sábado, 25 de janeiro de 2025

Vacina da dengue protege contra o sorotipo 3, afirma Instituto Butantan

O Estado de São Paulo se prepara para enfrentar mais um surto de dengue: o Instituto Butantan já iniciou a produção do primeiro lote da vacina tetravalente, com 1 milhão de doses, enquanto o governo estadual anunciou ontem (23/01) a criação de um Centro de Operação de Emergência e o repasse de R$ 228 milhões para apoiar os munícipios paulistas no combate às arboviroses, entre elas a dengue.

Uma das preocupações é o ressurgimento do sorotipo 3 da dengue no Brasil após 17 anos sem circulação, o que pode levar a novos surtos da doença, já que a população não está imunizada contra essa linhagem específica. Os sorotipos 1 e 2 continuam em circulação no país.

 “Começamos a fabricar os insumos [os chamados IFAS, ou ingredientes farmacêuticos ativos] de cada um dos quatro sorotipos do vírus. A produção é contínua, porque são quatro IFAS para compor o produto. Faz sentido adiantarmos essas etapas para, assim que obtivermos o registro, já termos doses rapidamente disponíveis para a população”, diz à Agência FAPESP Gustavo Mendes, diretor de Assuntos Regulatórios, Qualidade e Ensaios Clínicos do Butantan.

pedido de registro do imunizante foi feito à Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) em dezembro e a equipe do Instituto Butantan está otimista com a possibilidade de aprovação. A expectativa é que haja uma manifestação da agência reguladora até meados de março.

Os resultados do ensaio clínico da Butantan-DV, publicados no New England Journal of Medicine no ano passado, demonstraram uma eficácia geral da vacina de 79,6% ao longo de dois anos de acompanhamento: 89,5% para DENV-1 e 69,6% para DENV-2. Apesar de ter sido desenvolvida para proteger contra todos os sorotipos, os pesquisadores não puderam avaliar a proteção contra o DENV-3 e o DENV-4 porque não foram detectados casos desses tipos no período do estudo.

De acordo com Mendes, a equipe envolvida no ensaio clínico fez uma série de testes in vitro e comparações entre os diferentes subtipos virais para extrapolar os dados de eficácia alcançados com os tipos 1 e 2 do vírus para os tipos 3 e 4 na apresentação dos resultados.

“A extrapolação é baseada na comparabilidade do tipo do vírus. Isso é um dado que é aceito na comunidade científica e pelas agências reguladoras. Já discutimos essas informações com a Anvisa previamente. Por enquanto, ainda não tivemos a formalização de um pedido da agência para um estudo específico [de fase 4] para analisar esses dois sorotipos, mas o acompanhamento pós-vacinação faz parte dos requisitos regulatórios no Brasil”, explica.

O monitoramento constante após a aprovação de uma vacina é parte obrigatória da farmacovigilância, que tem como objetivo verificar eventuais reações adversas não previstas, que podem acontecer quando a vacinação ocorre em larga escala, e investigar possíveis casos de ineficácia do imunizante. Mas ainda não está prevista a realização de um estudo de fase 4, com perguntas específicas para os sorotipos 3 e 4.

Mendes disse que o Butantan já tem uma equipe estruturada para investigar esses casos, se eles acontecerem. Mas reafirma o argumento técnico e científico de que é possível extrapolar os resultados de eficácia da vacina para os sorotipos 3 e 4 da dengue, mesmo que as pessoas não tenham sido infectadas por eles no desenvolvimento do ensaio clínico.

Aprovada pela Anvisa, o Butantan deverá enviar uma solicitação de autorização de preço à Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED). Após essa avaliação, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) vai estudar a possível incorporação da vacina ao SUS.

·        Etapas de produção

Se aprovada, a Butantan-DV será a primeira vacina do mundo em dose única contra a dengue. O instituto tem planos de fabricar em torno de 1 milhão de doses de vacinas ainda em 2025, prevendo o grande potencial de aquisição pelo Ministério da Saúde e sua incorporação no Programa Nacional de Imunizações (PNI). Outros 100 milhões de doses devem ser fabricados até o fim de 2027. “Estamos discutindo as questões técnicas de produção há muito tempo com a Anvisa. Por isso, acreditamos que, se for feita alguma sugestão de melhoria por parte da agência reguladora, não será algo que impacte a técnica de produção”, aponta Mendes.

Ele esclareceu ainda que a Anvisa não determina que a produção de um imunizante só possa começar depois do registro definitivo – isso fica a critério do próprio desenvolvedor, que assume o risco de perder essas doses. “Se produzo uma vacina agora e ela tem prazo de validade de um ano ou de 18 meses, por exemplo, esse prazo já está sendo consumido nesse período. Por isso estamos focando na produção dos insumos e não da formulação final.”

A produção da Butantan-DV acontece em etapas distintas: primeiro o instituto fabrica cada um dos tipos do vírus: 1, 2, 3 e 4 separadamente para somente depois juntá-los para fazer a formulação final da vacina.

Ontem em coletiva o governador Tarcísio de Freitas ressaltou que o imunizante só estará disponível em larga escala no próximo ano e, portanto, agora é importante focar no combate ao mosquito. “Nós temos o desafio de agora, com questões como o clima que favorece a proliferação dos vetores. O segundo problema é que muitas pessoas tiveram dengue no ano passado e a repetição favorece o desenvolvimento de uma dengue grave. Por fim, há um sorotipo diferente que está circulando. Com o que nós temos de ferramenta agora, devemos combater o vetor e nos estruturar. Cada um precisa fazer a sua parte: o cidadão, as prefeituras, já que a zeladoria terá muito efeito e o Estado de São Paulo, que dará todo o suporte.”

·        Uma década e meia de estudos

O imunizante tetravalente contra a dengue começou a ser desenvolvido em 2010, com apoio da FAPESP, a partir de uma formulação criada por pesquisadores vinculados aos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), dos Estados Unidos. Os NIH foram responsáveis pela fase 1 do ensaio clínico (2010-2012), enquanto a fase 2 (2013-2015) foi realizada no Brasil. A fase 3, que começou em 2016, também foi conduzida no país e seguiu até o ano passado, quando todos os 16.235 voluntários completaram cinco anos de acompanhamento.

Os resultados atestaram a segurança da vacina para indivíduos de 2 a 59 anos, independentemente do histórico de infecção prévia. Agora, o Butantan aguarda autorização da Anvisa para iniciar os estudos clínicos envolvendo a população com mais de 60 anos, faixa etária vulnerável ao desenvolvimento da doença. A expectativa é começar esse estudo nos próximos meses.

¨      Ressurgimento do sorotipo 3 da dengue pode agravar surtos no Brasil

O ressurgimento do sorotipo 3 da dengue (DENV-3) no Brasil após 17 anos pode contribuir para agravar novos surtos da doença no país. Isso porque a população não está imunizada contra essa linhagem e, ao mesmo tempo, os sorotipos 1 e 2 – DENV-1 e DENV-2 – continuam em circulação.

O alerta foi feito por pesquisadores da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) em artigo publicado no Journal of Clinical Virology.

 “A última epidemia significativa de DENV-3 no Brasil e, mais especificamente, em São José do Rio Preto, ocorreu há mais de 15 anos [em 2007]. Já os sorotipos DENV-1 e DENV-2 continuam circulando continuamente pelo país. Se o sorotipo 3 se estabelecer novamente e prevalecer esse quadro [de cocirculação de variantes], isso pode levar a formas severas de uma epidemia de dengue. É exatamente essa situação que estamos vivendo neste momento em São José do Rio Preto”, diz à Agência FAPESP Maurício Lacerda Nogueira, professor da Famerp e um dos autores do estudo.

Por meio de um projeto apoiado pela FAPESP, os pesquisadores vêm realizando nos últimos 20 anos a vigilância genômica e epidemiológica de dengue e outras arboviroses (doenças causadas por vírus transmitidos principalmente por mosquitos) em São José do Rio Preto.

A cidade do interior paulista tem experimentado circulação endêmica de dengue nas últimas décadas, caracterizada por surtos causados por diferentes sorotipos virais.

 “A temperatura média anual em São José do Rio Preto é de pouco mais de 25 graus e chove aproximadamente 2 mil milímetros por ano. Essa combinação de tempo quente e úmido cria condições ideais para a formação de reservatórios de mosquitos transmissores de arbovírus e um local propício para o monitoramento genômico e epidemiológico de arboviroses, como a dengue. E como trabalhamos aqui há muito tempo, conseguimos fazer inferências epidemiológicas melhores”, explica Lacerda.

Por meio da vigilância ativa de arbovírus em pacientes com sintomas semelhantes aos da dengue atendidos no Hospital de Base de São José do Rio Preto e em unidades de pronto atendimento (UPAs), os pesquisadores observaram um aumento de casos de DENV-3 na cidade a partir do final de 2023.

Trinta e uma amostras coletadas entre novembro de 2023 e novembro de 2024 foram positivas para DENV-3. Os sintomas mais comuns dos pacientes foram dor muscular, cefaleia e febre.

“Entre 2023 e 2024 tivemos uma epidemia de dengue em São José do Rio Preto, causada principalmente pelos sorotipos 1 e 2. Em meados de 2024 o DENV-1 quase desapareceu, o DENV-2 passou a ser o agente principal e os casos de DENV-3 começaram a subir. E hoje ele é o principal agente aqui no município”, afirma Lacerda.

O último surto de dengue no Brasil, em 2021, foi causado por DENV-1, cuja infecção sequencial com DENV-3 demonstrou estar associada ao aumento da gravidade durante uma epidemia de dengue, apontaram estudos realizados por outros grupos.

“No entanto, nós não observamos o aumento da gravidade entre os pacientes participantes do estudo que realizamos”, ponderou Lacerda.

<><> Necessidade de vigilância ativa

Os pesquisadores também sequenciaram o genoma e analisaram a filogenia de isolados virais coletados de amostras de sangue de pacientes com febre aguda. Os resultados das análises indicaram que ele pertence à mesma linhagem do identificado na Flórida, nos Estados Unidos, e na região do Caribe, e é diferente das cepas de DENV-3 que circularam no Brasil durante os anos 2000.

Essas descobertas indicam que o surto de DENV-3 na região do Caribe e na Flórida entre 2022 e 2024 provavelmente contribuiu para a introdução e disseminação do vírus por todo o país, avaliam os pesquisadores.

“Isso demonstra a necessidade da vigilância molecular e genômica de sorotipos circulantes de dengue para os esforços de preparação e resposta de saúde pública para o surgimento de casos da doença”, sublinha Lacerda.

transmissão da dengue é generalizada em regiões tropicais e subtropicais em todo o mundo. No entanto, as áreas de risco se expandiram nas últimas décadas, principalmente devido às mudanças climáticas e à expansão da distribuição do mosquito transmissor, o Aedes aegypti, apontam os pesquisadores.

O Brasil é o país mais afetado nas Américas e há muito tempo é hiperendêmico para todos os sorotipos do vírus da dengue. Nos últimos anos, o DENV-1 e DENV-2 foram os sorotipos mais comuns em circulação. Embora o DENV-3 tenha sido detectado durante esse período, ele teve um número muito baixo de casos, com menos de cem relatados em todo o território entre 2010 e 2022. No entanto, os casos aumentaram em 2023 (com 106 relatados) e continuaram a aumentar em 2024 (com 1.008 casos).

“Estamos estudando dengue no Brasil desde 2010 e o padrão epidemiológico é semelhante ao que aconteceu com o SARS-CoV-2 durante a pandemia de Covid-19. Quando aparece um sorotipo diferente ocorre o escape da imunidade pregressa da população e acontece uma epidemia logo em seguida. Estamos vendo isso agora com a DENV-3”, diz Lacerda.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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