresas de big tech", explicou Pecequilo. "Podemos esperar uma primarização da pauta de negócios entre Brasil e EUA."

<><> Setores em risco

Uma das estratégias do presidente dos EUA, Donald Trump, é ameaçar países com a imposição de tarifas, a fim de renegociar acordos comerciais a partir de uma posição de força. Essa retórica dura, que já foi direcionada para países como México e Canadá, poderá atingir o Brasil.

"Trump usa isso como mecanismo de pressão e para responder às demandas de lobbies protecionistas dentro dos EUA", considerou Valls Pereira. "Os setores brasileiros que podem ser afetados [por pressões tarifárias] para atender a demandas internas dos EUA seriam siderurgia, carnes e sucos."

Por outro lado, Trump terá poucos incentivos para taxar produtos brasileiros, já que os EUA acumulam superávits comerciais com o Brasil. Em 2024, o superávit norte-americano foi de US$ 253,3 milhões (cerca de R$ 1,5 bilhão).

"Os EUA têm superávit em suas relações com o Brasil. São um dos poucos países que são superavitários com a gente. E o Brasil normalmente fica entre os dez países com os quais os EUA têm maior superávit comercial", notou Valls Pereira.

Para ela, a pressão norte-americana sob Trump poderá incidir não na pauta comercial, mas sim na agenda de investimentos. Após se consolidar como principal parceiro comercial do Brasil, a China aumenta a sua participação em investimentos diretos no país.

"O investimento estrangeiro no Brasil ainda é, basicamente, europeu e norte-americano. As multinacionais norte-americanas obtêm muitos recursos com as remessas de lucros oriundas do Brasil. Mas os chineses estão entrando, ainda que aos poucos", disse Valls Pereira. "E os EUA podem reagir nessa área, para deter o avanço chinês, como fizeram na questão da Internet 5G."

<><> Relações Brasil-EUA

Apesar da declaração constrangedora de Trump, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva expressou desejo de manter "o respeito mútuo" e a "amizade histórica" entre Brasil e EUA. O mandatário brasileiro asseverou não querer "briga com os americanos".

Segundo Pecequilo, o Brasil poderá passar ao largo das agendas combativas de Trump, já que "estamos fora do radar de problemas imediatos para os norte-americanos, ou rol de países que poderiam oferecer soluções".

"O Brasil se preparou mal para uma potencial vitória de Trump, apostando na continuidade da linha democrata Biden-Harris. Agora, o Brasil não deve esperar que os EUA compareçam à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 [a ser celebrada em novembro em Belém do Pará]. Tampouco o Brasil deve esperar avanço em pautas multilaterais que a diplomacia brasileira promove", alertou Pecequilo. "A relação, ela vai ter um padrão muito mais pragmático."

Como presidente do BRICS para 2025, o Brasil terá que lidar com as desconfianças de Washington sobre os rumos do bloco. Durante a sua posse, Trump voltou a dizer que o BRICS deve desistir de seus esforços para estabelecer sistemas alternativos de pagamento.

"A fonte de pressão sobre o Brasil poderá vir em relação ao BRICS, em função de temas como a dolarização. Trump já falou diversas vezes que ele não vai tolerar algumas atitudes do BRICS. O resultado poderão ser tarifas, sanções ou isolamento. E Trump vai implementar - ele não está brincando", concluiu Pecequilo.

 

¨      Ameaça de tarifa de 100% dos EUA sobre o BRICS parece um blefe, diz analista

Tarifas sobre produtos importados "teriam um impacto direto na inflação" dos Estados Unidos, alerta o analista político e financeiro Angelo Giuliano, de Hong Kong.

Mesmo que os lucros dessas tarifas ajudem a financiar a reindustrialização dos EUA, isso não garante que os Estados Unidos obterão a "vantagem competitiva" que países como a China têm.

Os países cujos produtos seriam afetados por essas tarifas provavelmente revidariam com suas próprias tarifas sobre as exportações dos Estados Unidos.

Tais tarifas afetariam "indústrias de baixo valor agregado" nos EUA, "onde há muita pouca margem e onde há muito valor agregado em termos de mão de obra".

Outra política de Trump, a iniciativa de deportar todos os imigrantes ilegais dos EUA, também pode ter um impacto negativo sobre os consumidores americanos porque o trabalho desses imigrantes atualmente se traduz em preços baixos nos setores de serviços e manufatura.

¨      Javier Milei pode retirar Argentina do Acordo de Paris e da OMS, revela mídia

À semelhança do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o homólogo argentino Javier Milei pode retirar o seu país do Acordo de Paris. Além disso, Milei defende a saída da Argentina da Organização Mundial de Saúde (OMS).

A informação foi divulgada nesta quinta (23) pela Rádio Nacional Argentina. Conforme a mídia, "o presidente acredita que organizações internacionais como a OMS representam uma ameaça à soberania nacional e ao modelo liberal, em linha com as políticas que Donald Trump começou a aplicar nos Estados Unidos."

No ano passado, Milei chegou a anunciar que a Argentina não iria aderir ao protocolo sobre pandemias da OMS, ao justificar que a medida "poderia comprometer a soberania nacional".

"Além da possível saída da OMS, o governo está analisando a adesão da Argentina a outros organismos internacionais e considerando a saída do Acordo de Paris, assinado em 2015, que busca mitigar as mudanças climáticas por meio de compromissos internacionais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa", destacou o veículo.

'Ambientalismo fanático'

Durante discurso, também nesta quinta, no Fórum Econômico Mundial em Davos, o presidente argentino afirmou ainda que há um "ambientalismo fanático em que o ser humano é visto como um câncer que deve ser eliminado, e o desenvolvimento econômico é tratado como pouco mais que um crime contra a natureza".

¨      'China é um parceiro natural', diz presidente brasileiro da COP30 após EUA deixarem Acordo de Paris

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, afirmou que a China se tornou um parceiro natural do país na realização do evento, sobretudo após Trump deixar o Acordo de Paris.

Além disso, o diplomata ressaltou que o financiamento climático não depende apenas dos países ricos.

O Brasil vai sediar a COP30, principal conferência climática do planeta, entre 10 a 21 de novembro de 2025, em Belém. Pela primeira vez, o evento acontece na Amazônia. Porém, a o evento se depara com um enorme desafio: a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris, um dos primeiros atos de governo anunciado pelo presidente Donald Trump. Além disso, o republicano tem sinalizado que o maior poluidor histórico do planeta vai investir cada vez mais no uso dos combustíveis fósseis.

Para o presidente brasileiro da COP de Belém, o embaixador André Corrêa do Lago, os EUA "estavam em uma direção muito interessante, de favorecimento da transição energética, e entraram em uma fase inversa". Além disso, o Brasil ainda tem uma outra difícil missão para a conferência desse ano, que é efetivar o financiamento climático por parte dos países ricos, algo que não ocorreu na COP em Baku, no Azerbaijão.

"A gente tem que, antes de mais nada, discutir o que é financiamento climático, um tema muito complicado que a gente ainda não conseguiu abordar de maneira racional. Se forem considerados somente os recursos concessionais de países ricos para países em desenvolvimento, aí, sim, de fato, está saindo o país mais rico do mundo que, em princípio, se esperaria que fosse um dos maiores contribuidores. No entanto, o financiamento climático é muito mais do que isso", declarou à Folha de S.Paulo.

O diplomata afirmou ainda que, em meio à ausência dos Estados Unidos nas ações contra as mudanças climáticas, a China se tornou um parceiro "absolutamente natural", além da Índia. "E há outros países em desenvolvimento querendo caminhos parecidos com o do Brasil, inclusive com biocombustíveis", acrescentou.

Legado do G20 e nova meta de financiamento

Durante as discussões em Baku, a declaração final defendeu a meta de US$ 1,3 trilhão (R$ 7,7 trilhões) para o financiamento climático, mas sem detalhar como chegar a esse valor. Inclusive em negociações anteriores, como o próprio Acordo de Paris, os países doadores nunca cumpriram os valores acordados.

Porém, o presidente da COP30 afirmou que o Brasil vai atuar em conjunto com os ministérios do Meio Ambiente, Minas e Energia e da Fazenda, além do Banco Central, para construir um apoio entre os participantes da conferência.

"Foram órgãos que trabalharam juntos no G20. Vamos dar continuidade a isso. Então, a ação do Brasil este ano não vai ser uma negociação que vai acontecer só em Belém, mas um esforço ao longo de todos estes meses até lá. Essa mudança de foco vai trazer para a COP soluções que outros órgãos vão contribuir para encontrar", finalizou.

 

Fonte: Sputnik Brasil

 

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