sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Carl Beijer: Não existe um bilionário que presta

Joe Biden disse, em seu discurso de despedida:

“Quero alertar o país sobre algumas coisas que me preocupam muito. E essa é a perigosa concentração de poder nas mãos de pouquíssimas pessoas ultra-ricas, e as consequências perigosas se o abuso de poder delas não for controlado. Hoje, uma oligarquia está tomando forma na América com extrema riqueza, poder e influência que literalmente ameaça toda a nossa democracia, nossos direitos e liberdades básicas.”

Os comentários de despedida de Biden foram aclamados tanto por liberais quanto por parte da esquerda por seu raro reconhecimento da oligarquia nos Estados Unidos; Bernie Sanders, por exemplo, elogiou-o como “absolutamente certo” e acrescentou que o perigo da oligarquia é “a questão definidora do nosso tempo”.

Mas mais tarde em seu discurso, Biden acrescentou um contexto crucial a esse aviso: “Estou igualmente preocupado com o potencial surgimento de um complexo tecnológico-industrial que pode representar perigos reais para nosso país também.”

Embora dados sobre financiamento de campanha ainda não estejam disponíveis, já está claro que o Vale do Silício desempenhou um papel importante na reeleição de Trump e que já está exercendo enorme influência em seu governo. E isso, os democratas deixaram claro, é sua real preocupação: não com a vasta concentração de riqueza do capitalismo em si, mas com sua concentração específica nas mãos de doadores republicanos.

“É por isso que a democracia, em última análise, simplesmente não pode coexistir com as concentrações massivas de riqueza que são garantidas por uma economia capitalista.”

“Há muitos bilionários bons por aí que estiveram com os democratas, que compartilham nossos valores, e nós aceitaremos o dinheiro deles”, disse Ken Martin, um dos principais candidatos à presidência do Partido Democrata, em um fórum no domingo. “Mas não aceitaremos dinheiro desses bilionários ruins.”

Um problema prático com essa abordagem é que mesmo os “bons” bilionários são aliados pouco confiáveis. Durante a eleição de 2024, por exemplo, Bill Gates afirma ter doado US$ 50 milhões para uma organização sem fins lucrativos que apoiava Kamala Harris. Mas depois de uma viagem recente a Mar-a-Lago, Gates agora diz que mudou de ideia sobre Trump:

Eu senti que ele estava, você sabe, energizado e ansioso para ajudar a impulsionar a inovação. Eu fiquei francamente impressionado com o quão bem ele demonstrou muito interesse nas questões que levantei.

Da mesma forma, o cofundador do Airbnb, Joe Gebbia, que atingiu o limite de doações para Harris em 2020, agora afirma que votou em Trump:

Ele não é um fascista determinado a destruir a democracia… Ele se importa profundamente com a eficiência e os gastos do governo. (Eu também me importo com a próxima geração e adoro toda a iniciativa DOGE.) Ele se importa em trazer o bom senso de volta ao nosso país.

Biden pode alertar sobre um “complexo tecnológico-industrial” hoje, mas há apenas alguns anos que os democratas ainda consideravam plutocratas da tecnologia como Elon Musk e Marc Andreessen como “bons bilionários”. Mesmo que todos esses homens simplesmente mudassem de ideia, isso representa um problema sério para a abordagem de Martin à oligarquia: coloca todo o Partido Democrata à mercê de senhores inconstantes.

Mas é claro que há maneiras de explicar por que nossos bilionários da tecnologia mudaram de lado para além do puro capricho. Como expliquei detalhadamente no caso de Mark Zuckerberg, os bilionários da tecnologia têm incentivos comerciais poderosos para se alinharem com quem quer que esteja no poder. Eles querem contratos, querem evitar regulamentação e querem influenciar as políticas públicas — tudo com o interesse dos lucros. E esse incentivo é tão poderoso que provou ser mais do que capaz de convencer nossos bilionários da tecnologia a mudar seus alinhamentos partidários.

Ken Martin quer que acreditemos que há uma parcela definida de “bons bilionários” em quem se pode confiar para lutar pelo progresso político, mas o complexo tecnológico-industrial está nos mostrando exatamente por que esse não é o caso. Quaisquer que sejam as simpatias pessoais que nossos bilionários tenham, o capitalismo sempre os obrigará a priorizar seus interesses financeiros acima de tudo. Sempre haverá uma tendência sistemática entre os maiores doadores de campanha de se opor a regulamentações, impostos e qualquer coisa que tire os trabalhadores da precariedade e lhes dê um pingo de independência.

Existem inúmeras reformas que o Partido Democrata pode promulgar para limitar a influência de seus doadores bilionários, mas os ricos aprenderam a contornar regulamentações de financiamento de campanha no passado (por exemplo, por meio de PACs) e inevitavelmente farão isso novamente. É por isso que a democracia, em última análise, simplesmente não pode coexistir com as concentrações massivas de riqueza que são garantidas por uma economia capitalista. Em vez de esperar que “bons bilionários” trabalhem contra seus próprios interesses comerciais, os socialistas precisam lutar por um mundo onde não haja bilionários.

 

¨      60% da riqueza de bilionários vêm de herança, corrupção ou monopólio, mostra Oxfam

O novo relatório da Oxfam, organização que atua no combate às desigualdades, desfaz a crença popular de que a riqueza dos bilionários de todo o mundo vem do trabalho árduo deles e de forma merecida. Ao contrário disso, o documento mostra que grande parte é resultado, na verdade, de herança, favoritismo, monopólio de poder ou corrupção. 

Em 2024, a riqueza dos bilionários aumentou três vezes mais rápido que em 2023. O grupo, agora formado por 204 pessoas, obteve lucro de US$ 2 trilhões (cerca de R$ 12 trilhões) no ano passado. O número representa uma média de lucro de US$ 5,7 bilhões (ou R$ 34 bilhões) por dia. O relatório da Oxfam, lançado nesta segunda-feira (20), mostra que 60% de toda essa riqueza não é merecida, mas sim tomada. 

O documento faz uma análise profunda de como o colonialismo enriqueceu e continua enriquecendo um pequeno grupo de pessoas, formado por homens, brancos e de países desenvolvidos. "Nosso mundo extremamente desigual tem uma longa história de dominação colonial que beneficiou amplamente as pessoas mais ricas. Os mais pobres, as pessoas racializadas, as mulheres e os grupos marginalizados foram e continuam sendo sistematicamente explorados a um custo humano enorme", diz um trecho do relatório. 

Ao todo, 36% da riqueza dos bilionários é herdada, de acordo com a Oxfam, e os valores herdados alcançam cada vez mais níveis recordes. A organização aponta que essa transmissão intergeracional de riqueza extrema está criando uma "nova aristocracia", que sustenta e perpetua o atual sistema global extremamente injusto. 

O ano de 2023 foi o primeiro em que bilionários enriqueceram mais por herança do que por empreendedorismo. Todos os bilionários com menos de 30 anos, sem exceção, herdaram suas riquezas. A Oxfam alerta que grande parte dessa transferência de renda não será tributada, uma vez que  dois terços dos países não tributam a herança para descendentes diretos, e metade dos bilionários do mundo vive em países que não tributam a herança do dinheiro que darão a seus filhos quando morrerem. A América Latina, por exemplo, é a região com o  o maior volume de riqueza herdada, mas apenas nove países da região tributam heranças, doações e patrimônios.

"Muitos bilionários são ricos por causa do favoritismo e do uso do poder do Estado para proteger e expandir sua riqueza", afirma um trecho do relatório. Em alguns casos, o favoritismo constitui corrupção. No entanto, muitos países possuem leis criadas para permitir essas relações, que existem quando elites ricas usam sua influência pessoal para utilizar o poder do Estado para seu próprio ganho privado, ou quando funcionários do governo e empresários conspiram para manipular regras e se beneficiarem às custas dos consumidores, contribuintes e outras empresas. 

"Grande parte da riqueza dos ultra-ricos não tem a ver com o que você sabe, mas com quem você conhece: quem você pressiona, quem você entretém, cuja campanha você financia ou que pessoa você suborna. De forma geral, grande parte da riqueza extrema é o produto de conexões de favoritismo entre os mais ricos e os governos", afirmam os pesquisadores em outro trecho do relatório.

Outra forma de obtenção de riqueza pelos bilionários são os monopólios, responsáveis por intensificar a extrema pobreza em todo o mundo. Como aponta a Oxfam, as corporações monopolistas podem controlar os mercados, definir as regras e os termos de troca com outras empresas e trabalhadores e estabelecer preços mais altos sem perder negócios. Alguns dos homens mais ricos do planeta aumentam seus lucros através dessas estratégias, como: 

·        Jeff Bezos (patrimônio líquido: US$ 219,4 bilhões) construiu o “império” da Amazon. A Amazon é responsável por 70% ou mais das compras on-line na Alemanha, França, Reino Unido e Espanha.• 

·        Aliko Dangote (patrimônio líquido: US$ 11 bilhões) é a pessoa mais rica da África e detém um “quase monopólio” do cimento na Nigéria e poder de mercado em todo o continente africano. Calculamos que 18% da riqueza dos bilionários do mundo provém do poder de monopólio.

O relatório da Oxfam foi lançado em meio à reunião do Fórum Econômico de Davos 2025, que este ano tem o tema "Colaboração para a Era Inteligente". O evento conta com cerca de 3.000 líderes de mais de 130 países para discutir problemas sociais, econômicos e ambientais. 

<><> Fatos sobre os homens mais ricos do mundo

A Oxfam também reuniu três fatos sobre os homens mais ricos do mundo que encarnaram o cenário de desigualdade extrema que assola o mundo:

1.    A riqueza de cada um dos dez homens mais ricos do mundo cresceu, em média, quase US$ 100 milhões por dia em 2024;

2.    Se você fosse um dos primeiros seres humanos, há 315.000 anos atrás, guardando US$ 1.000 por dia, ainda assim não conseguiria ter a mesma quantidade de dinheiro que um dos dez bilionários mais ricos;

3.    Se qualquer um dos 10 bilionários mais ricos perdesse 99% de sua riqueza, ele ainda seria bilionário.

<><> Ações para combater as desigualdades

O relatório sugere os pontos principais para o combate à concentração de riqueza:

·        Reduzir radicalmente a desigualdade

- Os governos precisam se comprometer a garantir que, tanto globalmente quanto a nível nacional, as rendas dos 10% mais ricos não sejam mais altas do que as dos 40% mais pobres. De acordo com dados do Banco Mundial, reduzir a desigualdade poderia acabar com a pobreza três vezes mais rápido. Os governos também devem combater e acabar com o racismo, o sexismo e a divisão que sustentam a exploração econômica em curso.

·        Taxar os mais ricos para acabar com a riqueza extrema. 

- A política fiscal global deve estar sob uma nova convenção tributária da ONU, garantindo que as pessoas e corporações mais ricas paguem sua parte justa. Os paraísos fiscais devem ser abolidos. A análise da Oxfam mostra que metade dos bilionários do mundo vive em países sem imposto de herança para descendentes diretos. A herança precisa ser taxada para desmontar a nova aristocracia.

·        Acabar com o fluxo de riqueza do Sul para o Norte. 

- Cancelar dívidas e acabar com o domínio de países e corporações ricos sobre mercados financeiros e regras comerciais. Isso significa desmontar monopólios, democratizar as regras de patentes e regular as corporações para garantir que paguem salários dignos e limitem os salários dos CEOs. Reestruturar os poderes de voto no Banco Mundial, no FMI e no Conselho de Segurança da ONU para garantir uma representação justa dos países do Sul Global. Os poderosos frutos do colonialismo também devem enfrentar os danos duradouros causados por seu domínio colonial, pedir desculpas formalmente e fornecer reparações às comunidades afetadas.

·        Mudança no sistema de governança global: 

- reestruturar instituições como o FMI e o Banco Mundial para eliminar a dominância do Norte Global e promover a soberania econômica do Sul Global?

·        Reparações e justiça histórica: 

- reconhecer formalmente e fazer reparações pelos crimes do colonialismo, incluindo restituições financeiras e medidas para abordar o impacto contínuo dessa exploração histórica?

·        Fortalecimento da cooperação Sul-Sul: 

- promover acordos regionais e alianças no Sul Global para reduzir a dependência das economias do Norte Global e incentivar o desenvolvimento sustentável por meio do compartilhamento de recursos e conhecimento?.

·        Descolonização econômica: 

- combater as estruturas econômicas coloniais modernas, como a exploração por corporações multinacionais, e redistribuição de recursos globais para reduzir desigualdades extremas

 

¨      Riqueza de milionários aumentou três vezes mais rápido em 2024, afirma Oxfam

O novo relatório da Oxfam, "As custas de quem? – A origem da riqueza e a construção da injustiça no colonialismo", revela que a concentração de riqueza global atingiu níveis recordes em 2024, superando até mesmo os picos da pandemia. Em apenas um ano, surgiram mais de 200 novos bilionários, e a fortuna dos super-ricos cresceu a um ritmo vertiginoso, triplicando em comparação com 2023. De acordo com a publicação da Oxfam, o fenômeno serve de alerta para a alta concentração de renda no mundo no século XXI.

“No ano passado, a Oxfam previu um trilionário em uma década. Se as tendências atuais continuarem, haverá agora cinco trilionários em uma década. Enquanto isso, de acordo com o Banco Mundial, o número de pessoas que vivem na pobreza praticamente não mudou desde 1990”, destaca um trecho do relatório citado pelos pesquisadores. (O documento pode ser acessado ao final da matéria).

É o fato de que mais trabalho não gera riquezas. Entre os mais de 2,9 mil bilionários, a média de crescimento das fortunas foi de US$ 2 milhões por dia. Já os dez bilionários mais ricos obtiveram uma média de US$ 100 milhões diários. O trabalhador brasileiro que recebe um salário mínimo precisaria de 109 anos de trabalho ininterrupto para acumular R$ 2 milhões.

Riquezas não merecidas

Segundo a Oxfam, a maior parte da riqueza dos bilionários é tomada, não conquistada. Cerca de 60% da fortuna dos bilionários é originada de uma dessas três fontes: herança, nepotismo e corrupção, ou o controle de monopólios. Alguns dos listados no estudo foram Jeff Bezos, Aliko Dangote, Elon Musk e Warren Buffett.

“Estamos vendo esse poder bilionário global se manifestar na posse do presidente bilionário Trump, apoiado pelo homem mais rico do mundo, Elon Musk. Trump quer usar seu poder sobre a maior economia do mundo para cortar impostos para os ultra-ricos e megacorporações, às custas do resto de nós”, diz a organização.

Os bilionários resolveram criar uma "biliocracia" a partir dos EUA e expandi-la para outros países. Musk, que gastou 1,5 bilhão de reais para eleger Trump, está se imiscuindo em todas as eleições do planeta. Seu alvo agora é a Alemanha, onde pretende levar ao poder a extremista de direita Alice Weidel, da AfD, partido que está sendo investigado por suas conexões com o neonazismo.

O número de bilionários inclusive cresceu mais que o de empreendedores.

Em um mundo onde a fortuna de alguns aumenta exponencialmente a cada ano, essa conta se torna ainda mais absurda: para alcançar US$ 2 milhões, considerando a cotação atual, seriam necessários incríveis 650 anos de trabalho. O Produto Interno Bruto (PIB) global apresentou um crescimento de cerca de 3,2%, atingindo uma cifra impressionante de US$ 106,7 trilhões em 2023, segundo o Banco Mundial. 

<><> 45% da renda mundial na mão de poucos

Esse valor representa um aumento significativo em relação aos US$ 33,86 trilhões registrados em 2000, para uma população mundial que, de acordo com a ONU, já ultrapassou a marca de 8 bilhões de pessoas. No entanto, essa expansão econômica não se traduziu em uma distribuição equitativa de riqueza. 

Enquanto a Organização das Nações Unidas celebrou a "redução" dos índices de extrema pobreza, de 29,3% para 9% da população mundial no mesmo período, a Oxfam alerta que a concentração de renda continua alarmante: os 10% mais ricos detêm, isoladamente, 45% de toda a riqueza mundial.

Os 125 bilionários mais ricos do planeta destinam tanto dinheiro a indústrias poluentes que são responsáveis por emitir, em média, 3 milhões de toneladas de carbono anualmente. Quanto mais investem em combustíveis fósseis, mais protegem o seu uso, independentemente das consequências para o restante do mundo. 

Uma matéria da Fórum mostrou que a economia mundial pode sofrer uma queda de até 50% em seu PIB entre os anos de 2070 e 2090 devido aos impactos devastadores das mudanças climáticas, caso não sejam tomadas ações imediatas para promover a descarbonização e a recuperação ambiental.

Além disso, em apenas 10 dias, o 1% mais rico do planeta esgotou o que seria sua cota justa de emissões de carbono para o ano de 2025, de acordo com outra análise da Oxfam GB. Nesse curto período, cada integrante dessa elite emitiu, em média, 2,1 toneladas de dióxido de carbono. Em contraste, uma pessoa pertencente à metade mais pobre da população mundial levaria três anos para causar o mesmo impacto ambiental.

<><> Norte Global segue concentrando riqueza

O estudo também aponta a conexão entre a continuidade do colonialismo, a centralidade das instituições financeiras no Norte Global e a concentração de instituições culturais, como universidades de prestígio e empresas de tecnologia, com a dificuldade de combater a concentração de riqueza. 

Essa dinâmica está ligada a uma lógica de transferência, que envolve a taxação de alimentos e insumos essenciais, afetando mais as populações pobres, além de uma imposição de altas taxas de juros e um sistema rigoroso de pagamento de dívidas externas, sob a supervisão de organismos como o Fundo Monetário Internacional. O 1% mais rico do Norte Global extraiu US$ 30 milhões por hora do Sul Global em 2023. Segundo o estudo, a situação global só não está ainda mais grave devido ao crescimento asiático, especialmente na China, que contribuiu para tirar centenas de milhares de pessoas da pobreza.

“Usando os dados orçamentários mais recentes sobre a situação dos trabalhadores, níveis de tributação e gastos públicos de 161 países, a Oxfam e a Development Finance International apresentam um quadro mais atualizado no Índice de Compromisso com a Redução da Desigualdade. O índice revela tendências negativas na grande maioria dos países desde 2022. Quatro em cada cinco países reduzirão a fatia de seus orçamentos destinada à educação, saúde e/ou proteção social; quatro em cada cinco países reduziram a tributação progressiva; e nove em cada dez países retrocederam em direitos trabalhistas e salários mínimos”, informa a Oxfam.

 

Fonte: Tradução de Caue S. Ameni, em Jacobin Brasil/Fórum

 

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