Natuza
Nery: Relação de Brasil e EUA depende de Elon Musk provocar ou não Trump
Diplomatas e integrantes do governo Lula (PT) não
estão muito preocupados, pelo menos neste momento, em como o novo governo de Donald Trump nos Estados Unidos irá tratar o Brasil.
A tendência é de Trump ignorar o país, como ele mesmo afirmou em entrevista após a posse. No mandato anterior, o americano não interferiu nem mesmo quando o
então presidente Jair Bolsonaro (PL) discursou na Organização das Nações Unidas
e disse "eu te amo", em inglês, para o americano.
Contudo, o que – ou quem – pode mudar a forma com
que Trump lidará com o Brasil e mudar sua forma de agir é Elon Musk, entendem
setores do governo petista.
Caso o bilionário dono do X resolva travar uma
batalha com o Brasil, assim como rivalizou com o ministro Alexandre de Moraes,
do Supremo Tribunal Federal (STF), pouco tempo atrás, a postura do presidente
americano pode ser outra.
Na época, o X ficou fora do ar no Brasil e teve que
estabelecer representação no país a mando do Supremo, que fez valer a lei
brasileira, para retomar suas atividades. Foram aproximadamente 40 dias de
inatividade.
<><> Expectativa, para lá de otimista, de boa relação
A relação dos estados brasileiro e americano tem
200 anos e se pautou pelo pragmatismo mesmo com líderes de campos políticos
opostos, analisam esses diplomatas e integrantes do governo.
Há quem pense que Lula possa criar uma relação com
Trump similar à que teve com George Bush filho, lá em 2002, em que
estabeleceram boa relação mesmo em campos bem diferentes. O brasileiro já disse
que não quer briga com Trump nem com ninguém. Mas este é um cenário considerado
muito improvável até aqui.
A paz vai depender de Musk atiçar ou não o novo
presidente em seu retorno à Casa Branca.
Sobre a eleição de 2026, é evidente que a eleição
de Trump energiza a direita radical no Brasil e vem junto do empoderamento das
big techs, com novo posicionamento editorial alinhado às demandas da direita
radical no mundo – o que também afeta o período eleitoral brasileiro.
¨
O que pode mudar para o brasileiro com Trump no poder
O recém-empossado presidente dos Estados Unidos,
Donald Trump, retornou à Casa Branca com um discurso protecionista, imperialista e sem sinais de reconciliação
com os desafetos.
🌎 No primeiro dia de trabalho, na segunda-feira (20), o republicano já
assinou uma série de ordens
executivas (uma espécie de decreto) que impactam o mundo, como
a declaração de emergência na fronteira com o México e a retirada
dos EUA do Acordo de Paris.
➡️ E para o brasileiro? O que pode
mudar nos próximos quatro anos?
Veja abaixo, por tema:
👩🏻🌾Agro
·
Para especialistas, o retorno de Trump pode fazer
com que o Brasil aumente as
exportações de soja, milho e carne. Isto porque o
republicano já anunciou que irá aumentar as tarifas de importação para
parceiros comerciais, em especial da China. Neste cenário,
a China também pode taxar produtos agrícolas dos EUA, o que poderia levar a um
aumento das vendas do Brasil para o país asiático, o que já aconteceu no primeiro mandato de Trump.
·
Por outro lado, a intenção protecionista de Trump
de aumentar as tarifas para produtos importados pode atingir os exportadores brasileiros. A proposta inicial é
impor uma alíquota de 10% a 20% sobre todas as importações, o que afetaria
todos os parceiros comerciais dos EUA.
📝Visto de estudante
·
Por enquanto, de acordo com as medidas já
anunciadas pelo republicano na cerimônia de posse, nada muda para quem já está matriculado em universidades americanas ou para os que
pretendem pleitear um visto para começar a estudar lá.
·
No entanto, o histórico deixa a comunidade
acadêmica em alerta.
No 1º governo de Trump, ele proibiu que cidadãos de sete países
predominantemente muçulmanos (Iraque, Síria, Irã, Sudão, Líbia, Somália e Iêmen),
além da Coreia do Norte e da Venezuela, viajassem aos EUA. A emissão de vistos
também ficou mais rígida.
💵 Dólar mais forte
·
Especialistas destacam que o cenário é de
potencial fortalecimento do
dólar. Tudo indica que o Federal Reserve (Fed) — o Banco Central
americano — vai manter as taxas de juros altas, o que faz os títulos públicos americanos renderem mais. Investidores
se animam, levam recursos para os EUA e o dólar se valoriza frente a outras
moedas.
·
O último boletim Focus, relatório do Banco Central
(BC) que reúne as projeções de mais de 100 instituições financeiras, mostra que
a expectativa é de que o dólar continue a R$ 6 até o fim de 2025.
·
Para a bolsa brasileira, o ano tende a ser difícil. André
Galhardo, economista-chefe da Análise Econômica, diz que o movimento clássico
dos investidores brasileiros em um ambiente como esse é abrir mão de suas
posições dentro do mercado de ações e ir para os títulos de renda fixa.
🗽 Nacionalidade americana
·
No dia da posse, Trump assinou uma ordem executiva
que prevê que os Estados Unidos deixem de conceder nacionalidade a crianças que nasçam dentro dos EUA cujos pais não tenham
residência norte-americana. Se essa medida virar lei, afetará brasileiros que
vivem de forma ilegal nos EUA e também residentes temporários e turistas que
viajam para lá com o intuito de dar à luz em hospitais americanos.
·
No entanto, juristas acreditam que esta medida será
difícil de ser aplicada, já que este é um direito previsto na Constituição
norte-americana. Revogar a cidadania por direito de nascença exigiria mais do
que uma ordem executiva, e precisaria do apoio de 2/3 do Congresso e 3/4 dos Estados dos EUA.
🩺 Saúde
·
No primeiro dia de seu segundo mandato, Trump
ordenou a suspensão de "futuras transferências de fundos, apoio ou
recursos do governo dos EUA para a OMS". Isso não muda muito para o Brasil,
pois a OMS depende de diversas fontes de financiamento. Embora os EUA sejam o
maior doador, a organização ainda recebe contribuições significativas de outros
países e organizações.
🌳 Meio Ambiente
·
Trump anunciou novamente a saída dos EUA do Acordo de Paris. Ele já
havia feito isso antes, dizendo que o acordo prejudicava a economia
americana. Isso é ruim para o
Brasil e o mundo, já que os EUA são um dos maiores poluidores
da planeta. Na COP30, inclusive, são esperadas decisões para reduzir as
emissões de gases de efeito estufa, e os EUA têm um papel importante nisso.
📲 Tecnologia e redes sociais
·
As perspectivas para o novo mandato são de menos moderação de
conteúdo em redes como X, Instagram e Facebook, o que poderá impactar usuários
do mundo inteiro, inclusive brasileiros.
·
As principais big techs têm sinalizado a intenção
de se aproximar do novo governo e estiveram em lugar de destaque na posse de
Trump.
·
Mark Zuckerberg, o chefão da Meta, que comanda
Facebook, WhatsApp e Instagram, anunciou mudanças na moderação de conteúdo nos EUA e afirmou que esse é o momento de a empresa "voltar
às raízes em torno da liberdade de expressão" e que vai trabalhar com
Trump para impedir o que chamou de "censura" de outros países contra
companhias americanas.
·
Inteligência Artificial: os
especialistas também preveem um possível afrouxamento na regulamentação de IA.
¨ Por que
fala de Trump sobre Brasil pode ser tiro no pé
Ao dizer numa entrevista
após a posse que o Brasil precisaria mais dos Estados Unidos do
que o contrário, Donald Trump deu um claro recado à diplomacia não só de
Brasília, mas também de outros países da América Latina. A fala do republicano
mostra uma tentativa de reafirmar o papel dos EUA como nação
mais poderosa do mundo, num momento em potências como a China e blocos
econômicos como o Brics assumem cada vez mais protagonismo
internacional.
Contudo, mesmo que
historicamente a influência dos EUA na relação bilateral com o Brasil seja
inegável, os dados atuais mostram que essa assimetria tem sido cada vez menos
gritante. Economicamente, por exemplo, a balança comercial entre os dois países
manteve um equilíbrio nos últimos anos. Os Estados Unidos são o segundo
parceiro comercial brasileiro, ficando atrás apenas da China. Já o Brasil fica em 15º no ranking de relações
bilaterais americanas.
Em 2024, as exportações
brasileiras para a terra de Donald Trump somaram 40,3 bilhões de dólares (R$
243 bilhões), de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria,
Comércio e Serviços (MDIC). No movimento contrário, o volume foi bem similar,
com as importações americanas no Brasil atingindo 40,5 bilhões bilhões de
dólares (R$ 244,2 bilhões).
Ou seja, o saldo é positivo
para os Estados Unidos. Mas essa diferença no ano passado foi de 253,3
milhões de dólares (R$ 1,53 bilhão), valor que pode ser considerado um
equilíbrio nessa relação, aponta a professora Carolina Pedroso, do curso de
Relações Internacionais da Universidade Federal do Estado de São Paulo
(Unifesp).
"A balança comercial é
muito equilibrada, por isso, não se vê tanto mais essa assimetria. Em outros
tempos, haveria desbalanceamento – o Brasil importava muitos produtos de valor
agregado e exportava os de baixo valor", diz ela.
"Hoje, exportamos para
os EUA produtos primários, sim, como café e petróleo. Mas também celulose, aço
e aeronaves. São
produtos que têm alto valor agregado e tecnológico", complementa Pedroso.
No ano passado, a indústria brasileira foi responsável por 78% dessas
exportações, de acordo com Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham
Brasil). Por outro lado, o Brasil também compra principalmente produtos de alto
valor agregado dos Estados Unidos, com 15% das importações sendo de motores e
máquinas não elétricas.
Apesar disso, há uma
influência grande dos americanos na América Latina, o que pode ser explicado
também pela conjuntura histórica. O fato de ter sido o primeiro país a
conquistar a independência no continente, em 1776, proporcionou aos Estados
Unidos a vantagem de sair na frente em vários aspectos, inclusive na
industrialização, lembra a professora da Unifesp.
Mais tarde, no século 20, o
país aumentou a influência cultural e política exercida sobre os
vizinhos, principalmente durante a Guerra Fria, com apoios diretos e indiretos
às ditaduras de direita que surgiram na América Latina, inclusive no Brasil.
"A América Latina
sempre foi um pátio dos Estados Unidos. É claro que a dependência financeira e
política ainda é bastante assimétrica, mas já foi maior. O Brasil não é um país
pequeno, internacionalmente temos relevância. Historicamente, os EUA já
reconheceram o papel da liderança brasileira na América Latina",
acrescenta Pedroso, que vê na declaração do presidente mais um aceno ao eleitorado
ressentido pela queda no padrão de vida americano do que uma verdade
absoluta.
Uma das promessas de
campanha dele, a de taxas de importações, pode até mesmo ser um tiro no pé e causar aumento de preços dentro dos
EUA, já que o país também depende de produtos do exterior, como no caso do aço
brasileiro.
<><> O papel
do Brics
Na mesma entrevista em que
subestimou a relação bilateral com o Brasil, Trump teceu críticas
ao Brics. O bloco – do qual fazem parte também Rússia, Índia,
China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e
Indonésia – terá presidência brasileira em 2025.
Uma das discussões
no Brics, cujos países somam 46% da população mundial, é uma alternativa ao dólar para as transações
comerciais. Questionado, Trump afirmou que "não há como
fazer isso".
Na prática, o Brics
representa um arranjo alternativo à hegemonia que os Estados Unidos
construíram principalmente a partir da Segunda Guerra. Com a dianteira tomada
pela China, segunda maior economia do mundo, há a ameaça de que a influência
americana seja substituída.
Mas essa briga também não
será fácil para Trump. "Os EUA também têm uma dependência enorme da China,
que detém muitos títulos americanos e reservas em dólar", lembra Carolina
Pedroso, da Unifesp.
<><> Aliança
anti-trumpista
A retórica do chefe da nação
mais poderosa do mundo funciona como um reforço do slogan trumpista de
"tornar a América grande de novo". Nesse contexto, a frase sobre o
Brasil é tanto estratégia de marketing pessoal quanto aceno aos apoiadores,
lembra Dawisson Belém Lopes, professor de Relações Internacionais da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
"Dizer essas coisas de
forma desassombrada foi um dos traços que o eleitorado americano considerou.
Mas, ao externar esse pensamento, Trump, ao mesmo tempo que galvaniza apoio
interno, repele parceiros internacionalmente", lembra Lopes.
Segundo ele, a fala não é um
"absurdo", já que, por se tratar do país mais rico e com maior
poderio militar do mundo, é difícil pensar em relações bilaterais simétricas
com os Estados Unidos. "Mas isso não quer dizer que o Brasil deva se
subordinar e aceitar esse tipo de provocação. Não há indicativo qualquer neste
momento que o Brasil possa se favorecer bilateralmente com o governo
Trump", acrescenta.
Por outro lado, o professor
da UFMG pontua que a posição do republicano pode ter consequências
desfavoráveis aos americanos, já que cria reações de outros governos, que se
veem instados a reagir, afastando parceiros potenciais como os
latino-americanos e os europeus, por exemplo em temas como o meio ambiente. Uma
das primeiras medidas de Trump foi retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris. "Ele pode estar criando para si um desafio que consistiria nessa
aliança anti-trumpista", arremata o professor.
"É uma fala que em si
não é absurda, já que os EUA tendem a ter vantagem na relação com a América
Latina. Mas ela pode trazer mais malefício que benefício. Abdicar de diplomacia
sempre é uma aposta arriscada, porque o custo aumenta nas interações e, pelo
visto, a julgar pelas primeiras reações de países da América Latina, não vai
ser submissão e subordinação o que o Trump vai encontrar pela frente",
afirma Lopes.
Ele lembra que, na América
Latina, já houve reações contrárias logo após a posse de Trump. O presidente do
Panamá, José Raul Mulino, disse que "nenhum país vai interferir" na
administração do Canal do Panamá, cujo controle o americano prometeu retomar
para os EUA. Já Claudia Sheinbaum, presidente mexicana, provocou e sugeriu
chamar o vizinho de "América Mexicana" após Trump ter externado a intenção de renomear o Golfo do México
para "Golfo da América".
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Europa quer negociar com Trump, mas também com outros países, diz von
der Leyen
A presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, disse
nesta terça-feira (22/01) que o bloco tem como “prioridade absoluta” negociar
com o presidente norte-americano Donald Trump para evitar uma guerra comercial
com o país que é seu segundo maior parceiro comercial.
Porém, ela deixou claro também que o bloco pretende ampliar a cooperação
com outros países.
“A Europa continuará a defender a cooperação, não só com os nossos
amigos de longa data, que partilham nossos valores, mas também com todos os
países com os quais temos interesses comuns. A mensagem que enviamos ao resto
do mundo é simples: estamos prontos para dialogar com vocês se isso puder levar
a benefícios mútuos”, disse a presidente da CE.
As declarações foram feitas na abertura do Fórum Econômico Mundial, em
Davos, na Suíça. Suas palavras respondiam às ameaças de Trump de elevar as taxas para a importação de produtos da União Europeia (UE).
Com isso, ele pressiona os europeus a comprarem mais produtos
norte-americanos para reduzir o déficit comercial de seu país com o bloco.
“A União Europeia é muito má conosco. Eles nos tratam muito mal, não
compram nossos carros nem nossos produtos agrícolas. Portanto, servem para
taxas alfandegárias”, disse Trump.
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Novos acordos com outros parceiros
Enquanto as negociações não saem, já que von der Leyen ainda não
conseguiu uma reunião com Trump, a UE aposta em diversificar seus parceiros
comerciais. O alvo preferencial são outras potenciais vítimas do protecionismo
norte-americano.
Desde que Trump ganhou as eleições, a Comissão Europeia vem intensificando seus esforços para concluir
acordos comerciais com esses países. Em
dezembro de 2024 concluiu um com o Mercosul – que alguns
consideram negativo para o Brasil – e, em 17 de janeiro, anunciou um acordo de livre comércio com o
México.
Uma fonte ouvida pelo jornal francês Le
Monde diz que o bloco poderá, ainda, ampliar o Acordo
Comercial e Econômico Global (Ceta) que mantém com o Canadá.
A presidente da CE também anunciou uma viagem à Índia e disse que o
bloco está pronto para “aprofundar” sua relação com Pequim. A China – escolhida
por Trump como o inimigo número 1 – já desbancou no ano passado os EUA como
maior parceiro comercial da Europa.
<><>
A redução da participação dos EUA na segurança europeia
Ao lado das questões comerciais, Ursula von der Leyen garantiu que a
Europa se manterá firme dentro do marco do acordo climático de Paris, que fixa
o compromisso de zerar as emissões de CO2 até 2050.
A vice-presidente da Comissão Europeia, Stéphane Séjourné, destacou a
íntima relação entre as negociações comerciais e a redução da participação dos
EUA na segurança da Europa.
Segundo ela, o acordo que o bloco busca com Trump terá de abordar como
construir garantias de segurança para o continente desvinculadas dos
norte-americanos. “E não podemos fazer isso com uma guerra comercial às nossas
portas”, disse Séjourné à France Inter na
segunda-feira (20/01).
Fonte: g1/DW Brasil/Opera Mundi
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