sábado, 25 de janeiro de 2025

Mariza de Melo Foucher: O poder mundial da extrema direita - Capital financeiro, redes sociais e as ameaças à democracia

Nesses últimos meses ando reticente a escrever textos sobre minhas interrogações políticas. Penso que o espaço de reflexão política vem diminuindo face ao acúmulo de desinformações, muitas das quais mastigadas sem digestão, nas redes sociais. Paradoxalmente agimos nos espaços digitais criados principalmente para desacreditar ou aniquilar a política. Eis a contradição dos aficionados da ciência política que tentam resistir ao avanço dessa estratégia ideológica desenvolvida pelos patrões das plataformas digitais para desconstruir a soberania dos estados assim como os valores que deram embasamento à democracia e aos direitos humanos. É importante ressaltar que os argumentos em nome da liberdade de expressão ameaçam a democracia e exaltam as ideologias nazistas e fascistas. 

A liberdade de expressão é o resultado de muitas lutas ao longo da história. Esta liberdade fundamental foi consagrada em 1789 na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (DDHC), que afirma no seu artigo 10: “Ninguém será perturbado pelas suas opiniões, mesmo religiosas, desde que a sua manifestação não implique perturbar a 'ordem pública estabelecida por lei'. Estes princípios definidos com a revolução francesa estão logicamente bem presentes nas redes sociais e poderíamos afirmar que é a pedra angular da democracia que encoraja a livre circulação das ideias. A liberdade de expressão é um direito fundamental, definido e garantido por lei. Qualquer que seja a opinião que se tenha sobre a liberdade de expressão, ela está intimamente ligada à questão do conviver e estreitamente relacionada à questão da democracia. 

O surgimento das redes sociais nos espaços públicos, trouxe sem dúvida nenhuma tremenda oportunidade para a liberdade de expressão, todavia, a falta de regulação vai trazer grandes riscos sociais ligados a bolhas de informação ou à disseminação em massa de conteúdos de ódio e desinformação. 

 As plataformas vêm gerando pressão de muitos países que passaram a definir regras específicas diante dos abusos de internautas. Todavia, cada vez mais em nome da liberdade de expressão as redes sociais cometem os mais sórdidos abusos. Os patrões das plataformas digitais entram em guerra contra qualquer sorte de regulação dos estados. E, em nome da liberdade de expressão, eles ameaçam as soberanias dos estados e o que é de mais fundamental: o funcionamento das instituições democráticas que estabelece deveres e obrigações para a sociedade. A liberdade de expressão não é aplicada da mesma forma em todos os países. Depende da legislação, da cultura, das tradições, dos regimes políticos etc. 

O Estado democrático deve garantir a proteção de cada cidadão, permitindo protegê-lo independentemente das suas opiniões, religião ou origem social. A lei, portanto, ajuda a garantir a paz entre os cidadãos ao limitar comentários de ódio e atitudes apelativas à violência. Na União Europeia, temos leis que protegem a liberdade de expressão na internet. Hoje está comprovado o perigo de autorizar as plataformas o papel de árbitro e deixá-las determinar o que constitui ou não liberdade de expressão

·        A vitória da oligarquia americana

Hoje eu me sinto perplexa com a leitura das análises sobre os dois dias de comemorações da vitória Trumpista, nas rádios, televisões e nos jornais do qual sou leitora aqui em Paris. Refiro-me também aos jornais e canais alternativos presentes nas redes sociais no Brasil (eu não suporto mais ler a imprensa conservadora brasileira há anos). O que mais me chamou atenção foi a convergência dos diagnósticos sobre o domínio da futura governança mundial do atual Presidente Trump, tendo em vista o poder econômico de seus apoiadores. 

É possível constatar que gigantes da tecnologia – De Elon Musk a Jeff Bezos, Marc Andreessen, e Peter Thiel (a Gafam) e parte da elite do Vale do Silício aderiram a Trump em um esforço para maximizar os lucros com o segundo mandato presidencial. Podemos dizer que uma oligarquia estava consolidada e se apropriava do poder:  inteligência artificial, controle numérico, exército privado… Eles têm 530 trilhões de dólares e um plano: administrar a América como um negócio. A democracia acabou, abram caminho para os CEOs (estratégias de peritos Google). A conclusão parece confirmar que não há mais necessidade de democracia, não há mais necessidade de debates. Apenas um poder concentrado em poucas mãos. Assim, esta nova tecnologia vai remodelando o mundo a seu bel-prazer e critério ideológico. Os governantes da Europa e outros países com seus cidadãos e cidadãs atordoados estão assistindo da sacada, e como se fossem vassalos, o novo império Trump/Elon. 

No dia da posse de Donald Trump as câmaras televisivas, em ampla maioria, focalizaram os homens mais ricos do mundo! Esta imagem ilustra que desde o início do mandato Trump todos querem ganhar simpatia do grande Chefão temendo, tanto pelos seus negócios como pelo futuro da regulamentação do setor. Da GAFAM à Maga, incluindo o slogan "Make America Great Again", o tema de campanha de Donald Trump, se torna realidade.

Elon Musk ganha notoriedade e poder. Identifica-se claramente com a extrema direita que ele vem ajudando na organização, tanto dentro dos EEU como em outros países. O exemplo mais recente tem sido sua interferência na Europa e no Brasil. Recentemente, ele declarou seu apoio ao partido nazista alemão: "Só a AFD pode salvar a Alemanha". Ressalte-se que o bilionário americano Elon Musk, hoje o braço direito de Donald Trump, interferiu de fato na campanha eleitoral na Alemanha ao apoiar Alice Weidel do partido de extrema direita, dois meses antes da eleição. da votação de fevereiro. Elon Musk apoia com entusiasmo a chefe do governo italiano, a fascista Giorgia Meloni, a líder da extrema direita que ele considera um "gênio". Além disso, ele se encontrou com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, uma figura importante da direita fascista, quando este o visitou na Flórida, no início de dezembro.

·        A apologia ao nazismo é crime! 

      Elon Musk com seu poder financeiro e político ao lado de Trump pensa que tudo é possível! O seu gesto foi perfeitamente consciente! Várias vozes no mundo se levantaram para condenar o gesto do bilionário, todavia, percebendo o impacto negativo logo surgiram imediatamente alguns seguidores para defendê-lo negando que seu gesto era uma saudação nazista. Além disso eles apostam na ignorância dos internautas. A historiadora Claire Aubin, especialista em nazismo nos Estados Unidos, considerou que o gesto de Elon Musk foi de fato um "Sieg Heil". Outra historiadora e especialista em fascismo, Ruth Ben-Ghiat, também declarou no X que "era de fato uma saudação nazista, e bastante agressiva". 

  O gesto nazista de Elon Musk não deve ser banalizado, ele imitou Hiller na sua exaltação ao nazismo. Sua plataforma digital se transforma em um instrumento de propaganda nazifascista. O ideal seria conclamar uma resistência e todos os progressistas, humanistas do mundo deveriam fechar sua conta do X! Este seria um ato de resistência internacional!

Não podemos deixar ao Vale do Silício Americano definir o nosso futuro com uma ideologia que nos levou a segunda guerra mundial e a barbárie nazista que provocou a morte de judeus, homossexuais, ciganos e outras minorias que segundo esta ideologia poderia degenerar a supremacia branca na Europa.

·        Internacionalismo da democracia numérica para enfrentar a propaganda nazifascista. 

Hoje diante da reorganização da extrema direita mundial com amplo apoio financeiro da oligarquia do governo Big Tech é urgente uma refundação internacional da democracia. É fundamental iniciar o debate sobre as transformações políticas necessárias para enfrentar esses desafios do século XXI: aumento das desigualdades sociais, crise da representação política, mudanças climáticas, falta de democracia na esfera econômica, falta da presença dos jovens na democracia etc.

É fundamental a organização de campanhas internacionais para criar uma aliança para combater essas ideologias nazifascistas que hoje estão associadas ao fundamentalismo religioso. Temos que dispor de um fundo financeiro para instrução pedagógica nas escolas para explicar esta ideologia e o mal que representa qualquer ditadura, destacando a democracia como imprescindível às conquistas humanitárias. É crucial demonstrar para os jovens a importância da tolerância e respeito a todas as religiões e a soberania do espaço público em uma república laica. Aprofundar inclusive o significado deste respeito. 

·        Como enfrentar a supremacia da extrema direita nas Redes sociais, Web TV, influenciadores…? 

Esta vitória sobre as forças progressistas não se deve ao acaso, mas sim a uma estratégia bem planejada e a uma mobilização constante nas redes que impõem os debates e as ideias do movimento. Essa constatação é alarmante. Segundo observadores, incluindo vários cientistas, a Europa está fora do jogo. Como todos os países do mundo, com exceção dos Estados Unidos e, em menor grau, a China, seu destino está nas mãos da Big Tech. 

Para se libertar da dependência europeia das Big Tech, é necessária uma política digital não alinhada. São sugestões do professor de Economia Política Cédric Durant da Universidade de Geneva e da professora Cecilia Rikap Economista e chefe de pesquisa no Instituto de Inovação e Propostas Pública da University College London. Eles finalizam um artigo no Le Monde de 9 de janeiro dizendo: Para pôr fim à colonização numérica dos Estados Unidos de D. Trump eles propõem a construção de uma opção não alinhada com a participação dos cidadãos, dos Estados e empresas, quebrando assim a soberania digital em um único país. A França e a Europa podem encontrar aliados para criar um conjunto digital que atenda aos métodos de desenvolvimento escolhidos pelos povos. O Brasil que tem sua democracia ameaçada de forma permanente pode participar desta frente de resistência, inclusive com reuniões de cortes jurídicas para reforçar os instrumentos de proteção às fake-news e propagandas nazifascista.

Em síntese, não é somente o mundo científico que se encontra ameaçado face o monopólio das Bigs Techs americanas. A democracia é a primeira a ser amordaçada em nome do falso slogan erroneamente denominado por “liberdade de expressão”.

 E a colaboração para o desenvolvimento dessa proposta tirou-me da condição de mera perplexidade. Senti que o mal-estar tem que se exprimir em palavras e gestos.

 

¨      O novo CEO do império e os feudatários patéticos. Por Pedro Maciel

Encontrei o Beto no Ventura Mall, não o via desde a 8ª série.

O Beto é um “coleguinha” da escola estadual Gustavo Marcondes, lá no Taquaral, onde estudei da 4ª à 8ª séries; ele era “bom de bola” (jogávamos futebol de salão nas quadras da Lagoa do Taquaral, pois a escola não tinha quadras na época e as aulas de educação física aconteciam lá).

Encontrá-lo trouxe lembranças de um tempo de grandes descobertas, protegidas pela ingenuidade da infância e instigadas pela curiosidade corajosa da pré-adolescência; lembramos do passe-escolar; dos ônibus da CCTC; que não tínhamos “uniforme escolar”, mas um avental branco no qual era bordado no bolso o brasão da escola; rimos muito de todas as nossas certezas.

Foi no Gustavo Marcondes que descobri, graças à professora de Educação Moral e Cívica, que a Política pode mudar algumas coisas  no mundo; aprendemos a levar à Dona Therezinha, diretora da escola, as demandas dos alunos, desde que o pedido fosse feito “de maneira formal, através de um oficio da diretoria do Centro Cívico”; disputamos as eleições e vencemos (talvez a minha militância política tenha começado no Gustavo Marcondes aos doze anos e não no movimento secundarista a partir do 2º colegial no Vitor Meireles como eu sempre digo).

Conversamos também sobre Ponte Preta, nossa paixão, e depois demoradamente refletimos sobre a inflexão à direita que acontece no mundo; sentamos para um café na Kopenhagem.

Lamentamos esse giro à right e, em alguns lugares, à far right; concordamos que a ascensão da direita e extrema-direita no mundo pode ser compreendida comparando-a com o período entre-guerras (de 1918 e 1939), época que gestou o fascismo e o nazismo.

No período entre-guerras, enquanto os EUA viviam o “boom industrial”, na Europa, destruída pela guerra, a miséria era grande; o tratado de Versalhes e a Liga das Nações impuseram grande e injusto sofrimento à Alemanha, derrotada na guerra.

Do sofrimento do povo alemão nasceram: desencanto, revanchismo, ultranacionalismo anti-liberal e o desejo do expansionismo militar; o desencanto criou o ambiente necessário para a ascensão de lideranças carismáticas e messiânicas.

Se no período entre-guerras o desencanto com a democracia liberal criou as condições para a ascensão de Hitler, Mussolini, Franco e Salazar, atualmente os povos de todo o mundo estão desencantados com a mesma democracia liberal, guardiã do capitalismo.

Fato é que a democracia liberal é incapaz de “entregar” o desejado Estado de bem-estar social, pois ela existe para garantir o processo de acumulação de riqueza nas mãos de poucos, não para distribuir a riqueza produzida.

O atual sentimento de desencanto foi percebido pela extrema-direita, que passou as últimas décadas construindo a versão, aceita e tida como verdade, de que: “a esquerda é a causa de todos os males”, o anticomunismo está presente novamente, como na época do nazismo.

Essa narrativa é aceita como verdade pelos ressentidos e desencantados, mesmo que não guarde nenhuma conexão com a realidade, especialmente se pensarmos que o mundo bipolar deixou de existir há quase quarenta anos e, se as coisas não estão boas, a responsabilidade é do capitalismo.

Falando do capitalismo, Beto e eu chegamos à posse de Trump, o 47º Presidente dos Estados Unidos da América. As imagens da posse reafirmaram o conhecido caráter imperial e messiânico do qual a extrema-direita estadunidense se orgulha.

Foi uma festa do Império, para a qual foram convidados apenas aqueles que farão parte, direta ou indiretamente, de um governo imperial, de forte inspiração no Nazismo alemão e que atenderá aos interesses do (a) mercado financeiro e (b) das grandes plataformas como “X”, Facebook, Instagram, dentre outras.

Alguns parlamentares brasileiros, feudatários do Império, estiveram por lá, para assistir a posse, mas apenas passaram vergonha; foram barrados e assistiram o evento na calçada, na neve ou em alguma TV no hotel ou telão de rua, tudo pago com dinheiro público do contribuinte brasileiro; os parlamentares de extrema-direita, além de cafonas, ignorantes e mentirosos, são como tumores malignos com enorme capacidade comunicacional.

O fato é que o mundo mudou e nós da esquerda, que acreditamos num mundo onde os direitos coletivos devem conviver em harmonia com os direitos individuais, não sabemos como dar eficiência à nossa militância num mundo que é grandemente digital, perdemos a capacidade comunicacional (ou nos tornamos tão arrogantes que deixamos de ouvir o povo?).

Assistir as imagens da posse do novo CEO, Chief Executive Officer, do Império  me levou de volta ao livro “Império”, de Michael Hardt e Antonio Negri, um livro audacioso que busca reconceituar as bases do pensamento político, econômico, filosófico, cultural e antropológico a partir de uma perspectiva pós-moderna.

Os autores, um italiano e um estadunidense, propuseram um inovador mapa conceitual do mundo contemporâneo, reinterpretando os conceitos e significados de Estado, política, soberania, globalização, além de visitarem autores fundamentais como Espinosa, Marx, Maquiavel, Foucault, Deleuze, Guattari, dentre outros.

O livro é de 2001, li e reli apaixonado, mas a sua sequência: “Multidão: guerra e democracia na era do Império”, que ainda está lá na minha interminável pilha de “leituras pendentes”, aliás a minha vida é uma interminável lista de pendências, que coexistem ao lado de erros de todas as naturezas.

Defendo a ideia de que nós da esquerda “perdemos o bonde da História”, não sabemos mais o que fazer e o Livro de Hardt e Negri pode dar alguns bons caminhos e boas pautas.

Foi bom encontrar o Beto, relembrar da escola “Gustavo Marcondes”, das aulas de educação física no Taquaral, do Centro Cívico e da coragem que tínhamos, aos doze anos, de levarmos reivindicações à D. Therezinha, nossa diretora.

Boas lembranças e algumas reflexões.

 

Fonte: Brasil 247

 

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