sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Dieta do bebê pode estar associada a doenças inflamatórias intestinais

A introdução precoce de alimentação sólida no bebê pode estar associada ao desenvolvimento de doenças inflamatórias intestinais, como doença de Crohn e retocolite ulcerativa, em pessoas com predisposição. É o que sugere um estudo recém-publicado no periódico Digestive and Liver Disease.

As doenças inflamatórias intestinais afetam principalmente o intestino grosso (caso da retocolite ulcerativa) e o final do intestino delgado (doença de Crohn) e causam sintomas como diarreia, dor abdominal, sangue nas fezes e perda de peso, além de aumentarem o risco de câncer colorretal.

Embora as causas não sejam bem conhecidas, sabe-se que há fatores genéticos e ambientais envolvidos, como certos hábitos que alteram a microbiota intestinal, a população de microrganismos que vivem no intestino. Essas doenças não têm cura e causam grande impacto na qualidade de vida, mas é possível controlar a inflamação com medicamentos.

O objetivo dos autores — vinculados a diferentes instituições de pesquisa do Canadá — era investigar se a exposição, na primeira infância, a fatores capazes de interferir na microbiota poderia estar associada a essas doenças no futuro.

Os pesquisadores selecionaram pacientes do estudo CO-MMUNITY (The Québec Birth Cohort on Immunity and Health), que inclui dados de cerca de 400 mil pessoas nascidas entre 1970 e 1974 e acompanhadas até 2014. Nesse período, encontraram 2.334 casos de doença de Crohn e 1.043 de colite ulcerativa.

Desses, foram incluídos no estudo 1.212 indivíduos com doença de Crohn e 570 com colite ulcerativa. Eles responderam a questionários sobre amamentação e introdução de alimentação sólida na dieta de quando eram crianças. Os dados foram comparados a 946 voluntários sem essas doenças.

Os resultados mostram que aqueles que começaram a comer comida sólida entre 3 e 6 meses de idade tiveram maior risco de desenvolver a doença de Crohn do que os que receberam esses alimentos após os 6 meses. O aleitamento materno exclusivo durante os primeiros seis meses de vida também demonstrou ser protetor.

“Sabe-se que essas doenças são influenciadas por fatores externos em pessoas que provavelmente têm alguma predisposição e, por isso, certas proteínas da alimentação e a microbiota podem ter papel no desenvolvimento delas”, avalia o gastroenterologista Rafael Ximenes, do Hospital Israelita Albert Einstein em Goiânia. “No entanto, não podemos afirmar que a introdução precoce de dieta sólida aumenta esse risco, porque o estudo não é conclusivo e a própria análise estatística apenas mostrou uma tendência.”

·        Quando deve ser a introdução alimentar?

O Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que a introdução da alimentação complementar seja feita aos 6 meses, inclusive para crianças que consomem fórmula infantil.

É nesse período que “o desenvolvimento neuropsicomotor e os sistemas digestivo e renal estão plenamente prontos para receber alimentos diferentes dos líquidos”, diz a entidade no Guia Prático de Alimentação da Sociedade Brasileira de Pediatria.

Introduzir alimentos antes dessa fase (entre 4 e 6 meses) pode levar à redução da ingestão do leite materno. Além disso, a imaturidade gastrointestinal e imune podem levar ao desenvolvimento de infecções e alergias.

¨      Introdução alimentar: como garantir que a criança crie bons hábitos

O relatório do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI), lançado em setembro, revela que 20,5% do cardápio das crianças de 6 meses a 2 anos é composto de alimentos classificados como ultraprocessados, ou seja, produtos que concentram grande quantidade de gordura, açúcar, sódio, entre outros ingredientes, incluindo aditivos químicos. Biscoitos doces, farinhas instantâneas, chocolates, sorvetes e gelatinas aparecem entre os itens mais consumidos.

De acordo com especialistas ouvidos pela Agência Einstein, crianças não deveriam consumir esses produtos nessa fase, que é fundamental para a adoção de bons hábitos à mesa. Embora existam evidências de que o aprendizado do sabor se inicia dentro do útero, a introdução alimentar contribui para moldar o paladar e para a aceitação de um cardápio saudável a longo prazo.

Também chamada de alimentação complementar, costuma começar aos 6 meses, quando o bebê consegue se sentar e o sistema digestório está mais maduro. “Sucede à fase de aleitamento exclusivo, mas ainda assim, o leite materno segue como o principal alimento ao longo do primeiro ano de vida”, diz a pediatra Debora Ariela Kalman, do Hospital Israelita Albert Einstein.

<><> Como ofertar os alimentos?

Se antigamente os bebês eram apresentados à papinha passada no liquidificador, hoje as diretrizes recomendam ofertar uma grande variedade de alimentos frescos e naturais. Entram em cena verduras, legumes, frutas, carnes, ovos, feijões e saem os sucos. Além do leite materno – ou fórmula, na impossibilidade da amamentação –, a única bebida indicada nessa faixa etária é a água.

O uso de ervas e especiarias para temperar as refeições é liberado, mas o sal não é indicado antes dos 12 meses. O açúcar também deve ser evitado até pelo menos os 2 anos de idade.

Também é importante cuidar do posicionamento do cadeirão para que o pequeno possa interagir com a família. Isso se houver a chance de alguma refeição coincidir com os demais integrantes. “Deve-se considerar todo o contexto, hábitos culturais e sociais, até porque a alimentação envolve muitos elementos”, ressalta Kalman.

A maneira como é oferecida a comida também varia, mas existem algumas táticas mais comuns:

<><> Método tradicional

Nesse modelo, o bebê recebe o alimento na colher. Hortaliças, tubérculos, feijões e demais ingredientes costumam ser amassados antes, com um garfo, e oferecidos separadamente para que o pequeno tome contato com diferentes sabores e consistências. Recomendam-se carnes bem cozidas e desfiadas. Peixes e aves entram no rodízio junto da bovina.

“Vale atenção para os sinais de saciedade”, orienta a pediatra. Algumas crianças viram o rosto, outras trancam a boca. A médica orienta que não se deve insistir com as colheradas ou apelar para o clássico aviãozinho se o bebê parece não querer mais.

Outra orientação é evitar distrações, como o uso de telas, e ambientes estressantes, caso de praças de alimentação de shoppings.

<><> BLW

Uma estratégia cada vez mais difundida é o Baby-Led-Weaning, ou BLW. Numa tradução ao pé da letra, significa desmame guiado pelo bebê, embora não estimule a interrupção do aleitamento.

Nesse método não se utilizam talheres, o pequeno usa as próprias mãos para levar a comida à boca. “A manipulação dos alimentos melhora a habilidade motora e estimula a autonomia”, diz a pediatra do Einstein.

Por outro lado, não há consenso científico sobre o risco de deficiência de nutrientes. A nutricionista Kinzie Matzeller, da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, tem estudado o método e apresentou resultados de uma pesquisa no Congresso da Sociedade Americana de Nutrição, realizado em junho passado.

“Observamos que os bebês que estavam seguindo o BLW consumiram quantidades semelhantes de calorias em comparação aos que seguiam no método tradicional”, relata Matzeller, em entrevista à Agência Einstein.

Participaram da pesquisa 70 crianças e o trabalho foi publicado em julho no periódico Current Developments in Nutrition. A pesquisadora e seu grupo seguem com os trabalhos para avaliar a adequação de vitaminas e sais minerais.

Além da preocupação com possíveis carências nutricionais, há o medo de engasgo, que pode ser afastado com algumas medidas de segurança. A começar pela consistência, que deve ser macia. Vegetais crus e mais durinhos não são adequados. Tamanhos e cortes também requerem muita atenção. Sementes e caroços não podem passar despercebidos.

Cenoura, beterraba, chuchu, abobrinha, entre outras hortaliças, após cozidas, devem ser cortadas de modo que o bebê segure com uma ou as duas mãos. A forma de palito, da grossura de dois dedos adultos, é um exemplo.

Pede-se ainda muita cautela com itens de formato arredondado, como ovo de codorna, uva, tomate-cereja, entre outros, que precisam ser fatiados. Pedaços pequenos são indicados para os maiorzinhos, após os 9 meses, que tendem a apresentar domínio do movimento de pinça, que envolve o dedo indicador e o polegar.

Sobre as carnes, a sugestão da nutricionista é oferecê-las cortadas em tiras, de maneira que o bebê consiga pegar. Almôndegas caseiras ou demais preparações com a versão moída são interessantes. Já os cubos devem ser evitados.

O desenvolvimento e as habilidades cognitivas ditam as regras de segurança ao oferecer a comida. Kinzie Matzeller reforça a importância de oferecer diferentes texturas e formas de alimentos para encorajar hábitos alimentares saudáveis.

<><> Método participativo

Há ainda uma derivação do modelo tradicional que junta algumas características do BLW e é conhecido como método participativo.

“Nesse caso, talheres são permitidos, também pode haver intervenções como desfiar a carne ou amassar o feijão”, orienta a pediatra. E o bebê é estimulado a interagir, manipulando os alimentos, sentindo texturas, numa estratégia que contribui para o desenvolvimento motor.

Cada família deve optar pelo método que se encaixa ao contexto e à rotina da casa, conforme as características da criança e sempre com a orientação do pediatra que a acompanha.

¨      Primeiros 2 mil dias de vida podem prevenir sobrepeso e obesidade na vida adulta

Criado em 2010, a partir de um programa da Organização das Nações Unidas (ONU), o conceito dos primeiros mil dias (280 de gravidez + 730 dos primeiros dois anos) de vida envolve estratégias que são capazes de impactar a saúde em longo prazo. Trata-se de uma janela de oportunidade que ajuda a garantir o desenvolvimento físico e mental.

Mas, a partir de achados recentes da literatura científica, pesquisadores de diversos países estão propondo ampliar o período para até o quinto ano de vida. Um trabalho publicado em setembro no periódico Nature Reviews Endocrinology também aposta nesse novo número.

Por meio de uma revisão de estudos, cientistas da Austrália enfatizam a importância de reduzir o risco da obesidade logo nos 2 mil primeiros dias. “É melhor prevenir o quanto antes, evitando que a obesidade se instale, porque o tratamento é muito mais complicado”, afirma a pediatra e endocrinologista Lindiane Gomes Crisostomo, do Hospital Israelita Albert Einstein.

Existem evidências de que, nesse período que engloba tanto o ventre materno quanto os primeiros anos seguintes, o organismo está mais sensível às influências do ambiente. É uma fase em que o corpo apresenta maior plasticidade. Daí a importância de intervenções que, segundo pesquisas, teriam efeitos duradouros.

“O ideal é começar já no pré-natal, com estímulo a uma alimentação saudável pela gestante, e seguir com incentivo ao aleitamento materno após o parto”, comenta Crisostomo. O zelo com a introdução alimentar, após os 6 meses de vida do bebê, favorece a adoção de bons hábitos ao longo da infância.

Combater o sedentarismo é mais uma atitude essencial. “Deve ser bem lúdico, para que a criança aprenda a gostar de atividade física desde cedo”, sugere a médica.
Entre as estratégias também está estabelecer uma rotina de sono. Para cada período há um determinado número de horas, que deve ser respeitado. “Quando não se dorme o suficiente ocorre uma alteração na produção de certos hormônios, caso do cortisol, que estão envolvidos com o aumento da pressão arterial, o ganho de peso e o aumento do risco do diabetes, entre outros distúrbios”, comenta a especialista.

A pediatra enfatiza ainda que as telas devem ser proibidas até os 2 anos e, após esse período, precisa haver muita cautela ao utilizá-las. “Além de interferir com o sono, a utilização exagerada pode desestimular brincadeiras e exercícios físicos”, comenta.

Sem contar o hábito de fazer as refeições de olho nos aparelhos. “Muitas vezes a criança nem percebe o que está comendo”, lamenta. Para piorar, já existem evidências da relação com a puberdade precoce. “O excesso no uso favorece alterações neuroquímicas”, avisa a pediatra e endocrinologista.

<><> Estratégias antiobesidade

A pesquisa australiana traz orientações para cada fase dos primeiros 2 mil dias de vida de uma criança. Saiba mais sobre os principais pontos:

>>> Na gestação

Durante os nove meses ocorre o desenvolvimento da placenta, dos órgãos e o crescimento do bebê. A adoção de um cardápio equilibrado e a prática de atividade física orientada favorecem o ganho de peso saudável da grávida. Realizar o acompanhamento pré-natal, com exames para detectar precocemente o diabetes gestacional, entre outros distúrbios, é fundamental.

>>> Até os 6 meses

Esse período é marcado pelo ganho de peso e crescimento rápido do bebê. É tempo de incentivar o aleitamento materno, fortalecendo a rede de apoio à mãe. Também vale estabelecer uma rotina de sono da criança e, por meio de brincadeiras, estimular o desenvolvimento das habilidades motoras.

>>> Dos 6 aos 12 meses

O bebê já se senta sem apoio e a tendência é começar a engatinhar. É a fase de introdução alimentar, que deve priorizar a variedade no cardápio, com grande espaço para vegetais e outros itens nutritivos.

Por volta dos 9 meses, o bebê consegue fazer movimentos de pinça com os dedos, o que facilita a manipulação de alimentos.

>>> Do 1º ao 3º ano de vida

A criança começa a falar, andar e aprende a segurar os talheres. Nessa etapa, recomendam-se brincadeiras em ambientes seguros, que permitam correr e escalar. Outra sugestão é envolver a criança, junto de toda a família, no planejamento e preparo das refeições.

>>> Do 3º ao 5º ano de vida (pré-escolar)

Nessa etapa, o equilíbrio e a coordenação estão bem aprimorados, há uma melhor compreensão dos sinais de saciedade e fome. Deve-se estimular a prática de atividades físicas, como esportes ou dança. E continuar com o incentivo de bons hábitos alimentares, orientando sobre as melhores escolhas.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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