Escala 6×1: Hora de acordar os sindicatos
O debate em torno do fim da escala 6X1
alcançou grande repercussão nas redes sociais, sendo a primeira bandeira em
favor da defesa de direitos que as forças do trabalho conseguem emplacar desde
o embate em torno da reforma trabalhista de 2017. Além de remeter a uma escala
específica, de seis dias trabalhados e um dia de descanso semanal, esse debate
recolocou na ordem do dia o tema da redução da jornada de trabalho sem redução
de salário, já que as condições de uso do tempo de trabalho não se restringem à
forma pela qual a jornada é distribuída.
A popularização da crítica à escala 6X1
começou a ganhar destaque a partir de um desabafo feito por Rick Azevedo, um
jovem negro, homossexual, que foi auxiliar de serviços gerais, vendedor,
frentista e, na ocasião em que publicou seu vídeo no Tik Tok, era balconista de
farmácia. Mas a que se deve a repercussão dessa pauta? E por que essa
mobilização não foi puxada pelo movimento sindical, uma vez que a extensão da
jornada laboral é um problema comum a milhares de trabalhadores(as)?
Um primeiro aspecto a ser destacado é que a
trajetória laboral de Rick reflete as características preponderantes no mercado
de trabalho brasileiro, pois transita entre empregos formais que exigem baixa
qualificação profissional e ocupações informais, em que os baixos salários e as
longas jornadas se somam à ausência de direitos. O fim da escala 6×1 expressa,
por um lado, a denúncia do fato de que uma parte considerável da população
ocupada, a despeito de trabalhar muito, não consegue viver de modo compatível
com suas aspirações, havendo uma discrepância entre o tempo dedicado ao
trabalho e a remuneração obtida. Por outro lado, constitui um clamor, especialmente
por parte da juventude trabalhadora, de que a vida não pode ser reduzida ao
trabalho. O sentimento de exaustão, compartilhado por trabalhadoras e
trabalhadores de diferentes ocupações, fez com que essa bandeira de luta
ganhasse expressão na sociedade, obtendo apoio de 70% da população.
Um segundo aspecto a ser mencionado é que,
depois de 40 anos de hegemonia neoliberal, globalização financeira, inovações
tecnológicas e reformas laborais que aprofundaram a precarização do trabalho, a
insatisfação com as condições de trabalho, o desencanto com o modelo de
trabalho contemporâneo, as críticas ao trabalho excessivo – que vêm levando ao
adoecimento e ao burnout – têm
dado origem a diversas iniciativas de resistência. Uma hipótese é que podemos
estar observando a emergência de um movimento, em grande parte ainda
subterrâneo, em que as pessoas avaliam que não vale a pena se engajar no
trabalho, pois este tem sido mais fonte de frustração do que de realização.
Algumas experiências nesse sentido são o 4 Day Week Global, o movimento
“Antitrampo”, o “Quiet Quitting”, a “Great Resignation” e o Joy of Logging Off
(J.O.L.O.), que priorizam a qualidade de vida, a saúde e o convívio social. Ao
buscar um maior equilíbrio entre a atividade remunerada e as outras dimensões da
vida, essas iniciativas têm revelado capacidade de engajar pessoas e repercutir
socialmente, sobretudo a partir de campanhas em redes sociais. No caso do
Brasil, esse debate tem sido alavancado pelo movimento Vida além do Trabalho (VAT), que tem quase
3 milhões de seguidores.
A proposta 4X3 visa redefinir a escala para
4 dias trabalhados e 3 de descanso. Elaborada por um empresa de consultoria,
está sendo vendida para as empresas como uma alternativa para melhorar o
ambiente de trabalho, diminuir o absenteísmo e o adoecimento, e aumentar a
produtividade e o engajamento. Algo próximo do que foi realizado por Henry Ford
no começo do século XX quando, para disciplinar a força de trabalho e, assim,
viabilizar a linha de montagem, propôs uma jornada de 8 horas diárias e um
salário de U$5,00 ao dia. O 4 Day Week está sendo testado em alguns países
centrais, a exemplo de Alemanha, França, Austrália, Canadá, EUA, Islândia,
Irlanda, Japão, Países Baixos e Reino Unido, sobretudo em setores que exigem
maior criatividade e usam tecnologias avançadas, a exemplo da área de
comunicação.
O mercado de trabalho brasileiro é
fortemente marcado pela informalidade e precariedade. As longas jornadas, a
ausência de descanso e até mesmo de férias, os baixos salários e a desproteção
social constituem a realidade de um amplo contingente de trabalhadores(as), com
consequências adversas para sua saúde e sociabilidade. Ao mesmo tempo, a
carência de serviços sociais adequados e os problemas no transporte público,
principalmente nas grandes cidades, agravam o quadro. Além das melhorias no
bem-estar e na qualidade de vida no trabalho, a limitação da jornada pode
reduzir o adoecimento. Os estudos no campo da saúde ocupacional mostram que a
intensificação e a extensão da jornada são os principais fatores que causam
doenças, afastamentos, mutilações e mortes. A redução da jornada de trabalho
sem redução salarial tem, ainda, um potencial de geração de emprego, podendo,
também, melhorar a qualidade do emprego e inclusive aumentar a produtividade do
trabalho, com redução da informalidade. Essa medida pode, ainda, incentivar o
aumento da participação das mulheres no mercado de trabalho e a promoção de uma
melhor distribuição do tempo entre trabalho remunerado e não remunerado entre
todos os membros da família.
Esses argumentos embasaram várias propostas
de emenda constitucional apresentadas ao Parlamento, como as de autoria do
senador Paulo Paim (PT-RS) e do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), entre outras,
que propõem a redução gradativa da jornada para 36 horas, sem redução de
salário. A elas veio se somar a proposta defendida pela deputada Érica Hilton
(PSOL-SP) que, ao encampar a luta contra a escala 6X1, propõe a adoção da
escala 4×3 e, ainda, a redução imediata da jornada para 36 horas.
·
Como o movimento sindical pode
contribuir para o avanço desta pauta?
A luta pela redução da jornada de trabalho
faz parte da história do movimento sindical. Na conjuntura brasileira recente,
a bandeira da redução da jornada de 44 para 40 horas semanais sem redução salarial
vem sendo levantada pelas centrais sindicais desde 2004. Mas por que os
sindicatos não conseguiram mobilizar sua base em torno dessa pauta, enquanto o
VAT conquistou tamanha audiência?
Uma primeira hipótese é que o movimento VAT
incorpora aspectos mais abrangentes do que redução da jornada e que vão além de
uma mudança na legislação, exigindo mudanças culturais. Uma segunda hipótese é
que o movimento sindical se restringe aos assalariados formais, tendo pouca
representatividade e legitimidade perante amplos setores da classe
trabalhadora, ao passo que o VAT tem sido capaz de interpelar também os(as)
trabalhadores(as) informais, constituindo-se em uma expressão política da luta
contra as condições precárias de trabalho.
O VAT apela para a necessidade de tempo
livre, defendendo uma vida com um nível de exploração e expropriação menos
brutal. Ao fazê-lo, coloca em evidência as disputas no capitalismo
contemporâneo em torno do tempo de trabalho e de não trabalho, isto é, do tempo
destinado ao descanso, aos estudos, ao lazer, à convivência com a família e os
amigos. A liberação de tempo de trabalho permite conciliar as atividades da
produção com as da reprodução social, mas essa demanda não tem as mesmas
implicações sobre homens e mulheres, brancos e negros, tampouco para a
população LGBTQIAPN+. Nesse sentido, essa pauta indica ser possível associar a
luta coletiva em prol de uma reivindicação universal à defesa das diferenças,
afinal, nem todos são iguais e são diferentes as formas pelas quais as pessoas são
afetadas pelo uso do tempo. Isso permite, ainda, articular o tema do trabalho a
diferentes movimentos sociais, fortalecendo-os mutuamente.
Essas diferenças também dizem respeito aos
tipos de vínculo ocupacionais, quer dizer, às formas de inserção no mercado de
trabalho, e às categorias profissionais a que cada trabalhador(a) pertence.
Reconhecer essas diferenças e, ao mesmo tempo, buscar superar as desigualdades
a elas associadas, buscando construir pontes e unificar trabalhadores(as) de
diversas categorias, constitui um desafio significativo para o movimento
sindical. Isso nos convida a refletir sobre os limites da estrutura sindical.
Como balconista de farmácia, Rick seria representado pelo Sindicato dos
Práticos, Técnicos e Auxiliares de Farmácia e Empregados no Comércio de Drogas,
Medicamentos e Produtos Farmacêuticos do Rio de Janeiro, mas foi no Sindicato
dos Comerciários que encontrou apoio para levar adiante sua demanda. É forçoso
reconhecer que muitos(as) trabalhadores(as), não se sentem representados(as)
pelo sindicato de sua categoria. Apesar disso, e muito embora o fim da escala
6X1 não tenha sido alavancado pelo movimento sindical, isso não significa que
os sindicatos não possam e não devam encampar essa luta!
Os desafios, entretanto, não são triviais.
Como sabemos, a resistência do patronato e a divisão no interior do próprio
movimento sindical fragilizaram a proposta de redução da jornada de trabalho de
48 para 40 horas na Assembleia Nacional Constituinte, levando ao
estabelecimento de 44 horas atualmente vigente. Quais as chances do fim da
escala 6×1 e da redução da jornada para 36 horas, tal como proposto pelas PECs
acima mencionadas, obterem sucesso hoje? De um lado, a atual composição do
Congresso Nacional é desencorajadora, pois compreende uma maioria de
parlamentares que não tem compromisso com a pauta dos direitos trabalhistas e o
STF tem sistematicamente julgado de forma contrária a essa pauta. De outro, a
proposta vem ganhando popularidade e, inclusive, adesão de parlamentares de
diferentes espectros políticos.
Ainda assim, alguns sindicalistas e
militantes argumentam que uma eventual derrota no Congresso Nacional pode
enfraquecer o governo. No entanto, o apoio do movimento sindical à pauta,
inclusive pressionando o governo, jogaria todo o ônus político de uma eventual
derrota no colo do Congresso Nacional. Neste sentido, considera-se fundamental
não apenas o envolvimento de distintas organizações trabalhistas, movimentos
sociais e de partidos políticos comprometidos com a luta por direitos, mas
também a unidade do movimento sindical em torno desta bandeira, fazendo a
disputa nos locais de trabalho e demais espaços sociais. Do mesmo modo, é
fundamental apoiar a causa sem subordiná-la às condições de manutenção da
governabilidade, pois apenas com mobilização social haverá pressão sobre os
parlamentares.
A bandeira do fim da escala 6×1 e a redução
da jornada de trabalho constituem uma oportunidade política para as forças do
trabalho e, especialmente, para o movimento sindical, se reconectar com uma
classe trabalhadora cada vez mais heterogênea. Estará o sindicalismo à altura
desse desafio? Em outras palavras, será capaz de se somar a uma campanha que
emerge a partir de outras formas de organização, participando das manifestações
convocadas pelo VAT, em nome da unidade na luta em torno da igualdade social? A
história mostra que, com unidade e coragem, é possível transformar indignação
em conquistas. O tempo é agora!
Fonte: Por Ana
Paula Colombi, Anderson Campos, Ariella Silva Araújo, Andréia
Galvão, Dari Krein, Elaine Amorim e Patrícia Vieira
Trópia1, em Outras Palavras
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