segunda-feira, 27 de janeiro de 2025

Alimentação não inflamatória e atividade física protegem saúde mental feminina

Um estudo do Grupo de Pesquisa em Avaliação do Consumo Alimentar (GAC) da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP conecta o sedentarismo e uma dieta pró-inflamatória aos Transtornos Mentais Comuns (TMC) – distúrbios como a depressão e ansiedade, que não apresentam casos de psicose – em mulheres com mais de 40 anos.

O potencial inflamatório da dieta foi estimado por um índice já existente na literatura científica, desenvolvido a partir de estudos epidemiológicos e de laboratório. São exemplos de alimentos com potencial inflamatório aqueles com altas quantidades de gordura saturada – como a carne vermelha – e predominância de carboidratos simples, como os com farinhas brancas ou altos em açúcar adicionado. Já as frutas, os legumes e alguns óleos vegetais são considerados anti-inflamatórios.

Os resultados apontaram que transtornos mentais comuns estavam associados ao grupo de mulheres com maiores índices inflamatórios dietéticos e baixo grau de atividade física. Além disso, esses transtornos também estavam relacionados com a presença simultânea de três ou mais doenças não transmissíveis, como hipertensão, diabete, artrite e artrose.

·        Base de Dados

Os dados foram obtidos pela base do projeto ISA-Nutrição 2015, coordenado pela professora Regina Mara Fisberg e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Trata-se de um estudo transversal realizado por uma parceria entre a FSP e Faculdade de Medicina (FMUSP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Instituto de Saúde (IS) do Estado de São Paulo. Os pesquisadores aplicaram questionários nos moradores de áreas urbanas da cidade de São Paulo. Dentro das limitações geográficas, o projeto conseguiu coletar uma amostra diversificada em termos de renda, etnia, idade e escolaridade.

A pesquisa avaliou uma amostra de 467 mulheres com mais de 40 anos, medindo o potencial inflamatório de dieta a partir do Índice Inflamatório Dietético (IID) e o grau de atividade física, a partir do Questionário Internacional de Atividade Física (Ipaq), que leva em consideração no cálculo até mesmo atividades feitas por lazer. Na modelagem estatística foram definidas, também, as variáveis de ajuste – fatores que podem influenciar os resultados e, por isso, são considerados nos cálculos: doenças não transmissíveis, intervalo de idade, anos de educação formal, índice de massa corporal (IMC) e etnia.

·        Dietas pró-inflamatórias: glúten e lactose não são os vilões

João Valentini Neto, doutorando pelo Programa de Pós-Graduação Nutrição em Saúde Pública e um dos autores do artigo, ressalta que a pesquisa foge de “simplismos nutricionais” e que o objetivo não é generalizar nem estigmatizar alimentos como leite e pão, por exemplo. “Quando tocamos nesse assunto, não estamos falando em condenar a lactose e o glúten”, comenta o pesquisador, referindo-se a alguns conteúdos equivocados divulgados na imprensa e nas mídias sociais.

O Índice Inflamatório Dietético (IID) utilizado foi desenvolvido por pesquisadores estadunidenses e leva em conta diferentes aspectos da dieta a partir de cálculos específicos da quantidade e qualidade nutricional dos alimentos. Frutas, legumes, verduras, especiarias, óleos que contenham ômega 3 – como óleo de peixe ou azeite de oliva – cebola, alho, gengibre e chás são considerados alimentos anti-inflamatórios pelo índice. Por sua vez, alimentos com maiores quantidades de gordura saturada – como a carne vermelha – e predominância de carboidratos simples – como a farinha branca – são considerados pró-inflamatórios.

Valentini Neto explica que uma alimentação anti-inflamatória deve se aproximar das dietas tradicionais – praticadas por grupos culturais antes da introdução de alimentos industrializados – e se afastar da dieta ocidentalizada – caracterizada pelo consumo excessivo de ultraprocessados, grãos refinados e alimentos pré-embalados.

O pesquisador aponta que o objetivo não deve ser meramente excluir alimentos pró-inflamatórios, mas, especialmente, acrescentar estímulos que façam efeito contrário. Ele explica que o índice avalia como substâncias pró-inflamatórias e anti-inflamatórias reagem. Para ele, a população deve buscar um equilíbrio alimentar.

O indicador, diz ele, “engloba desde a quantidade de orégano até a mensuração de ativos como os flavonóides antioxidantes”, referindo-se às substâncias presentes em alguns vegetais que protegem as células contra os efeitos danosos dos radicais livres.

·        Efeitos do sedentarismo

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que a população faça, no mínimo, 150 minutos de atividade física por semana – de preferência, dividida em diferentes sessões ao longo do período. Pessoas que se exercitam com uma frequência abaixo desta recomendação são consideradas sedentárias. O estudo utilizou a classificação da OMS como parâmetro de investigação e dividiu os correspondentes em sedentários ou ativos, a partir do Questionário Internacional de Atividade Física – ou seja, pessoas que não praticavam exercício de maneira consistente, mas se movimentavam bastante durante a semana, também foram classificadas como ativas.

“Nós observamos que mulheres que seguiam a referência da OMS estavam mais protegidas contra os transtornos mentais comuns”, comenta Valentini Neto. Ele explica que a atividade física, por si só, já é um estímulo anti-inflamatório – tanto pela regulação do sistema imunológico quanto pelo aumento do metabolismo antioxidante. Assim como no caso da dieta, o pesquisador aponta que é importante não generalizar e explica que a prática excessiva de exercícios também pode ter um efeito pró-inflamatório.

·        Inflammaging em mulheres

Valentini Neto afirma que, em qualquer faixa etária, os transtornos mentais prevalecem no gênero feminino. Entre as próprias mulheres, porém, o índice de TMC é maior naquelas com idade próxima e posterior à menopausa.  

O pesquisador comenta que no envelhecimento tende a se desenvolver um quadro de inflamação sistêmica de baixo grau, considerada subclínica. Esse processo recebe o nome de inflammaging, aglutinação dos termos da língua inglesa inflammation (inflamação) e aging (envelhecimento). Cientistas da área estudam como esses dois fatores se retroalimentam. 

A relação entre inflamação e transtornos mentais é abordada, especialmente, nos estudos sobre o eixo intestino-cérebro. Alterações na saúde intestinal podem ser associadas a neuroinflamação e neuroprogressão. Por isso, uma das hipóteses dos pesquisadores era de que alimentação pró-inflamatória e sedentarismo poderiam ser fatores de influência dos transtornos mentais comuns em mulheres com mais de 40 anos. 

 

¨      Saiba como sua alimentação pode interferir na sua noite de sono

Embora o elo entre nutrição e sono seja investigado em centros de pesquisa de diversos países, e certos alimentos sejam vistos como aliados nesse contexto, ainda há muito a ser elucidado. E mais um trabalho, publicado no periódico científico Nutrition Journal, chega com indícios da influência da alimentação para dormir melhor. 

O artigo traz informações de quase 600 participantes de um grande estudo, o Bogalusa, que acompanha indivíduos de uma comunidade rural dos Estados Unidos com alta prevalência de males cardiovasculares, desde a década de 1970, e avalia o impacto do estilo de vida nesses distúrbios, entre outros fatores. 

Por meio de questionários e avaliações sobre o sono e hábitos alimentares, os pesquisadores concluíram que o equilíbrio do cardápio, como maior espaço para frutas, hortaliças e grãos integrais, estava associado com uma menor probabilidade de insônia.  

Para Gabriela Mieko, nutricionista do Espaço Einstein de Reabilitação e Esporte, do Hospital Israelita Albert Einstein, o estudo traz indícios que outras pesquisas já apontaram. “Mas, por ser um estudo observacional, não dá para estabelecer uma relação de causa e efeito entre as variáveis e os desfechos”, observa. Segundo a nutricionista, os achados abrem portas para que novas pesquisas sejam realizadas. 

De acordo com a neurologista Letícia Soster, do Grupo Médico Assistencial do Sono do Hospital Israelita Albert Einstein, uma das explicações por trás da conclusão do trabalho é que, geralmente, as pessoas que seguem uma dieta equilibrada tendem a ser mais regradas em outros aspectos do cotidiano.  

Além do que vai ao prato, é importante levar em conta a atividade física e o controle do estresse, por exemplo. “A qualidade do sono não se define apenas pelas estratégias adotadas imediatamente antes de dormir, mas sim pelo conjunto de atitudes ao longo das 24 horas do dia”, diz Soster. 

·        Padrão mediterrâneo 

A dieta mediterrânea é mencionada no artigo como padrão alimentar saudável. Ainda que sua maior virtude seja o cardápio, esse modelo vai além: engloba todo o estilo de vida, com destaque para a prática de exercícios ao ar livre e o zelo com o descanso. “Considera aspectos socioculturais, ambientais, biodiversidade, sazonalidade, hábitos culinários tradicionais, uso de ingredientes locais e a comensalidade”, enumera Mieko. Essa dieta também enaltece as interações e trocas sociais à mesa. 

No prato, há espaço para opções de origem animal, caso de lácteos magros, ovos e pescados, mas se privilegia os vegetais. E nem é preciso buscar alimentos daquela região para usufruir dos benefícios. A sugestão é optar pela enorme variedade de frutos, hortaliças, inclusive as PANCS (Plantas Alimentícias Não Convencionais), grãos integrais e peixes brasileiros. As variedades nativas esbanjam substâncias protetoras. 

“A dieta mediterrânea não difere muito do que preconiza o Guia Alimentar Para a População Brasileira, que acabou de completar 10 anos e preza por uma alimentação à base de alimentos in natura e minimamente processados”, destaca Gabriela Mieko. 

Além de fazer boas escolhas em todas as refeições, vale redobrar a atenção com a quantidade, especialmente no jantar. Quando dormimos, o metabolismo desacelera. Tudo fica mais devagar, desde os batimentos cardíacos até a respiração. O sistema digestório trabalha menos, há diminuição na produção de saliva e de sucos digestivos e os movimentos peristálticos ficam mais lentos. 

“Ao comer demais, o organismo tenta se manter ativo para a digestão, o que dificulta o sono”, explica a neurologista, que recomenda parcimônia e dar um tempo antes de se deitar. “Em média, deve-se esperar duas horas”, orienta Letícia Soster. No caso de quem tem refluxo gastroesofágico, o período pode ser ainda maior. 

·        Alimentos aliados? 

Diversos trabalhos apontam alimentos como o kiwi, o leite, a cereja-azeda, o salmão e os grãos integrais como aliados do sono, mas ainda há muito que se investigar. De modo geral, eles contêm substâncias que seriam precursoras de hormônios essenciais para dormir bem. 

“Um dos mecanismos que vem sendo estudado teria relação com o sistema triptofano-serotonina-melatonina”, conta a nutricionista. O triptofano é um aminoácido (molécula que compõe as proteínas) e participa da síntese da melatonina, que, por sua vez, é o hormônio regulador do ciclo sono-vigília. “Ainda são muitos os questionamentos sobre a real contribuição desses componentes vindos da dieta”, afirma a nutricionista. Mas os indícios são promissores. 

Para a neurologista, criar algum tipo de ritual antes de dormir é interessante. “Beber um copo de leite morno ou mesmo uma xícara de chá pode funcionar como uma demarcação, dentro da rotina, de que é hora de dormir”, sugere Soster. 

·        Os prejuízos dos excessos 

Outra recomendação é não exagerar na quantidade de quaisquer líquidos, já que o excesso aumenta a chance de a bexiga precisar ser esvaziada durante a noite, o que leva ao despertar.  

O consumo de bebidas alcoólicas merece ainda mais atenção. É que, apesar de o álcool promover o relaxamento, por atuar em certas funções cerebrais, ele também pode afrouxar estruturas da região da faringe, do palato mole e da úvula. A respiração acaba comprometida e o resultado costuma ser o ronco, que prejudica para valer as fases do sono.  

Ainda sobre bebidas, sempre cabe mencionar as ricas em cafeína. “Exceder no consumo, sobretudo aos mais sensíveis e no período da tarde, atrapalha”, avisa a médica. A cafeína tem ação estimulante, interfere com neurotransmissores – mensageiros químicos responsáveis pela comunicação entre os neurônios – envolvidos com o aumento da disposição.  

“A substância permanece no organismo por sete horas”, afirma Mieko, que sugere fazer o cálculo considerando o horário de ir para a cama, e assim estabelecer um limite de tempo para a ingestão. E a cafeína não está presente só no café: bebidas como o chá-verde, certos energéticos, refrigerantes à base de cola, chimarrão e chá-mate também são exemplos. 

Por fim, não custa reforçar que para dormir melhor é importante desligar a TV, o computador e manter o celular longe da cama. A luz desses aparelhos interfere na produção de melatonina. 

Excelentes razões para zelar pelo sono não faltam. Quem dorme direito blinda o sistema imune, tem melhor rendimento cognitivo e disposição, e ainda há evidências de que noites maldormidas aumentam o risco de males cardiovasculares, Alzheimer, obesidade, entre outros distúrbios. 

 

Fonte: Jornal da USP/Agencia Einstein

 

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