Desastres
climáticos no Brasil aumentaram 460% em relação aos anos 1990
Está comprovado: a relação entre o aumento da
temperatura global e número de desastres climáticos é diretamente proporcional.
De 1991 a 2023, cada aumento em 0,1 °C na temperatura média global do ar
provocou 360 novos registros de desastres climáticos no Brasil, incluindo secas
severas, enchentes e tempestades; a consequente elevação na superfície do
oceano gerou 584 novos casos. Nesse período, houve um crescimento médio de cem
novos eventos extremos por ano no país, o que consequentemente dilatou os
prejuízos econômicos que se seguiram. Para cada 0,1 °C a mais na temperatura
média global, foram cerca de R$ 5,6 bilhões em danos. O processo se acelerou
nesta década: foram 4.077 registros de desastres por ano, em média; nos anos
1990, eram 725 – um aumento de 460%.
Os dados, inéditos, são do estudo “2024 – O Ano Mais Quente da
História”,
realizado pela Aliança Brasileira pela Cultura Oceânica, um grupo de diferentes
organizações que trabalham no contexto da Década do Oceano. A iniciativa é
coordenada pelo Programa Maré de Ciência, da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e a Unesco, em
parceria com a Fundação Grupo Boticário e outras instituições sem fins
lucrativos. O estudo é o primeiro volume da série “Brasil em Transformação: O
Impacto da Crise Climática”.
A coleção busca demonstrar, de forma visual e didática,
um assunto complexo e por vezes não compreendido por parte da sociedade.
“Quando se fala de mudança climática, parece um tema muito distante ou difícil.
Agora a gente sabe o quanto cada 0,1 grau representa de aumento de prejuízo, de
desastres e de número de vidas que são impactadas. Isso ajuda a tangibilizar
como que a temperatura impacta”, avalia Janaina Bumbeer, coautora do estudo e
gerente de projetos da Fundação Grupo Boticário. “Nós não estamos mais falando
sobre desastres naturais, que seriam aqueles decorrentes de um ciclo já
aguardado, mas sim de desastre climático, que tem o nosso impacto humano.”
Nos 32 anos analisados pelos pesquisadores, foram
registrados 64.280 desastres climáticos em 5.117 municípios brasileiros (quase
92% do total). Metade dos desastres computados são secas; inundações,
enxurradas e enchentes representam 27% e tempestades, 19%. Mais de 219 milhões
de pessoas foram afetadas, incluindo mortos, desalojados, desabrigados e
enfermos, sendo 78 milhões somente nos últimos quatro anos.
Os prejuízos econômicos também aumentaram ao longo das
décadas: somaram R$ 547,2 bilhões entre 1995 (primeiro ano desses dados) e
2023. O prejuízo anual médio desde 2020 é de R$ 47 bilhões por ano, mais que o
dobro da média anual da década anterior, de R$ 22 bilhões anuais.
Este é o primeiro estudo brasileiro a relacionar os
registros de desastres climáticos e seus danos econômicos às mudanças de
temperatura globais, com o objetivo de fazer uma previsão de cenários para
embasar estratégias de prevenção. Para tal, os pesquisadores cruzaram dados
sobre registros de desastres no Brasil e os prejuízos decorrentes, obtidos da
plataforma governamental S2ID (Sistema Integrado de Informações sobre
Desastres), com dados de temperatura globais disponibilizados pelo site Climate
Reanalyzer,
da Universidade de Maine, nos Estados Unidos.
“A ideia era entender como o crescimento das cidades e
o uso de bens naturais impactam o meio ambiente, e como as pessoas estão
sofrendo com as mudanças climáticas”, diz Aline Martinez, pesquisadora da
Unifesp e coordenadora da pesquisa.
·
O ano mais quente da
história
O ano de 2024 foi o mais quente da história. Segundo
o Relatório de Destaques Climáticos
Globais da
agência europeia Copernicus, lançado no início de janeiro, o ano passado também
se tornou o primeiro com uma temperatura média de 1.6 ºC acima do nível
pré-industrial, ultrapassando o limite de aquecimento de 1,5 ºC definido pelo
Acordo de Paris para reduzir os riscos e impactos das mudanças climáticas.
Recordes globais de níveis de gases de efeito estufa,
de temperaturas do ar e de superfície marinha foram quebrados, contribuindo
para eventos extremos. No Brasil, 60% do território bateu recordes de seca,
aumentando os incêndios na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal. O estado do Rio
Grande do Sul sofreu a sua maior inundação, com quase 95% dos
municípios afetados.
A seca no país foi intensificada pelo El Niño, um
fenômeno climático que aquece anormalmente as águas superficiais do Oceano
Pacífico na região equatorial, a cada dois ou três anos, e provoca impactos
globais. O El Niño, por sua vez, é intensificado pelo aquecimento global,
exacerbando o “estado febril” do oceano e, consequentemente, os impactos do
fenômeno. Este é um ponto importante que o estudo traz, porque as mudanças
climáticas têm uma relação direta com o oceano.
“O oceano tem um papel fundamental na regulação
climática, atuando como um sumidouro de carbono. Ele absorve muito do calor da
atmosfera e regula vários processos. Até um certo ponto na nossa história, ele
foi acumulando gás carbônico, só que, em resposta, ele está aquecendo. Então
tudo que a gente está vendo de intensificações ou alterações climáticas na
Terra são reflexo direto das alterações no oceano”, explica Aline.
·
Medidas urgentes
Os impactos crescentes da crise climática reforçam a
urgência de medidas para mitigar os efeitos e aumentar a resiliência
socioeconômica no país, segundo os pesquisadores. A começar pela redução do
lançamento de gases estufa: “Uma das maiores problemáticas que a gente tem são
as emissões de carbono, então qualquer cidade, esteja na costa ou não, pode
desenvolver o seu plano de redução de emissões e de restauração de ambientes
naturais, que também são sumidouros de carbono”, sugere Aline. Florestas,
manguezais, restingas, vegetações de cerrado e recifes de corais são exemplos
de áreas naturais que precisam de proteção e ampliação.
Para o climatologista Carlos Nobre, que não participou
da equipe, “o estudo faz uma avaliação muito correta do risco que o aquecimento
global está trazendo”. Segundo ele, a previsão era que o fenômeno El Niño faria
a temperatura média global atingir 1,3 ºC em 2023, mas de repente ela pulou
para 1,5 ºC.
“Centenas de cientistas estão tentando explicar por que
a temperatura explodiu”, diz Carlos. “Ninguém sabe se ela vai permanecer assim
quente nestes próximos dois anos, mas, caso sim, nós provavelmente teremos
atingido o limite de 1,5 ºC, que não deveria ser ultrapassado até 2050 pelo
Acordo de Paris. Se a ciência mostrar que atingimos essa marca, nós vamos ter
que acelerar demais a redução das emissões.”
O cientista é categórico: se zerarmos as emissões
somente na metade do século, chegaremos a um aumento médio de 2,5 ºC ou mais
até lá, sentenciando a biodiversidade, incluindo a espécie humana, a um
suicídio ecológico. Aumentar os investimentos para combater as mudanças
climáticas, com foco na adaptação de cidades, é fundamental para conter o
avanço da crise.
Porém, o que tem acontecido no Brasil é o contrário,
com os recursos destinados à prevenção e mitigação caindo em média quase R$ 200
milhões por ano entre 2012 e 2023, segundo o estudo. O orçamento federal para
gestão de riscos e desastres para este ano, de R$ 1,7 bilhão, mostra a mesma
perda em relação a 2024.
Dentro do financiamento, os valores gastos com ações
emergenciais sempre foram maiores do que com ações de prevenção, revela o
estudo, sugerindo que a elaboração de planos de redução de risco e prevenção –
com monitoramento, mapeamento de áreas de risco, emissão de alertas e educação
– aliada ao planejamento para adaptação climática reduziria os gastos com ações
emergenciais. Segundo a ONU, cada dólar investido em redução de riscos e
prevenção pode economizar até 15 dólares com recuperação pós-desastre.
“Os dados mostram que precisamos agir agora e de forma
ambiciosa. É importante aumentar o investimento e ter uma política ambiental
forte para que tenhamos uma economia mais forte”, avalia Janaína. “Temos que
trabalhar na adaptação, visto que as mudanças climáticas e os desastres vão
continuar acontecendo, e investir em soluções baseadas na natureza, aumentando
as áreas conservadas. Com o Plano Clima, que vai trazer
grandes diretrizes em diferentes áreas, os municípios poderão incorporar essas
diretrizes considerando sua realidade e criar seus próprios planos de adaptação
climática, com políticas e ferramentas que aumentem o investimento.”
Fonte: Mongabay
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