Dieta do bebê pode estar associada a
doenças inflamatórias intestinais
A introdução precoce de alimentação sólida no bebê pode
estar associada ao desenvolvimento de doenças inflamatórias intestinais, como
doença de Crohn e retocolite ulcerativa, em pessoas com predisposição. É o que
sugere um estudo recém-publicado no periódico Digestive and Liver Disease.
As doenças inflamatórias intestinais afetam
principalmente o intestino grosso (caso da retocolite ulcerativa) e o final do
intestino delgado (doença de Crohn) e causam sintomas como diarreia, dor
abdominal, sangue nas fezes e perda de peso, além de aumentarem o risco
de câncer
colorretal.
Embora as causas não sejam bem conhecidas, sabe-se que
há fatores genéticos e ambientais envolvidos, como certos hábitos que alteram a
microbiota intestinal, a população de microrganismos que vivem no intestino.
Essas doenças não têm cura e causam grande impacto na qualidade de vida, mas é
possível controlar a inflamação com medicamentos.
O objetivo dos autores — vinculados a diferentes
instituições de pesquisa do Canadá — era investigar se a exposição, na primeira
infância, a fatores capazes de interferir na microbiota poderia estar associada
a essas doenças no futuro.
Os pesquisadores selecionaram pacientes do estudo
CO-MMUNITY (The Québec Birth Cohort on Immunity and Health), que inclui dados
de cerca de 400 mil pessoas nascidas entre 1970 e 1974 e acompanhadas até 2014.
Nesse período, encontraram 2.334 casos de doença
de Crohn e
1.043 de colite ulcerativa.
Desses, foram incluídos no estudo 1.212 indivíduos com
doença de Crohn e 570 com colite ulcerativa. Eles responderam a questionários
sobre amamentação e introdução de alimentação sólida na dieta de quando eram
crianças. Os dados foram comparados a 946 voluntários sem essas doenças.
Os resultados mostram que
aqueles que começaram a comer comida sólida entre 3 e 6 meses de idade tiveram
maior risco de desenvolver a doença de Crohn do que os que receberam esses
alimentos após os 6 meses. O aleitamento materno exclusivo durante os primeiros
seis meses de vida também demonstrou ser protetor.
“Sabe-se que essas doenças são influenciadas por
fatores externos em pessoas que provavelmente têm alguma predisposição e, por
isso, certas proteínas da alimentação e a microbiota podem ter papel no
desenvolvimento delas”, avalia o gastroenterologista Rafael Ximenes, do
Hospital Israelita Albert Einstein em Goiânia. “No entanto, não podemos afirmar
que a introdução precoce de dieta sólida aumenta esse risco, porque o estudo
não é conclusivo e a própria análise estatística apenas mostrou uma tendência.”
·
Quando
deve ser a introdução alimentar?
O Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de
Pediatria (SBP) recomenda que a introdução da alimentação complementar seja
feita aos 6 meses, inclusive para crianças que consomem fórmula infantil.
É nesse período que “o desenvolvimento neuropsicomotor
e os sistemas digestivo e renal estão plenamente prontos para receber alimentos
diferentes dos líquidos”, diz a entidade no Guia Prático de Alimentação da
Sociedade Brasileira de Pediatria.
Introduzir alimentos antes dessa fase (entre 4 e 6
meses) pode levar à redução da ingestão do leite materno. Além disso, a
imaturidade gastrointestinal e imune podem levar ao desenvolvimento de
infecções e alergias.
¨ Introdução alimentar: como garantir
que a criança crie bons hábitos
O relatório do Estudo Nacional de Alimentação e
Nutrição Infantil (ENANI), lançado em setembro, revela que 20,5% do cardápio
das crianças de 6 meses a 2 anos é composto de alimentos classificados como
ultraprocessados, ou seja, produtos que concentram grande quantidade de
gordura, açúcar, sódio, entre outros ingredientes, incluindo aditivos químicos.
Biscoitos doces, farinhas instantâneas, chocolates, sorvetes e gelatinas
aparecem entre os itens mais consumidos.
De acordo com especialistas ouvidos pela Agência
Einstein, crianças não deveriam consumir esses produtos nessa fase, que é
fundamental para a adoção de bons hábitos à mesa. Embora existam evidências de
que o aprendizado do sabor se inicia dentro do útero, a introdução alimentar
contribui para moldar o paladar e para a aceitação de um cardápio saudável a
longo prazo.
Também chamada de alimentação complementar, costuma
começar aos 6 meses, quando o bebê consegue se sentar e o sistema digestório
está mais maduro. “Sucede à fase de aleitamento exclusivo, mas ainda assim, o
leite materno segue como o principal alimento ao longo do primeiro ano de
vida”, diz a pediatra Debora Ariela Kalman, do Hospital Israelita Albert
Einstein.
<><> Como ofertar os alimentos?
Se antigamente os bebês eram apresentados à papinha
passada no liquidificador, hoje as diretrizes recomendam ofertar uma grande
variedade de alimentos frescos e naturais. Entram em cena verduras, legumes,
frutas, carnes, ovos, feijões e saem os sucos. Além do leite materno – ou
fórmula, na impossibilidade da amamentação –, a única
bebida indicada nessa faixa etária é a água.
O uso de ervas e especiarias para temperar as refeições
é liberado, mas o sal não é indicado antes dos 12 meses. O açúcar também deve
ser evitado até pelo menos os 2 anos de idade.
Também é importante cuidar do posicionamento do
cadeirão para que o pequeno possa interagir com a família. Isso se houver a
chance de alguma refeição coincidir com os demais integrantes. “Deve-se
considerar todo o contexto, hábitos culturais e sociais, até porque a
alimentação envolve muitos elementos”, ressalta Kalman.
A maneira como é oferecida a comida também varia, mas
existem algumas táticas mais comuns:
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Método tradicional
Nesse modelo, o bebê recebe o alimento na colher.
Hortaliças, tubérculos, feijões e demais
ingredientes costumam ser amassados antes, com um garfo, e oferecidos
separadamente para que o pequeno tome contato com diferentes sabores e
consistências. Recomendam-se carnes bem cozidas e desfiadas. Peixes e aves
entram no rodízio junto da bovina.
“Vale atenção para os sinais de saciedade”, orienta a
pediatra. Algumas crianças viram o rosto, outras trancam a boca. A médica
orienta que não se deve insistir com as colheradas ou apelar para o clássico
aviãozinho se o bebê parece não querer mais.
Outra orientação é evitar distrações, como o uso de
telas, e ambientes estressantes, caso de praças de alimentação de shoppings.
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BLW
Uma estratégia cada vez mais difundida é o
Baby-Led-Weaning, ou BLW. Numa tradução ao pé da letra,
significa desmame guiado pelo bebê, embora não estimule a interrupção do
aleitamento.
Nesse método não se utilizam talheres, o pequeno usa as
próprias mãos para levar a comida à boca. “A manipulação dos alimentos melhora
a habilidade motora e estimula a autonomia”, diz a pediatra do Einstein.
Por outro lado, não há consenso científico sobre o
risco de deficiência de nutrientes. A nutricionista Kinzie Matzeller, da
Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, tem estudado o método e
apresentou resultados de uma pesquisa no Congresso da Sociedade Americana de
Nutrição, realizado em junho passado.
“Observamos que os bebês que estavam seguindo o BLW
consumiram quantidades semelhantes de calorias em comparação aos que seguiam no
método tradicional”, relata Matzeller, em entrevista à Agência Einstein.
Participaram da pesquisa 70 crianças e o trabalho foi
publicado em julho no
periódico Current Developments in Nutrition. A pesquisadora e seu grupo seguem
com os trabalhos para avaliar a adequação de vitaminas e sais minerais.
Além da preocupação com possíveis carências
nutricionais, há o medo de engasgo, que pode ser
afastado com algumas medidas de segurança. A começar pela consistência, que deve
ser macia. Vegetais crus e mais durinhos não são adequados. Tamanhos e cortes
também requerem muita atenção. Sementes e caroços não podem passar
despercebidos.
Cenoura, beterraba, chuchu, abobrinha, entre outras
hortaliças, após cozidas, devem ser cortadas de modo que o bebê segure com uma
ou as duas mãos. A forma de palito, da grossura de dois dedos adultos, é um
exemplo.
Pede-se ainda muita cautela com itens de formato
arredondado, como ovo de codorna, uva, tomate-cereja, entre outros, que
precisam ser fatiados. Pedaços pequenos são indicados para os maiorzinhos, após
os 9 meses, que tendem a apresentar domínio do movimento de pinça, que envolve
o dedo indicador e o polegar.
Sobre as carnes, a sugestão da nutricionista é
oferecê-las cortadas em tiras, de maneira que o bebê consiga pegar. Almôndegas
caseiras ou demais preparações com a versão moída são interessantes. Já os
cubos devem ser evitados.
O desenvolvimento e as habilidades cognitivas ditam as
regras de segurança ao oferecer a comida. Kinzie Matzeller reforça a
importância de oferecer diferentes texturas e formas de alimentos para
encorajar hábitos alimentares saudáveis.
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Método participativo
Há ainda uma derivação do modelo tradicional que junta
algumas características do BLW e é conhecido como método participativo.
“Nesse caso, talheres são permitidos, também pode haver
intervenções como desfiar a carne ou amassar o feijão”, orienta a pediatra. E o
bebê é estimulado a interagir, manipulando os alimentos, sentindo texturas,
numa estratégia que contribui para o desenvolvimento motor.
Cada família deve optar pelo método que se encaixa ao
contexto e à rotina da casa, conforme as características da criança e sempre
com a orientação do pediatra que a acompanha.
¨ Primeiros 2 mil dias de vida podem prevenir
sobrepeso e obesidade na vida adulta
Criado em 2010, a partir de um programa da Organização
das Nações Unidas (ONU), o conceito dos primeiros mil dias (280 de gravidez +
730 dos primeiros dois anos) de vida envolve estratégias que são capazes de
impactar a saúde em longo prazo. Trata-se de uma janela de oportunidade que
ajuda a garantir o desenvolvimento físico e mental.
Mas, a partir de achados recentes da literatura
científica, pesquisadores de diversos países estão propondo ampliar o período
para até o quinto ano de vida. Um trabalho publicado em setembro no
periódico Nature Reviews
Endocrinology também
aposta nesse novo número.
Por meio de uma revisão de estudos, cientistas da
Austrália enfatizam a importância de reduzir o risco da obesidade logo nos 2
mil primeiros dias. “É melhor prevenir o quanto antes, evitando que a obesidade
se instale, porque o tratamento é muito mais complicado”, afirma a pediatra e
endocrinologista Lindiane Gomes Crisostomo, do Hospital Israelita Albert
Einstein.
Existem evidências de que, nesse período que engloba
tanto o ventre materno quanto os primeiros anos seguintes, o organismo está
mais sensível às influências do ambiente. É uma fase em que o corpo apresenta
maior plasticidade. Daí a importância de intervenções que, segundo pesquisas,
teriam efeitos duradouros.
“O ideal é começar já no pré-natal, com estímulo a
uma alimentação
saudável pela gestante, e seguir com incentivo ao aleitamento
materno após
o parto”, comenta Crisostomo. O zelo com a introdução
alimentar,
após os 6 meses de vida do bebê, favorece a adoção de bons hábitos ao longo da
infância.
Combater o sedentarismo é mais uma atitude essencial.
“Deve ser bem lúdico, para que a criança aprenda a gostar de atividade física
desde cedo”, sugere a médica.
Entre as estratégias também está estabelecer uma rotina de sono. Para cada
período há um determinado número de horas, que deve ser respeitado. “Quando não
se dorme o suficiente ocorre uma alteração na produção de certos hormônios,
caso do cortisol, que estão envolvidos com o aumento da pressão arterial, o
ganho de peso e o aumento do risco do diabetes, entre outros distúrbios”,
comenta a especialista.
A pediatra enfatiza ainda que as telas devem ser
proibidas até os 2 anos e, após esse período, precisa haver muita cautela ao
utilizá-las. “Além de interferir com o sono, a utilização exagerada pode
desestimular brincadeiras e exercícios físicos”, comenta.
Sem contar o hábito de fazer as refeições de olho nos
aparelhos. “Muitas vezes a criança nem percebe o que está comendo”, lamenta.
Para piorar, já existem evidências da relação com a puberdade precoce. “O
excesso no uso favorece alterações neuroquímicas”, avisa a pediatra e
endocrinologista.
<><> Estratégias antiobesidade
A pesquisa australiana traz orientações para cada fase
dos primeiros 2 mil dias de vida de uma criança. Saiba mais sobre os principais
pontos:
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Na gestação
Durante os nove meses ocorre o desenvolvimento da
placenta, dos órgãos e o crescimento do bebê. A adoção de um cardápio
equilibrado e a prática de atividade física orientada favorecem o ganho de peso
saudável da grávida. Realizar o acompanhamento pré-natal, com exames para
detectar precocemente o diabetes gestacional, entre outros distúrbios, é
fundamental.
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Até os 6 meses
Esse período é marcado pelo ganho de peso e crescimento
rápido do bebê. É tempo de incentivar o aleitamento materno, fortalecendo a
rede de apoio à mãe. Também vale estabelecer uma rotina de sono da criança e,
por meio de brincadeiras, estimular o desenvolvimento das habilidades motoras.
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Dos 6 aos 12 meses
O bebê já se senta sem apoio e a tendência é começar a
engatinhar. É a fase de introdução alimentar, que deve priorizar a variedade no
cardápio, com grande espaço para vegetais e outros itens nutritivos.
Por volta dos 9 meses, o bebê consegue fazer movimentos
de pinça com os dedos, o que facilita a manipulação de alimentos.
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Do 1º ao 3º ano de vida
A criança começa a falar, andar e aprende a segurar os
talheres. Nessa etapa, recomendam-se brincadeiras em ambientes seguros, que
permitam correr e escalar. Outra sugestão é envolver a criança, junto de toda a
família, no planejamento e preparo das refeições.
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Do 3º ao 5º ano de vida (pré-escolar)
Nessa etapa, o equilíbrio e a coordenação estão bem
aprimorados, há uma melhor compreensão dos sinais de saciedade e fome. Deve-se
estimular a prática de atividades físicas, como esportes ou dança. E continuar
com o incentivo de bons hábitos alimentares, orientando sobre as melhores
escolhas.
Fonte: CNN Brasil
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