Camila Caringe: O que podemos esperar das práticas corporativas ESG,
com a volta de Trump?
A administração
Trump planejou, na terça-feira (21), que os funcionários que supervisionavam os
esforços de diversidade, equidade e inclusão nas agências federais fossem
colocados em licença imediatamente. O prazo é até quarta-feira (22) à noite. O
decreto determina ainda que as lideranças tomem medidas para a redução de
pessoal e o encerramento de escritórios até 31 de janeiro. O memorando também
instrui as agências a remover qualquer linguagem inclusiva ou anúncio sobre
programas de diversidade. Com a nova ordem, Trump encorajou o setor privado a
seguir o exemplo do Governo Federal e acabar com os programas de diversidade e
equidade, que se tornam ilegais.
Mas verdade seja
dita: as pressões da extrema direita já vinham causando seu efeito muito antes
das eleições. Em junho de 2023, a Suprema Corte dos EUA, impulsionada pela
maioria conservadora, encerrou a política de cotas raciais em universidades de
todo o país, descartando décadas de precedentes na vida americana. Os juízes concluíram que as
políticas de admissão na Universidade de Harvard e na Universidade da Carolina
do Norte violavam a cláusula de proteção igualitária da Constituição dos EUA.
A partir deste
entendimento, grandes e pequenas empresas se sentiram licenciadas a rever seus
próprios avanços no eixo social da sustentabilidade corporativa, inspiradas
pelo ambiente jurídico permissivo, pelo contexto político em inclinação à
direita e pela pressão cada vez mais articulada de conservadores que defendem
seu direito à expressão violenta e à manutenção de preconceitos.
No ano passado,
a Ford alterou suas
políticas de diversidade e inclusão. Jim Farley, CEO da companhia, afirmou em
um e-mail aos funcionários que a empresa “mudou o foco dos grupos de recursos
humanos e encerrou a participação em pesquisas externas de cultura”, realizadas
pela Campanha de
Direitos Humanos,
um grupo de defesa LGBTQ+. Mas em 2017, a mesma Ford tinha se vangloriado pelo
reconhecimento da organização como um dos melhores lugares para trabalhar,
justamente pela igualdade LGBTQ+.
Ainda em 2024, a
fabricante de motocicletas Harley-Davidson abandonou
iniciativas de diversidade, equidade e inclusão. A nota oficial informa que a
marca não tem mais metas de fornecedores comandados por representantes de
minorias. O comunicado ainda diz que a empresa limitaria o treinamento aos
requisitos legais. O Walmart fez o mesmo.
A Boeing também.
No último agosto, a
BlackRock, maior empresa de investimento do mundo, informou que tinha reduzido
seu apoio às propostas de acionistas que abordavam questões ambientais e
sociais. De julho de 2023 até junho do ano passado, a empresa apoiou apenas 4%
das 493 propostas. Em 2021, a BlackRock apoiou 47% das propostas apresentadas
por acionistas ativistas. Mas como, se o CEO Larry Fink foi um dos primeiros
grandes capitalistas a anunciar a emergência climática como uma ameaça aos
negócios no mundo inteiro?
Em sua influente
carta anual, Fink vinha fazendo alertas e incentivando investidores a adotarem
práticas sustentáveis e trabalhar com propósito. Na sua carta de 2020, por
exemplo, ele escreveu: “Estaremos cada vez mais dispostos a votar contra a
gestão e os conselhos de administração quando as empresas não estiverem fazendo
progressos suficientes nas divulgações relacionadas à sustentabilidade e às
práticas empresariais subjacentes.”
Em 2023, os ventos
começaram a mudar. Primeiro ele afirmou que o termo “ESG” teria se desgastado e
sido o culpado por polarizar politicamente as nações do mundo ocidental,
especialmente nos Estados Unidos. Em 2024, a carta foi
pragmática,
com foco em investimentos para a aposentadoria. A grande motivação da virada
teria sido a pressão de investidores conservadores que, incitados por grupos de
direita como a Heritage Foundation, acusaram grandes
corporações de praticarem o “capitalismo woke”. Pelo menos 20 estados
promulgaram leis locais
que proibiram fundos públicos de investir em ESG. Neste mês de janeiro de 2025,
a gigante gestora de ativos retirou a sua
adesão à
Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Clima, alegando que a sua participação
em tais organizações causou “confusão em relação às práticas da BlackRock e a
sujeitou a inquéritos legais de vários funcionários públicos”.
E a fila de
desistentes não termina de passar: quatro anos depois de lançar um esforço por
mais diversidade nas unidades de suas filiais, o McDonald’s anunciou nos primeiros
dias deste ano que vai revogar metas específicas para alcançar a diversidade
nos níveis de liderança sênior. A empresa também pretende acabar com o programa
que incentiva seus fornecedores a desenvolverem formação em diversidade e a
aumentar o número de membros de grupos minoritários.
Observando a linha
do tempo, até que demorou para Mark Zuckerberg
anunciar que sua empresa abandonaria os programas de checagem de informações
que circulam em suas plataformas (Instagram, Facebook, Threads e
WhatsApp). Mark estava lá, na posse de Trump, ao lado de Tim
Cook, CEO da Apple, Sundar Pichai, CEO do Google, Jeff Bezos, CEO da Amazon,
Shou Zi Chew, CEO do TikTok, e Sam Altman, CEO da Open AI. O grande destaque
foi Elon Musk, dono da Tesla, da Space X e do X. Musk foi nomeado por Trump e
vai chefiar o “Departamento de Eficiência”. Ninguém sabe ao certo o que isso
significa, mas Musk comemorou como se a posse da presidência fosse dele. E não
se furtou de fazer um gesto muito parecido com uma saudação nazista – vamos dar o
benefício da dúvida? Enfileirados um ao lado do outro, os homens de perfil
semelhante deixam claro que diversidade não é com eles.
No Brasil, não
foram poucas as vezes em que o Deputado Federal, Eduardo Bolsonaro, saiu em
defesa do legado de seu pai e atacou as políticas que visam preservar o meio
ambiente. Em julho de 2024, na Conferência de Ação
Política Conservadora – Brasil, Eduardo aproveitou a companhia de figuras
como Nikolas Ferreira, Ricardo Salles e Javier Milei, para bradar aos ativistas
da extrema-direita que lutem para que políticas globais ESG sejam
inviabilizadas. “Ser de direita, gente, em bom português, é ser contra a agenda
ESG. Ser de direita é ser contra a Agenda 2030 da ONU. Nós defendemos a liberdade”, afirmou durante sua apresentação no evento que
aconteceu em Balneário Camboriú, em Santa Catarina.
Dado o contexto, a
esperança da humanidade meio que está na oposição coordenada. Líderes da União
Europeia reafirmam que manterão seus compromissos climáticos, mesmo sem o apoio
dos EUA. Conseguirão conter o ímpeto da iniciativa privada? Países em
desenvolvimento, mais frágeis e dependentes de apoio moral, ideológico,
financeiro e tecnológico, precisam de tempo para digerir a avalanche de
decretos tão abrangentes no retorno de Trump. A China, por sua vez, pode tentar
preencher o vácuo de liderança climática deixado pelos Estados Unidos,
fortalecendo sua posição. Olhando daqui o futuro parece muito incerto.
Em algum momento, o
senso comum admitiu que as convenções da ONU encerrariam a pacificação do
entendimento. Que a clareza límpida da emergência climática uniria o tecido
social no mesmo empenho pela sustentabilidade, com dissonâncias pontuais,
isoladas. Precisamos ser objetivos agora: o desafio é imenso, menos pela
quantidade e mais pela qualidade da força destrutiva. Fechamos o ano de 2024
com 2.781 bilionários no mundo. Mas somos 8 bilhões de seres humanos
não-bilionários, interessados em que a era da pós-verdade não preceda a era do
pós-planeta-Terra. Os Governos, as empresas e a sociedade civil terão de
redobrar seus esforços para garantir que os retrocessos não se tornem
permanentes.
Fonte: Le Monde
Nenhum comentário:
Postar um comentário