Trump tenta fechar
porta ao 'turismo de nascimento' usado por brasileiros nos EUA
A
arquiteta brasileira Lavínia Naue, 26 anos, espera dar à luz sua primeira
filha, Lívia, no próximo dia 20 de fevereiro, nos Estados Unidos. A gaúcha viajou
de Santa Catarina até a Flórida por um objetivo: voltar ao Brasil com um passaporte americano para a sua
bebê. "A gente gosta de morar no Brasil, mas queremos garantir que ela
tenha dupla cidadania, para poder estudar nos EUA, ter mais portas abertas para
ela e os filhos dela no futuro", diz.
Lavínia
faz parte de um grupo de famílias que viajam ao país para o chamado
"turismo de nascimento" ou "turismo de parto". É que os EUA
oferecem cidadania automática a qualquer bebê nascido no país —
independentemente da situação migratória dos pais ou se a família está no país
com um visto temporário, como o de turismo. Mas o recém-empossado
presidente Donald Trump decidiu
acabar com essa possibilidade e o sonho de muitas mães, apesar de provavelmente
enfrentar desafios legais para implementar a medida.
No
seu primeiro dia na Presidência, na segunda-feira (20/1), Trump assinou
uma ordem executiva em que
determina o fim do direito à cidadania automática a filhos de estrangeiros
nascidos nos EUA. O texto assinado por
Trump afeta não só as turistas que tenham filho no país e os imigrantes
indocumentados, mas também famílias que estão no país com um visto temporário,
como estudantes. A nova regra assinada por Trump entra em vigor em um mês, ou
seja, em 20 de fevereiro, exatamente o dia previso para o nascimento de Lívia
na Flórida. A mãe, Lavínia, já sabia dessa possibilidade antes de viajar e está
confiante que a medida seja revertida na Justiça antes de entrar em vigor, mas
confessa: "estamos apreensivos, apesar de estarmos informados que isso
deve demorar mais para entrar em vigor."
Após
o nascimento de Lívia, a família deve esperar 58 dias até o retorno ao Brasil. O
casal de Santa Catarina decidiu ir aos EUA por meio da empresa Ser Mamãe em
Miami, criada pelo pediatra brasileiro Wladimir Lorentz em 2015 e referência
nesse tipo de serviço no Brasil. Por ano, são cerca de 250 grávidas que fecham
contrato com a empresa para darem à luz nos Estados
Unidos.
Desse grupo, segundo Lorentz, mais da metade das clientes é brasileira (o
restante vem da América Latina e de países tão distintos quanto Rússia e
Zimbábue) — e a maioria investe a partir de R$ 100 mil na empreitada,
principalmente com o intuito de garantir a cidadania americana aos bebês.
O
médico residente na Flórida, que resolveu fundar a agência com um sócio após
descobrir serviços semelhantes para turistas russas, já atendeu celebridades
como a atriz Karina Bacchi e o vereador Thammy Miranda (PSD-SP). As cantoras
Claudia Leitte e Simone Mendes são outras que também deram à luz nos EUA,
apesar de justificarem questões de agenda. O pediatra diz que tem tentado tirar
a apreensão de clientes, por acreditar que a regra não deve entrar em vigor.
"Mas as pessoas ficam preocupadas", assume.
O
advogado brasileiro especialista em imigração Albert Resende explica que, da
forma como acontece hoje, o chamado "turismo de nascimento" não é
ilegal.
"Dentro
da lei de imigração, não tem nada que proíba. Mas os republicanos entendem que
isso é prejudicial ao país", explica o chefe jurídico do escritório
especializado Witer, Pessoni & Moore. Mas, segundo a advogada Leda Almeida,
CEO do escritório AG Immigration, especializado em direito migratório e baseado
na Flórida, "com essa ordem executiva, pelo menos por enquanto, essa
indústria do turismo do parto fica inviabilizada". Os partidários de Trump
defendem que oferecer a cidadania a qualquer nascido no país estimula a
imigração ilegal. Já os que são contra a medida do presidente defendem que nos
EUA este é um direito constitucional, num país historicamente formado por
imigrantes.
·
Direito
previsto na Constituição
A
cidadania por direito de nascença está prevista na 14ª Emenda da Constituição
dos EUA, que afirma que "todas as pessoas nascidas" nos Estados
Unidos "são cidadãos dos Estados Unidos". É chamado jus soli automático,
ou "direito do solo" sem restrições, adotado por países como México,
Canadá e o Brasil (com algumas exceções). Em outros países, como Reino Unido,
Espanha ou Japão, o critério é o jus sanguinis — ou seja, a
cidadania só é automaticamente garantida por descendência, caso algum dos pais
já seja cidadão daquele país. A ordem de Trump argumenta que a Constituição tem
sido interpretada de forma errada, sustentando que ela se refere apenas a
filhos de cidadãos ou residentes permanentes legais.
Especialistas
em direito constitucional têm dito que Trump não poderia acabar com a cidadania
por direito de nascença com uma ordem executiva. "Ele está fazendo algo
que vai incomodar muitas pessoas, mas, no final das contas, isso será decidido
pelos tribunais", disse à BBC Saikrishna Prakash, especialista
constitucional e professor da Faculdade de Direito da Universidade da Virgínia.
"Isso não é algo que ele pode decidir sozinho. Não dá para falar que vai
ser realmente feito dessa forma, porque vai tem que passar por vários trâmites
legais", concorda o brasileiro Albert Resende.
A
entidade ativista American Civil Liberties Union e outros grupos processaram
imediatamente o governo Trump por causa da ordem executiva. Uma coalizão de 18
Estados liderados por democratas, junto ao Distrito de Columbia (Washington) e
a cidade de São Francisco, também já está processando a administração Trump por
sua tentativa de acabar com a cidadania por direito de nascimento. Em uma ação
separada, mais quatro Estados já tentam bloquear a medida O procurador-geral de
Nova Jersey, Matthew J. Platkin, que liderou um dos esforços jurídicos junto
aos procuradores-gerais da Califórnia e de Massachusetts, declarou que a
tentativa de Trump de limitar a cidadania por nascimento foi
"extraordinária e extrema. Presidentes são poderosos, mas ele não é um
rei", disse ele. "Ele não pode reescrever a Constituição com um
simples golpe de caneta."
Uma
emenda constitucional poderia acabar com a cidadania por direito de nascença,
mas isso exigiria uma votação de dois terços na Câmara dos Representantes e no
Senado e a aprovação de três quartos dos Estados dos EUA. Atualmente, os
republicanos têm uma maioria apertada nas duas casas legislativas. Os veículos
de imprensa nos EUA, como o jornal New York Times e a revista Times, tem
reforçado que todo esse imbróglio poderia levar a uma longa batalha judicial
que acabaria na Suprema Corte. Em 2015, a BBC News Brasil contou em uma
reportagem sobre
as mães brasileiras dando à luz em Miami que o então pré-candidato republicano
Donald Trump defendia acabar com a concessão
automática de
cidadania a filhos de estrangeiros.
Durante
o primeiro mandato, Trump chegou a ventilar a possibilidade de uma ordem
executiva em diversas declarações à imprensa — mas saiu da Casa Branca, em
2020, sem concretizá-la. Agora, essa foi uma das primeiras medidas tomadas pelo
novo governo, em meio a uma retórica de Trump que vem desde a campanha sobre coibir
a imigração em direção aos EUA. "Dessa vez, ele é presidente novamente e
você sabe muito bem que ele fala uma coisa ou outra, mas, na verdade, vejo isso
como coisa estratégica", opina o médico e empresário Wladimir Lorentz, da
Ser Mamãe em Miami.
Além
da empresa de Lorentz, há outras que lucram com o "turismo de
nascimento". Algumas estão ligadas a lojas de produtos de bebês populares
entre brasileiras na Flórida. Também há serviços de "assessoria", em
que é oferecida apenas orientação a interessadas. No caso da Ser Mamãe em
Miami, os pacotes variam de US$ 16,4 mil (R$ 98 mil) para partos normais, a US$
23,3 mil (R$ 140 mil), para parto de gêmeos. O serviço inclui o atendimento
médico, internação e anestesia.
Caso
a ordem de Trump se concretize em fevereiro, Lorentz diz que, apesar de um dos
principais braços de seu negócio ruir, ele seguirá a vida nos Estados Unidos,
atendendo os milhares de brasileiros que moram na Flórida, com clínicas em
Orlando e Boca Raton. Além disso, diz, há clientes que o procuram por outro
motivo — fugindo da época de alta de casos de dengue no Brasil para a dar à luz
nos EUA, por exemplo. Na estimativa mais recente do Ministério das Relações
Exteriores, pouco mais de 2 milhões de brasileiros vivem nos EUA. Desses, cerca
de 600 mil são estimados na Flórida, Estado governado pelo republicano Ron
DeSantis. Não há estimativas de quantos bebês filhos de brasileiros nascem por
ano nos EUA.
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Mudanças
no visto americano para mulheres?
A
BBC News Brasil entrou em contato com a Embaixada dos Estados Unidos em
Brasília para saber se a ordem assinada por Trump já altera o processo de visto
para mulheres grávidas ou que querem dar à luz no país. Até a publicação desta
reportagem, a Embaixada informou que segue aguardando as diretrizes de Washington
para comentar sobre o assunto.
Atualmente,
explica o advogado especialista em imigração aos Estados Unidos Albert Resende,
mesmo não havendo essa proibição em lei para o "turismo de
nascimento", o Departamento de Estado americano recomenda que os agentes
consulares neguem os vistos de turismo quando eles avaliarem que "a
intenção da mãe que aplica para um visto de turismo é dar à luz. O agente
consular tem uma discricionariedade, ou seja, dentro da lei, ele pode agir de
acordo com o entendimento dele. Então, se ele desconfiar que essa mulher, mesmo
que ela não esteja grávida, tem intenção de ir dar à luz, ele pode negar o
visto e está coberto", explica Resende. Desde 2020, os EUA já havia
endurecido as regras para mulheres grávidas que querem tirar visto de turismo,
a fim de coibir o "turismo de nascimento".
A
Embaixada dos Estados Unidos chegou a afirmar que mulheres grávidas que querem
dar à luz nos EUA para obter cidadania americana para a criança não se
qualificam para um visto de não imigrante na categoria B, cujo propósito
geralmente se destina a viagens de turismo. Isso não quer dizer que essa mulher
não possa conseguir o visto. Mas ela precisaria estabelecer um motivo legítimo
de viagem, que não seja o da cidadania americana para a criança, como a
necessidade de um atendimento médico especializado, segundo a Embaixada disse
em 2023.
·
Imigração
em cadeia
Em
geral, famílias que procuram serviços como Ser Mamãe em Miami querem garantir
que os filhos usufruam no futuro de um passaporte americano e da possibilidade
de morar no país. Mas o advogado Albert Resende explica muitas famílias também
vislumbram a chamada "transmissão de cidadania posterior".
Isso
é: a transferência da cidadania desse filho nascido nos Estados Unidos para os
pais. Mas isso não é simples. Isso só pode ocorrer depois desse filho completar
21 anos — e esse filho precisa ter morado nos Estados Unidos por pelo menos
dois anos após ter completado 16 anos. "Então ela não passa de imediato e
nem permite que os pais possam residir nos Estados Unidos legalmente [só porque
o bebê tem a cidadania]", diz Resende.
Cumprindo
as regras, esse cidadão americano de 21 anos pode aplicar um pedido de visto
permanente para os pais — esses pais, por consequência, podem passar a outros
filhos ou até aos avós desse cidadão original. "Então, assim, existe a
chamada 'imigração em cadeia', numa política de reunião familiar", explica
o advogado. O especialista acredita que, caso a nova regra de Trump entre em
vigor, é provável que essa transferência de cidadania também possa ser afetada.
·
Como
esse direito começou?
A
14ª Emenda foi adotada em 1868, após o fim da Guerra Civil. A 13ª Emenda aboliu
a escravidão em 1865. Já a 14ª resolveu a questão da cidadania de
ex-escravizados libertos nascidos nos Estados Unidos. Decisões anteriores da
Suprema Corte, como Dred Scott vs Sandford em 1857, decidiram que os
afro-americanos nunca poderiam ser cidadãos dos Estados Unidos. A 14ª Emenda
anulou isso.
Em
1898, a Suprema Corte americana afirmou que a cidadania por direito de nascença
se aplica aos filhos de imigrantes no caso de Wong Kim Ark vs Estados Unidos. Wong,
de 24 anos, era filho de imigrantes chineses que nasceu nos Estados Unidos, mas
teve a entrada negada no país quando retornou de uma visita à China. Wong
argumentou com sucesso que, por ter nascido nos Estados Unidos, o status de
imigração de seus pais não afetou a aplicação da 14ª Emenda. Os críticos a essa
interpretação histórica da Suprema Corte argumentam que a política é um
"grande ímã para imigração ilegal", e que encoraja mulheres grávidas
sem documentos a cruzar a fronteira para dar à luz. Já os que defendem esse
direito argumentam que ele faz parte da construção do país, formado por
imigrantes desde sua fundação — e, por isso, está previsto na Constituição do
país.
De
acordo com o centro de pesquisas Pew, em 2022, o último ano em que os dados
estão disponíveis, há 1,2 milhão de cidadãos americanos nascidos de pais
imigrantes não autorizados.
¨ 'Vou processar o
governo Trump pelo direito da minha filha à cidadania', diz imigrante
brasileira grávida e sem documentos
Não foi uma
surpresa para a brasileira Alice*, mas nem por isso ela está menos preocupada:
no primeiro dia do governo Donald Trump, em 20 de janeiro, o presidente dos
Estados Unidos assinou uma ordem executiva que retira o
direito à cidadania americana de bebês nascidos em território americano que
sejam filhos de imigrantes. Esta era uma das promessas de campanha do
republicano, que se elegeu com o discurso linha dura contra os imigrantes e o
plano de deportação em massa de milhões de indocumentados.
É o caso de Alice.
Há quase 11 anos, ela deixou o Mato Grosso e atravessou a nado o Rio Grande, na
fronteira entre o México e os Estados Unidos, com o marido, em busca de uma
nova vida. Aos 35 anos e grávida de 7 meses, ela espera pelo nascimento de sua
segunda filha em abril. A primeira filha, hoje com 9 anos, já nasceu na região
de Boston, em Massachusetts e tem passaportes brasileiro e americano.
Depois de anos
iniciais difíceis, em que chegavam a cumprir jornadas em três empregos por dia,
o casal conta que tem hoje boa condição financeira no país. Ela coordena uma
equipe de limpeza doméstica, ele possui uma construtora. A renda mensal da
família chega a US$ 20 mil (cerca de R$ 120 mil). Eles têm casa própria e
alguns terrenos nos Estados Unidos. Bem estabelecido, o casal desejava o
segundo filho há algum tempo, e Alice chegou a ter um aborto espontâneo antes
da atual gestação. A alegria pela chegada da nova integrante da família, no
entanto, divide agora espaço com a tensão, já que na atual condição, a bebê não
receberia cidadania americana ao nascer. "Acho que ele (Trump) voltou com
muito mais ódio, basta ver a quantidade de coisas contra os migrantes que ele
está fazendo. Apenas uma pessoa com muito ódio para fazer uma maldade
dessas", diz Alice, em referência aos anúncios de Trump de declaração de
emergência na fronteira, para mobilizar o Exército contra a entrada de
imigrantes e o fim das políticas atuais de pedido de asilo, além da ordem
executiva sobre o direito à cidadania por nascença.
"No meu caso,
eu já tenho uma filha americana, e aí eu teria uma segunda filha que seria
considerada uma imigrante ilegal. Isso não é justo e acredito que seja ilegal e
vá ser revertido." Alice diz que já consultou três advogados sobre o
assunto. Ela conta que nunca teve coragem de iniciar a regularização de sua
situação migratória por temor de acabar deportada no processo, mas afirma que
tem a intenção de processar os Estados Unidos caso sua filha nasça sem o
direito.
Legalmente,
imigrantes indocumentados têm direito ao devido processo legal, antes de serem
deportados — e também podem acionar a Justiça caso se sintam prejudicados em
qualquer outra situação enquanto vivem no país. "Se por acaso essa ordem
executiva realmente for adiante, eu processo o Estado, processo o governo
federal", diz Alice. "Isso não tenho medo, não, porque pago meus
impostos, apesar de eu ser
ilegal,
faço tudo que tem que ser feito para andar certinho aqui dentro do país. Vou
até o fim para conseguir os documentos da minha filha", diz Alice. Ela
reconhece que sua situação nos EUA é irregular e diz que sonha com o momento em
que possa buscar uma anistia e se legalizar. Mas reafirma que não se sente uma
criminosa, como Trump frequentemente descreve imigrantes indocumentados. Alice
é evangélica e se descreve como uma pessoa ideologicamente de direita.
<><> Decisão
de Trump é constitucional?
Ordens executivas
de presidentes americanos não precisam de aprovação no Congresso e entram em
vigor a partir do momento em que são assinadas pelo mandatário. No caso da
ordem executiva sobre a cidadania, o texto determina que não mais serão
considerados americanos por nascença bebês nascidos nos Estados Unidos após 30
dias da assinatura do documento. A medida tem como alvo filhos de imigrantes
indocumentados (cerca de 11 milhões de pessoas) ou que tenham vistos
temporários de trabalho, estudo ou turismo (outros 3 milhões de pessoas).
A revogação do
direito de cidadania por nascença é um desejo antigo de Trump que não foi
implementado em seu primeiro mandato porque seus então assessores não
encontraram um caminho jurídico viável àquela altura. Mas em 2024, Trump fez da
questão migratória um dos temas centrais de sua campanha, descrevendo um país
"invadido" por estrangeiros e frequentemente descrevendo os migrantes
como criminosos. "Eles envenenaram o sangue do nosso país", afirmou
Trump, em mais de uma ocasião. Os quatro anos de governo Biden foram marcados
pela entrada irregular de milhões de pessoas pela fronteira com o México, o que
custou popularidade ao governo democrata.
Alice não está
sozinha no plano de processar o governo federal. Na verdade, 22 Estados
americanos já entraram com ações para desafiar a constitucionalidade da lei. Entre
eles, Nova York, Califórnia e Massachusetts, onde a família de Alice vive.
Além deles,
organizações da sociedade civil, como a União Americana para Liberdades Civis
(ACLU, na sigla em inglês), e a brasileira Brazilian Worker Center também já
abriram ações. O argumento central dos Estados, das ONGs e de Alice é a de que
a determinação de Trump se choca com direitos muitos claros estabelecidos pela
Constituição. Mais especificamente, a 14ª Emenda, de 1868, que garante que
"todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas
à sua jurisdição, são cidadãos dos Estados Unidos e do Estado em que
residem". A emenda foi feita para estender os mesmos direitos aos cidadãos
negros e brancos, depois da Guerra Civil no país.
Desde sua criação,
ela já foi questionada algumas vezes na Justiça, e a jurisprudência firmada é a
de que o nascimento em solo americano garante a cidadania ao nascido, não
importa a nacionalidade ou o status migratório de seus pais. "A grande
promessa da nossa nação é que todos os nascidos aqui sejam cidadãos dos Estados
Unidos, capazes de realizar o sonho americano", disse a procuradora-geral
de Nova York, Letitia James, ao argumentar que o decreto de Trump é
inconstitucional.
·
Milhões
de adultos sem cidadania?
Em sua ordem
executiva, Trump argumenta que o termo "sujeitas à sua jurisdição"
exclui pessoas indocumentadas ou temporárias no país e que, por isso, seus
descendentes não teriam direito à cidadania. Segundo ele, a Constituição
americana tem sido interpretada de modo incorreto há mais de 150 anos. Os
críticos da imigração argumentam que a interpretação atual da Carta funciona
como um "grande ímã para imigração ilegal" e que encoraja mulheres
grávidas sem documentos a cruzar a fronteira para dar à luz, um ato que tem
sido pejorativamente chamado de "turismo de
parto"
ou de "ter um bebê âncora".
A prática, no
entanto, não se restringe a imigrantes indocumentados. Nos últimos anos,
popularizou-se entre a classe média alta no Brasil alguns planos de viagem à
Flórida para grávidas, com visto de turismo que garante a permanência nos
Estados Unidos por até seis meses. Estes serviços oferecem aos pais não apenas
a oportunidade de fazer o enxoval nas lojas do país como de garantir o
nascimento do bebê em um hospital americano, de modo que a criança retorne ao
Brasil com um passaporte dos Estados Unidos. "Com essa ordem executiva,
pelo menos por enquanto, essa indústria do turismo do parto fica
inviabilizada", afirmou a advogada Leda Almeida, CEO do escritório AG
Immigration, especializado em direito migratório e baseado na Flórida.
Para Sam Erman,
professor de Direito da Universidade de Michigan e autor de Almost
Citizens: Puerto Rico, the U.S. Constitution and Empire ("Quase cidadãos:
Porto Rico, a Constituição dos EUA e o Império", em tradução livre), a
argumentação de Trump e de seus apoiadores, neste caso, não se sustenta nem
legal, nem historicamente. "Nesse contexto, a expressão jurídica 'sujeita
à sua jurisdição' tinha um objetivo específico", diz Erman à BBC News
Brasil. "Excluir os filhos de embaixadores, que estão parcialmente
sujeitos às leis de seus países, os filhos de soldados de possíveis exércitos
invasores e os filhos dos americanos nativos, que estão primeiramente
vinculados às leis de suas nações e não às dos Estados Unidos."
Segundo Erman, os
processos movidos pelos Estados e por organizações da sociedade civil deverão
chegar à Suprema Corte, que dará a palavra final. Isso, no entanto, poderá
demorar mais de um ano. Neste meio tempo, se nenhuma decisão liminar barrar a
ordem executiva, funcionários federais em todo o país estão oficialmente orientados
a não mais fornecer documentos, como o passaporte, a bebês que não tenham ao
menos um dos pais com direito à residência permanente ou cidadania americana. "Vai
virar mais uma novela", concorda Almeida, sobre a perspectiva de uma
batalha judicial de meses pela frente. Na atual conformação, a Suprema Corte
tem uma maioria de seis a três membros a favor de posições consideradas mais
conservadoras. Isso significaria, a princípio, uma vantagem para a tese de
Trump.
Recentemente, a
Corte reverteu uma decisão de mais de 50 anos que garantia o aborto legal em
todo o país. O alinhamento dos juízes, porém, não é automático, especialmente
em temas controversos. "O que me preocupa é isso, que a Suprema Corte tem
mudado a forma de interpretar as leis", diz Alice.
·
"O
que me garante que não farão agora como fizeram com o aborto?"
Os especialistas em
direito ouvidos pela BBC News Brasil, no entanto, acham improvável que a
interpretação da Constituição se altere desta maneira. Isto porque, caso a
Suprema Corte decida que Trump tem razão, os impactos da decisão irão muito
além dos direitos dos nascidos no país de 2025 em diante, como a filha de
Alice. A Constituição é uma só e sua aplicação tem que ser igualitária a todos
os cidadãos no país. Uma nova interpretação retroagiria então a todos que
possam se enquadrar nos casos, apontam os especialistas. Como resultado,
qualquer pessoa viva nascida de pais imigrantes indocumentados ou temporários
perderia seu direito à cidadania americana, a menos que esteja coberta por
alguma outra regra. "Eu me surpreenderia muito se os tribunais estivessem
dispostas a retirar a cidadania de pessoas que efetivamente a mantiveram
durante toda a vida", afirma Erman. Para Almeida, tal decisão lançaria o
país em uma enorme insegurança jurídica, além de em um desafio logístico de
reorganizar a documentação de milhões de pessoas. "Para mim, é um ato
muito mais simbólico, muito mais para Trump comunicar aos eleitores dele que
fez o que prometeu e para desencorajar imigração", diz Almeida. "Até
porque não vejo viabilidade para que isto se estabeleça."
Fonte: BBC News
Brasil
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