Monica Hirst: Um
“pacificador” armado até os dentes
Pode
até ser que o Trump 2.0 signifique uma de-escalada das guerras e conflitos
deflagrados em diferentes pontos do planeta, muito especialmente no Oriente
Médio e na Europa Oriental. Mas não há dúvida de que assistiremos um incremento
de políticas de mão dura, coerção militar e securitização generalizada da
agenda internacional dos Estados Unidos.
O
elenco de Ordens Executivas assinadas por Trump 2.0 nas primeiras 24 horas de
sua presidência mostra uma concentração em decisões que fazem uso, como
primeira alternativa, de atributos duros de poder. De saída, observa-se um
alcance amplo dos conteúdos deste elenco, o que se associa com uma necessidade
de demonstração imediata de monopólio da força, à disposição do emprego deste
recurso pela nova administração desde um sentido vertical. Outra característica
que se repete nas decisões formalizadas é a borrosa separação entre política
doméstica e internacional; entre segurança interna e externa. Com este
propósito uma ordem executiva, curta e direta, determina o pleno alinhamento do
Departamento de Estado, do Departamento de Defesa e a Agência de Segurança
interna (Homeland Security) à premissa de América Primeiro.
As
clonadas palavras do Secretário de Estado Marco Rubio, indicaram seu estado de
prontidão (uma espécie de “yes sir” com som de obediência militar) ao declarar
que sua política externa atenderia a três objetivos essenciais: fazer os
Estados Unidos mais fortes, mais seguros e mais prósperos. Tornar esta tripla
missão no mantra da política externa americana significará deixar de lado uma
atuação guiada por valores e ideais e buscar dando máxima prioridade aos
interesses nacionais, em todas suas manifestações e preferencialmente aqueles
vinculados ao mundo privado.
O tema
migratório ganhou um sentido emblemático para a soltura da cavalaria nesta
direção. A militarização da fronteira sul e a decretação de uma situação de
emergência nacional implicou delegar ao Departamento de Defesa e à Guarda
Nacional uma ampla responsabilidade nãos ações de contenção aos “bárbaros”. O
Pentágono deverá elaborar um plano que assegure “selar as fronteiras, manter a
soberania, a integridade territorial e a segurança dos Estados Unidos,
repelindo todas as formas de invasão.” Assim, o que se conhece como a agenda
interméstica, que domina as relações dos EEUU com o seu principal vizinho ao
Sul se tornará um corolário da política de defesa e de segurança interna. Se
estabeleceu também uma estreita ponte entre a securitização da política
migratória de Trump e a designação de carteis de narcotráfico como grupos
terroristas. As ramificações entre narcotraficantes que atuam em solo nacional
e organizações criminais transnacionais- com menção a algumas de origem
latino-americanas como Trém de Aragua e Las Maras Salvatrucha(MS 13)- passarão
a ser alvo de ações militares para além das fronteiras. O Comando Militar do
Norte, que já estende seus tentáculos até o México, deverá contribuir para dar
cabo das responsabilidades que esta nova categorização envolverá.
As
primeiras declarações do novo Secretário de Estado também revelam a intenção de
mostrar os dentes no cenário mundial. Não é casual que o Estados Unidos tenha
logo tomada a providência de se retirar de âmbitos nos quais prevalecem mesas
de diálogo que prescindem da demonstração de poder militar, como o Acordo de
Paris e a Organização Mundial de Saúde e mesmo algumas agências da OCDE. Na
realidade, o multilateralismo em suas diversas possibilidades, é considerado um
campo inútil, contraproducente e ameaçador à soberania para os novos ocupantes
da Casa Branca. Em consequência deve-se esperar que os próximos quatro anos
sejam de expressivos bilateralismos, sejam para escalar conflituosidade ou
selar lealdades. Tratar-se-á de uma lógica binária de amigos e inimigos, parceiros
e cancelados, agraciados e descartados. As ações dos EUA trumpista serão
guiadas por equações estratégicas elementais, que buscarão controlar riscos por
meio da coerção militar e trabalhem com resultados rápidos.
O fim
das hostilidades Hamas-Israel representa um primeiro teste. Para o governo
Trump é essencial que Paz e petróleo encontrem um ponto de equilíbrio
beneficioso para os Estados Unidos e seus parceiros no Oriente Médio. Energia é
a meta imperial, Arabia Saudita o laço bilateral estelar e Israel a ficha
leal-dependente, que será bem agraciada por aceitar, mesmo a contragosto, fazer
o jogo do senhor. Esta simples equação até poderá tornar factível retomar uma
negociação para alcançar a solução dos dois Estados. Sempre e quando seja para
tornar um terceiro mais fortes, seguro e próspero.
¨ O Show de Trump: Política, Poder e Performance
Midiática. Por Sara York
O evento de Donald Trump se
transformou, mais uma vez, em um espetáculo midiático. Ao redor do mundo, sua
figura polariza opiniões, com um certo segmento da mídia dedicado a amplificar
sua narrativa e suas ações. A cobertura do evento pela GloboNews é um exemplo
disso, oferecendo mais tempo a Trump do que muitas emissoras americanas deram
em seu próprio país. Isso levanta uma questão: estamos dando mais poder a Trump
do que ele realmente tem? Ou será que o show está sendo, de fato, a grande
atração, enquanto a realidade política permanece em segundo plano?
<><> You`re fired! O Poder Real de
Trump e o Sistema Político Americano
A política americana, longe
de ser uma estrutura simples de analisar, apresenta nuances complexas no
momento atual. A Suprema Corte dos Estados Unidos é majoritariamente
conservadora, o que dá a Trump uma vantagem simbólica, mas isso não significa
que ele tenha total liberdade para implementar suas políticas sem resistência.
Na verdade, a maioria do Congresso Nacional, embora com uma minoria pequena na
Câmara dos Deputados, é em grande parte conservadora, enquanto no Senado, Trump
possui uma base mais sólida. No entanto, apesar disso, ele enfrenta um sistema
político que, mesmo com suas inclinações conservadoras, não mudou totalmente
por causa de um "sistema chato", como muitos chamam.
Essa situação política
ambígua levanta um ponto importante: apesar da aparente força de Trump, o
sistema americano continua robusto e resistente a mudanças radicais,
especialmente em um contexto em que a Procuradoria Geral dos Estados já se
manifestou, com alguns estados como Alabama adotando uma postura conservadora
clara. O que ocorrerá nos próximos meses, com o envolvimento dos estados e a
manifestação de outras entidades políticas, será crucial para observar se o
"grande show" de Trump será eficaz em alterar as estruturas de poder
que já existem.
<><> Cartéis como Entidades
Terroristas: Uma Proposta Polêmica
Durante o evento, uma das
propostas que chamou a atenção (talvez a única que seja útil em algum cenário)
foi a de classificar cartéis e milícias como entidades terroristas. Essa ideia,
embora controversa, gerou um acalorado debate, principalmente no que diz
respeito a sua aplicação no Brasil.
Trump, sempre provocador,
levantou o tema em um contexto de combate ao narcotráfico no México e ao
domínio de grupos criminosos em diversas partes do mundo. A proposta que ele
sugeriu foi ousada: considerar como terroristas organizações como os cartéis de
drogas e, inclusive, as milícias e facções criminosas que dominam partes do
território brasileiro. Segundo ele, esses grupos, com poder territorial e
influência, deveriam ser classificados como terroristas, uma vez que atuam de
maneira semelhante a grupos extremistas.
Para o Brasil, essa proposta
poderia ser ainda mais impactante. De um lado, uma medida que poderia realmente
ser útil no combate ao narcotráfico e ao crescente poder das milícias no país;
de outro, um perigo de se banalizar o conceito de "terrorismo" para
fins políticos, potencialmente colocando em risco a liberdade de expressão e o
direito à oposição. A sugestão de Trump levanta questões sobre os limites do
poder do Estado e a definição do que constitui realmente um
"terrorista".
<><> A Política de Trump: Show e
Realidade
Para quem acompanhou o
evento de perto, ficou claro que Trump sabe muito bem como criar um
"show" em torno de suas declarações. Ele tem o dom de transformar
qualquer ato governamental em um espetáculo midiático. A maneira como ele
apresentou o decreto foi um exemplo disso. Em vez de seguir a tradicional
formalidade política, Trump chamou jornalistas para assistir ao ato de
assinatura e deu destaque a cada palavra proferida. "Muito
importante", dizia ele a cada assinatura, destacando a importância do que
estava fazendo, mesmo que, em muitos casos, fosse apenas um gesto simbólico,
sem grande impacto prático imediato.
O discurso que se seguiu à
assinatura de diversos atos executivos foi no estilo característico de Trump:
carregado de promessas, palavras fortes e um show de personalidade. A questão
que fica no ar, entretanto, é: até que ponto essas medidas realmente significam
mudanças significativas ou se são apenas mais uma camada no espetáculo que ele
sempre soube criar?
<><> O "Show de Trump" e a
Performance Midiática
Ao longo de sua carreira
política e midiática, Trump tem mostrado uma habilidade impressionante para
transformar qualquer situação em um espetáculo. Seu programa de TV, "O
Aprendiz", foi um exemplo clássico de como ele soube manipular a imagem
pública, com a icônica frase "You're fired!" ("Você está
demitido!") virando uma marca registrada de sua personalidade pública.
Neste programa, ele usava sua autoridade para demitir os participantes com um
tom de autoridade absoluto, acompanhada de uma performance calculada para
cativar a audiência. Era um show de poder e controle, que funcionava muito bem
para manter a atenção do público e, ao mesmo tempo, gerar uma imagem de líder
decisivo.
Essa mesma abordagem foi
repetida em suas interações políticas. Durante eventos públicos e discursos,
Trump se tornou um verdadeiro "showman", usando a mídia para reforçar
sua imagem de liderança, sem necessariamente fazer algo concreto para
justificar toda a atenção recebida. O grande evento que ele promoveu
recentemente não foi diferente. Em vez de uma discussão substancial sobre
políticas ou resultados, a cobertura foi quase uma performance, com Trump
repetindo sua fórmula conhecida.
<><> O Espetáculo Internacional: Uma
Pergunta Irrelevante e a Conexão com o Brasil
E, como se fosse parte de
seu próprio show, algo inusitado aconteceu durante a coletiva de imprensa: uma
jornalista da GloboNews, de maneira completamente desconectada da realidade
americana, fez uma pergunta sobre o Brasil a Trump. Essa interação foi vista
por muitos como uma tentativa de gerar uma repercussão desnecessária,
alimentando ainda mais o espetáculo ao focar em um tema que não estava em
pauta. O que o Brasil tem a ver com Trump? A resposta, provavelmente, é pouco
ou nada. O ex-presidente dos Estados Unidos, como bem sabemos, dificilmente
demonstrou interesse sobre a política brasileira durante seu governo.
Essa intervenção da
GloboNews levanta um ponto interessante: será que a mídia, ao alimentar esse
espetáculo, não está contribuindo para dar mais poder a Trump do que ele de
fato tem? Por que focar em questões irrelevantes, como o Brasil, quando o
evento estava claramente centrado em assuntos internos dos Estados Unidos? Ou,
como sugerem alguns, seria isso apenas uma tentativa de fortalecer a narrativa
de Trump e manter sua imagem em alta? Em qualquer um dos casos, a pergunta
feita sobre o Brasil parece mais uma tentativa de dar palco a um espetáculo
midiático do que um questionamento realmente relevante para os interesses
globais.
<><> Entre o Espetáculo e o Poder Real
O "show de Trump"
continua, e, ao que parece, ele está mais forte do que nunca. Contudo, devemos
questionar até que ponto esse show está realmente refletindo seu poder político
real ou se ele está apenas explorando as brechas do sistema para manter uma
imagem de força que, muitas vezes, não corresponde à realidade das suas ações
políticas. Sua habilidade para criar uma performance midiática é inegável, mas
a grande questão que fica é: quanto desse espetáculo é de fato política, e
quanto é apenas ilusão?
A reação dos estados, a
manifestação das Procuradorias e o comportamento do Congresso e da Suprema
Corte serão fundamentais para determinar se, de fato, Trump tem poder para
realizar as transformações que promete. Até lá, o "show" continuará,
e cabe a nós observar e questionar, para não cairmos na armadilha de dar mais
importância ao espetáculo do que à política verdadeira.
Fonte: Brasil 247
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