Paulo Kliass: O que esperar de
Galípolo e Haddad em 2025?
A primeira reunião do Comitê de Política Monetária
(Copom) a ser presidida por Gabriel Galípolo deverá ocorrer nos próximos dias
28 e 29 de janeiro. Tendo em vista que seu nome foi aprovado pelo Senado
Federal ainda no ano passado, o ex-diretor de Política Monetária do Banco
Central (BC) assumiu o posto de presidente da instituição em 1º de janeiro
deste ano, em substituição a Roberto Campos Neto. Assim, boa parte da herança
bolsonarista no comando do órgão já foi substituída, uma vez que a maioria dos
diretores (7 no total de 9) atualmente em exercício foram indicações de Lula.
Isso significa que uma pessoa de extrema confiança do
ministro da Fazenda passa a ser o principal responsável, entre outros aspectos,
pela política monetária e pela política cambial do governo. Vale recordar que
Galípolo exerceu as funções de secretário-executivo da pasta comandada por
Fernando Haddad até junho de 2023 e, depois, teve seu nome sugerido pelo
ministro ao presidente da República para integrar a direção do BC. No entanto,
tudo parece indicar que sua gestão à frente da instituição que opera para
regulação e fiscalização do sistema bancário e financeiro não deverá ser substancialmente
diferente daquele período sob a direção de Campos Neto. As declarações públicas
do atual presidente do BC e o seu comportamento enquanto diretor de política
monetária ao longo dos últimos 18 meses não demonstram nenhuma intenção de
mudança significativa.
·
Haddad no modelito de
queridinho do financismo
Mais recentemente ele chegou, inclusive, a naturalizar
o comportamento claramente especulativo da estratégia que o financismo
estabeleceu em relação ao mercado de câmbio a partir de dezembro passado. Apenas
alguns dias antes de sua posse, ele declarou não ver nenhum elemento
de especulação na ação coordenada para promover a desvalorização artificial do
real em relação ao dólar norte-americano. (sic)
(…)
“Quando o preço de ativo [como o dólar] se mobiliza em uma direção, têm
vencedores e perdedores. Ataque especulativo não
representa bem como o movimento está acontecendo no mercado
hoje” (…) [GN]
Ocorre que, desde o dia 29 de novembro, os principais
operadores no mercado de divisas passaram a pressionar para que a cotação da
taxa de câmbio permanecesse acima do patamar simbólico de R$ 6,00. Assim, desde
o dia 12 de dezembro não houve mais recuo de tal posição. Trata-se de um
movimento contra a moeda nacional, mas também de um sinal de chantagem sobre a
política econômica, à medida que são divulgadas avaliações alarmistas a
respeito da política fiscal. Trata-se das já conhecidas opiniões dos
representantes do financismo, eternamente insatisfeitos com as enormes
concessões já realizadas por Haddad e Galípolo no atendimento de suas
reivindicações de aprofundamento do austericídio. Mas a sanha dos chacais nunca
é saciada.
Por outro lado, Galípolo não pretende alterar o rumo
estabelecido para as decisões do Copom desde a presidência anterior. Ele tem
votado, de forma sistemática, nas reuniões do colegiado de acordo com a
orientação do ex-presidente do BC e sempre manifestou concordância com o
patamar elevadíssimo da Selic atualmente. Isso significa que as duas elevações
previstas na taxa referencial de juros devem ser confirmadas nas próximas
reuniões do Copom. Caso esse o quadro realmente seja mantido, deveremos ter o
patamar de 13,25 % no final de janeiro e de 14,25 % a partir de meados de
março. Uma loucura!
·
Galípolo no BC e no Copom:
mais do mesmo?
Além disso, um elemento que torna o quadro ainda mais
preocupante é a avaliação divulgada por integrantes da equipe do Ministério da
Fazenda a respeito da necessidade de se reduzir a taxa de crescimento das
atividades econômicas de forma geral. O embasamento para tal orientação
equivocada repousa no recurso à utilização do conceito de “PIB potencial”.
Trata-se de uma construção teórica e bastante polêmica, mas que tem orientado
boa parte das ações do governo em termos de política econômica. Segundo esse
modelo, a economia brasileira não deveria ou não poderia crescer mais do que um
ritmo anual de 2,5% de seu Produto Interno Bruto. Esse é o teor da entrevista concedida pelo
secretário de Política Econômica, Guilherme Mello:
(…) ““O PIB potencial não é estático, é uma
fotografia do cenário atual. Com nossa atual estrutura produtiva, desempenho
macroeconômico, nível de investimento, podemos
crescer em torno de 2,5% sem pressionar muito a inflação”
(…) [GN]
Não é por acaso que esse número foi utilizado pela
equipe de Haddad quando da formulação do Novo Arcabouço Fiscal e permanece até
agora nos dispositivos da Lei Complementar nº 200/23 como o limite
superior de crescimento das variáveis econômicas relevantes, a exemplo das
despesas primárias. Esse foi também o índice utilizado para a correção recente
do salário mínimo, claramente inferior ao crescimento do PIB. Ou seja, apesar
das reiteradas promessas de Lula quanto à prioridade na política de valorização
do salário mínimo (inflação mais crescimento do PIB), as regras para o reajuste
em 2025 serão mais baixas do que se imaginava.
·
A loucura de desacelerar o
crescimento do PIB!
O próprio ministro Haddad tem dado demonstrações de que
concorda com tal proposição de sua equipe. Em entrevista concedida recentemente, ele assume que
será necessário reduzir o ritmo de crescimento das atividades econômicas de
forma geral. Ora, esse tipo de orientação certamente deverá prejudicar as
expectativas no que se refere ao crescimento do emprego e da massa salarial,
por exemplo. Ocorre que tal cenário futuro é exatamente o desejado quando da
aplicação do conceito limitador de PIB potencial. Assim, isso pode se converter
em mais um tiro no pé do próprio governo, uma vez que atinge em cheio os
interesses dos setores de menor renda em nossa pirâmide da desigualdade. Justamente,
aquelas camadas que ainda mantêm uma avaliação mais positiva do terceiro
mandato.
(…) “Nós temos que tomar medidas para que
isso não seja um soluço apenas, para que isso tenha uma continuidade.
‘Ah, então precisa desacelerar um pouco?’ Vamos
fazer” (…) [GN]
O governo já errou feio quando mirou o fim do abono
salarial, a limitação do acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a
mudança para pior nas regras de reajuste do salário mínimo. Se apostar na
limitação do ritmo do crescimento da economia, certamente receberá ainda mais
insatisfação popular como resposta.
O ritmo atual e futuro de elevação da Selic aprofunda,
por outro lado, as mazelas associadas à dominância do financismo em nossa
sociedade. Atualmente, o Brasil ocupa o segundo lugar dentre as nações com
maior taxa real de juros do planeta. Só estamos atrás da Turquia nesse
quesito, de acordo com levantamento realizado
por consultorias especializadas. Como o cálculo envolve a subtração da
inflação em relação ao valor nominal da Selic, a taxa real de juros no Brasil
estaria atualmente em 9,5% ao ano.
Se o governo não mudar imediatamente a meta de inflação
para 2025, todo e qualquer esforço para buscar alguma estabilização do quadro
macroeconômico será inviabilizado. A intenção de trazer o ritmo de crescimento
dos preços para 3% tem se revelado uma façanha impossível de se realizar, além
de equivocada em termos de política econômica. Esse é o principal argumento
esgrimado a cada dia pelos representantes do sistema financeiro para manter a
Selic nas alturas. Ao contrário, caso o centro da meta seja alterado para 4,5%,
com intervalo entre 3% e 6%, desaparece o argumento a favor da continuidade – ou
mesmo aprofundamento – do arrocho monetário.
·
Lula: a hora da mudança é
agora
Além da mudança da meta, é fundamental que o governo
também se volte para atacar o problema do crescimento dos preços em si. Ao
contrário da passividade com que o Ministério da Fazenda encarou o fenômeno
durante os dois primeiros anos, agora se faz urgente uma ação mais incisiva
pelo lado da oferta de bens e serviços. Esse é o caso, por exemplo, da retomada
dos programas de estoques reguladores de alimentos e outras ações localizadas
para reverter a inflação que mais afeta o povo pobre e trabalhador. Além disso,
é importante estabelecer, de uma vez por todas, o fim do programa “paridade
preço importação” dos derivados de petróleo. Não faz sentido a Petrobrás
reajustar os preços de gasolina/diesel/gás de cozinha/querosene de aviação a
cada elevação do preço do barril no mercado internacional. Ao contrário, o que
se faz necessário é aumentar os investimentos nas refinarias, para recuperar a
soberania energética do país nesse quesito.
Enfim, pelo que se pode perceber, todas as inciativas
que se fazem necessárias para melhorar as condições da economia para o ano que
se inicia e também para 2026 envolvem elevação de despesas orçamentárias e
também do patamar dos investimentos públicos. Afinal, não se consegue superar
as dificuldades estruturais que o Brasil enfrenta sem recuperar o protagonismo
do Estado na atividade econômica. Porém, existe uma trava para que esse projeto
possa ser colocado em prática: a obsessão de Haddad com a austeridade nas
contas públicas e a própria existência do arcabouço fiscal.
Assim, como presidente da República, cabe a Lula ter a
clareza de realizar a opção política para a mudança. Caso contrário, o campo
progressista corre o sério risco de se converter naquele carneirinho que segue
tranquilo e pacificamente para o cadafalso que o aguarda logo ali na esquina. O
tempo voa e os efeitos de qualquer tipo de redefinição dos rumos da política
econômica também demoram a ser sentidos. O momento é agora, para que não se
reclame depois que foi tarde demais.
¨ Como escapar da armadilha da política monetária. Por
Luís Nassif
Economista da
PUC-São Paulo, Cristina Helena de Mello conheceu de perto a maneira como a
Alemanha trabalha seus títulos públicos. Foi criada a Agência Financeira Alemã
(Deutsche Finanzagentur), com objetivo de gerenciar a dívida pública. Ela é a
única autorizada a comprar e vender títulos públicos.
A Agência emite
diferentes tipos de títulos públicos para financiar o orçamento federal e
refinanciar a dívida existente:
Bundesanleihen
(Bunds): Títulos de longo prazo (10, 15 ou 30 anos).
Bundesobligationen
(Bobls): Títulos de médio prazo (5 anos).
Schatzanweisungen
(Schätze): Títulos de curto prazo (2 anos).
Bubills: Títulos
de curtíssimo prazo (6 a 12 meses).
A Agência
Financeira Alemã (Deutsche Finanzagentur) administra a dívida pública da
Alemanha de maneira profissional e eficiente, utilizando estratégias que visam
garantir o financiamento do governo federal a custos baixos e estáveis,
enquanto gerencia riscos financeiros. Abaixo estão as principais funções e
métodos da agência:
1. Emissão de
Títulos Públicos
A Agência é
responsável por emitir diferentes tipos de títulos para financiar a dívida
pública, com prazos variados e características distintas:
Bunds: Títulos de
longo prazo, geralmente com vencimento superior a 10 anos.
Bobls: Títulos de
médio prazo, com vencimentos de 5 a 10 anos.
Schtaze: Títulos de
curto prazo, com vencimentos de até 2 anos.
Bubills: Letras do
tesouro de curto prazo, com vencimentos de 6 ou 12 meses.
Esses instrumentos
são oferecidos aos investidores por meio de leilões públicos regulares, que são
realizados na plataforma do Banco Central Alemão (Deutsche Bundesbank).
2. Gestão de Dívida
Existente
Relação
Risco-Custo: A agência trabalha para equilibrar os custos do serviço da dívida
com os riscos associados às flutuações de mercado.
Refinanciamento:
Quando títulos vencem, a agência os refinancia com novas emissões para garantir
continuidade no pagamento das obrigações.
Controle da Taxa de
Juros: Para minimizar custos, a agência monitora as condições de mercado e
emite títulos em momentos oportunos. A Alemanha pode se dar ao luxo de taxas de
juros negativas.
3. Planejamento e
Transparência
Planejamento Anual:
A Agência publica um cronograma detalhado das emissões de títulos para cada
ano, permitindo previsibilidade para os investidores.
Transparência:
Informações sobre a dívida pública, emissões e estratégias são publicadas
regularmente, garantindo confiança dos mercados financeiros.
4. Gestão de Risco
Derivativos e
Hedging: A Agência pode utilizar instrumentos financeiros, como swaps de taxa
de juros, para gerenciar os riscos associados à dívida.
Diversificação de
Investidores: A emissão de títulos é projetada para atrair uma ampla base de
investidores, incluindo bancos, fundos de investimento e seguradoras.
5. Participação em
Mercados Secundários
Embora a agência
não opere diretamente nos mercados secundários, ela apoia a liquidez dos
títulos alemães, o que aumenta sua atratividade e mantém baixos os custos de
financiamento.
6. Centralização de
Atividades
Desde 2000, a
gestão da dívida pública alemã foi centralizada na Agência Financeira Alemã,
que atua exclusivamente para o governo federal. Isso trouxe maior eficiência e
redução de custos operacionais.
Devido à
estabilidade econômica da Alemanha, os títulos públicos alemães são vistos como
um dos investimentos mais seguros do mundo. A Agência Financeira Alemã
desempenha um papel crucial nesse cenário, garantindo que a dívida pública seja
gerida de forma sustentável e confiável, mesmo em períodos de incerteza global.
·
Os
problemas da política monetária
Ao contrário da
alemã, a política monetária brasileira padece de duas vulnerabilidades
históricas. A primeira é a taxa Selic, reajustada a cada mudança nas projeções
de inflação. A segunda são as operações compromissadas, pelas quais o Banco
Central remunera as sobras de caixa dos bancos.
A eficácia da
política monetária ocorre com títulos pré-fixados. Qualquer mudança na política
provoca alterações nos preços do papel, dando muito maior eficácia aos juros.
Acontece que o país
vinha da lembrança traumática do bloqueio de depósitos do governo Collor, e dos
problemas para administrar a dívida pública e as contas externas com o Real.
O resultado foram
instrumentos destinados a reduzir o receio dos investidores mas que, na
prática, tiraram a eficácia da política monetária, obrigando o BC a pagar as
mais altas taxas de juros reais do planeta – e a converter a política em
processo de violenta concentração de renda.
Em algum momento,
os economistas precisarão esquecer os dogmas da ortodoxia e buscar
alternativas, como aquelas oferecidas pela Alemanha. Cristina diz que terá que
ser um processo gradativo, bem planejado para evitar fugas de recursos e
cambalhotas no câmbio.
Mas esta será a
única saída definitiva para os desajustes da política monetária.
Fonte: Outras Palavras/Jornal GGN
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