Economia prateada:
oportunidades e desafios do envelhecimento
"A economia
brasileira passará, progressivamente, a girar em torno da produção e do consumo
da população de 50 anos e mais de idade", escreve José
Eustáquio Diniz Alves,
doutor em demografia.
<><> Eis
o artigo.
·
O
envelhecimento populacional e a economia prateada
O Brasil,
durante a maior parte dos 500 anos da sua história, sempre foi um país com uma
estrutura etária jovem, uma vez que mais de 50% da população tinha menos de 20
anos. As taxas de mortalidade e natalidade eram altas e a expectativa de vida
era baixa. A economia brasileira, quase que completamente, girava em torno da
produção e do consumo da população abaixo de 50 anos de idade.
Mas esta situação
começou a mudar com a redução das taxas de mortalidade ao longo do século XX –
especialmente depois do fim da Segunda
Guerra Mundial –
e com o início da diminuição generalizada da taxa de fecundidade (número médio
de filhos por mulher) a partir da década de 1970.
O avanço
da transição demográfica (queda das taxas de mortalidade e
natalidade) gerou uma mudança da estrutura etária, com redução da proporção de
crianças e jovens e o aumento progressivo das camadas adultas e mais idosas da
população. Desta forma, o Brasil experimentou uma grande transformação
demográfica nas últimas seis décadas. Pela primeira vez em cinco séculos, nos
anos 2000, haverá mais idosos do que crianças e adolescentes no país. Também, pela
primeira vez, haverá decrescimento
da população total
do país a partir de 2042.
O gráfico abaixo
mostra a evolução de quatro grupos etários da população
brasileira de
1950 a 2100, segundo dados da Divisão de População da ONU. A população de
0-14 anos era de 22,7 milhões de crianças e adolescentes em 1950, cresceu até o
pico de 53,3 milhões em 1993, caiu para 45,3 milhões em 2015 (quando foi
ultrapassado pelo grupo 50 anos e +), deve chegar a 39,3 milhões de pessoas em
2029 (quando será superado pelo grupo 60 anos e +), vai continuar diminuindo
até 23,4 milhões de pessoas em 2084 (quando será ultrapassado pelo grupo 80
anos e +) e deve terminar o século com 20,2 milhões de crianças e adolescentes
em 2100.
A população total
do Brasil era de 53,4 milhões de habitantes em 1950, chegou a 201,7
milhões em 2015, deve atingir o pico de cerca de 220 milhões de habitantes em
2042, iniciando uma fase de decrescimento até 163,4 milhões de
habitantes em 2100. A população total deve ter um crescimento total de 3,1
vezes entre 1950 e 2100.
A população de 50
anos e mais de idade era de 4,8 milhões de pessoas em 1950, passou para 46,3
milhões em 2015 (quando superou o grupo 0-14 anos) vai continuar subindo até o
pico de 98,8 milhões de pessoas em 2067 e deve diminuir para 85 milhões de
pessoas em 2100. A população de 50+ deve ter um crescimento de 18 vezes entre
1950 e 2100.
A população de 60 anos e
mais de idade era de 2,1 milhões de pessoas em 1950, passou para 24,2 milhões
em 2015 e deve chegar a 40 milhões de pessoas em 2029 (quando superará o grupo
0-14 anos). Deve atingir o pico de 72,3 milhões de pessoas em 2070 e vai
diminuir para 65,2 milhões de pessoas em 2100. A população de 60+ deve ter um
crescimento de 31 vezes entre 1950 e 2100.
A população de 80
anos e mais de idade era de 184 mil pessoas em 1950, passou para 2,9 milhões em
2015, deve chegar a 23,5 milhões de pessoas em 2084 (quando superará o grupo
0-14 anos) e deve continuar crescendo até 24 milhões de pessoas em 2100. A
população de 80+ deve ter um crescimento de 131 vezes entre 1950 e 2100.
Portanto, o grupo
das crianças e jovens de 0-14 anos que representavam mais de 40% da população,
na maior parte da história brasileira, vai ser ultrapassado pelo grupo 50+ em
2015, será ultrapassado pelo grupo 60+ em 2029 e será superado pelo grupo 80+
em 2084. A população de 50 anos e mais de idade, que representava menos de 10%
da população brasileira em meados do século passado, concentrará mais
da metade da população total do país antes de 2100. No século XXI, pela
primeira vez na história humana, haverá mais idosos, de diferentes gerações, do
que crianças e adolescentes na sociedade.
Desta forma,
a economia
brasileira passará,
progressivamente, a girar em torno da produção e do consumo da população de 50
anos e mais de idade. O crescimento da proporção da população do topo
da pirâmide etária e o envelhecimento da idade média da força de
trabalho são indicadores da transformação de uma economia que tinha sua
dinâmica baseada na população jovem para uma economia fortemente dependente da
produção e do consumo da população prateada (com 50 anos e mais de idade).
·
A
economia prateada
O conceito geral
da economia prateada é complexo e ainda está em formação. Mas a
literatura sobre o tema ganhou destaque, inicialmente, por meio da divulgação
de documentos da OCDE e da União Europeia. A Comissão Europeia (2009)
definiu a economia prateada como as oportunidades econômicas existentes e
emergentes que se desenvolvem como resultado do aumento dos gastos do governo e
do consumidor, bem como das necessidades específicas de pessoas com 50 anos ou
mais, resultantes do envelhecimento da população. Por outro lado, a economia
prateada é reconhecida pela OCDE (2014) como a produção prateada, ou seja,
que produz e entrega produtos e serviços direcionados aos idosos, moldando o
ambiente no qual pessoas com 50 anos e mais cooperam e alcançam sucessos no
local de trabalho, se envolvem em projetos inovadores, ajudam no desenvolvimento
socioeconômico e
levam vidas saudáveis, ativas e produtivas.
Desta forma, a
economia prateada, ou “Silver economy”, refere-se ao conjunto de atividades
econômicas que abarcam as contribuições, as necessidades e as demandas da
população idosa, especialmente de 50 anos e mais de idade. Com o envelhecimento
da população se espraiando por todos os quadrantes do planeta, a economia
prateada tem ganhado cada vez mais destaque e atenção. A economia prateada
atinge todas as áreas da sociedade e da economia, mas os setores mais
impactados são:
# Saúde: Serviços
de saúde, cuidados de longa duração, medicamentos e tecnologia médica para
atender cuidados geriátricos, doenças crônicas e garantir uma melhor qualidade
de vida.
# Habitação:
Desenvolvimento de infraestrutura e moradias adaptadas e seguras, com design
acessível e serviços assistenciais integrados.
# Lazer e turismo:
Viagens voltadas para idosos, com infraestrutura e serviços adaptados, como
pacotes turísticos que levam em conta mobilidade e saúde.
Seguros e
finanças: Produtos financeiros específicos, como seguros de saúde e planos de
previdência.
# Oportunidades
de emprego: O envelhecimento
da população também
gera oportunidades diante do aumento da oferta de mão de obra de uma força de
trabalho madura e mais experiente.
# Inovação e
tecnologia: Startups e grandes empresas têm investido no desenvolvimento
de tecnologias que ajudem a melhorar a qualidade de vida dos idosos, como
soluções para telemedicina, dispositivos de assistência, e aplicativos
para saúde
mental e
física.
# Economia
e consumo: A população idosa tem um poder de compra significativo, seja em
função das camadas com maior poder de poupança ou por ter acesso a políticas
públicas de garantia de renda como a aposentadoria rural e o Benefício de
Prestação Continuada (BPC).
Evidentemente, o
envelhecimento populacional e a economia prateada trazem desafios que
precisam ser enfrentados, assim como trazem oportunidades:
·
Desafios
# Produtividade: À
medida que os trabalhadores envelhecem, pode haver uma diminuição da produtividade
física em
algumas ocupações, especialmente nas que exigem esforço físico. Contudo, os
trabalhadores mais velhos tendem a compensar isso com experiência, conhecimento
e atuação na economia virtual e de serviços.
# Aposentadorias: O
aumento do número de trabalhadores se aposentando pode levar a escassez
de mão de obra em alguns setores, uma demanda por novos trabalhadores
qualificados e uma redução da razão de suporte (queda na proporção da população
em idade convencional de trabalhar).
# Custos de saúde:
Com o envelhecimento populacional e uma força de trabalho mais velha, os custos
com planos de saúde e bem-estar tendem a aumentar para empregadores e governos,
pressionando o sistema de saúde e as políticas de seguridade
social.
·
Oportunidades
# Capacitação e
requalificação: Com o aumento da expectativa de vida e da longevidade, muitas pessoas
permanecem produtivas por mais tempo, o que abre espaço para programas de
requalificação profissional, voltados para trabalhadores mais idosos,
adaptando-os para novas demandas do mercado de trabalho e adaptação
às novas tecnologias.
# Valorização da experiência:
Trabalhadores mais velhos possuem um conhecimento acumulado valioso para a
organização. Além disso, seu perfil estável pode contribuir para a menor
rotatividade e a transversalidade do processo de envelhecimento. A diversidade
etária nas
empresas facilita a transferência de conhecimento e habilidades entre gerações,
reduzindo os efeitos da discriminação e do etarismo.
# Novos mercados:
O envelhecimento da população também cria uma demanda crescente por produtos e
serviços voltados para a longevidade, como cuidados de saúde especializados,
produtos de tecnologia assistiva e moradias
adaptadas.
A força de trabalho mais velha pode ser integrada a essas novas indústrias,
especialmente por já conhecerem bem as necessidades desse público.
# Tecnologia assistiva: Tecnologia
definida como produtos, equipamentos, dispositivos, recursos, metodologias,
estratégias, práticas e serviços que tenham como objetivo promover a
funcionalidade, relacionada à atividade e à participação das pessoas com
mobilidade reduzida, visando à sua autonomia, independência, qualidade de vida
e inclusão social.
# Sustentabilidade ambiental: A economia
prateada pode contribuir de forma significativa para a sustentabilidade
ambiental. Esse impacto ocorre de diversas maneiras, com o potencial de
influenciar práticas de consumo, inovação tecnológica e planejamento
urbano mais sustentáveis. Os idosos tendem a ter hábitos de consumo mais
moderados e conscientes em comparação com gerações mais jovens, priorizando a
qualidade e durabilidade dos produtos em vez de tendências descartáveis.
# Uso de Tecnologias
Verdes:
Com o avanço da economia prateada, há uma demanda crescente por tecnologias que
melhorem a qualidade de vida dos idosos de forma sustentável. Isso inclui
tecnologias verdes, como dispositivos de saúde que utilizam menos energia,
sistemas de telemedicina que reduzem a necessidade de deslocamentos e soluções
para casas
inteligentes que
monitoram a saúde e a eficiência energética dos lares.
Os defensores
da economia tradicional e do crescimento econômico indefinido e a
qualquer custo interpretam o envelhecimento populacional conjugado com o decrescimento
demográfico como
“suicídio populacional” ou “inverno demográfico”, como se fossem fatores
geradores de uma recessão demoeconômica catastrófica. Contudo, diante da
Sobrecarga da Terra e da crise
climática e ambiental,
a megatendência do envelhecimento, seguida do decrescimento populacional, é um
fato inexorável. Todavia, a economia prateada, a despeito dos desafios, pode
transformar o “inverno demográfico” em primavera social e ambiental.
·
O
terceiro bônus demográfico ou dividendo prateado
Todo processo de
envelhecimento populacional é precedido por uma janela de oportunidade
demográfica.
O 1º bônus demográfico, ou bônus da estrutura etária, ocorre quando a proporção
da população em idade ativa aumenta em relação à proporção de jovens e de
idosos. Mas o 1º bônus demográfico é uma oportunidade temporária (tem
data de começo e de término) e seu aproveitamento depende de como um país
gerencia e capitaliza essa oportunidade para promover o desenvolvimento
econômico, social e ambiental.
Em geral, as
sociedades enriquecem e eliminam a pobreza e a fome se a sociedade civil, a
iniciativa privada e o setor público investem na educação, saúde e pleno
emprego e trabalho decente. Todo país rico do mundo conseguiu alto nível de
bem-estar social durante o período do 1º bônus demográfico. Não existe país
rico e com elevado Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) com estrutura etária
jovem. O 1º bônus demográfico termina quando se aprofunda
o envelhecimento populacional e a população em idade ativa passa a
crescer menos do que a população total. Mas o fim do 1º bônus demográfico não é
o fim do mundo, pois os países podem contar com o 2º bônus demográfico – bônus
da produtividade – e o 3º bônus demográfico – bônus da economia prateada.
O bônus da
produtividade é um conceito que se refere ao impacto positivo que o aumento
da produtividade tem
sobre a economia e os salários dos trabalhadores. Em termos simples, ele ocorre
quando os trabalhadores produzem mais bens e serviços por hora de trabalho, o
que pode resultar em melhores salários, maior competitividade das empresas e
crescimento econômico sustentável.
O Bônus
da Produtividade permite:
a) Aumento da
Eficiência, quando as empresas e os trabalhadores se tornam mais eficientes,
utilizando menos recursos para produzir a mesma quantidade ou mais, isso gera
um excedente econômico. A produtividade pode ser aumentada por meio de
inovações tecnológicas, melhores práticas de gestão, qualificação dos
trabalhadores ou investimentos em capital,
b) Mais Investimentos,
quando o aumento da produtividade atrai mais investimentos, tanto internos
quanto externos e as empresas que são mais produtivas conseguem gerar maiores
retornos sobre os fatores de produção (capital e trabalho).
O 3º bônus
demográfico, ou dividendo prateado, é um conceito que se refere ao
aproveitamento do potencial produtivo e criativo das gerações
prateadas (de 50 anos e mais de idade). O artigo “Population Aging and the
Three Demographic Dividends in Asia” (Ogawa et al, 2021) mostra que o Japão – o
país mais envelhecido do mundo – tem tomado uma série de medidas para reduzir a
escassez de recursos
humanos no
país. Os autores usaram um modelo de simulação para avaliar a capacidade de
trabalho inexplorada para idosos japoneses. A “capacidade de trabalho não
explorada” foi definida como uma folga entre a probabilidade de emprego real e
a prevista.
O resultado
evidenciou que existe um potencial de avanço da força de trabalho
na economia prateada. O exemplo do Japão pode ser replicado para outros
países, inclusive para toda a América
Latina,
como mostrou o informe do seminário ““Desafíos y oportunidades del
envejecimiento poblacional: la economía plateada” (Cepal, 2024).
Evidentemente, o 3º
bônus demográfico requer a prevalência de um envelhecimento populacional saudável
e sustentável, com acesso universal aos cuidados de saúde de qualidade, combate
ao isolamento e à solidão, participação ativa na comunidade, com acessibilidade
e mobilidade, promovendo a construção e adaptação de habitações que atendam às
necessidades dos idosos, facilitando a sua independência.
Um fator
fundamental é refutar as discriminações e o etarismo, promovendo
representações positivas e diversificadas de pessoas, desafiando estereótipos
negativos e promovendo uma visão mais inclusiva e respeitosa dos idosos.
Também, incentivar políticas que permitam aos idosos continuar trabalhando, se
assim desejarem, por meio de empregos flexíveis e adequados, além de
garantir sistemas de aposentadoria e previdência social robustos para
proporcionar segurança econômica aos idosos. Incentivar programas de
voluntariado onde idosos possam contribuir e, ao mesmo tempo, receber apoio da
comunidade. Por fim, é essencial garantir a diversidade etária nas empresas e a
transferência social de conhecimento e habilidades entre gerações.
·
Considerações
finais
O Brasil iniciou um
processo de mudança da estrutura etária a partir da década de 1970, quando
a transição
da fecundidade tomou
impulso no país. O envelhecimento populacional teve início nas últimas 3
décadas do século passado, mas vai se transformar na principal característica
da dinâmica demográfica brasileira no século XXI. Nas últimas décadas
do século atual as gerações de 50 anos e mais de idade serão a maior parcela da
população brasileira, sendo que a parcela com a maior taxa de crescimento será
aquela de 80 anos e mais de idade.
O Brasil viverá
uma fase inédita, com a população total diminuindo a partir de 2042, mas com a
população de 50 anos e mais de idade crescendo até 2067, a população de 60 anos
e mais de idade crescendo até 2070 e a população de 80 anos e mais de idade
crescendo até 2100. Portanto, a proporção
da população idosa
terá um peso cada vez maior na sociedade e na economia.
Considerando grupos
de 30 anos, a população brasileira de 50-79 anos será maior do que a população
de 20-49 anos a partir de 2050. O século XXI será o momento de mudança de uma
economia com oferta ilimitada de mão-de-obra jovem para uma economia com
redução do montante da força de trabalho jovem, paralelamente, ao crescimento
da oferta
de trabalho da
população de 50 anos e mais de idade.
Sem dúvida, a
economia prateada pode ser um catalisador de mudanças positivas rumo à sustentabilidade
social e
ambiental, tanto por meio de redução das desigualdades e da implementação de
padrões de consumo mais conscientes, quanto pelo incentivo à inovação
tecnológica e ao planejamento urbano sustentável. Ao alinhar as necessidades
do envelhecimento populacional com práticas ecologicamente
responsáveis, há a oportunidade de criar um futuro mais sustentável e inclusivo
para todas as gerações.
Desta forma,
a economia
prateada é
o conjunto de atividades econômicas voltadas para atender as necessidades, a
produção e o consumo das pessoas idosas e do conjunto da população. Inclui
setores como saúde, habitação, tecnologia, lazer, serviços financeiros,
educação continuada, entre outros. Ela reconhece os idosos como um grupo
economicamente cada vez mais relevante, tanto no consumo quanto na produção de
bens e serviços, considerando a longevidade e o aumento da
participação ativa e criativa dessa faixa etária, com solidariedade
intergeracional, sem discriminações e com inclusão
social.
Fonte: Por José
Eustáquio Diniz Alves, em EcoDebate
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