segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Estudos indicam redução de massa cerebral por uso excessivo de tela

Embora possa parecer exagerado à primeira vista, o termo "cérebro podre" ou "podridão cerebral", da expressão em inglês "brain rot", pode ser mais literal do que pensamos. Eleita a palavra do ano de 2024 pelo Dicionário Oxford por mais de 37 mil pessoas, o termo descreve, de acordo com a Oxford University Press, a deterioração mental causada pelo consumo excessivo de conteúdo superficial, especialmente na internet. As citações ao termo em inglês aumentaram 230% entre 2023 e 2024, refletindo uma preocupação social crescente com esse fenômeno.

Assim, o que começou como uma expressão coloquial encontrou apoio na ciência. Pesquisas citadas pelo jornal britânico The Guardian indicam que o uso excessivo de mídias sociais e o consumo compulsivo de conteúdo de baixa qualidade – como notícias sensacionalistas, teorias da conspiração e entretenimento vazio – podem literalmente encolher a massa cinzenta, diminuir a capacidade de atenção e enfraquecer a memória. Uma combinação de efeitos que faz com que o termo "podridão" não pareça exagerado.

·        Do e-mail à rolagem infinita

Os primeiros sinais de alarme soaram no início do século com algo que hoje nos parece inofensivo: o e-mail. Como o jornal El País noticiou recentemente, citando um artigo do Guardian de 2005, uma equipe da Universidade de Londres, após 80 testes clínicos, descobriu que o uso diário de e-mail e telefone celular causava uma queda média de dez pontos no QI dos participantes, um impacto que eles descreveram como mais prejudicial do que o uso de maconha.

Imagine então o que acontece agora com a constante enxurrada de tweets, stories, reels, notificações, pushes e fluxos intermináveis de conteúdo.

Os aplicativos modernos são projetados especificamente para nos manter viciados, aproveitando o que Michoel Moshel, pesquisador da Universidade Macquarie, descreveu ao El País como "a tendência natural do nosso cérebro de buscar novidades, especialmente quando se trata de informações potencialmente prejudiciais ou alarmantes, uma característica que já nos ajudou a sobreviver".

·        Mudanças cerebrais preocupantes

Em geral, o quadro atual é preocupante. Uma meta-análise de 27 estudos de neuroimagem revelou que o uso excessivo de internet está associado a uma redução no volume de massa cinzenta em regiões críticas do cérebro responsáveis pelo processamento de recompensas, controle de impulsos e tomada de decisões. De acordo com Moshel, essas alterações são semelhantes às observadas em casos de dependência de substâncias como metanfetaminas e álcool.

Além do ambiente clínico, o "uso desordenado de tela" tem sido estudado em ambientes educacionais. Uma meta-análise citada em um artigo do The Conversation, do qual Moshel é um dos autores, lista 34 estudos que vinculam o uso compulsivo a um desempenho cognitivo significativamente inferior, especialmente no que diz respeito a atenção sustentada e controle de impulsos. O problema, de acordo com o relatório, não se limita aos mais jovens; ele também afeta adultos que passam muitas horas na frente de celulares e computadores.

Ainda assim, o problema é particularmente grave entre os jovens. De acordo com dados de 2021 da ONG americana Common Sense Media citados no The Conversation, pré-adolescentes passam 5 horas e 33 minutos por dia em frente às telas, enquanto esse tempo é de 8 horas e 39 minutos para adolescentes.

Na Austrália, por exemplo, uma pesquisa realizada em 2020 pelo Instituto Gonski da UNSW revelou que 84% dos educadores consideram tecnologias digitais uma distração na sala de aula. De acordo com uma pesquisa da organização australiana especializada em saúde mental Beyond Blue, citada pela emissora americana ABC, o tempo excessivo de tela está entre os principais desafios para os jovens, perdendo apenas para problemas de saúde mental.

·        Círculo vicioso da era digital

Eduardo Fernández Jiménez, psicólogo clínico do Hospital La Paz, em Madri, explicou ao El País que o cérebro ativa diferentes redes neurais para gerenciar diferentes tipos de atenção. O bombardeio constante de estímulos variáveis afeta particularmente nossa capacidade de atenção sustentada, que é fundamental para o aprendizado acadêmico.

O problema é agravado por um círculo vicioso difícil de romper: de acordo com um estudo publicado na revista Nature, pessoas com saúde mental debilitada têm maior probabilidade de consumir conteúdo de baixa qualidade, o que, por sua vez, piora seus sintomas. E quanto mais tempo se passa em frente à tela, mais difícil é reconhecer e limitar o problema.

·        Existe uma solução?

Especialistas recomendam uma abordagem em duas frentes: qualidade e quantidade. É fundamental estabelecer limites claros para o tempo de tela e fazer um esforço consciente para se desligar. Atividades que exigem presença física, como esportes ou reuniões com amigos, são essenciais para neutralizar os efeitos negativos do uso prolongado da tela, recomendou o psicólogo Carlos Losada em dezembro ao El País.

Também é importante dar prioridade a conteúdos educativos que evitem características viciantes e estabelecer intervalos regulares. Porque, como sugere a pesquisa, o "cérebro podre" pode ser mais do que uma metáfora, mas um processo real de deterioração cognitiva causada por nossos hábitos digitais.

Com as empresas de tecnologia projetando algoritmos para maximizar nosso tempo de tela e um público cada vez mais digitalizado, o desafio vai além do indivíduo. É preciso políticas públicas que incentivem a transparência e a educação digital crítica.

A ironia é que essa "podridão cerebral" pode estar alterando a forma como percebemos e respondemos ao mundo justamente quando mais precisamos de nossas capacidades cognitivas. Talvez seja hora de lembrar que existe um mundo além da tela, um mundo que nossos cérebros foram realmente projetados para explorar.

¨      1 em cada 7 adolescentes tem problemas relacionados à saúde mental

Estudo desenvolvido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pela Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, concluiu que um em cada sete adolescentes sofre com algum problema relacionado à saúde mental, principalmente ansiedade e depressão. O trabalho foi publicado no Journal of Adolescent Health.

O artigo apontou, também, a existência de altas taxas de abuso de álcool e drogas, distúrbios alimentares, problemas de comportamento, além de ideação suicida.

Outro dado alarmante é que cerca de um terço dos jovens apresenta essas doenças antes de chegar aos 14 anos, e metade, por volta de 18 anos. 

As conclusões foram obtidas depois de uma revisão que contemplou estudos desde 2010, procurando identificar as motivações que mais influenciam a saúde e o desenvolvimento dos adolescentes na faixa etária dos 10 aos 19 anos no mundo todo.

Especialistas ressaltaram que inúmeros fatores explicam o aumento dos problemas de saúde mental nesse público, como o maior número de pesquisas desenvolvidas nessa faixa etária, além de mais acesso à informação e melhor entendimento das questões de saúde mental, o que tem aprimorado os diagnósticos.

O surgimento de transtornos mentais ocorre devido à interação de muitos aspectos, como condições sociais, econômicas, psicológicas, culturais, genéticas, histórico familiar, maus-tratos físicos e psicológicos e eventos estressores recorrentes.

“Não há um único fator causal, é uma soma de situações que podem levar a alterações e maior vulnerabilidade para quadros de transtorno mental”, relatou o psiquiatra Gabriel Okuda, do Hospital Albert Einstein, em entrevista ao Metrópoles.

O artigo também destacou o aumento do sentimento de solidão, principalmente entre meninas, fenômeno que dobrou entre os anos de 2012 e 2018. Os autores defendem que há uma associação com o aumento da utilização de tecnologia e redes sociais, que podem provocar exclusão escolar e bullying.

“De fato, o contato por redes sociais é mais distante, gera relações mais superficiais. A pandemia da Covid-19 acelerou o isolamento social, já que crianças e adolescentes perderam o convívio escolar e isso impactou a formação de amizades e o funcionamento social, tudo foi trocado pela vivência online”, acrescentou o especialista

<><> Como identificar se o problema está em casa

A adolescência é uma etapa de transição, que pode afetar a saúde mental. Por isso, é essencial observar qualquer alteração de atitude.

“Se os familiares, amigos ou professores notam alteração comportamental importante, como agitação, agressividade, irritabilidade, nervosismo, tristeza, desânimo; se está mais ansioso, isolado, recluso; se diminui suas relações sociais e amizades, tem perda de apetite ou alteração de sono; tudo isso pode estar relacionado a quadros de transtornos mentais”, afirmou o psiquiatra.

 

Fonte: DW Brasil/Fórum

 

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