Viroses nas
praias cobram a conta da falta de financiamento
Nos primeiros dias do ano,
moradores e turistas da Baixada Santista sofreram com surtos de gastroenterite,
uma doença que causa diarreia, vômito e náusea. "Penso que o caso de São
Paulo acendeu uma luz amarela forte", alertou a professora de Oceanografia
da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Monica Ferreira da Costa.
"Porque esses eventos podem se tornar cada vez mais frequentes e mais
impactantes."
Embora a Baixada Santista
tenha chamado a atenção da mídia devido à grande quantidade de casos de
gastroenterite, o problema é recorrente em muitas praias brasileiras no verão.
Cidades de Santa Catarina e Paraná também registraram aumento da doença em
2025, pressionando o sistema de saúde.
Ainda não foi encontrada a
origem dos surtos em São Paulo, mas especialistas dizem que há uma forte
correlação com a falta de saneamento básico adequado. Esgoto não tratado e lixo espalhado nas cidades vão parar nos rios e,
depois, no mar, levando junto patógenos como vírus, bactérias, fungos e vermes.
"Tudo o que você pode pegar no esgoto você pode pegar na praia, inclusive
na areia", salientou Costa.
A Secretaria do Estado da
Saúde de São Paulo (SES) encontrou o norovírus, um patógeno geralmente
transmitido por via fecal-oral, em amostras das fezes de pacientes em Guarujá e
em Praia Grande. Por isso, nesse caso, a gastroenterite está sendo chamada de
virose.
Costa, especialista em
poluição marinha, destaca que, além da falta de saneamento adequado,
principalmente de coleta e tratamento de esgoto, outro fator pode fazer os
surtos ficarem mais frequentes e impactantes: as mudanças climáticas.
"As mudanças climáticas estão
facilitando a sobrevivência desses microrganismos e ajudando na sua dispersão
pelo meio ambiente. Porque há o aumento da temperatura da água e maior
quantidade de água doce chegando ao mar, já que as chuvas estão mais
frequentes, intensas e duradoras", explicou a pesquisadora.
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O impacto no turismo
Além da saúde, o turismo foi
afetado em São Paulo. Segundo o Sindicato de Hotéis, Restaurantes, Bares e
Similares da Baixada Santista e Vale do Ribeira (SinHoRes), 19% das
reservas foram canceladas na primeira semana do ano. "Nós nos preparamos o
ano inteiro para a temporada de verão. Além das reservas canceladas,
provavelmente muitas pessoas deixaram de procurar a região", disse o
presidente do sindicato, Arthur Veloso.
A Federação de Hotéis,
Restaurantes, Bares e Similares do Estado de São Paulo (FHORESP), da qual Veloso
é conselheiro, cobrou o governo de São Paulo. Em um ofício, reclamou que os
surtos de viroses, além de arrastões, têm sido recorrentes há várias temporadas
e se agravaram "com força desproporcional neste início de ano".
Falando a jornalistas,
o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, culpou os esgotos clandestinos
pela crise e alegou que a situação vai melhorar com mais investimentos da
Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).
Em nota à DW, a Sabesp
afirmou que "o surto de virose registrado no litoral paulista não tem
relação com suas operações. Os sistemas de água e esgoto da região operam
normalmente e são monitorados 24 horas por dia."
O SinHoRes considera que a
situação está normalizada, mas a pauta do saneamento básico deve ser
priorizada. "Virou assunto número um nosso. Tivemos que virar especialista
em tratamento de esgoto e de água e em balneabilidade de praia. Porque sem isso
nós perdemos nosso maior motor, nossa força de atração, que são as
praias."
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Ganhos bilionários
Ao mesmo tempo em que o
setor de turismo é impactado pela falta de saneamento, também é causa do
problema, de acordo com Luana Siewert Pretto, presidente executiva do Instituto
Trata Brasil, uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público
especializada em saneamento básico e proteção dos recursos hídricos.
"Há um movimento muito
grande de pessoas para determinadas regiões por conta do turismo nas férias e
em determinadas épocas do ano. Se a localidade não tratar o esgoto, ele vai
para a natureza. O ideal seria ter primeiro coleta e tratamento de esgoto, para
atrair depois as pessoas", avaliou.
Para Pretto, o setor de
turismo está se voltando para a questão, mas bem menos do que deveria.
"Cada vez mais o turismo está pensando neste problema. Porque um
surto desses como no litoral de São Paulo prejudica muito o setor. Mas ainda há
um longo caminho. A preocupação do setor ainda é baixa", avaliou.
Um estudo do Trata Brasil
mostrou que o setor de turismo teria um ganho de R$ 80 bilhões com acesso
universal ao saneamento básico até 2040. "As pessoas não querem ir a um
local onde ficam doentes. Então isso prejudica o turismo naquela localidade.
Infelizmente, em muitos locais, o saneamento básico ainda é visto como aquele
ditado: obra enterrada não dá votos."
O Novo Marco Legal do
Saneamento estabelece que até 2033 o Brasil precisa universalizar o acesso à
água potável (99%) e à coleta e tratamento de esgoto (90%). O estudo do Trata
Brasil indica que, mantendo o atual ritmo, a meta seria cumprida somente em
2070, com um atraso de 37 anos.
Para Pretto, uma
oportunidade de mudar este cenário são os novos mandatos de prefeito, já que o
saneamento básico é uma prerrogativa municipal. "Os ciclos são longos nos
projetos de saneamento básico. É preciso fazer o projeto de engenharia, o
licenciamento ambiental e depois a obra, para só depois melhorar os
indicadores. Se não fizermos nada hoje, vamos continuar convivendo com esses
surtos."
·
Praias próprias ou impróprias?
Uma das formas de perceber a
poluição das praias são as medições de balneabilidade, regulamentadas pelo
Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A análise verifica se a água está
própria ou imprópria para o banho, ou seja, podendo ter patógenos como vírus ou
bactérias.
Um levantamento do jornal Folha de S. Paulo mostrou que a
qualidade das praias brasileiras caiu ao pior nível desde 2016, quando o jornal
começou a fazer a pesquisa – em 2020 os dados não ficaram disponíveis por causa
da pandemia. A pesquisa mostrou que das 861 praias que tiveram sua
balneabilidade medida todos os anos, apenas 258 foram consideradas boas.
Uma tese de doutorado
analisou a balneabilidade das praias da costa leste do nordeste brasileio e
também identificou, na média, piora nos índices. "Foi possível constatar que
a balneabilidade, apesar de ser influenciada por fatores meteorológicos e
oceanográficos, como quantidade de precipitação e alterações de maré, o
principal fator de queda é a falta de saneamento ambiental", escreveu a
pesquisadora Cibele Rodrigues da Costa.
O saneamento básico é
geralmente comparado a uma mesa, em que cada perna representa um componente:
abastecimento de água potável; esgotamento sanitário; gestão de resíduos sólidos (coleta de lixo); e drenagem e manejo de águas pluviais. Sem um desses pilares, o todo
fica desequilibrado.
Na análise da professora
da UFPE, o tratamento de esgoto é uma das pernas que mais precisa de
atenção, junto com a coleta de lixo. "Se fizéssemos o tratamento de
esgoto, estaríamos nos livrando dos vírus, das bactérias, dos fungos, dos
vermes. E estaríamos livrando a fauna e a flora marinha também dessas coisas –
e de cafeína, cocaína, fármacos, excesso de matéria orgânica, de óleo, de
metais pesados."
¨ Pântano do
Sul expõe desafio para manter praias limpas
Quando a corrente vem do
sul, a praia do Pântano do Sul, em Florianópolis (SC), recebe muitos itens
inesperados ou indesejados. Vaca, porco, árvores e muito lixo já foram trazidos
pelas correntes marítimas. "O mar só quer o que é dele. O que não é, ele
joga nas praias ou nos costões", disse o pescador Nilton Costa, 57 anos.
O lixo transportado pelas
correntes marinhas é um dos motivos que fez o Pântano do Sul figurar como a
praia com a maior densidade de macrorresíduos, macroplásticos e microplásticos entre 306
praias analisadas. Os dados são do raio-x dos resíduos na costa brasileira,
produzido pela Sea Shepherd Brasil e pelo Instituto Oceanográfico da
Universidade de São Paulo (USP) e divulgado em 19 de setembro.
Os moradores da região
argumentam que as amostras foram coletadas após uma ressaca, quando os resíduos na praia são muito
mais volumosos do que o usual, distorcendo os dados. Os autores do estudo – que
ainda não foi publicado em uma revista científica – também pediram cautela na
análise dos dados de cada praia, devido à pouca representatividade do tamanho
da amostragem.
O problema é que muitos
veículos jornalísticos exageraram nos seus títulos, chamando o Pântano do Sul de
a "praia mais poluída do Brasil". Além de tirar as informações de
contexto, a maioria das reportagens sequer informou que a água do mar é
considerada própria para banho nesta praia, de acordo com Instituto de Meio
Ambiente de Santa Catarina (IMA).
Ao olhar para a situação do
Pântano do Sul, no entanto, é possível perceber o grande desafio para manter as
praias limpas, já que plásticos e microplásticos não respeitam fronteiras.
"O estudo mostra o que
é possível encontrar nas praias brasileiras, até onde a poluição pode chegar.
Não significa que, se eu for agora ao Pântano do Sul, o número será o
mesmo", explicou a presidente da Sea Shepherd Brasil, Nathalie Gil.
"O que se encontra na praia é um indicativo da má gestão de resíduos como
um todo. Não só de Florianópolis, mas de outras cidades do entorno de Santa
Catarina e muito além, por causa das correntes marítimas."
<><> Onipresença
do plástico
O estudo encontrou plástico
na areia de todas as praias analisadas. Além disso, em 97% delas achou
microplástico, que são fragmentos menores que 5 milímetros – tamanho semelhante
ao de um grão de ervilha.
Os pesquisadores esperavam
encontrar muito plástico, mas a quantidade os surpreendeu, segundo a presidente
da Sea Shepherd Brasil. De todos os macrorresíduos, 91% pertenciam a essa
categoria – o restante eram materiais como vidro, papel e cerâmica. Um estudo
internacional identificou que, no mundo, a porcentagem de plástico nas praias
em relação aos outros resíduos é de 62%.
Ao comparar as praias, o
estudo colocou o Pântano do Sul no topo do ranking de todos os indicadores.
"Pelas fotos que a gente viu, percebemos que a pesquisa foi feita após uma
ressaca. Como a praia é de mar aberto e virada para o sul, ela recebe tudo que
é sujeira de outras praias", disse o presidente da Associação de Moradores
de Pântano do Sul, Wagner Leandro de Lima.
Essa análise é compartilhada
pelos pescadores. Eles disseram que, quando colocam a rede no mar, deixando-a
de um dia para o outro, pegam também muito lixo, como garrafas pet, potes de
plástico e até aparelhos eletrônicos.
<><>
Praia de pescadores
Para a professora de
Oceanografia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e coordenadora do
Laboratório de Poluição e Geoquímica Marinha (LaPoGeo), Juliana Leonel, as
notícias trataram a praia do Pântano do Sul de forma descontextualizada.
"Ir na praia uma vez e
fazer uma medida resulta em uma fotografia do momento. E o próprio relatório,
em mais de um momento, faz essa ressalva", alertou. De acordo com Leonel,
muitas variáveis podem alterar os dados, como o tipo de praia, a estação do
ano, a maré e o horário em que foi feita a coleta, além de eventos
meteorológicos como uma ressaca ou a passagem de uma frente fria.
O Pântano do Sul é uma
tradicional praia de pescadores no sul da Ilha de Santa Catarina. Por ser calma
e ter diversos restaurantes, atrai muitas famílias com crianças. A presença de
plásticos não chamou a atenção da reportagem em um primeiro momento, quando
esteve lá no dia 18 de outubro.
Olhando com atenção, no
entanto, dava para ver pedaços de papel de bala, bitucas de cigarro e uma
garrafa pet. Em alguns locais, era possível ver pequenos aglomerados de
pedacinhos de plásticos coloridos. Mas nada que parecesse justificar a pecha de
"praia mais poluída do Brasil".
Gustavo Salgado, 55 anos, e
Cláudia Calvi, 43 anos, são de Buenos Aires. Ambos estavam curtindo a praia no
dia em que a reportagem esteve no Pântano do Sul. Para eles, a praia é limpa.
"Vocês cuidam bem da praia. Na Argentina nós vemos muito mais lixo, como
bitucas de cigarro", ele disse. "Perto das praias de Buenos Aires,
aqui é o paraíso", ela avaliou.
<><> O grande
problema dos microplásticos
Por serem tão pequenos, os
microplásticos entram na cadeia alimentar dos animais marinhos, chegando aos
seres humanos. "Os efeitos toxicológicos foram confirmados em todos os
níveis da organização em biologia, e há evidências de possíveis efeitos sobre a
saúde humana", afirmou um estudo liderado por Richard C. Thompson,
apelidado de "padrinho dos microplásticos".
Até pelo crescente interesse
no tema, a quantidade de microplásticos encontrados no Pântano do Sul chamou a
atenção: 144 por m². Bem maior que a segunda colocada, a Praia do Centro, em
Mongaguá (SP), com 83 por m², e a Praia do Rizzo, também em Florianópolis, com
78 por m².
Em 2018, uma pesquisa de
mestrado orientada pela professora Juliana Leonel identificou 64 microplásticos
por m² na mesma praia. "Também foi um estudo pontual em que não tivemos a
oportunidade de repetir a medição. Mas esses dados mostram que a concentração
quase dobrou. Pode ser que esteja aumentando a quantidade de microplástico que
chega ali ou pode ser uma diferença em relação aos vários parâmetros que
citei", refletiu.
Mas ao comparar os dados
encontrados pelo Sea Shepherd com outros estudos, há valores mais altos. Uma
pesquisa publicada em 2021 na Marine Pollution Bulletin analisou as praias de
Fernando de Noronha. Em algumas delas não foi encontrada nenhuma partícula,
enquanto na praia do Atalaia, por exemplo, foram detectados 1.059 microplásticos
por m² – cerca de sete vezes mais do que no Pântano do Sul.
<><> Políticas
públicas locais e globais
Há vários fatores que
influenciam a presença de resíduos nas praias, como a poluição local e a que
chega pelo mar. "Encontramos plásticos em lugares isolados, como nos
Lençóis Maranhenses, ou no Pará, onde andávamos duas horas em áreas de mangue
para chegar na praia. É chocante", contou a presidente do Sea Shepherd.
O Tratado Global sobre Plásticos da Organização das Nações
Unidas (ONU), aprovado em 2022, é considerado
importante para o tema. Mas ainda não saiu do papel. "O tratado também
foca muito nessa logística reversa, na circularidade. Ele não está focando na
produção, em exigir das indústrias que elas fechem a torneira do plástico
virgem [fabricado diretamente pelo petróleo]", avaliou.
Em termos de Brasil, o
estudo aponta dois projetos de leis como fundamentais: o PL 2524/2022, que
trata da gestão de plásticos, e o PL 1874/2022, voltado à economia circular.
A prefeitura de
Florianópolis, em nota, salientou que os "microplásticos nas praias não
são resultado de poluição local, mas sim de resíduos transportados por
correntes oceânicas oriundas de outras regiões". O município não informou
se pretende tomar alguma atitude específica sobre resíduos nas praias da cidade
a partir do estudo.
A Secretaria de Estado do
Meio Ambiente e Economia Verde de Santa Catarina, estado onde foram encontradas
as maiores concentrações de microplásticos no Brasil segundo o estudo, informou
que está "articulando ações com a USP, que coordena a implementação da
rede Oceano Limpo no Brasil, para elaboração de um plano estadual de combate ao
lixo no mar".
Outro estudo orientado pela
professora da UFSC mostra a importância de políticas integradas. Publicado
na Marine Pollution Bulletin,
mostrou que microplásticos chamados de pellets poderiam viajar de Itajaí a
Florianópolis, percurso de aproximadamente 80 quilômetros, em dois dias. Como
se popularizaram a partir da Segunda Guerra Mundial, muitos plásticos e
microplásticos ainda estão viajando pelo planeta.
Fonte: DW Brasil
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