Do México à
Argentina: a crise dos incêndios chega a América Latina após a emergência em Los Angeles
Os incêndios em Los
Angeles, Califórnia,
atingem níveis alarmantes. Entretanto, os países latino-americanos não estão
isentos de passar por uma situação similar. Na Patagônia argentina, no
outro extremo do continente, o fogo devastou mais de 10.100 hectares desde o
início do verão austral, afetando o Parque Nacional Nahuel Huapi, entre
outras áreas. No Chile, os incêndios florestais até este momento de 2025
provocaram a morte de três brigadistas.
Estes não são os
primeiros grandes incidentes ocorridos naquela região dos Estados Unidos,
porém, uma particularidade os colocou no centro das atenções internacionais: os
incêndios passaram de incêndios florestais a urbanos, como também aconteceu
no Chile em 2024. E não se apagam. Em menos de um mês, o incêndio
em Los Angeles – desde que eclodiu em 7 de janeiro de 2025 – provocou
não apenas a destruição de mais de 14 mil casas e infraestruturas, mas também a
perda irreparável de quase trinta vidas humanas.
Em2024, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru e Argentina foram
afetados por incêndios que causaram mortes e devastaram florestas e a sua
biodiversidade, levando inclusive alguns dos seus governos a declarar a
situação de desastre nacional.
Quão preparada está
a região para enfrentar incêndios em 2025? Segundo especialistas no assunto, há
nisso um alerta generalizado que não deve ser descartado. Este é um apelo
especial de atenção para os governos latino-americanos, geralmente
sobrecarregados em termos de capacidade, para trabalharem na prevenção, para
alocarem recursos suficientes para estratégias de gestão de incêndios e para
combaterem oportunamente os incêndios florestais. Acima de tudo, num momento em
que os efeitos das mudanças climáticas – como ventos mais fortes, temperaturas
elevadas e estiagens prolongadas – se combinam com ações humanas e incêndios
criminosos, gerando incêndios com resultados catastróficos.
“Há uma
transformação do ambiente em que o fogo se espalha e as coisas agora se
complicam sob os efeitos da mudança climática em escala planetária”,
diz Enrique Jardel, especialista mexicano em manejo de fogo e professor do
Departamento de Ecologia e Recursos Naturais da Universidade de
Guadalajara.
“Faz meio século
que falamos de gestão de incêndios, assim como falamos de planejamento urbano,
de controle da expansão desordenada das cidades e de ações de mitigação das
mudanças climáticas”, prossegue Jardel. “Agora há uma situação em que
estes fatores se entrelaçam e vemos aquele triste e mau exemplo dos incêndios
de Los Angeles, que ocorrem numa região densamente povoada, que sofreu uma
transformação significativa da paisagem e que, pelas características do seu
clima e vegetação, podemos dizer que é um dos ambientes mais inflamáveis do
mundo”, acrescenta.
“É claro que é uma
lição que devemos aprender, porque condições semelhantes podem ocorrer
na América Latina”, afirma o especialista.
Mongabay
Latam conversou com especialistas para explicar a complexa situação. Este
é o panorama latino-americano, visto a partir
do México, Colômbia, Argentina, Chile e Bolívia.
·
Argentina:
um sistema frágil de gestão de incêndios
Desde o início de
2025, a Argentina enfrenta três
incêndios florestais de grandes proporções na região da Patagônia. Na
localidade de Epuyén, província de Chubut, o fogo consumiu
aproximadamente 3.000 hectares de florestas. Segundo vários relatos da mídia
argentina, até 20 de janeiro de 2025, as chamas já haviam destruído pelo menos
50 casas e obrigado mais de 200 famílias a evacuarem a área localizada no
extremo sul do país.
Enquanto isso,
outro incêndio iniciado no final de dezembro passado no Parque Nacional
Nahuel Huapi não foi apagado. Até à data, devastou mais de 5.000 hectares
desta reserva florestal perto da fronteira com o Chile. A situação é
crítica. A combinação de tempo seco, falta de chuva, ventos fortes e fraca
capacidade de resposta do governo complicou a situação.
“A Argentina não
parece estar preparada em nível provincial ou nacional para um cenário de crise
climática que coloca as florestas andino-patagônicas em risco muito maior –
especialmente no verão”, afirma Hernán
Giardini,
coordenador da campanha do Greenpeace Argentina.
No final de
janeiro, ocorreu um terceiro foco de incêndio na região que atingiu 2.000
hectares de florestas e pastagens nativas na província de Chubut, na comuna
rural de Doctor Atilio Oscar Viglione, explica Giardini.
O especialista
sustenta que estes incêndios são um exemplo da fragilidade do sistema de gestão
de incêndios no país. “Os recursos federais para toda a questão do ambiente
foram diminuídos. Há uma decisão política de não investir muito dinheiro no
meio ambiente, o que terá repercussões no médio prazo, por exemplo, com os
brigadistas que estão em situação de fragilidade trabalhista”,
explica Giardini.
Os brigadistas não
possuem contratos permanentes e são poucos se comparados às áreas que devem ser
atendidas. Cada vez que ocorre um incêndio, outros grupos de brigadistas devem
ser mobilizados de outras províncias para as áreas afetadas.
Giardini destacou
a necessidade de maior investimento na prevenção de incêndios e em
infraestruturas de resposta rápida, assim como de uma legislação mais rigorosa
para criminalizar a destruição intencional de florestas. “Os esforços de
prevenção e infraestruturas para ataques rápidos de incêndio devem ser
aumentados significativamente – tanto a nível provincial como nacional”,
afirma.
O especialista
sugere que é necessário “que o Congresso Nacional trabalhe em
projetos que ficaram, em muitos casos, parados para a penalização da destruição
ilegal de florestas, seja por conversão com desmatamento ou com queimadas. Essa
seria mais uma ferramenta importante para deter aqueles que tentam destruir
ilegalmente as duas florestas”, finaliza Giardini.
·
Colômbia:
os riscos do combate ao fogo
O ano acaba de
começar e na Colômbia as altas temperaturas e a estação seca já
ativaram os alertas de ameaça de incêndio para 304 municípios, localizados
principalmente na região andina, segundo o Instituto de Hidrologia,
Meteorologia e Estudos Ambientais (Ideam) em seu relatório mais recente,
publicado no dia 20 de janeiro. Isto, de acordo com as autoridades, deve-se ao
fato de o país apresentar atualmente pouca nebulosidade e chuva, bem como
temperaturas máximas e elevada radiação solar, fatores que ressecaram a
vegetação, transformando-a em material potencialmente inflamável.
“Ventos fortes e
áreas anteriormente desmatadas podem fazer com que o fogo se espalhe
rapidamente com a biomassa seca e acumulada pronta para ser queimada”,
afirma Rodrigo Botero, diretor da Fundação para a Conservação e o Desenvolvimento
Sustentável (FCDS). “Que eu saiba, não existe nenhum país na América
Latina com um sistema de queimadas controladas para reduzir a biomassa
vegetal”, afirma.
Segundo Botero,
a Unidade Nacional de Gestão de Risco de Desastres (UNGRD)
da Colômbia demonstrou ter boa capacidade para obter e fornecer
informações. Esta organização dispõe de um sistema de monitoramento não apenas
de incêndios, mas de outros riscos naturais e que, por sua vez, está ligado a
instituições ambientais, ministérios, autoridades territoriais e aos bombeiros
departamentais e municipais.
No entanto, o país
enfrenta um grande problema quando se trata de lidar com incêndios de grandes
proporções. “O seu gigantesco calcanhar de Aquiles é, realmente, que é ainda um
sistema muito rudimentar, manual, onde dependemos do apoio da Força Aérea, que
tem algumas aeronaves preparadas para esse fim. É necessário o desenvolvimento
de uma frota aérea de controle de fogo robusta e permanente, independente das
Forças Militares”, explica Botero.
Durante a temporada
de incêndios florestais de 2024, o Governo declarou uma situação de desastre e
calamidade, que “marcou um ponto crítico para a Colômbia, com um aumento
significativo na frequência e gravidade destes eventos devido às altas temperaturas
globais”, reconheceu a UNGRD num comunicado publicado no dia 17 de
janeiro.
Atualmente,
anunciaram que estão se preparando para proteger áreas fundamentais durante
2025, especialmente com planos de resposta específicos para parques nacionais
considerados vulneráveis, como El Tuparro, Isla Salamanca, Cinaruco,
Sumapaz e Sierra Nevada de Santa Marta.
No
entanto, Rodrigo Botero destacou que a Colômbia apresenta
um problema particularmente grave e diferente de outros países da região: a
presença de incêndios em áreas dominadas pelos grupos armados e que colocam em
risco a integridade dos corpos de bombeiros.
“Este é um país
onde ocorrem incêndios e campos minados ao mesmo tempo; isso é muito grave,
imagina o nível de risco”, diz Botero. “A questão é tão grave que foi até
discutida nas mesas de negociação e diálogo para incluir o protocolo explícito
de cessação das hostilidades contra o pessoal que responde a desastres
naturais, incluindo os incêndios. Parece-me que este é um precedente mundial
muito importante”, afirma o especialista.
Outra questão que
considera importante é destacar que na Colômbia há uma minimização do
crime de incêndios provocados no código penal. “Deve haver um cenário de
tipificação legal para o manejo de fogo e para sua tipificação como crime nos
casos em que se comprovem a premeditação e os danos dolosos aos recursos
naturais e aos serviços ambientais”, conclui.
·
México:
manejo de fogo, uma questão pendente
No México, os
registros da Comissão Florestal Nacional (Conafor) indicam que 2024
foi um dos anos mais devastadores para o meio ambiente. Mais de 1,6 milhão de
hectares foram consumidos pelos 8.002 incêndios registrados nos 32 Estados da
República, sem exceção.
Segundo
o Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Semarnat), nos
últimos três anos o país passou por um período prolongado de estiagem, somado a
uma variação climática que favoreceu temperaturas mais altas. Os primeiros
incêndios de 2025 já se fazem notar. Até o momento, foram registrados 46
incêndios florestais em sete Estados, destruindo uma área de mais de 522
hectares, segundo o Serviço Meteorológico Nacional (SMN).
Enrique Jardel,
especialista mexicano em manejo de fogo, destaca que o México, assim como
muitos outros países do mundo, seguiu uma política de apagar os incêndios,
respondendo quase sempre de forma reativa aos incêndios, mobilizando
combatentes e investindo cada vez mais em tecnologia com máquinas e aeronaves.
Embora considere
que houve avanços nas capacidades de combate a incêndios,
para Jardel a conversa sobre o manejo de fogo com base em princípios
ecológicos ainda precisa ser feita em muitas regiões do país.
“Esta é uma questão
um tanto relegada na política ambiental e florestal, que, por si só, estão
sempre em segundo plano”, afirma Jardel. “Embora tenha havido momentos em
que os orçamentos aumentaram, a tendência nos últimos anos é de redução de
parte dos recursos aplicados a estas questões”.
Além disso,
sustenta que, “paralelamente, há uma maior transformação da paisagem, mais
pessoas vivendo em contato com áreas florestais e mudanças climáticas, e o que
observamos durante o último semestre foi que a área incendiada praticamente
triplicou em relação à média dos 30 anos anteriores”, afirma o especialista.
Com esta tendência
para uma maior área afetada pelos incêndios, Jardel sugere que se
preste especial atenção à gestão das terras florestais para alcançar atividades
eficazes de prevenção e controle de incêndios, através da gestão ecológica dos
incêndios.
“É um processo
social e, claro, implica uma política bem desenhada”, conclui o especialista.
“Esperemos que nesta administração [federal] essas questões se fortaleçam e que
não continuem relegadas a um segundo ou terceiro plano, porque no final das
contas dependem disso os recursos, o abastecimento de água das cidades e da
agricultura e, claro, a conservação da biodiversidade, por isso é uma questão
prioritária”.
·
Chile:
consequências na vida humana
Atualmente,
no Chile existem 74 focos de incêndio, dos quais 11 ainda estão sendo
combatidos, 29 controlados e 34 foram apagados, explica Estefanía
González,
vice-diretora de Campanhas do Greenpeace Chile, em entrevista
ao Mongabay Latam. As tarefas de combate aos incêndios custaram a vida de
três brigadistas privados, que trabalhavam para a empresa Servicios
Forestales Nacimiento. Suas mortes ocorreram no domingo, 19 de janeiro, durante
o combate a um incêndio florestal na região de La Araucanía.
“A situação tem
sido bastante complexa, sobretudo nas regiões centro e centro-sul do país, que
são as mais afetadas agora e também historicamente”, acrescenta. “Alguns dos
incêndios mais complexos estão ocorrendo na região de La Araucanía, na
comuna de Los Sauces, com mais de 400 hectares queimados, e na Região
Metropolitana, na região de El Canelo, com mais de 100 hectares
atingidos”, afirma González.
A temporada de
incêndios pode se prolongar até abril ou maio, razão pela qual ainda é cedo
para fazer um balanço, acredita. Por isso, a especialista pede ainda atenção
especial às regiões de interface urbano-rural e às regiões com plantações de
pinus e eucaliptos, que são altamente inflamáveis.
“Esperamos que os
esforços de prevenção funcionem, que haja uma resposta rápida aos incêndios e
que todos os recursos estejam disponíveis para combater os focos que surgirem”,
conclui.
·
Bolívia:
ao calor da emergência
Marlene
Quintanilla acredita
que os incêndios na Bolívia são vividos de forma tão descontrolada
que cada ano são mais vorazes que o anterior. “O ano de 2024 foi catastrófico”,
afirma a engenheiro florestal e diretora de Pesquisa e Gestão do Conhecimento
da Fundação Amigos da Natureza.
“10 milhões de
hectares se incendiaram, dos quais uma parte muito importante aconteceu em
florestas e em áreas nas quais, em anos anteriores, não identificamos
potenciais riscos de incêndios; até as zonas de transição
da Amazônia foram devastadas pelo fogo”, afirma a especialista.
Esta situação levou
o governo boliviano a declarar “desastre nacional” em setembro de 2024, com o
objetivo de canalizar a ajuda internacional e a transferência de recursos
econômicos para as regiões mais afetadas. Este passado recente é um alerta para
o ano que acaba de começar, considera Quintanilla.
“Houve um progresso
muito ligeiro no planejamento de como vamos enfrentar mais um ano de incêndios,
está tudo ao calor da emergência e isso é algo que se convida a mudar no país”,
afirma. “Evidentemente este é um ano particular de mais desafios onde o
contexto econômico do país também está numa condição difícil e diferente de
três anos atrás, quando tínhamos uma condição econômica em que os recursos
poderiam ter sido alocados. Este é um ano economicamente mais complexo para o
país”, afirma Quintanilla.
Dada a falta de
recursos, o melhor é reforçar a prevenção. “Em termos políticos, temos que
proteger mais ecossistemas e mais florestas, porque são eles que mitigam os
efeitos das mudanças climáticas”, afirma Quintanilla.
Além disso, é
urgente reforçar o quadro regulamentar das leis para punir de forma exemplar os
incêndios provocados por humanos. “Não existem sanções realmente exemplares
para reduzir esta pressão”, considera a especialista. Enquanto isso não
melhorar, acrescenta, haverá pessoas que usam o fogo para tomar e habilitar
terras, com incêndios que não só ocorrem na área que têm interesse em queimar,
mas que se expandirão com os ventos e a temperatura que ocorre devido aos
efeitos das mudanças climáticas.
“Na Bolívia não
temos preparação e economia suficientes para lidar com esses mega incêndios que
ocorreram na administração passada”, conclui a especialista. “Abordar a
prevenção seria a área mais importante, e o marco regulatório é fundamental
para isso”.
Fonte: Mongabay
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