Brasileiros
ilegais relatam aflição e alerta diante de deportação em massa nos EUA
Brasileiros em situação ilegal nos Estados Unidos relataram medo, alerta
e aflição diante das deportações em massa do governo do presidente Donald Trump. O republicano assumiu o
cargo há menos de uma semana e já adotou uma série de medidas contra a
imigração ilegal. Uma pesquisa da Reuters/Ipsos, divulgada na terça-feira (21),
indica que 46% dos americanos apoiam as medidas.
Estimativas apontam que cerca de 11 milhões de
imigrantes ilegais vivem no território americano atualmente. Destes, 230 mil são brasileiros,
segundo o Pew Research Center.
Diante das promessas e ações do novo governo,
brasileiros em situação irregular nos Estados Unidos relatam medo de
deportação. O g1 ouviu
duas brasileiras que, por motivos de segurança, preferem não se
identificar. Nesta reportagem,
elas serão chamadas de Rafaela e Sofia.
As duas brasileiras moram em cidades diferentes do
estado de Massachusetts. Rafaela chegou ao país em 2018 e enfrentou diversos
desafios em busca do sonho americano, incluindo um episódio de violência
doméstica. Já Sofia está nos Estados Unidos desde 2011 e tem uma filha
americana.
Ambas disseram estar ouvindo relatos de operações
para fiscalização de imigrantes nas regiões onde vivem. Nos últimos dias, mais de 500 imigrantes ilegais foram detidos nos Estados Unidos, segundo o governo.
Na sexta-feira (24), um avião contratado pelo
governo norte-americano trouxe ao Brasil 88 brasileiros que foram deportados
dos Estados Unidos. O Itamaraty afirmou que os passageiros foram tratados de forma "degradante" durante o voo e pedirá explicações.
Em meio a tantas informações, a brasileira Flávia
Braga — que vive nos Estados Unidos há mais de 25 anos e possui cidadania
americana — tenta ajudar outros imigrantes. Ela destaca a importância de manter
a calma.
"As pessoas não devem entrar em pânico, nem em
desespero. Torço para que todo mundo realize seu sonho", disse.
Confira as histórias das imigrantes a
seguir.
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Rafaela
Rafaela via os Estados Unidos como uma oportunidade
única de adquirir conhecimento e expandir seus horizontes. Funcionária pública
no Paraná, ela tinha o desejo de passar dois anos no exterior para estudar
inglês e descobrir novas possibilidades para a vida dela.
Determinada a alcançar esse objetivo, Rafaela
conseguiu uma autorização para viajar aos Estados Unidos. Em 2018, ela entrou
legalmente no país e deu início aos trâmites para conseguir um visto de
estudante.
O sonho dos estudos logo foi ganhando outras
formas: a busca por uma qualidade de vida melhor, mais segurança e juntar
dinheiro. No meio do caminho, ela conheceu outro estrangeiro por quem se
apaixonou.
Rafaela se candidatou a estudar em uma universidade
nos Estados Unidos com a ajuda de uma pessoa que a auxiliava com a
documentação, já que ela tinha dificuldades com o idioma. Apesar de ter sido
aprovada, ela conta que nunca foi informada sobre o resultado.
Como a brasileira nunca fez a matrícula, seu visto
de estudante perdeu a validade. Logo, ela recebeu uma carta da imigração.
"Nessa carta, dizia que eu teria uma audiência
e que precisaria me apresentar com um advogado. O meu namorado me explicou que
o documento dizia que eu teria de voltar para o Brasil", lembra.
Diante do risco de ser deportada, um advogado a
aconselhou a se casar com o namorado para criar um vínculo nos Estados Unidos e
tentar conseguir permanecer no país por mais tempo. O relacionamento tinha
apenas 10 meses.
Rafaela se casou, mas começou a viver um outro
pesadelo: o marido tornou-se tóxico, e ela foi vítima de violência psicológica.
Os dois se separaram, o que piorou a situação dela diante das autoridades, já
que ele seria uma peça fundamental na audiência que poderia garantir sua
estadia nos EUA.
"Em maio desse ano, eu estava separada. Na
última audiência, estava escrito que eu deveria ir com minha família. Eu
implorei muito para ele participar comigo, para que eu não fosse deportada. Ele
não compareceu."
Ainda assim, a juíza que acompanhava o caso decidiu
que Rafaela poderia continuar nos Estados Unidos. Poucos meses depois, ela foi
incluída em um programa que recebe vítimas de violência doméstica. Apesar
disso, ela continua ilegal no país.
Atualmente, Rafaela tem dois empregos e tem muitos
colegas americanos. Ela conta que nunca foi vítima de preconceito por ser
imigrante.
Nas eleições de 2024, a brasileira disse que torceu
contra Donald Trump. Agora, diante da indecisão sobre sua situação e das
ameaças do novo governo, ela sente medo.
"Estou meio assustada, meio nervosa. Está todo
mundo meio tenso por aqui. Não sei o que pode acontecer. Se eu tiver de voltar,
vou voltar. Mas tenho fé por todos nós brasileiros que estamos passando por
esse momento difícil", afirma.
O programa que ajuda mulheres vítimas de violência
pode ser um passaporte para que Rafaela consiga a autorização para residência
permanente. Mesmo receosa com as ações de fiscalização, ela mantém as
esperanças.
"Meu sonho, hoje, é conseguir meu Green Card e
voltar para visitar minha família", conta a brasileira, que deseja vir ao
Brasil apenas para matar as saudades dos entes queridos e continuar morando nos
EUA.
·
Sofia
Sofia deixou o Paraná em março de 2011 em busca de
uma nova vida. Ela entrou legalmente nos Estados Unidos como turista,
acompanhada do então marido, com o desejo de construir uma vida melhor fora do
Brasil.
Hoje, Sofia tem uma filha de 8 anos, que possui
cidadania americana. "Minha vida agora é aqui. Conheço muita coisa, tenho
muitos amigos", conta. A criança tem acesso à escola e a todos os serviços
essenciais.
Com o tempo, a brasileira conseguiu se estabelecer
e abriu uma empresa de limpeza residencial. Recentemente, também investiu em
uma loja de roupas. Apesar das conquistas, os rumores sobre operações contra
imigrantes ilegais geraram preocupações.
"Todo mundo fica com um pouquinho de receio,
mas a gente acredita que o Trump vai focar mais em quem cometeu algum crime. Só
que estamos ouvindo falar que está tendo muita batida policial da imigração.
Isso acaba gerando um medo geral", afirma.
O temor de ser deportada é ainda maior quando Sofia
pensa na filha.
"Me sentiria muito mal, porque eu tenho minha
filha. O pai dela mora no Brasil, então eu não posso nem imaginar o que
aconteceria, principalmente por ela. Mas a gente tem de estar preparada."
Em relação a Trump, Sofia tem opiniões divididas.
Para ela, o republicano é uma boa opção para conduzir a economia dos Estados
Unidos, mas os discursos duros sobre imigração causam insegurança.
"Para os Estados Unidos, o Trump é melhor para
a economia. Só que ele parece que ficou meio doido. Começou a falar que vai
deportar todo mundo, um monte de coisas pesadas que a gente não estava
esperando", conta.
A brasileira já morava Estados Unidos durante o
primeiro mandato de Trump, entre 2017 e 2021. Ela ainda tem esperanças de que o
presidente adote uma postura diferente da que demonstrou em seus discursos.
"No primeiro mandato ele falou muita coisa, e
ele não foi tão ruim quanto aparentava ser", opina.
·
Rede de apoio
Flávia Braga vive na cidade de Beverly, em
Massachusetts. Ela chegou aos Estados Unidos em 1999 e, hoje, é cidadã
americana. Com 25 anos no país, construiu uma vida estável como empresária e é
engajada em obras sociais na região.
A brasileira fundou uma rede de apoio para ajudar
imigrantes que, assim como ela, foram para os Estados Unidos em busca do sonho
americano.
“Para você ter uma ideia, quem vem pelo México
muitas vezes chega aqui só com a roupa do corpo. E não é nem a roupa que ele
pegou lá do Brasil. É a roupa que deram a ele na hora. Então, as pessoas chegam
sem nada na maioria das vezes”, conta.
Com o apoio de outros imigrantes, Flávia organiza
doações de roupas, colchões e itens básicos para ajudar os recém-chegados a se
estabelecerem. Porém, ela também enfrenta o preconceito de alguns americanos.
“Eles têm uma concepção de que nós viemos aqui para
roubar as coisas deles. Mas a verdade é que viemos para fazer os trabalhos que
eles não querem fazer. Viemos aqui para lavar louça, limpar casas, fazer
serviços que eles não querem fazer”, explica.
Ao longo de mais de duas décadas, Flávia acompanhou
cinco presidentes americanos: Bill Clinton, George W. Bush, Barack Obama,
Donald Trump e Joe Biden. Nesse período, viu políticas migratórias serem feitas
e desfeitas.
Nos últimos quatro anos, ela diz ter observado um
aumento no número de imigrantes e acredita que o discurso de Trump ficou mais
“explosivo” para agradar o eleitorado. Para ela, o presidente deve focar em
criminosos, mas não poupará imigrantes trabalhadores que forem pegos.
Flávia também acredita que a promessa de Trump de
deportar milhões de imigrantes ilegais pode se tornar economicamente inviável.
“Quem vai pagar isso tudo? Isso é uma despesa para o governo”, afirma.
A brasileira relata que rumores sobre batidas
policiais têm gerado pânico entre os imigrantes, especialmente diante da
incerteza e da falta de informações confiáveis. Embora muitos casos sejam apenas
boatos espalhados pelas redes sociais, o medo é real.
"Eles têm medo porque muitas pessoas venderam
tudo para tentar vir para cá. As pessoas estão apavoradas", diz.
Além disso, Flávia conta que, diante do desespero,
alguns imigrantes que usam tornozeleiras de rastreamento têm cortado o
equipamento para evitar serem localizados e deportados.
Essas tornozeleiras são geralmente usadas por
pessoas que cruzaram a fronteira pelo método conhecido como
"Cai-Cai", em que o imigrante se entrega voluntariamente às autoridades
de imigração após entrar de maneira irregular no país.
A estratégia permite que eles iniciem formalmente
um pedido de asilo, mas muitos acabam monitorados enquanto aguardam o andamento
do processo judicial.
O medo agora é que, ao usar a tornozeleira e
continuar comparecendo regularmente às audiências judiciais, as autoridades
possam decidir prender e deportar imediatamente os imigrantes, sem dar tempo
para a conclusão do processo.
“As pessoas têm apreensão porque é um sonho que
pode ser interrompido. Eu vim com um sonho igual. Mas as pessoas não devem
entrar em pânico nem desespero. Torço para que todo mundo realize seu sonho”,
finaliza.
Medidas anunciadas
Nos primeiros dias de governo, Trump começou a
tirar do papel promessas que fez durante a campanha presidencial. Veja algumas medidas adotadas a seguir.
🚨 Emergência nacional: uma
das primeiras medidas de Trump foi assinar uma medida para declarar emergência
na fronteira entre México e Estados Unidos.
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O presidente anunciou que tropas do Exército e da
Guarda Nacional serão enviadas à região para reforçar a segurança.
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Além disso, agentes federais de imigração receberam
poderes ampliados para deter suspeitos.
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A medida também facilita a liberação de recursos
para retomar a construção do muro na fronteira.
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Por fim, o governo também encerrou programas que
permitiam a entrada de estrangeiros por motivos humanitários.
✈️ Deportação expressa: o governo Trump ampliou o alcance da chamada deportação acelerada,
que permite expulsões rápidas de imigrantes ilegais sem a necessidade de uma
audiência judicial.
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Qualquer imigrante que não comprove que reside há
dois anos nos EUA pode ser alvo.
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Sob Biden, a deportação expressa possuía algumas
limitações. Por exemplo, a medida só era adotada em todo o país para quem
entrasse nos Estados Unidos por via marítima e estivesse a menos de dois anos
no país.
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Ainda durante o governo Biden, quem entrava por via
terrestre só poderia ser alvo da deportação expressa se fosse detido a até 160
km da fronteira e estivesse no país há menos de 14 dias.
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Agora, todas essas restrições foram eliminadas.
Segundo o governo, a medida está dentro dos limites legais estabelecidos pelo
Congresso.
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A deportação expressa já foi alvo de polêmica
durante o primeiro mandato de Trump. O caso chegou a parar na Suprema Corte.
⛪ Prisões em áreas
protegidas: o Departamento de Segurança
Interna (DHS, na sigla em inglês) revogou uma proibição de 2021 sobre prisões
de imigrantes em locais como hospitais, igrejas e escolas.
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Antes, prisões de imigrantes não podiam ocorrer
nesses locais, para garantir acesso seguro a serviços básicos.
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O governo Biden também argumentava que operações do
tipo poderia criar medo nas comunidades americanas.
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Com a mudança, agentes podem realizar prisões de
imigrantes em hospitais, igrejas e escolas.
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Benjamine Huffman, secretário interino de Segurança
Interna, afirmou que "assassinos e estupradores" não poderão mais
usar esses locais como esconderijos.
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"A Administração Trump não amarrará as mãos de
nossos bravos agentes da lei e, em vez disso, confia que eles usarão o bom
senso", afirmou Huffman.
🟢 "Fique no
México": o governo Trump anunciou que está retomando
um programa que foi adotado durante o primeiro mandato, mas que foi revogado
por Biden.
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A iniciativa obriga que estrangeiros que pedem
asilo aos Estados Unidos, com exceção de mexicanos, aguardem a análise da
solicitação no México.
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Na segunda-feira (20), o governo tirou do ar um
aplicativo usado para agendar entrevistas de asilo.
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Todos os agendamentos para pedidos de asilo que já
estavam feitos foram cancelados.
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A medida gerou indignação e tristeza entre
imigrantes que aguardavam para entrar nos Estados Unidos na fronteira com o
México.
🌐 Restrição na entrada: o
DHS emitiu uma diretriz para restringir o uso da chamada "parole".
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A ferramenta permite a entrada legal de imigrantes
em situação de emergência e foi amplamente usada na gestão Biden.
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A parole também serve para fins humanitários e
beneficiou pessoas de várias nacionalidades, como ucranianos, cubanos e
venezuelanos.
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Segundo o DHS, o governo Biden permitiu que 1,5
milhão de imigrantes entrasse no país por meio do benefício de forma
indiscriminada.
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Agora, tudo será analisado caso a caso, de acordo
com o departamento.
👶 Fim da cidadania automática: Trump
emitiu uma ordem executiva eliminando o direito à cidadania para filhos de
imigrantes ilegais ou com vistos temporários nascidos nos EUA. A medida foi
temporariamente suspensa pela Justiça.
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Atualmente, quando imigrantes em situação ilegal
tinham um filho em solo americano, a criança ganha cidadania americana
automaticamente.
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A mesma coisa acontecia quando a mãe viajava aos
Estados Unidos com um visto temporário, como o visto de turista. Se a criança
nasce durante o período da viagem, ganha cidadania.
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Celebridades brasileiras já usaram essa estratégia
para obter a cidadania americana para seus filhos.
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Juristas afirmam que a medida contradiz a 14ª
Emenda da Constituição, que garante cidadania a qualquer pessoa nascida no país.
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Estados governados por democratas entraram com
ações judiciais contra a medida.
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"Presidentes são poderosos, mas ele não é um
rei. Ele não pode reescrever a Constituição com um simples golpe de
caneta", afirmou Matthew Platkin, procurador-geral de Nova Jersey.
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Trump disse que vai recorrer da decisão que
suspendeu a medida.
Fonte: g1
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