quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Natuza Nery: Relação de Brasil e EUA depende de Elon Musk provocar ou não Trump

Diplomatas e integrantes do governo Lula (PT) não estão muito preocupados, pelo menos neste momento, em como o novo governo de Donald Trump nos Estados Unidos irá tratar o Brasil.

A tendência é de Trump ignorar o país, como ele mesmo afirmou em entrevista após a posse. No mandato anterior, o americano não interferiu nem mesmo quando o então presidente Jair Bolsonaro (PL) discursou na Organização das Nações Unidas e disse "eu te amo", em inglês, para o americano.

Contudo, o que – ou quem – pode mudar a forma com que Trump lidará com o Brasil e mudar sua forma de agir é Elon Musk, entendem setores do governo petista.

Caso o bilionário dono do X resolva travar uma batalha com o Brasil, assim como rivalizou com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pouco tempo atrás, a postura do presidente americano pode ser outra.

Na época, o X ficou fora do ar no Brasil e teve que estabelecer representação no país a mando do Supremo, que fez valer a lei brasileira, para retomar suas atividades. Foram aproximadamente 40 dias de inatividade.

<><> Expectativa, para lá de otimista, de boa relação

A relação dos estados brasileiro e americano tem 200 anos e se pautou pelo pragmatismo mesmo com líderes de campos políticos opostos, analisam esses diplomatas e integrantes do governo.

Há quem pense que Lula possa criar uma relação com Trump similar à que teve com George Bush filho, lá em 2002, em que estabeleceram boa relação mesmo em campos bem diferentes. O brasileiro já disse que não quer briga com Trump nem com ninguém. Mas este é um cenário considerado muito improvável até aqui.

A paz vai depender de Musk atiçar ou não o novo presidente em seu retorno à Casa Branca.

Sobre a eleição de 2026, é evidente que a eleição de Trump energiza a direita radical no Brasil e vem junto do empoderamento das big techs, com novo posicionamento editorial alinhado às demandas da direita radical no mundo – o que também afeta o período eleitoral brasileiro.

¨      O que pode mudar para o brasileiro com Trump no poder

O recém-empossado presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, retornou à Casa Branca com um discurso protecionista, imperialista e sem sinais de reconciliação com os desafetos.

🌎 No primeiro dia de trabalho, na segunda-feira (20), o republicano já assinou uma série de ordens executivas (uma espécie de decreto) que impactam o mundo, como a declaração de emergência na fronteira com o México e a retirada dos EUA do Acordo de Paris.

 E para o brasileiro? O que pode mudar nos próximos quatro anos?

Veja abaixo, por tema:

👩🏻‍🌾Agro

·        Para especialistas, o retorno de Trump pode fazer com que o Brasil aumente as exportações de soja, milho e carne. Isto porque o republicano já anunciou que irá aumentar as tarifas de importação para parceiros comerciais, em especial da China. Neste cenário, a China também pode taxar produtos agrícolas dos EUA, o que poderia levar a um aumento das vendas do Brasil para o país asiático, o que já aconteceu no primeiro mandato de Trump.

·        Por outro lado, a intenção protecionista de Trump de aumentar as tarifas para produtos importados pode atingir os exportadores brasileiros. A proposta inicial é impor uma alíquota de 10% a 20% sobre todas as importações, o que afetaria todos os parceiros comerciais dos EUA.

📝Visto de estudante

·        Por enquanto, de acordo com as medidas já anunciadas pelo republicano na cerimônia de posse, nada muda para quem já está matriculado em universidades americanas ou para os que pretendem pleitear um visto para começar a estudar lá.

·        No entanto, o histórico deixa a comunidade acadêmica em alerta. No 1º governo de Trump, ele proibiu que cidadãos de sete países predominantemente muçulmanos (Iraque, Síria, Irã, Sudão, Líbia, Somália e Iêmen), além da Coreia do Norte e da Venezuela, viajassem aos EUA. A emissão de vistos também ficou mais rígida.

💵 Dólar mais forte

·        Especialistas destacam que o cenário é de potencial fortalecimento do dólar. Tudo indica que o Federal Reserve (Fed) — o Banco Central americano — vai manter as taxas de juros altas, o que faz os títulos públicos americanos renderem mais. Investidores se animam, levam recursos para os EUA e o dólar se valoriza frente a outras moedas.

·        O último boletim Focus, relatório do Banco Central (BC) que reúne as projeções de mais de 100 instituições financeiras, mostra que a expectativa é de que o dólar continue a R$ 6 até o fim de 2025.

·        Para a bolsa brasileirao ano tende a ser difícil. André Galhardo, economista-chefe da Análise Econômica, diz que o movimento clássico dos investidores brasileiros em um ambiente como esse é abrir mão de suas posições dentro do mercado de ações e ir para os títulos de renda fixa.

🗽 Nacionalidade americana

·        No dia da posse, Trump assinou uma ordem executiva que prevê que os Estados Unidos deixem de conceder nacionalidade a crianças que nasçam dentro dos EUA cujos pais não tenham residência norte-americana. Se essa medida virar lei, afetará brasileiros que vivem de forma ilegal nos EUA e também residentes temporários e turistas que viajam para lá com o intuito de dar à luz em hospitais americanos.

·        No entanto, juristas acreditam que esta medida será difícil de ser aplicada, já que este é um direito previsto na Constituição norte-americana. Revogar a cidadania por direito de nascença exigiria mais do que uma ordem executiva, e precisaria do apoio de 2/3 do Congresso e 3/4 dos Estados dos EUA.

🩺 Saúde

·        No primeiro dia de seu segundo mandato, Trump ordenou a suspensão de "futuras transferências de fundos, apoio ou recursos do governo dos EUA para a OMS". Isso não muda muito para o Brasil, pois a OMS depende de diversas fontes de financiamento. Embora os EUA sejam o maior doador, a organização ainda recebe contribuições significativas de outros países e organizações.

🌳 Meio Ambiente

·        Trump anunciou novamente a saída dos EUA do Acordo de Paris. Ele já havia feito isso antes, dizendo que o acordo prejudicava a economia americana. Isso é ruim para o Brasil e o mundo, já que os EUA são um dos maiores poluidores da planeta. Na COP30, inclusive, são esperadas decisões para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, e os EUA têm um papel importante nisso.

📲 Tecnologia e redes sociais

·        As perspectivas para o novo mandato são de menos moderação de conteúdo em redes como X, Instagram e Facebook, o que poderá impactar usuários do mundo inteiro, inclusive brasileiros.

·        As principais big techs têm sinalizado a intenção de se aproximar do novo governo e estiveram em lugar de destaque na posse de Trump.

·        Mark Zuckerberg, o chefão da Meta, que comanda Facebook, WhatsApp e Instagram, anunciou mudanças na moderação de conteúdo nos EUA e afirmou que esse é o momento de a empresa "voltar às raízes em torno da liberdade de expressão" e que vai trabalhar com Trump para impedir o que chamou de "censura" de outros países contra companhias americanas.

·        Inteligência Artificial: os especialistas também preveem um possível afrouxamento na regulamentação de IA.

¨      Por que fala de Trump sobre Brasil pode ser tiro no pé

Ao dizer numa entrevista após a posse que o Brasil precisaria mais dos Estados Unidos do que o contrárioDonald Trump deu um claro recado à diplomacia não só de Brasília, mas também de outros países da América Latina. A fala do republicano mostra uma tentativa de reafirmar o papel dos EUA como nação mais poderosa do mundo, num momento em potências como a China e blocos econômicos como o Brics assumem cada vez mais protagonismo internacional. 

Contudo, mesmo que historicamente a influência dos EUA na relação bilateral com o Brasil seja inegável, os dados atuais mostram que essa assimetria tem sido cada vez menos gritante. Economicamente, por exemplo, a balança comercial entre os dois países manteve um equilíbrio nos últimos anos. Os Estados Unidos são o segundo parceiro comercial brasileiro, ficando atrás apenas da China. Já o Brasil fica em 15º no ranking de relações bilaterais americanas.

Em 2024, as exportações brasileiras para a terra de Donald Trump somaram 40,3 bilhões de dólares (R$ 243 bilhões), de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). No movimento contrário, o volume foi bem similar, com as importações americanas no Brasil atingindo 40,5 bilhões bilhões de dólares (R$ 244,2 bilhões). 

Ou seja, o saldo é positivo para os Estados Unidos. Mas essa diferença no ano passado foi de 253,3 milhões de dólares (R$ 1,53 bilhão), valor que pode ser considerado um equilíbrio nessa relação, aponta a professora Carolina Pedroso, do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Estado de São Paulo (Unifesp). 

"A balança comercial é muito equilibrada, por isso, não se vê tanto mais essa assimetria. Em outros tempos, haveria desbalanceamento – o Brasil importava muitos produtos de valor agregado e exportava os de baixo valor", diz ela. 

"Hoje, exportamos para os EUA produtos primários, sim, como café e petróleo. Mas também celulose, aço e aeronaves. São produtos que têm alto valor agregado e tecnológico", complementa Pedroso. No ano passado, a indústria brasileira foi responsável por 78% dessas exportações, de acordo com Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil). Por outro lado, o Brasil também compra principalmente produtos de alto valor agregado dos Estados Unidos, com 15% das importações sendo de motores e máquinas não elétricas.

Apesar disso, há uma influência grande dos americanos na América Latina, o que pode ser explicado também pela conjuntura histórica. O fato de ter sido o primeiro país a conquistar a independência no continente, em 1776, proporcionou aos Estados Unidos a vantagem de sair na frente em vários aspectos, inclusive na industrialização, lembra a professora da Unifesp.

Mais tarde, no século 20, o país aumentou a influência cultural e política exercida sobre os vizinhos, principalmente durante a Guerra Fria, com apoios diretos e indiretos às ditaduras de direita que surgiram na América Latina, inclusive no Brasil.

 "A América Latina sempre foi um pátio dos Estados Unidos. É claro que a dependência financeira e política ainda é bastante assimétrica, mas já foi maior. O Brasil não é um país pequeno, internacionalmente temos relevância. Historicamente, os EUA já reconheceram o papel da liderança brasileira na América Latina", acrescenta Pedroso, que vê na declaração do presidente mais um aceno ao eleitorado ressentido pela queda no padrão de vida americano do que uma verdade absoluta.

Uma das promessas de campanha dele, a de taxas de importações, pode até mesmo ser um tiro no pé e causar aumento de preços dentro dos EUA, já que o país também depende de produtos do exterior, como no caso do aço brasileiro.

<><> O papel do Brics

Na mesma entrevista em que subestimou a relação bilateral com o Brasil, Trump teceu críticas ao Brics. O bloco – do qual fazem parte também Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Indonésia – terá presidência brasileira em 2025. 

Uma das discussões no Brics, cujos países somam 46% da população mundial, é uma alternativa ao dólar para as transações comerciais. Questionado, Trump afirmou que "não há como fazer isso". 

Na prática, o Brics representa um arranjo alternativo à hegemonia que os Estados Unidos construíram principalmente a partir da Segunda Guerra. Com a dianteira tomada pela China, segunda maior economia do mundo, há a ameaça de que a influência americana seja substituída. 

Mas essa briga também não será fácil para Trump. "Os EUA também têm uma dependência enorme da China, que detém muitos títulos americanos e reservas em dólar", lembra Carolina Pedroso, da Unifesp.

<><> Aliança anti-trumpista

A retórica do chefe da nação mais poderosa do mundo funciona como um reforço do slogan trumpista de "tornar a América grande de novo". Nesse contexto, a frase sobre o Brasil é tanto estratégia de marketing pessoal quanto aceno aos apoiadores, lembra Dawisson Belém Lopes, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

"Dizer essas coisas de forma desassombrada foi um dos traços que o eleitorado americano considerou. Mas, ao externar esse pensamento, Trump, ao mesmo tempo que galvaniza apoio interno, repele parceiros internacionalmente", lembra Lopes. 

Segundo ele, a fala não é um "absurdo", já que, por se tratar do país mais rico e com maior poderio militar do mundo, é difícil pensar em relações bilaterais simétricas com os Estados Unidos. "Mas isso não quer dizer que o Brasil deva se subordinar e aceitar esse tipo de provocação. Não há indicativo qualquer neste momento que o Brasil possa se favorecer bilateralmente com o governo Trump", acrescenta.

Por outro lado, o professor da UFMG pontua que a posição do republicano pode ter consequências desfavoráveis aos americanos, já que cria reações de outros governos, que se veem instados a reagir, afastando parceiros potenciais como os latino-americanos e os europeus, por exemplo em temas como o meio ambiente. Uma das primeiras medidas de Trump foi retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris. "Ele pode estar criando para si um desafio que consistiria nessa aliança anti-trumpista", arremata o professor.

"É uma fala que em si não é absurda, já que os EUA tendem a ter vantagem na relação com a América Latina. Mas ela pode trazer mais malefício que benefício. Abdicar de diplomacia sempre é uma aposta arriscada, porque o custo aumenta nas interações e, pelo visto, a julgar pelas primeiras reações de países da América Latina, não vai ser submissão e subordinação o que o Trump vai encontrar pela frente", afirma Lopes.

Ele lembra que, na América Latina, já houve reações contrárias logo após a posse de Trump. O presidente do Panamá, José Raul Mulino, disse que "nenhum país vai interferir" na administração do Canal do Panamá, cujo controle o americano prometeu retomar para os EUA. Já Claudia Sheinbaum, presidente mexicana, provocou e sugeriu chamar o vizinho de "América Mexicana" após Trump ter externado a intenção de renomear o Golfo do México para "Golfo da América".

¨      Europa quer negociar com Trump, mas também com outros países, diz von der Leyen

A presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, disse nesta terça-feira (22/01) que o bloco tem como “prioridade absoluta” negociar com o presidente norte-americano Donald Trump para evitar uma guerra comercial com o país que é seu segundo maior parceiro comercial.

Porém, ela deixou claro também que o bloco pretende ampliar a cooperação com outros países.

“A Europa continuará a defender a cooperação, não só com os nossos amigos de longa data, que partilham nossos valores, mas também com todos os países com os quais temos interesses comuns. A mensagem que enviamos ao resto do mundo é simples: estamos prontos para dialogar com vocês se isso puder levar a benefícios mútuos”, disse a presidente da CE.

As declarações foram feitas na abertura do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Suas palavras respondiam às ameaças de Trump de elevar as taxas para a importação de produtos da União Europeia (UE).

Com isso, ele pressiona os europeus a comprarem mais produtos norte-americanos para reduzir o déficit comercial de seu país com o bloco.

“A União Europeia é muito má conosco. Eles nos tratam muito mal, não compram nossos carros nem nossos produtos agrícolas. Portanto, servem para taxas alfandegárias”, disse Trump.

<><> Novos acordos com outros parceiros

Enquanto as negociações não saem, já que von der Leyen ainda não conseguiu uma reunião com Trump, a UE aposta em diversificar seus parceiros comerciais. O alvo preferencial são outras potenciais vítimas do protecionismo norte-americano.

Desde que Trump ganhou as eleições, a Comissão Europeia vem intensificando seus esforços para concluir acordos comerciais com esses países. Em dezembro de 2024 concluiu um com o Mercosul – que alguns consideram negativo para o Brasil – e, em 17 de janeiro, anunciou um acordo de livre comércio com o México.

Uma fonte ouvida pelo jornal francês Le Monde diz que o bloco poderá, ainda, ampliar o Acordo Comercial e Econômico Global (Ceta) que mantém com o Canadá.

A presidente da CE também anunciou uma viagem à Índia e disse que o bloco está pronto para “aprofundar” sua relação com Pequim. A China – escolhida por Trump como o inimigo número 1 – já desbancou no ano passado os EUA como maior parceiro comercial da Europa.

<><> A redução da participação dos EUA na segurança europeia

Ao lado das questões comerciais, Ursula von der Leyen garantiu que a Europa se manterá firme dentro do marco do acordo climático de Paris, que fixa o compromisso de zerar as emissões de CO2 até 2050.

A vice-presidente da Comissão Europeia, Stéphane Séjourné, destacou a íntima relação entre as negociações comerciais e a redução da participação dos EUA na segurança da Europa.

Segundo ela, o acordo que o bloco busca com Trump terá de abordar como construir garantias de segurança para o continente desvinculadas dos norte-americanos. “E não podemos fazer isso com uma guerra comercial às nossas portas”, disse Séjourné à France Inter na segunda-feira (20/01).

 

Fonte: g1/DW Brasil/Opera Mundi

 

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