Alimentação não
inflamatória e atividade física protegem saúde mental feminina
Um estudo do Grupo de Pesquisa em Avaliação do Consumo Alimentar (GAC) da
Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP conecta o sedentarismo e uma dieta
pró-inflamatória aos Transtornos Mentais Comuns (TMC) – distúrbios como a
depressão e ansiedade, que não apresentam casos de psicose – em mulheres com
mais de 40 anos.
O potencial inflamatório da
dieta foi estimado por um índice já existente na literatura científica, desenvolvido a partir
de estudos epidemiológicos e de laboratório. São exemplos de alimentos com
potencial inflamatório aqueles com altas quantidades de gordura saturada –
como a carne vermelha – e predominância de carboidratos simples, como os com
farinhas brancas ou altos em açúcar adicionado. Já as frutas, os legumes e
alguns óleos vegetais são considerados anti-inflamatórios.
Os resultados apontaram que
transtornos mentais comuns estavam associados ao grupo de mulheres com maiores
índices inflamatórios dietéticos e baixo grau de atividade física. Além disso,
esses transtornos também estavam relacionados com a presença simultânea de três
ou mais doenças não transmissíveis, como hipertensão, diabete, artrite e
artrose.
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Base de Dados
Os dados foram obtidos pela
base do projeto ISA-Nutrição 2015, coordenado pela professora Regina Mara
Fisberg e financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
(Fapesp). Trata-se de um estudo transversal realizado por uma parceria
entre a FSP e Faculdade de Medicina (FMUSP), Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp) e Instituto de Saúde (IS) do Estado de São Paulo. Os pesquisadores
aplicaram questionários nos moradores de áreas urbanas da cidade de São Paulo.
Dentro das limitações geográficas, o projeto conseguiu coletar uma amostra
diversificada em termos de renda, etnia, idade e escolaridade.
A pesquisa
avaliou uma amostra de 467 mulheres com mais de 40 anos, medindo o potencial
inflamatório de dieta a partir do Índice Inflamatório Dietético (IID) e o
grau de atividade física, a partir do Questionário Internacional de Atividade
Física (Ipaq), que leva em consideração no cálculo até mesmo atividades feitas
por lazer. Na modelagem estatística foram definidas, também, as variáveis de
ajuste – fatores que podem influenciar os resultados e, por isso, são
considerados nos cálculos: doenças não transmissíveis, intervalo de idade, anos
de educação formal, índice de massa corporal (IMC) e etnia.
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Dietas pró-inflamatórias: glúten e lactose não
são os vilões
João Valentini Neto, doutorando
pelo Programa de Pós-Graduação Nutrição em Saúde Pública e um dos autores
do artigo, ressalta que a pesquisa foge de “simplismos nutricionais” e que
o objetivo não é generalizar nem estigmatizar alimentos como leite e pão, por
exemplo. “Quando tocamos nesse assunto, não estamos falando em condenar a
lactose e o glúten”, comenta o pesquisador, referindo-se a alguns conteúdos
equivocados divulgados na imprensa e nas mídias sociais.
O Índice Inflamatório Dietético
(IID) utilizado foi desenvolvido por pesquisadores estadunidenses e leva
em conta diferentes aspectos da dieta a partir de cálculos específicos da
quantidade e qualidade nutricional dos alimentos. Frutas, legumes, verduras,
especiarias, óleos que contenham ômega 3 – como óleo de peixe ou azeite de oliva
– cebola, alho, gengibre e chás são considerados alimentos anti-inflamatórios
pelo índice. Por sua vez, alimentos com maiores quantidades de gordura saturada
– como a carne vermelha – e predominância de carboidratos simples – como a
farinha branca – são considerados pró-inflamatórios.
Valentini Neto explica que uma
alimentação anti-inflamatória deve se aproximar das dietas tradicionais –
praticadas por grupos culturais antes da introdução de alimentos
industrializados – e se afastar da dieta ocidentalizada – caracterizada pelo
consumo excessivo de ultraprocessados, grãos refinados e alimentos
pré-embalados.
O pesquisador aponta que o
objetivo não deve ser meramente excluir alimentos pró-inflamatórios, mas,
especialmente, acrescentar estímulos que façam efeito contrário. Ele explica
que o índice avalia como substâncias pró-inflamatórias e anti-inflamatórias
reagem. Para ele, a população deve buscar um equilíbrio alimentar.
O indicador, diz ele, “engloba
desde a quantidade de orégano até a mensuração de ativos como os flavonóides
antioxidantes”, referindo-se às substâncias presentes
em alguns vegetais que protegem as células contra os efeitos danosos dos
radicais livres.
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Efeitos do sedentarismo
A Organização Mundial da Saúde
(OMS) recomenda que a população faça, no mínimo, 150 minutos de atividade
física por semana – de preferência, dividida em diferentes sessões ao longo do
período. Pessoas que se exercitam com uma frequência abaixo desta recomendação
são consideradas sedentárias. O estudo utilizou a classificação da OMS
como parâmetro de investigação e dividiu os correspondentes em sedentários ou
ativos, a partir do Questionário Internacional de Atividade Física – ou seja,
pessoas que não praticavam exercício de maneira consistente, mas se
movimentavam bastante durante a semana, também foram classificadas como ativas.
“Nós observamos que mulheres
que seguiam a referência da OMS estavam mais protegidas contra os transtornos
mentais comuns”, comenta Valentini Neto. Ele explica que a atividade física,
por si só, já é um estímulo anti-inflamatório – tanto pela regulação do sistema
imunológico quanto pelo aumento do metabolismo antioxidante. Assim como no
caso da dieta, o pesquisador aponta que é importante não generalizar e explica
que a prática excessiva de exercícios também pode ter um efeito
pró-inflamatório.
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Inflammaging em mulheres
Valentini Neto afirma que, em
qualquer faixa etária, os transtornos mentais prevalecem no gênero feminino.
Entre as próprias mulheres, porém, o índice de TMC é maior naquelas com idade próxima
e posterior à menopausa.
O pesquisador comenta que no
envelhecimento tende a se desenvolver um quadro de inflamação sistêmica de
baixo grau, considerada subclínica. Esse processo recebe o nome de inflammaging, aglutinação
dos termos da língua inglesa inflammation (inflamação) e aging (envelhecimento).
Cientistas da área estudam como esses dois fatores se retroalimentam.
A relação entre inflamação e
transtornos mentais é abordada, especialmente, nos estudos sobre o eixo intestino-cérebro. Alterações na saúde
intestinal podem ser associadas a neuroinflamação e neuroprogressão. Por isso,
uma das hipóteses dos pesquisadores era de que alimentação pró-inflamatória e
sedentarismo poderiam ser fatores de influência dos transtornos mentais comuns
em mulheres com mais de 40 anos.
¨ Saiba como
sua alimentação pode interferir na sua noite de sono
Embora o elo entre nutrição e sono seja investigado
em centros de pesquisa de diversos países, e certos alimentos sejam vistos como
aliados nesse contexto, ainda há muito a ser elucidado. E mais um trabalho,
publicado no periódico científico Nutrition Journal, chega com indícios da
influência da alimentação para dormir melhor.
O artigo traz informações de quase 600
participantes de um grande estudo, o Bogalusa, que acompanha
indivíduos de uma comunidade rural dos Estados Unidos com alta prevalência de
males cardiovasculares, desde a década de 1970, e avalia o impacto do estilo de
vida nesses distúrbios, entre outros fatores.
Por meio de questionários e avaliações sobre o sono
e hábitos alimentares, os pesquisadores concluíram que o equilíbrio do
cardápio, como maior espaço para frutas, hortaliças e grãos integrais, estava
associado com uma menor probabilidade de insônia.
Para Gabriela Mieko, nutricionista do Espaço
Einstein de Reabilitação e Esporte, do Hospital Israelita Albert Einstein, o
estudo traz indícios que outras pesquisas já apontaram. “Mas, por ser um estudo
observacional, não dá para estabelecer uma relação de causa e efeito entre as
variáveis e os desfechos”, observa. Segundo a nutricionista, os achados abrem
portas para que novas pesquisas sejam realizadas.
De acordo com a neurologista Letícia Soster, do
Grupo Médico Assistencial do Sono do Hospital Israelita Albert Einstein, uma
das explicações por trás da conclusão do trabalho é que, geralmente, as pessoas
que seguem uma dieta equilibrada tendem a ser mais regradas em outros aspectos
do cotidiano.
Além do que vai ao prato, é importante levar em
conta a atividade física e o controle do estresse, por exemplo. “A qualidade do
sono não se define apenas pelas estratégias adotadas imediatamente antes de
dormir, mas sim pelo conjunto de atitudes ao longo das 24 horas do dia”, diz
Soster.
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Padrão mediterrâneo
A dieta mediterrânea é mencionada no artigo como
padrão alimentar saudável. Ainda que sua maior virtude seja o cardápio, esse
modelo vai além: engloba todo o estilo de vida, com destaque para a prática de
exercícios ao ar livre e o zelo com o descanso. “Considera aspectos
socioculturais, ambientais, biodiversidade, sazonalidade, hábitos culinários
tradicionais, uso de ingredientes locais e a comensalidade”, enumera Mieko.
Essa dieta também enaltece as interações e trocas sociais à mesa.
No prato, há espaço para opções de origem animal,
caso de lácteos magros, ovos e pescados, mas se privilegia os vegetais. E nem é
preciso buscar alimentos daquela região para usufruir dos benefícios. A
sugestão é optar pela enorme variedade de frutos, hortaliças, inclusive as
PANCS (Plantas Alimentícias Não Convencionais), grãos integrais e peixes
brasileiros. As variedades nativas esbanjam substâncias protetoras.
“A dieta mediterrânea não difere muito do que
preconiza o Guia Alimentar Para a População Brasileira, que acabou
de completar 10 anos e preza por uma alimentação à base de alimentos in
natura e minimamente processados”, destaca Gabriela Mieko.
Além de fazer boas escolhas em todas as refeições,
vale redobrar a atenção com a quantidade, especialmente no jantar. Quando
dormimos, o metabolismo desacelera. Tudo fica mais devagar, desde os batimentos
cardíacos até a respiração. O sistema digestório trabalha menos, há diminuição
na produção de saliva e de sucos digestivos e os movimentos peristálticos ficam
mais lentos.
“Ao comer demais, o organismo tenta se manter ativo
para a digestão, o que dificulta o sono”, explica a neurologista, que recomenda
parcimônia e dar um tempo antes de se deitar. “Em média, deve-se esperar duas
horas”, orienta Letícia Soster. No caso de quem tem refluxo gastroesofágico, o
período pode ser ainda maior.
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Alimentos aliados?
Diversos trabalhos apontam alimentos como o kiwi, o
leite, a cereja-azeda, o salmão e os grãos integrais como aliados do sono, mas
ainda há muito que se investigar. De modo geral, eles contêm substâncias que
seriam precursoras de hormônios essenciais para dormir bem.
“Um dos mecanismos que vem sendo estudado teria
relação com o sistema triptofano-serotonina-melatonina”, conta a nutricionista.
O triptofano é um aminoácido (molécula que compõe as proteínas) e participa da
síntese da melatonina, que, por sua vez, é o hormônio regulador do ciclo
sono-vigília. “Ainda são muitos os questionamentos sobre a real contribuição
desses componentes vindos da dieta”, afirma a nutricionista. Mas os indícios
são promissores.
Para a neurologista, criar algum tipo de ritual
antes de dormir é interessante. “Beber um copo de leite morno ou mesmo uma
xícara de chá pode funcionar como uma demarcação, dentro da rotina, de que é
hora de dormir”, sugere Soster.
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Os prejuízos dos excessos
Outra recomendação é não exagerar na quantidade de
quaisquer líquidos, já que o excesso aumenta a chance de a bexiga precisar ser
esvaziada durante a noite, o que leva ao despertar.
O consumo de bebidas alcoólicas merece ainda mais
atenção. É que, apesar de o álcool promover o relaxamento, por atuar em certas
funções cerebrais, ele também pode afrouxar estruturas da região da faringe, do
palato mole e da úvula. A respiração acaba comprometida e o resultado costuma
ser o ronco, que prejudica para valer as fases do sono.
Ainda sobre bebidas, sempre cabe mencionar as ricas
em cafeína. “Exceder no consumo, sobretudo aos mais sensíveis e no período da
tarde, atrapalha”, avisa a médica. A cafeína tem ação estimulante, interfere
com neurotransmissores – mensageiros químicos responsáveis pela comunicação entre
os neurônios – envolvidos com o aumento da disposição.
“A substância permanece no organismo por sete
horas”, afirma Mieko, que sugere fazer o cálculo considerando o horário de ir
para a cama, e assim estabelecer um limite de tempo para a ingestão. E a cafeína
não está presente só no café: bebidas como o chá-verde, certos energéticos,
refrigerantes à base de cola, chimarrão e chá-mate também são exemplos.
Por fim, não custa reforçar que para dormir melhor
é importante desligar a TV, o computador e manter o celular longe da cama. A
luz desses aparelhos interfere na produção de melatonina.
Excelentes razões para zelar pelo sono não faltam.
Quem dorme direito blinda o sistema imune, tem melhor rendimento cognitivo e
disposição, e ainda há evidências de que noites maldormidas aumentam o risco de
males cardiovasculares, Alzheimer, obesidade, entre outros distúrbios.
Fonte: Jornal da
USP/Agencia Einstein
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