Mariza de
Melo Foucher: O poder mundial da extrema direita - Capital financeiro, redes
sociais e as ameaças à democracia
Nesses
últimos meses ando reticente a escrever textos sobre minhas interrogações
políticas. Penso que o espaço de reflexão política vem diminuindo face ao acúmulo
de desinformações, muitas das quais mastigadas sem digestão, nas redes sociais.
Paradoxalmente agimos nos espaços digitais criados principalmente para
desacreditar ou aniquilar a política. Eis a contradição dos aficionados da
ciência política que tentam resistir ao avanço dessa estratégia ideológica
desenvolvida pelos patrões das plataformas digitais para desconstruir a
soberania dos estados assim como os valores que deram embasamento à democracia
e aos direitos humanos. É importante ressaltar que os argumentos em nome da
liberdade de expressão ameaçam a democracia e exaltam as ideologias nazistas e
fascistas.
A
liberdade de expressão é o resultado de muitas lutas ao longo da história. Esta
liberdade fundamental foi consagrada em 1789 na Declaração dos Direitos do
Homem e do Cidadão (DDHC), que afirma no seu artigo 10: “Ninguém será
perturbado pelas suas opiniões, mesmo religiosas, desde que a sua manifestação
não implique perturbar a 'ordem pública estabelecida por lei'. Estes princípios
definidos com a revolução francesa estão logicamente bem presentes nas redes
sociais e poderíamos afirmar que é a pedra angular da democracia que encoraja a
livre circulação das ideias. A liberdade de expressão é um direito fundamental,
definido e garantido por lei. Qualquer que seja a opinião que se tenha sobre a
liberdade de expressão, ela está intimamente ligada à questão do conviver e
estreitamente relacionada à questão da democracia.
O
surgimento das redes sociais nos espaços públicos, trouxe sem dúvida nenhuma
tremenda oportunidade para a liberdade de expressão, todavia, a falta de
regulação vai trazer grandes riscos sociais ligados a bolhas de informação ou à
disseminação em massa de conteúdos de ódio e desinformação.
As
plataformas vêm gerando pressão de muitos países que passaram a definir regras
específicas diante dos abusos de internautas. Todavia, cada vez mais em nome da
liberdade de expressão as redes sociais cometem os mais sórdidos abusos. Os
patrões das plataformas digitais entram em guerra contra qualquer sorte de
regulação dos estados. E, em nome da liberdade de expressão, eles ameaçam as
soberanias dos estados e o que é de mais fundamental: o funcionamento das
instituições democráticas que estabelece deveres e obrigações para a sociedade.
A liberdade de expressão não é aplicada da mesma forma em todos os países.
Depende da legislação, da cultura, das tradições, dos regimes políticos
etc.
O
Estado democrático deve garantir a proteção de cada cidadão, permitindo
protegê-lo independentemente das suas opiniões, religião ou origem social. A
lei, portanto, ajuda a garantir a paz entre os cidadãos ao limitar comentários
de ódio e atitudes apelativas à violência. Na União Europeia, temos leis que
protegem a liberdade de expressão na internet. Hoje está comprovado
o perigo de autorizar as plataformas o papel de árbitro e deixá-las determinar
o que constitui ou não liberdade de expressão
·
A vitória da oligarquia americana
Hoje
eu me sinto perplexa com a leitura das análises sobre os dois dias de
comemorações da vitória Trumpista, nas rádios, televisões e nos jornais do qual
sou leitora aqui em Paris. Refiro-me também aos jornais e canais alternativos
presentes nas redes sociais no Brasil (eu não suporto mais ler a imprensa
conservadora brasileira há anos). O que mais me chamou atenção foi a
convergência dos diagnósticos sobre o domínio da futura governança mundial do
atual Presidente Trump, tendo em vista o poder econômico de seus
apoiadores.
É
possível constatar que gigantes da tecnologia – De Elon Musk a Jeff Bezos, Marc
Andreessen, e Peter Thiel (a Gafam) e parte da elite do Vale do Silício
aderiram a Trump em um esforço para maximizar os lucros com o segundo mandato
presidencial. Podemos dizer que uma oligarquia estava consolidada e se
apropriava do poder: inteligência artificial, controle numérico, exército
privado… Eles têm 530 trilhões de dólares e um plano: administrar a América
como um negócio. A democracia acabou, abram caminho para os CEOs (estratégias
de peritos Google). A conclusão parece confirmar que não há mais necessidade de
democracia, não há mais necessidade de debates. Apenas um poder concentrado em
poucas mãos. Assim, esta nova tecnologia vai remodelando o mundo a seu
bel-prazer e critério ideológico. Os governantes da Europa e outros países com seus
cidadãos e cidadãs atordoados estão assistindo da sacada, e como se fossem
vassalos, o novo império Trump/Elon.
No dia
da posse de Donald Trump as câmaras televisivas, em ampla maioria, focalizaram
os homens mais ricos do mundo! Esta imagem ilustra que desde o início do
mandato Trump todos querem ganhar simpatia do grande Chefão temendo, tanto
pelos seus negócios como pelo futuro da regulamentação do setor. Da GAFAM à
Maga, incluindo o slogan "Make America Great Again",
o tema de campanha de Donald Trump, se torna realidade.
Elon
Musk ganha notoriedade e poder. Identifica-se claramente com a extrema direita
que ele vem ajudando na organização, tanto dentro dos EEU como em outros
países. O exemplo mais recente tem sido sua interferência na Europa e no Brasil.
Recentemente, ele declarou seu apoio ao partido nazista alemão: "Só a AFD
pode salvar a Alemanha". Ressalte-se que o bilionário americano Elon Musk,
hoje o braço direito de Donald Trump, interferiu de fato na campanha eleitoral
na Alemanha ao apoiar Alice Weidel do partido de extrema direita, dois meses
antes da eleição. da votação de fevereiro. Elon Musk apoia com entusiasmo a
chefe do governo italiano, a fascista Giorgia Meloni, a líder da extrema
direita que ele considera um "gênio". Além disso, ele se encontrou
com o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orban, uma figura importante da direita
fascista, quando este o visitou na Flórida, no início de dezembro.
·
A apologia ao nazismo é crime!
Elon
Musk com seu poder financeiro e político ao lado de Trump pensa que tudo é
possível! O seu gesto foi perfeitamente consciente! Várias vozes no mundo se
levantaram para condenar o gesto do bilionário, todavia, percebendo o impacto
negativo logo surgiram imediatamente alguns seguidores para defendê-lo negando
que seu gesto era uma saudação nazista. Além disso eles apostam na ignorância
dos internautas. A historiadora Claire Aubin, especialista em nazismo nos
Estados Unidos, considerou que o gesto de Elon Musk foi de fato um "Sieg
Heil". Outra historiadora e especialista em fascismo, Ruth Ben-Ghiat,
também declarou no X que "era de fato uma saudação nazista, e bastante
agressiva".
O
gesto nazista de Elon Musk não deve ser banalizado, ele imitou Hiller na sua
exaltação ao nazismo. Sua plataforma digital se transforma em um instrumento de
propaganda nazifascista. O ideal seria conclamar uma resistência e todos os
progressistas, humanistas do mundo deveriam fechar sua conta do X! Este seria
um ato de resistência internacional!
Não
podemos deixar ao Vale do Silício Americano definir o nosso futuro com uma
ideologia que nos levou a segunda guerra mundial e a barbárie nazista que
provocou a morte de judeus, homossexuais, ciganos e outras minorias que segundo
esta ideologia poderia degenerar a supremacia branca na Europa.
·
Internacionalismo da democracia numérica para
enfrentar a propaganda nazifascista.
Hoje
diante da reorganização da extrema direita mundial com amplo apoio financeiro
da oligarquia do governo Big Tech é urgente uma refundação internacional da
democracia. É fundamental iniciar o debate sobre as transformações políticas
necessárias para enfrentar esses desafios do século XXI: aumento das
desigualdades sociais, crise da representação política, mudanças climáticas,
falta de democracia na esfera econômica, falta da presença dos jovens na
democracia etc.
É
fundamental a organização de campanhas internacionais para criar uma aliança
para combater essas ideologias nazifascistas que hoje estão associadas ao
fundamentalismo religioso. Temos que dispor de um fundo financeiro para
instrução pedagógica nas escolas para explicar esta ideologia e o mal que
representa qualquer ditadura, destacando a democracia como imprescindível às
conquistas humanitárias. É crucial demonstrar para os jovens a importância da
tolerância e respeito a todas as religiões e a soberania do espaço público em
uma república laica. Aprofundar inclusive o significado deste respeito.
·
Como enfrentar a supremacia da extrema
direita nas Redes sociais, Web TV, influenciadores…?
Esta
vitória sobre as forças progressistas não se deve ao acaso, mas sim a uma
estratégia bem planejada e a uma mobilização constante nas redes que impõem os
debates e as ideias do movimento. Essa constatação é alarmante. Segundo
observadores, incluindo vários cientistas, a Europa está fora do jogo. Como
todos os países do mundo, com exceção dos Estados Unidos e, em menor grau, a
China, seu destino está nas mãos da Big Tech.
Para
se libertar da dependência europeia das Big Tech, é necessária uma política
digital não alinhada. São sugestões do professor de Economia Política Cédric
Durant da Universidade de Geneva e da professora Cecilia Rikap Economista e
chefe de pesquisa no Instituto de Inovação e Propostas Pública da University
College London. Eles finalizam um artigo no Le Monde de 9 de janeiro dizendo:
Para pôr fim à colonização numérica dos Estados Unidos de D. Trump eles propõem
a construção de uma opção não alinhada com a participação dos cidadãos, dos
Estados e empresas, quebrando assim a soberania digital em um único país. A
França e a Europa podem encontrar aliados para criar um conjunto digital que
atenda aos métodos de desenvolvimento escolhidos pelos povos. O Brasil que tem
sua democracia ameaçada de forma permanente pode participar desta frente de
resistência, inclusive com reuniões de cortes jurídicas para reforçar os
instrumentos de proteção às fake-news e propagandas nazifascista.
Em
síntese, não é somente o mundo científico que se encontra ameaçado face o
monopólio das Bigs Techs americanas. A democracia é a primeira a ser amordaçada
em nome do falso slogan erroneamente denominado por “liberdade
de expressão”.
E
a colaboração para o desenvolvimento dessa proposta tirou-me da condição de
mera perplexidade. Senti que o mal-estar tem que se exprimir em palavras e gestos.
¨ O novo CEO
do império e os feudatários patéticos. Por Pedro Maciel
Encontrei
o Beto no Ventura Mall, não o via desde a 8ª série.
O Beto
é um “coleguinha” da escola estadual Gustavo Marcondes, lá no Taquaral, onde
estudei da 4ª à 8ª séries; ele era “bom de bola” (jogávamos futebol de salão
nas quadras da Lagoa do Taquaral, pois a escola não tinha quadras na época e as
aulas de educação física aconteciam lá).
Encontrá-lo
trouxe lembranças de um tempo de grandes descobertas, protegidas pela
ingenuidade da infância e instigadas pela curiosidade corajosa da
pré-adolescência; lembramos do passe-escolar; dos ônibus da CCTC; que não
tínhamos “uniforme escolar”, mas um avental branco no qual era bordado no bolso
o brasão da escola; rimos muito de todas as nossas certezas.
Foi no
Gustavo Marcondes que descobri, graças à professora de Educação Moral e Cívica,
que a Política pode mudar algumas coisas no mundo; aprendemos a levar à
Dona Therezinha, diretora da escola, as demandas dos alunos, desde que o pedido
fosse feito “de maneira formal, através de um oficio da diretoria do Centro
Cívico”; disputamos as eleições e vencemos (talvez a minha militância política
tenha começado no Gustavo Marcondes aos doze anos e não no movimento
secundarista a partir do 2º colegial no Vitor Meireles como eu sempre digo).
Conversamos
também sobre Ponte Preta, nossa paixão, e depois demoradamente refletimos sobre
a inflexão à direita que acontece no mundo; sentamos para um café na
Kopenhagem.
Lamentamos
esse giro à right e, em alguns lugares, à far right; concordamos que a ascensão
da direita e extrema-direita no mundo pode ser compreendida comparando-a com o
período entre-guerras (de 1918 e 1939), época que gestou o fascismo e o
nazismo.
No
período entre-guerras, enquanto os EUA viviam o “boom industrial”, na Europa,
destruída pela guerra, a miséria era grande; o tratado de Versalhes e a Liga
das Nações impuseram grande e injusto sofrimento à Alemanha, derrotada na
guerra.
Do
sofrimento do povo alemão nasceram: desencanto, revanchismo, ultranacionalismo
anti-liberal e o desejo do expansionismo militar; o desencanto criou o ambiente
necessário para a ascensão de lideranças carismáticas e messiânicas.
Se no
período entre-guerras o desencanto com a democracia liberal criou as condições
para a ascensão de Hitler, Mussolini, Franco e Salazar, atualmente os povos de
todo o mundo estão desencantados com a mesma democracia liberal, guardiã do
capitalismo.
Fato é
que a democracia liberal é incapaz de “entregar” o desejado Estado de bem-estar
social, pois ela existe para garantir o processo de acumulação de riqueza nas
mãos de poucos, não para distribuir a riqueza produzida.
O
atual sentimento de desencanto foi percebido pela extrema-direita, que passou
as últimas décadas construindo a versão, aceita e tida como verdade, de que: “a
esquerda é a causa de todos os males”, o anticomunismo está presente novamente,
como na época do nazismo.
Essa
narrativa é aceita como verdade pelos ressentidos e desencantados, mesmo que
não guarde nenhuma conexão com a realidade, especialmente se pensarmos que o
mundo bipolar deixou de existir há quase quarenta anos e, se as coisas não
estão boas, a responsabilidade é do capitalismo.
Falando
do capitalismo, Beto e eu chegamos à posse de Trump, o 47º Presidente dos Estados
Unidos da América. As imagens da posse reafirmaram o conhecido caráter imperial
e messiânico do qual a extrema-direita estadunidense se orgulha.
Foi
uma festa do Império, para a qual foram convidados apenas aqueles que farão
parte, direta ou indiretamente, de um governo imperial, de forte inspiração no
Nazismo alemão e que atenderá aos interesses do (a) mercado financeiro e (b)
das grandes plataformas como “X”, Facebook, Instagram, dentre outras.
Alguns
parlamentares brasileiros, feudatários do Império, estiveram por lá, para
assistir a posse, mas apenas passaram vergonha; foram barrados e assistiram o
evento na calçada, na neve ou em alguma TV no hotel ou telão de rua, tudo pago
com dinheiro público do contribuinte brasileiro; os parlamentares de extrema-direita,
além de cafonas, ignorantes e mentirosos, são como tumores malignos com enorme
capacidade comunicacional.
O fato
é que o mundo mudou e nós da esquerda, que acreditamos num mundo onde os
direitos coletivos devem conviver em harmonia com os direitos individuais, não
sabemos como dar eficiência à nossa militância num mundo que é grandemente
digital, perdemos a capacidade comunicacional (ou nos tornamos tão arrogantes
que deixamos de ouvir o povo?).
Assistir
as imagens da posse do novo CEO, Chief Executive Officer, do Império me
levou de volta ao livro “Império”, de Michael Hardt e Antonio Negri, um livro
audacioso que busca reconceituar as bases do pensamento político, econômico,
filosófico, cultural e antropológico a partir de uma perspectiva pós-moderna.
Os
autores, um italiano e um estadunidense, propuseram um inovador mapa conceitual
do mundo contemporâneo, reinterpretando os conceitos e significados de Estado,
política, soberania, globalização, além de visitarem autores fundamentais como
Espinosa, Marx, Maquiavel, Foucault, Deleuze, Guattari, dentre outros.
O
livro é de 2001, li e reli apaixonado, mas a sua sequência: “Multidão: guerra e
democracia na era do Império”, que ainda está lá na minha interminável pilha de
“leituras pendentes”, aliás a minha vida é uma interminável lista de
pendências, que coexistem ao lado de erros de todas as naturezas.
Defendo
a ideia de que nós da esquerda “perdemos o bonde da História”, não sabemos mais
o que fazer e o Livro de Hardt e Negri pode dar alguns bons caminhos e boas
pautas.
Foi
bom encontrar o Beto, relembrar da escola “Gustavo Marcondes”, das aulas de
educação física no Taquaral, do Centro Cívico e da coragem que tínhamos, aos
doze anos, de levarmos reivindicações à D. Therezinha, nossa diretora.
Boas
lembranças e algumas reflexões.
Fonte: Brasil 247
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