Com convite a Trump,
políticos e ruralistas preparam ‘COP do Agro’ no Pará
ENQUANTO o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tomava posse na
segunda-feira (20), um advogado de Canaã dos Carajás (PA) enviava mensagens
para a deputada federal Silvia Waïapi (PL-AP), presente em Washington, pedindo
que ela convidasse Trump para a “COP 30 do Agro”.
Assim como a deputada
indígena filiada ao partido de Jair Bolsonaro, mais de uma dezena de senadores,
deputados federais e estaduais gravaram vídeos confirmando participação no
evento, previsto para o início de outubro, em Marabá, no sudeste do Pará. A COP
do Agro antecederá à COP 30 oficial, a maior conferência mundial sobre o clima
da ONU, agendada para o mês seguinte, na capital paraense.
“O problema climático é
global, e nós, amazônidas, não somos os culpados, mas somos penalizados”,
afirma o advogado Vinícius Borba, criador da Apria (Associação dos Produtores
Rurais Independentes da Amazônia) e principal organizador da COP do Agro.
Dados do Seeg (Sistema
de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima),
porém, mostram que no Brasil 74% das emissões estão relacionadas de alguma forma
ao setor agropecuário.
Depois da posse de Trump,
Borba fez uma live no Instagram da associação destacando que a eleição do
republicano é um “fio de esperança”.
Em um de seus primeiros
atos, Trump anunciou a saída dos EUA do Acordo de Paris sobre
mudanças climáticas, cujo objetivo é manter o aquecimento global do planeta
abaixo de 1,5°C até o final do século. Também prometeu uma linha dura contra
restrições ambientais.
Questionado se a COP do Agro
terá um viés de negacionismo climático, o advogado negou. Ele entende que
países desenvolvidos, como França, Noruega e Alemanha não reduzem suas emissões
e, portanto, seriam os verdadeiros negacionistas. “Os reais poluidores estão
negando a questão climática”, afirma.
Horas antes da posse de
Trump, na manhã de segunda, o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), também
usou uma rede social para saudar o novo presidente e expressar a esperança de
recebê-lo na COP 30, a oficial, organizada pela ONU.
“Quem vai para COP 30 não passa de hipócrita”,
disse Borba em um dos vários vídeos que posta nas redes sociais. A Apria,
criada em setembro de 2024, também publicou um convite escrito em inglês no
Instagram e marcou o presidente dos Estados Unidos.
A principal reivindicação da
associação é o protagonismo do produtor rural nas decisões sobre a Amazônia.
Outra bandeira recorrente é o questionamento da influência de ONGs nas
políticas ambientais.
“O impacto que esse evento
[COP do Agro] vai ter sobre a COP 30 é nulo”, avalia o coordenador de política internacional do Observatório do Clima,
Claudio Angelo. O motivo, segundo ele, é que a COP não é um evento brasileiro e
nem amazônico, mas internacional, organizado pela ONU.
“Então, o agro pode gritar,
xingar, espernear o quanto quiser, mas não mudará a realidade de um evento
multilateral”, explica Ângelo, que recentemente lançou o livro “O
silêncio da motosserra – quando o Brasil decidiu salvar a Amazônia” (Companhia
das Letras, 2024), com colaboração de Tasso Azevedo.
·
Senador diz que COP 30 é ‘controlada pelo
ecoterrorismo ambiental’
Um dos principais
entusiastas da COP do Agro é o senador Zequinha Marinho (Podemos-PA). Em
dezembro, o parlamentar acompanhou o advogado Vinícius Borba pelos
corredores do Congresso, citando sua presença durante uma reunião da FPA, a
Frente Parlamentar Agropecuária, braço institucional da bancada ruralista. Na
ocasião, Marinho também convidou todos os membros da FPA a participarem da COP
do Agro.
“Conte não só com a minha
presença, mas com todo apoio que meu mandato de senador possa dar”, disse
Marinho, em um vídeo gravado enquanto
recebia o convite das mãos de Borba. Marinho foi derrotado na última eleição
para o governo do Pará com 27,9% dos votos válidos ante 69% de Barbalho.
Para o senador, a COP 30 da
ONU é “controlada pelo ecoterrorismo ambiental”. Segundo ele, os moradores da
Amazônia “não podem fazer nada” e precisam ficar “ajoelhados para adorar a
floresta”. A Repórter Brasil pediu uma entrevista
com o senador a respeito de sua participação na COP do 30 do Agro, mas, segundo
sua assessoria, ele não tinha horário disponível na agenda.
Pastor evangélico e
bolsonarista ferrenho, Marinho é defensor da exploração econômica das terras
indígenas e já recebeu em Brasília representantes de uma
cooperativa de ouro investigada pela PF por exploração ilegal do
minério. Já defendeu também invasores das terras indígenas Ituna/Itatá e Apyterewa, dentre eles um homem apontado pelo Ibama como o maior grileiro de terras da Amazônia.
Zequinha também teve o nome
envolvido com os atos antidemocráticos após as eleições de 2022. Foi ele
quem autorizou a entrada no Congresso, em novembro daquele ano, de George Washington, o
mentor do frustrado atentado à bomba no aeroporto de Brasília.
Outros senadores que
receberam convites das mãos de Borba e confirmaram presença foram Wellington Fagundes (PL-MT), Jaime Bagattoli (PL-RO), Lucas Barreto (PSD-AP) e Plínio Valério (PSDB-AM).
“Não podemos mais ficar
subjugados a essas ONGs que manipulam, que dominam e controlam parte do
judiciário. Eles são injustos conosco e nós temos que corrigir essa injustiça
hoje ou amanhã, mais cedo ou mais tarde, nós vamos conseguir juntos”, disse
Valério ao receber o convite.
O senador Lucas Barreto, por
sua vez, atacou a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva (Rede-SP), dizendo
que ela deixou o Acre e disputou a última eleição por São Paulo porque “não
conseguiu viver de clorofila e nem fazer fotossíntese na Amazônia”. Na visão do
senador, os moradores da região vivem em um regime de “escravidão ambiental”
com o povo apenas contemplando a natureza.
Além da deputada
federal Silvia Waïapi, Joaquim Passarinho (PL-PA), que também
foi para os EUA acompanhar a posse de Trump, aceitou o convite para participar
da COP do Agro. Thiago Flores (Republicanos-RO)
e o presidente da FPA, Pedro Lupion (PP-PR) estão entre os parlamentares que
gravaram vídeos com o organizador do evento.
Borba também procurou
políticos do PT, como o ex-senador Paulo Rocha, atual superintendente da Sudam
(Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia), e o deputado estadual Dirceu
Ten Caten. “A busca por ajuda e união da soberania da Amazônia e do setor
produtivo vai além desses mimimis de partidos políticos, crenças ou ideologias.
Temos que ser estratégicos e inteligentes”, escreveu o advogado na postagem com
um dos petistas.
·
Organizador defendeu pecuaristas irregulares em
terra indígena no Pará
Figura central da COP 30 do
Agro, Vinícius Borba se apresenta como um “amazônida”, apesar de ter nascido em
Goiás. Conhecido por sua presença ativa nas redes sociais, ganhou destaque
durante o processo de desintrusão (retirada de ocupantes irregulares) da Terra
Indígena Apyterewa, no Pará, em outubro de 2023.
Borba foi até a Vila
Renascer defender pecuaristas retirados pelas forças do governo federal do
território do povo Parakanã. Na ocasião, disse que falava em nome da OAB (Ordem
dos Advogados do Brasil) do Pará e da comissão de direitos humanos. Contudo,
foi desautorizado em nota publicada pela entidade.
A Repórter Brasil entrevistou Borba por 50 minutos e questionou a diferença de tom
entre as declarações com caráter conciliador dadas durante a entrevista, em
oposição ao discurso agressivo nas redes sociais. Ele argumentou que a mídia,
muitas vezes, apresenta uma visão distorcida da realidade, ouvindo apenas uma
parte dos envolvidos. “Não podemos ser mansos diante de distorções e
sensacionalismo”, afirma.
Em uma publicação, a associação criada por ele propôs seis soluções
para a Amazônia. Entre as propostas estão o cancelamento da COP 30, a expulsão
das ONGs, a extinção de programas que controlam cadeias produtivas, como o TAC
da Carne e a Moratória da Soja, a criação de leis “menos ambientalistas” e a
anulação de terras indígenas e unidades de conservação. Em outra publicação, Borba anuncia estar
disponível para palestras com o tema: “A verdade sobre a Amazônia”.
“Conte comigo para divulgar
nas nossas redes. Precisamos estudar o que está acontecendo e tomar decisões
unidos em defesa do agronegócio da Amazônia”, comentou Luciano Guedes na
postagem. Pecuarista de Redenção, Guedes apoiou os
acampamentos em Brasília, defendendo a intervenção militar. Entre agosto de
2019 a julho de 2022, ele ocupou cargo comissionado no gabinete do senador
Zequinha Marinho.
Os deputados estaduais
Aveilton Souza (PSD) e Wescley Tomaz (Avante) também estão divulgando a COP do
Agro e fizeram vídeos sobre o evento quando estavam no Azerbaijão, em novembro,
durante a realização da COP 29. Tomaz se identifica como o deputado dos
garimpeiros e foi derrotado na última eleição para prefeito de Itaituba (PA).
Já Souza comandou o Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária)
em Marabá durante o governo Bolsonaro.
·
Marabá é palco histórico de conflitos por terra
Escolhida como sede da COP
do Agro, Marabá está em uma região que é palco de massacres históricos de
trabalhadores rurais sem terra, como os de Eldorado dos Carajás e de Pau
D’Arco.
A expansão da fronteira
agrícola, impulsionada pela construção de estradas como a Transamazônica,
durante a ditadura militar, atraiu migrantes e empresas agropecuárias,
intensificando a disputa por terras entre posseiros, fazendeiros, grileiros e
madeireiros, explica o professor de história da Universidade do Estado do do
Pará, Airton dos Reis Pereira.
Pereira destaca que, entre
1985 e 2019, ocorreram 49 massacres de trabalhadores rurais sem terra no Brasil.
Desse total, 40 foram na Amazônia: 28 somente no Pará e 22 na região sul e
sudeste do estado.
A ausência de regularização
fundiária e a impunidade alimentaram essa violência, com a atuação de
pistoleiros e milícias contratadas para expulsar posseiros e sem-terras, muitas
vezes com a conivência de autoridades e policiais, explica Pereira.
Os trabalhadores rurais eram
acusados de serem “invasores” de terras e “subversivos” ligados ao comunismo,
repetindo a retórica utilizada durante a ditadura militar. A expressão usada
pelos ruralistas para justificar a violência era manter a “soberania nacional”.
A mesma frase usada agora pelos produtores rurais ligados à Apria.
Fonte:
Repórter Brasil
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