Andrew Jackson, o
presidente 'outsider' e populista que inspira Trump
Quando Donald Trump chegou
à Casa Branca nesta
segunda-feira (20/1), logo após sua cerimônia de posse, um detalhe da decoração
chamou a atenção dos presentes: o retrato de Andrew Jackson no Salão Oval.
Um retrato do
polêmico sétimo presidente americano, que governou o país de 1829 a 1837 e de
quem Trump se declara admirador, já decorava o gabinete de trabalho do
republicano em seu primeiro mandato (2017-2021), mas havia sido retirado
por Joe Biden.
A volta de Trump ao
poder, e o novo quadro de Jackson em destaque, fez ressurgir comparações entre
os dois.
Assim como Trump em
2020, Jackson perdeu a eleição de 1824.
Após a derrota,
inspirou um movimento popular, criou um partido político à sua imagem e
concorreu novamente quatro anos depois, sendo vitorioso no pleito de 1828.
Primeiro presidente
americano que não fazia parte da elite fundadora do país, Jackson era
considerado um outsider em Washington.
Ele defendia a
ideia de que o governo pertencia ao povo, e não os ricos, e muitos
historiadores o descrevem como "o primeiro populista" a chegar à
Casa Branca.
Seu impacto no
cenário político dos Estados Unidos foi tão
profundo que ele ganhou um período histórico batizado com seu nome: a Era
Jacksoniana (de 1828 até cerca de 1854).
Mas Jackson também
é uma figura controversa, criticado por manter pessoas escravizadas e por ser
responsável pelo deslocamento forçado e morte de dezenas de milhares de
indígenas, em um episódio que ficou conhecido como "O Caminho das
Lágrimas".
·
Comparação
incentivada por Trump
A comparação com
Trump vem desde a campanha de 2016 e foi incentivada pelo próprio republicano e
por seus assessores.
Em março de 2017,
pouco tempo após tomar posse, Trump visitou o Hermitage, a propriedade de
Jackson no Estado do Tennessee, e depositou uma coroa de flores em seu túmulo.
"Visita inspiradora. Sou fã", disse Trump na ocasião.
No entanto, assim
como é possível encontrar semelhanças entre os dois presidentes, há diferenças
marcantes.
"Você pode
notar algumas semelhanças, algumas meras coincidências, mas as diferenças podem
ser igualmente importantes", diz à BBC News Brasil o historiador Daniel
Feller, professor emérito da Universidade do Tennessee.
"Acho que essa
ideia de comparar Jackson a Trump é uma brincadeira boba", afirma Feller,
que é especialista nesse período histórico e editor de um projeto para coletar
e publicar todo o registro literário existente de Jackson.
Segundo Feller,
porém, a comparação serviu a um propósito político, tanto para Trump
quanto para seus adversários.
"Uma maneira
de [resumidamente] descrever Jackson é que ele era um outsider em
Washington, o establishment político o odiava, ele era considerado inapto para
o cargo por muitos, mas as pessoas comuns o amavam", observa Feller.
De acordo com o
historiador, para um político buscando um modelo, como Trump em 2016, essa
imagem de Jackson é perfeita. Mas ele lembra que os críticos de Trump também
aceitaram a analogia, com propósito oposto.
"Seus críticos
disseram: 'sim, você é como Jackson, um tirano, intolerante, demagogo, racista'", ressalta
Feller.
·
Representante
do 'homem comum'
Jackson cultivava a
imagem de representante do "cidadão comum" e ficou conhecido como um
"presidente do povo".
Ele foi eleito com
uma plataforma de rejeição às elites e a promessa de "limpar"
Washington.
Trump também chegou
à Casa Branca em 2017 como um outsider, com a promessa de "drenar o
pântano" e dar voz aos "deploráveis" — segundo o termo usado de
forma pejorativa por sua adversária, Hillary Clinton, e posteriormente
adotado com orgulho por seus seguidores.
Mas as trajetórias
de ambos até chegarem ao poder são bem diferentes.
Trump vem de uma
família rica e herdou milhões de dólares do pai, um empresário do setor
imobiliário. Jackson também era rico quando chegou à Presidência, mas ele fez
fortuna sozinho e tinha origem mais humilde.
Quando Jackson
nasceu, em 1767, na divisa entre os Estados da Carolina do Sul e da Carolina do
Norte, seu pai já havia morrido. Sua mãe e seus dois irmãos morreram quando ele
ainda era criança.
Seu populismo,
argumentam historiadores, não era motivado por oportunismo, e sim resultado de
sua experiência de vida.
·
Herói
nacional
Enquanto Trump
escapou do serviço militar, Jackson lutou na Revolução Americana (1765–1783)
ainda adolescente, e aos 13 anos de idade, chegou a ser capturado e mantido em
cativeiro pelas forças britânicas.
Ele fez carreira no
Exército e colecionou vitórias como general. Após comandar a campanha vitoriosa
contra os britânicos na Batalha de Nova Orleans, em 1815, se transformou em
herói nacional.
Nos campos de
batalha, ganhou fama pela determinação e coragem e pela disposição de lutar e
sofrer ao lado de seus homens.
Sobreviveu a
diversos ferimentos e doenças, entre elas reumatismo, disenteria, varíola
e malária.
Trump chegou a
Washington em 2017 sem nenhuma experiência política, após uma vitória eleitoral
que chocou o país.
Jackson também era
menosprezado pela elite de Washington, que o considerava um homem
"ignorante" e "perigoso", que poderia colocar as
instituições americanas em risco.
No entanto, além de
sua experiência militar, ele não era novato na política, com passagens pela
Câmara e pelo Senado, além de uma carreira como juiz da Corte Superior do
Tennessee.
"Quando
concorreu em 1824 e, novamente, em 1828, Jackson não tinha o currículo que se
esperava de um candidato presidencial na época. Em particular, não tinha
experiência como diplomata", lembra Feller.
"Mas Jackson
havia passado sua vida adulta inteira no serviço público. Trump foi eleito [em
2016] sem nunca ter ocupado ou concorrido a um cargo público", destaca o
historiador.
·
Derrota
e novo partido
Jackson já era uma
celebridade no país inteiro quando concorreu à Presidência, em 1824.
Ele foi o candidato
com o melhor desempenho tanto no voto popular (com 40,5%) quanto no Colégio
Eleitoral (com 99 votos), mas ainda assim ficou abaixo da maioria necessária
para garantir a vitória.
Como o voto do
Colégio Eleitoral ficou dividido entre quatro candidatos, nenhum com os 131
votos então necessários para vencer, a decisão final coube à Câmara dos
Representantes — equivalente à Câmara dos Deputados no Brasil.
A votação na Câmara
deu a vitória a John Quincy Adams, filho do ex-presidente John Adams
(1797-1801) e então secretário de Estado, que havia recebido apenas 32,7% do
voto popular e 84 votos no Colégio Eleitoral.
Jackson e seus
seguidores alegaram que a eleição havia sido "roubada" em uma manobra
política do adversário, evitando que o escolhido do povo chegasse ao poder.
Essa frustração
impulsionou um movimento de base que transformou o cenário político no país.
Jackson abandonou o Partido Democrata-Republicano e, com seus aliados, formou o
Partido Democrata.
O movimento liderado
por ele levou a um aumento da participação popular e à democratização do
processo de seleção de candidatos.
Em vez de serem
decididos por um pequeno grupo a portas fechadas, como antes, passaram a ser
nomeados em convenções com a participação do eleitorado.
·
Quebra
de tradições
Após vencer em
1828, Jackson quebrou várias das tradições que governavam Washington.
O novo presidente
instalou uma política de portas abertas na Casa Branca, onde qualquer pessoa
era bem-vinda.
Após sua cerimônia
de posse, realizada em 4 de março de 1829 no Capitólio, milhares de apoiadores,
muitos deles trabalhadores rurais vindos do interior do país, se dirigiram à
Casa Branca para festejar.
A imprensa da época
traz relatos de móveis estragados e louças quebradas pela multidão.
Durante seus dois
mandatos, Jackson transformou o papel do presidente e expandiu os poderes do
Executivo.
Ele demitiu
inimigos e nomeou aliados para posições no governo, alguns criticados por não
terem as qualificações necessárias. Também passou a consultar um grupo de
conselheiros sem cargos oficiais.
Jackson muitas
vezes tentou contornar controles institucionais. Ele ignorou decisões judiciais
e protestos públicos e vetou um grande número de leis, levando cartunistas da
época a descreverem o presidente como "Rei Andrew 1º".
Apesar de ter sido
inicialmente desprezado pela elite de Washington, Trump também acabou
transformando o Partido Republicano à sua imagem.
No momento em que
começa o segundo mandato, após dois processos de impeachment e uma série de investigações
e batalhas legais, seu domínio é completo, e aqueles que inicialmente resistiam
a ele ou mudaram de posição ou abandonaram o partido.
·
Legado
Trump não é o
primeiro presidente americano a usar a imagem de Jackson como modelo.
Jackson morreu em
1845 e, ao longo dos quase 200 anos desde que passou pela Casa Branca, serviu
de inspiração para vários de seus sucessores.
Tanto o democrata
Harry Truman quanto o republicano Ronald Reagan estão entre os presidentes que
decoraram o Salão Oval com imagens de Jackson.
Theodore Roosevelt,
Franklin Roosevelt, Lyndon Johnson e Reagan foram alguns dos que visitaram o
Hermitage durante seus mandatos.
No entanto, em
décadas recentes a reputação de Jackson entrou em declínio, principalmente
entre democratas, e alguns passaram a descrevê-lo como um símbolo do racismo.
Ganharam destaque
seu apoio à escravidão e seu tratamento brutal dos povos indígenas,
especialmente com a Indian Removal Act, a lei de remoção sancionada por ele em
1830 e que forçou milhares a deixarem suas terras ancestrais.
Dez anos atrás,
durante o governo de Barack Obama, foi anunciado que a imagem de Jackson na
nota de 20 dólares seria substituída pela da abolicionista Harriet Tubman. Até
agora, porém, a mudança não foi realizada e não há previsão concreta de quando
será feita.
Feller salienta
que, em sua época, Jackson se tornou um símbolo da democracia americana.
"Um menino talvez não nascido pobre, mas sem vantagens [familiares], que
por sua própria coragem se tornou um herói e depois presidente dos Estados
Unidos", observa.
"Para os
americanos da época, o importante era que este era um país onde isso podia
acontecer", ressalta Feller, lembrando que hoje há mais consciência de que
essa possibilidade era, na época, reservada apenas a homens brancos.
"Jackson se
apresentava deliberadamente como a voz das pessoas comuns em Washington, o
representante direto do povo americano no governo", diz Feller.
"Hoje damos
isso como certo, mas era novidade na época. Isso é parte de seu legado."
Fonte: BBC News Brasil
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