Vacina da dengue protege contra o
sorotipo 3, afirma Instituto Butantan
O Estado de São Paulo se prepara para enfrentar mais um
surto de dengue: o Instituto Butantan já iniciou a produção do primeiro lote da
vacina tetravalente, com 1 milhão de doses, enquanto o governo estadual
anunciou ontem (23/01) a criação de um Centro de Operação de Emergência e o
repasse de R$ 228 milhões para apoiar os munícipios paulistas no combate às
arboviroses, entre elas a dengue.
Uma das preocupações é o ressurgimento do sorotipo 3 da dengue no Brasil
após 17 anos sem circulação, o que pode levar a novos surtos da doença, já que
a população não está imunizada contra essa linhagem específica. Os sorotipos 1
e 2 continuam em circulação no país.
“Começamos a
fabricar os insumos [os chamados IFAS, ou ingredientes farmacêuticos ativos] de
cada um dos quatro sorotipos do vírus. A produção é contínua, porque são quatro
IFAS para compor o produto. Faz sentido adiantarmos essas etapas para, assim
que obtivermos o registro, já termos doses rapidamente disponíveis para a
população”, diz à Agência FAPESP Gustavo Mendes, diretor
de Assuntos Regulatórios, Qualidade e Ensaios Clínicos do Butantan.
O pedido de registro
do imunizante foi feito à Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) em dezembro e a equipe do
Instituto Butantan está otimista com a possibilidade de aprovação. A
expectativa é que haja uma manifestação da agência reguladora até meados de
março.
Os resultados do ensaio clínico da Butantan-DV, publicados no New England Journal of Medicine no
ano passado, demonstraram uma eficácia geral da vacina de 79,6% ao longo de
dois anos de acompanhamento: 89,5% para DENV-1 e 69,6% para DENV-2. Apesar de
ter sido desenvolvida para proteger contra todos os sorotipos, os pesquisadores
não puderam avaliar a proteção contra o DENV-3 e o DENV-4 porque não foram
detectados casos desses tipos no período do estudo.
De acordo com Mendes, a equipe envolvida no ensaio
clínico fez uma série de testes in
vitro e comparações entre os diferentes subtipos virais para
extrapolar os dados de eficácia alcançados com os tipos 1 e 2 do vírus para os
tipos 3 e 4 na apresentação dos resultados.
“A extrapolação é baseada na comparabilidade do tipo do
vírus. Isso é um dado que é aceito na comunidade científica e pelas agências
reguladoras. Já discutimos essas informações com a Anvisa previamente. Por
enquanto, ainda não tivemos a formalização de um pedido da agência para um
estudo específico [de fase 4] para analisar esses dois sorotipos, mas o
acompanhamento pós-vacinação faz parte dos requisitos regulatórios no Brasil”,
explica.
O monitoramento constante após a aprovação de uma
vacina é parte obrigatória da farmacovigilância, que tem como objetivo
verificar eventuais reações adversas não previstas, que podem acontecer quando
a vacinação ocorre em larga escala, e investigar possíveis casos de ineficácia
do imunizante. Mas ainda não está prevista a realização de um estudo de fase 4,
com perguntas específicas para os sorotipos 3 e 4.
Mendes disse que o Butantan já tem uma equipe
estruturada para investigar esses casos, se eles acontecerem. Mas reafirma o
argumento técnico e científico de que é possível extrapolar os resultados de
eficácia da vacina para os sorotipos 3 e 4 da dengue, mesmo que as pessoas não
tenham sido infectadas por eles no desenvolvimento do ensaio clínico.
Aprovada pela Anvisa, o Butantan deverá enviar uma
solicitação de autorização de preço à Câmara de Regulação do Mercado de
Medicamentos (CMED). Após essa avaliação, a Comissão Nacional de Incorporação
de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) vai estudar a possível incorporação
da vacina ao SUS.
·
Etapas de produção
Se aprovada, a Butantan-DV será a primeira vacina do
mundo em dose única contra a dengue. O instituto tem planos de fabricar em
torno de 1 milhão de doses de vacinas ainda em 2025, prevendo o grande
potencial de aquisição pelo Ministério da Saúde e sua incorporação no Programa
Nacional de Imunizações (PNI). Outros 100 milhões de doses devem ser fabricados
até o fim de 2027. “Estamos discutindo as questões técnicas de produção há
muito tempo com a Anvisa. Por isso, acreditamos que, se for feita alguma
sugestão de melhoria por parte da agência reguladora, não será algo que impacte
a técnica de produção”, aponta Mendes.
Ele esclareceu ainda que a Anvisa não determina que a
produção de um imunizante só possa começar depois do registro definitivo – isso
fica a critério do próprio desenvolvedor, que assume o risco de perder essas
doses. “Se produzo uma vacina agora e ela tem prazo de validade de um ano ou de
18 meses, por exemplo, esse prazo já está sendo consumido nesse período. Por
isso estamos focando na produção dos insumos e não da formulação final.”
A produção da Butantan-DV acontece em etapas distintas:
primeiro o instituto fabrica cada um dos tipos do vírus: 1, 2, 3 e 4
separadamente para somente depois juntá-los para fazer a formulação final da
vacina.
Ontem em coletiva o governador Tarcísio de Freitas
ressaltou que o imunizante só estará disponível em larga escala no próximo ano
e, portanto, agora é importante focar no combate ao mosquito. “Nós temos o
desafio de agora, com questões como o clima que favorece a proliferação dos
vetores. O segundo problema é que muitas pessoas tiveram dengue no ano passado
e a repetição favorece o desenvolvimento de uma dengue grave. Por fim, há um
sorotipo diferente que está circulando. Com o que nós temos de ferramenta
agora, devemos combater o vetor e nos estruturar. Cada um precisa fazer a sua
parte: o cidadão, as prefeituras, já que a zeladoria terá muito efeito e o
Estado de São Paulo, que dará todo o suporte.”
·
Uma década e meia de estudos
O imunizante tetravalente contra a dengue começou a ser
desenvolvido em 2010, com apoio da FAPESP, a
partir de uma formulação criada por pesquisadores vinculados aos Institutos
Nacionais de Saúde (NIH), dos Estados Unidos. Os NIH
foram responsáveis pela fase 1 do ensaio clínico (2010-2012),
enquanto a fase 2 (2013-2015) foi realizada no Brasil. A fase 3, que começou em
2016, também foi conduzida no país e seguiu até o ano passado, quando todos os
16.235 voluntários completaram cinco anos de acompanhamento.
Os resultados atestaram a segurança da vacina para
indivíduos de 2 a 59 anos, independentemente do histórico de infecção prévia.
Agora, o Butantan aguarda autorização da Anvisa para iniciar os estudos
clínicos envolvendo a população com mais de 60 anos, faixa etária vulnerável ao
desenvolvimento da doença. A expectativa é começar esse estudo nos próximos
meses.
¨ Ressurgimento do sorotipo 3 da dengue
pode agravar surtos no Brasil
O ressurgimento do sorotipo 3 da dengue (DENV-3) no
Brasil após 17 anos pode contribuir para agravar novos surtos da doença no
país. Isso porque a população não está imunizada contra essa linhagem e, ao
mesmo tempo, os sorotipos 1 e 2 – DENV-1 e DENV-2 – continuam em circulação.
O alerta foi feito por pesquisadores da Faculdade de
Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) em artigo publicado no Journal of Clinical Virology.
“A última
epidemia significativa de DENV-3 no Brasil e, mais especificamente, em São José
do Rio Preto, ocorreu há mais de 15 anos [em 2007]. Já os sorotipos DENV-1 e
DENV-2 continuam circulando continuamente pelo país. Se o sorotipo 3 se
estabelecer novamente e prevalecer esse quadro [de cocirculação de variantes],
isso pode levar a formas severas de uma epidemia de dengue. É exatamente essa
situação que estamos vivendo neste momento em São José do Rio Preto”, diz
à Agência FAPESP Maurício Lacerda Nogueira, professor
da Famerp e um dos autores do estudo.
Por meio de um projeto apoiado pela FAPESP,
os pesquisadores vêm realizando nos últimos 20 anos a vigilância genômica e
epidemiológica de dengue e outras arboviroses (doenças causadas por vírus
transmitidos principalmente por mosquitos) em São José do Rio Preto.
A cidade do interior paulista tem experimentado
circulação endêmica de dengue nas últimas
décadas, caracterizada por surtos causados por diferentes sorotipos virais.
“A temperatura
média anual em São José do Rio Preto é de pouco mais de 25 graus e chove
aproximadamente 2 mil milímetros por ano. Essa combinação de tempo quente e
úmido cria condições ideais para a formação de reservatórios de mosquitos
transmissores de arbovírus e um local propício para o monitoramento genômico e
epidemiológico de arboviroses, como a dengue. E como trabalhamos aqui há muito
tempo, conseguimos fazer inferências epidemiológicas melhores”, explica
Lacerda.
Por meio da vigilância ativa de arbovírus em pacientes
com sintomas semelhantes aos da dengue atendidos no Hospital de Base de São
José do Rio Preto e em unidades de pronto atendimento (UPAs), os pesquisadores
observaram um aumento de casos de DENV-3 na cidade a partir do final de 2023.
Trinta e uma amostras coletadas entre novembro de 2023
e novembro de 2024 foram positivas para DENV-3. Os sintomas mais comuns dos
pacientes foram dor muscular, cefaleia e febre.
“Entre 2023 e 2024 tivemos uma epidemia de dengue em
São José do Rio Preto, causada principalmente pelos sorotipos 1 e 2. Em meados
de 2024 o DENV-1 quase desapareceu, o DENV-2 passou a ser o agente principal e
os casos de DENV-3 começaram a subir. E hoje ele é o principal agente aqui no
município”, afirma Lacerda.
O último surto de dengue no Brasil, em 2021, foi
causado por DENV-1, cuja infecção sequencial com DENV-3 demonstrou estar
associada ao aumento da gravidade durante uma epidemia de dengue, apontaram
estudos realizados por outros grupos.
“No entanto, nós não observamos o aumento da gravidade
entre os pacientes participantes do estudo que realizamos”, ponderou Lacerda.
<><> Necessidade de vigilância
ativa
Os pesquisadores também sequenciaram o genoma e
analisaram a filogenia de isolados virais coletados de amostras de sangue de
pacientes com febre aguda. Os resultados das análises indicaram que ele
pertence à mesma linhagem do identificado na Flórida, nos Estados Unidos, e na
região do Caribe, e é diferente das cepas de DENV-3 que circularam no Brasil
durante os anos 2000.
Essas descobertas indicam que o surto de DENV-3 na
região do Caribe e na Flórida entre 2022 e 2024 provavelmente contribuiu para a
introdução e disseminação do vírus por todo o país, avaliam os pesquisadores.
“Isso demonstra a necessidade da vigilância molecular e
genômica de sorotipos circulantes de dengue para os esforços de preparação e
resposta de saúde pública para o surgimento de casos da doença”, sublinha
Lacerda.
A transmissão da
dengue é
generalizada em regiões tropicais e subtropicais em todo o mundo. No entanto,
as áreas de risco se expandiram nas últimas décadas, principalmente devido às
mudanças climáticas e à expansão da distribuição do mosquito transmissor, o Aedes aegypti, apontam os pesquisadores.
O Brasil é o país mais afetado nas Américas e há muito
tempo é hiperendêmico para todos os sorotipos do vírus da dengue. Nos últimos
anos, o DENV-1 e DENV-2 foram os sorotipos mais comuns em circulação. Embora o
DENV-3 tenha sido detectado durante esse período, ele teve um número muito
baixo de casos, com menos de cem relatados em todo o território entre 2010 e
2022. No entanto, os casos aumentaram em 2023 (com 106 relatados) e continuaram
a aumentar em 2024 (com 1.008 casos).
“Estamos estudando dengue no Brasil desde 2010 e o
padrão epidemiológico é semelhante ao que aconteceu com o SARS-CoV-2 durante a
pandemia de Covid-19. Quando aparece um
sorotipo diferente ocorre o escape da imunidade pregressa da população e
acontece uma epidemia logo em seguida. Estamos vendo isso agora com a DENV-3”,
diz Lacerda.
Fonte: CNN Brasil
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