quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Camila Caringe: O que podemos esperar das práticas corporativas ESG, com a volta de Trump?

A administração Trump planejou, na terça-feira (21), que os funcionários que supervisionavam os esforços de diversidade, equidade e inclusão nas agências federais fossem colocados em licença imediatamente. O prazo é até quarta-feira (22) à noite. O decreto determina ainda que as lideranças tomem medidas para a redução de pessoal e o encerramento de escritórios até 31 de janeiro. O memorando também instrui as agências a remover qualquer linguagem inclusiva ou anúncio sobre programas de diversidade. Com a nova ordem, Trump encorajou o setor privado a seguir o exemplo do Governo Federal e acabar com os programas de diversidade e equidade, que se tornam ilegais.

Mas verdade seja dita: as pressões da extrema direita já vinham causando seu efeito muito antes das eleições. Em junho de 2023, a Suprema Corte dos EUA, impulsionada pela maioria conservadora, encerrou a política de cotas raciais em universidades de todo o país, descartando décadas de precedentes na vida americana. Os juízes concluíram que as políticas de admissão na Universidade de Harvard e na Universidade da Carolina do Norte violavam a cláusula de proteção igualitária da Constituição dos EUA.

A partir deste entendimento, grandes e pequenas empresas se sentiram licenciadas a rever seus próprios avanços no eixo social da sustentabilidade corporativa, inspiradas pelo ambiente jurídico permissivo, pelo contexto político em inclinação à direita e pela pressão cada vez mais articulada de conservadores que defendem seu direito à expressão violenta e à manutenção de preconceitos.

No ano passado, a Ford alterou suas políticas de diversidade e inclusão. Jim Farley, CEO da companhia, afirmou em um e-mail aos funcionários que a empresa “mudou o foco dos grupos de recursos humanos e encerrou a participação em pesquisas externas de cultura”, realizadas pela Campanha de Direitos Humanos, um grupo de defesa LGBTQ+. Mas em 2017, a mesma Ford tinha se vangloriado pelo reconhecimento da organização como um dos melhores lugares para trabalhar, justamente pela igualdade LGBTQ+.

Ainda em 2024, a fabricante de motocicletas Harley-Davidson abandonou iniciativas de diversidade, equidade e inclusão. A nota oficial informa que a marca não tem mais metas de fornecedores comandados por representantes de minorias. O comunicado ainda diz que a empresa limitaria o treinamento aos requisitos legais. O Walmart fez o mesmo. A Boeing também.

No último agosto, a BlackRock, maior empresa de investimento do mundo, informou que tinha reduzido seu apoio às propostas de acionistas que abordavam questões ambientais e sociais. De julho de 2023 até junho do ano passado, a empresa apoiou apenas 4% das 493 propostas. Em 2021, a BlackRock apoiou 47% das propostas apresentadas por acionistas ativistas. Mas como, se o CEO Larry Fink foi um dos primeiros grandes capitalistas a anunciar a emergência climática como uma ameaça aos negócios no mundo inteiro?

Em sua influente carta anual, Fink vinha fazendo alertas e incentivando investidores a adotarem práticas sustentáveis e trabalhar com propósito. Na sua carta de 2020, por exemplo, ele escreveu: “Estaremos cada vez mais dispostos a votar contra a gestão e os conselhos de administração quando as empresas não estiverem fazendo progressos suficientes nas divulgações relacionadas à sustentabilidade e às práticas empresariais subjacentes.”

Em 2023, os ventos começaram a mudar. Primeiro ele afirmou que o termo “ESG” teria se desgastado e sido o culpado por polarizar politicamente as nações do mundo ocidental, especialmente nos Estados Unidos. Em 2024, a carta foi pragmática, com foco em investimentos para a aposentadoria. A grande motivação da virada teria sido a pressão de investidores conservadores que, incitados por grupos de direita como a Heritage Foundation, acusaram grandes corporações de praticarem o “capitalismo woke”. Pelo menos 20 estados promulgaram leis locais que proibiram fundos públicos de investir em ESG. Neste mês de janeiro de 2025, a gigante gestora de ativos retirou a sua adesão à Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Clima, alegando que a sua participação em tais organizações causou “confusão em relação às práticas da BlackRock e a sujeitou a inquéritos legais de vários funcionários públicos”.

E a fila de desistentes não termina de passar: quatro anos depois de lançar um esforço por mais diversidade nas unidades de suas filiais, o McDonald’s anunciou nos primeiros dias deste ano que vai revogar metas específicas para alcançar a diversidade nos níveis de liderança sênior. A empresa também pretende acabar com o programa que incentiva seus fornecedores a desenvolverem formação em diversidade e a aumentar o número de membros de grupos minoritários.

Observando a linha do tempo, até que demorou para Mark Zuckerberg anunciar que sua empresa abandonaria os programas de checagem de informações que circulam em suas plataformas (Instagram, Facebook, Threads e WhatsApp). Mark estava lá, na posse de Trump, ao lado de Tim Cook, CEO da Apple, Sundar Pichai, CEO do Google, Jeff Bezos, CEO da Amazon, Shou Zi Chew, CEO do TikTok, e Sam Altman, CEO da Open AI. O grande destaque foi Elon Musk, dono da Tesla, da Space X e do X. Musk foi nomeado por Trump e vai chefiar o “Departamento de Eficiência”. Ninguém sabe ao certo o que isso significa, mas Musk comemorou como se a posse da presidência fosse dele. E não se furtou de fazer um gesto muito parecido com uma saudação nazista – vamos dar o benefício da dúvida? Enfileirados um ao lado do outro, os homens de perfil semelhante deixam claro que diversidade não é com eles.

No Brasil, não foram poucas as vezes em que o Deputado Federal, Eduardo Bolsonaro, saiu em defesa do legado de seu pai e atacou as políticas que visam preservar o meio ambiente. Em julho de 2024, na Conferência de Ação Política Conservadora – Brasil, Eduardo aproveitou a companhia de figuras como Nikolas Ferreira, Ricardo Salles e Javier Milei, para bradar aos ativistas da extrema-direita que lutem para que políticas globais ESG sejam inviabilizadas. “Ser de direita, gente, em bom português, é ser contra a agenda ESG. Ser de direita é ser contra a Agenda 2030 da ONU. Nós defendemos a liberdade”, afirmou durante sua apresentação no evento que aconteceu em Balneário Camboriú, em Santa Catarina.

Dado o contexto, a esperança da humanidade meio que está na oposição coordenada. Líderes da União Europeia reafirmam que manterão seus compromissos climáticos, mesmo sem o apoio dos EUA. Conseguirão conter o ímpeto da iniciativa privada? Países em desenvolvimento, mais frágeis e dependentes de apoio moral, ideológico, financeiro e tecnológico, precisam de tempo para digerir a avalanche de decretos tão abrangentes no retorno de Trump. A China, por sua vez, pode tentar preencher o vácuo de liderança climática deixado pelos Estados Unidos, fortalecendo sua posição. Olhando daqui o futuro parece muito incerto.

Em algum momento, o senso comum admitiu que as convenções da ONU encerrariam a pacificação do entendimento. Que a clareza límpida da emergência climática uniria o tecido social no mesmo empenho pela sustentabilidade, com dissonâncias pontuais, isoladas. Precisamos ser objetivos agora: o desafio é imenso, menos pela quantidade e mais pela qualidade da força destrutiva. Fechamos o ano de 2024 com 2.781 bilionários no mundo. Mas somos 8 bilhões de seres humanos não-bilionários, interessados em que a era da pós-verdade não preceda a era do pós-planeta-Terra. Os Governos, as empresas e a sociedade civil terão de redobrar seus esforços para garantir que os retrocessos não se tornem permanentes.

 

Fonte: Le Monde

 

 

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