Orçamento
para educação indígena no Pará tem corte de 85%
Há mais de uma semana, indígenas de vários povos ocupam a sede da Secretaria de Educação do Pará (Seduc), pedindo a revogação da lei 10.820/2024,
sancionada em dezembro. De acordo com os indígenas, a nova legislação
representa insegurança jurídica ao não mencionar o funcionamento do Sistema de
Organização Modular de Ensino Indígena (SOMEI).
A Seduc, por meio de notas
para a imprensa, nega que a legislação resultaria em mudanças no ensino.
Porém, a equipe de reportagem do Amazônia Vox apurou os números que constam na
Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025, aprovada na Assembleia Legislativa no final do
ano passado. Os números mostram que no orçamento da Seduc, na página 521, a
única menção ao tema consta na subfunção “Implementação da educação escolar
indígena” e tem destinado para todo o ano o valor de R$500 mil. A verba é 85% menor que o destinado para
este item em 2024 (página 445).
Em relação ao orçamento do
Estado para este ano, conforme consta na lei encaminhada pelo poder executivo e
aprovada pelo legislativo, o valor para a educação indígena na Seduc representa
0,001% do total, que é de cerca de R$ 48 bilhões. Já no orçamento específico da
Secretaria de Educação, o valor para a educação indígena ficou em 0,005% do
total de R$8,6 bilhões.
Para efeito de comparação,
ainda que a população indígena seja maior no estado vizinho, a Secretaria de
Educação do Amazonas possui no orçamento para 2025 o valor de R$ 27,6 milhões
que representa 55 vezes mais que o alocado no orçamento do Pará.
·
Repercussão
Para o professor indígena,
Marcelo Borari, “o impacto financeiro é significativo e parece ser uma
estratégia do governo para sucatear a educação indígena, que já é precária
devido à falta de apoio do Estado”. Borari, é mestre em Educação Escolar
Indígena e atua no SOMEI há 10 anos na região do baixo rio Tapajós. Ele critica
ainda as condições de trabalho da classe.
“Com base nessa experiência, posso afirmar que
é extremamente desafiador ser professor nessas condições, devido à falta de
infraestrutura e apoio do Estado, pois não dispomos de salas de aula adequadas,
com condições mínimas de conforto para professores e alunos. Há falta de
suporte logístico, quadros quebrados, salas de aula superaquecidas e carteiras
danificadas, além disso, a merenda escolar é insuficiente e não respeita a
cultura alimentar local, o que muitas vezes nos obriga a liberar os alunos mais
cedo”.
O professor do ensino básico
e diretor do departamento de educação escolar indígena do município de
Parauapebas, Ekroiti Xikrin, comenta a ameaça em que a educação indígena está
vivenciando nos últimos dias. “Apesar de ser professor do ensino básico, eu me
preocupo com esses impactos que têm sido gerados pelo Estado, vejo como um
retrocesso para nós professores, estudantes e profissionais que atuam na
educação indígena”, lamenta. “Já estamos há 525 anos lutando para que nossos
direitos sejam respeitados, a educação também é nosso direito, até quando?”,
questiona o professor Xikrin.
Além da sede da Seduc em
Belém, protestos de indígenas ocorrem em outros pontos do Estado, incluindo
Santarém, no Oeste do Pará. A liderança indígena Maria Leusa Munduruku, declara
que a lei aprovada impacta o futuro das próximas gerações. “Sabemos que essa
lei atinge diretamente o futuro dos nossos filhos e nós sabemos o que queremos
e o governo não pode decidir por nós, queremos que a consulta livre prévia e
informada seja respeitada e por isso peço a revogação dessa lei instituída”,
disse.
Entre os pontos questionados
pelas lideranças está o fato de que as mudanças no SOMEI vão impactar na
redução de professores presenciais nas escolas indígenas e em áreas rurais pela
substituição de ensino à distância, por meio de internet e vídeo-aulas ao vivo,
com o Centro de Mídias da Educação Paraense (Cemep).
Também no orçamento de 2025
da Secretaria de Educação houve redução na função “Modernização Tecnológica e Aparelhamento
de Unidade”, que caiu de R$ 115 milhões em 2024 para R$ 10 milhões em 2025.
De acordo com um comunicado emitido pelo Ministério Público Federal (MPF)
nesta quinta-feira (23), o Ministério da Educação do Governo Federal também
informou por meio de nota técnica que a legislação não prevê ensino nesta
modalidade para povos e comunidades tradicionais.
·
Críticas
O jovem indígena Rainer
Jaraqui concluiu ano passado o ensino médio na Aldeia Lago da Praia, oeste do
Pará, pelo SOMEI e também demonstra preocupação com o futuro da educação
indígena no Estado. “Como ex-aluno do SOMEI me preocupo com a ameaça em que
essa lei aprovada ameaça a continuação do ensino modular indígena, pois é por
meio dessa educação que conseguimos ter professores indígenas que entendam as
nossas especificidades, e ao invés de piorar o governo poderia investir melhor
para atender às nossas necessidades como alunos nos territórios”, disse.
O Pará, é o terceiro Estado
da Amazônia com maior população indígena, são mais de 80 mil pessoas de pelo
menos 58 povos diferentes presentes em todas as cidades, de acordo com o último
censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022. E o
município com maior número de indígenas é Jacareacanga, com 59,13% , já a
cidade com mais indígenas é Santarém, com 16.955 indígenas. O território
paraense possui 49 Terras Indígenas.
·
Ocupação
Há oito dias, indígenas de
vários povos do Estado ocupam a sede da Seduc em Belém. São pelo menos 400
pessoas acampadas, segundo o Conselho Indígena Tapajós Arapiuns (CITA), uma das
organizações que está liderando a manifestação.
Já houveram tentativas de
negociações entre a Seduc e alguns indígenas por meio de um documento entregue
pela atual coordenadora da Federação dos Povos Indígenas do Pará, Concita
Sompré, no dia 21, ao secretário estadual de educação do Pará, Rossieli Soares,
porém este ato não foi reconhecido por parte dos manifestantes.
Em resposta às
manifestações, a Secretaria dos Povos Indígenas do Estado do Pará (SEPI)
instituiu o Decreto Nº 4.430/2025, que estabelece a criação de um Grupo de
Trabalho para a formulação da Política Estadual de Educação Escolar Indígena.
De acordo com a SEPI, o decreto visa regulamentar a política de educação
escolar indígena, já garantida pela Constituição Federal.
A Articulação dos Povos
Indígenas do Brasil (APIB), também se posicionou essa semana, ao ingressar com
uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal, contra a
lei 10.820/2024 do Estado do Pará. A APIB afirma que está acompanhando o caso
no Pará e está atuando juridicamente, junto ao Supremo, para reforçar a luta
pela garantia de mais este direito constitucional.
A reportagem do Amazônia Vox
solicitou à Seduc um posicionamento para esclarecer o corte nos recursos da
educação indígena e se foram alocadas verbas para estes fins em outras funções,
não especificadas no orçamento para este fim. No entanto, mesmo com ampliação
do prazo para retorno, a Seduc optou em não responder.
¨ MPF
quer que União seja obrigada a fornecer água potável e infraestrutura a
indígenas impactados por garimpos e seca no PA
O Ministério Público Federal (MPF) pediu à Justiça
Federal que obrigue a União a tomar providências urgentes para garantir o
fornecimento de água potável para indígenas da região de Itaituba e
Jacareacanga, no sudoeste do Pará. A ação destaca a contaminação da água por
mercúrio, devido à mineração ilegal, e os impactos da seca na região, além da
insuficiência de recursos e infraestrutura para o fornecimento de água potável
às etnias.
O MPF quer que a União seja obrigada a identificar,
dentro de dez dias, todas as aldeias que precisam de construção ou reforma de
sistemas de abastecimento de água ou poços artesianos, além de elencar as
prioridades para o atendimento emergencial. Após esse levantamento, o MPF quer
que a União seja obrigada a iniciar a distribuição imediata e regular de água
potável às comunidades.
A distribuição deve ser feita por meio de caminhão
pipa, do fornecimento de galões de água e/ou produtos, apoio técnico ou outras
alternativas para tornar a água potável, incluindo as aldeias em que a
necessidade é mais crítica. A água potável deve ser distribuída em quantidade
que atenda efetivamente às comunidades indígenas e, a cada dois meses, a União
deve comprovar à Justiça que está cumprindo a obrigação, pede o MPF.
<><> Solução permanente
A procuradora da República Thaís Medeiros da Costa,
autora da ação, pediu ainda que a Justiça obrigue a União a apresentar, em seis
meses, plano contendo cronograma de implantação, reforma e/ou ampliação de
sistemas de abastecimento de água e programa de monitoramento quantitativo e
qualitativo e tratamento da água dos poços e dos cursos de rio.
Por meio do plano e do programa, a União deve garantir,
em até dois anos, o fornecimento de água potável de forma permanente a todos os
indígenas, com especial atenção às aldeias em situação crítica, às
peculiaridades das regiões atendidas, às especificidades culturais e à ordem de
prioridade baseada em dados.
<><> Impactos do mercúrio
A contaminação por mercúrio é um risco constante para
as comunidades indígenas da região de Itaituba, alerta o MPF. Estudos citados
na ação revelam níveis alarmantes da substância em amostras de cabelo de
indígenas, chegando a 87,5% de prevalência na população da aldeia Sawré Aboy.
A exposição ao mercúrio, principalmente pela ingestão
de peixes contaminados, causa graves danos à saúde, incluindo problemas
neurológicos, como dificuldades motoras e cognitivas, especialmente em
crianças, que são mais vulneráveis.
Relatos de indígenas apontam para o aumento de casos de
diarreia, devido ao consumo de água de igarapés poluídos, e para a alta
incidência de problemas neurológicos. O MPF alerta que a contaminação afeta não
apenas a saúde física, mas também o desenvolvimento psicossocial de gerações
inteiras, comprometendo o futuro dos povos originários.
<><> Seca e ineficiência
As secas severas que vêm assolando a região agravam a
situação de vulnerabilidade dos indígenas. Com a redução drástica do nível dos
rios, muitas aldeias ficam com o acesso à água extremamente comprometido. Em
2024, a estiagem foi ainda mais intensa, levando a região amazônica a sofrer
uma seca histórica.
Apesar da gravidade da situação, a resposta da União
tem sido insuficiente. Segundo perícia feita pelo MPF, entre 2014 e 2024 o
orçamento do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Rio Tapajós, unidade
gestora local do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, sofreu uma redução
real de aproximadamente 87% do valor investido por indígena. No ritmo em que
ocorre, a implementação de Sistemas de Abastecimento de Água (SAA) em todas as
aldeias demoraria 21 anos para ser concluída, aponta o MPF.
Após a apresentação da ação pelo MPF, a Justiça Federal
estabeleceu prazo de cinco dias para que a União se manifeste sobre as ações
tomadas pela Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde no
período de seca, especialmente em relação à garantia de acesso à água potável
nos territórios indígenas. O MPF aguarda o julgamento do pedido de liminar –
pedido urgente – feito na ação
Fonte: Por Ayla Tapajós, da
Agencia Pública/MPF – PA
Nenhum comentário:
Postar um comentário