quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Fernando Nogueira da Costa: Trabalhadores sob o capitalismo de vigilância

Nas linhas de montagem de automóveis com robótica, ainda existem operários, mas em menor número e com funções alteradas. Eles geralmente executam tarefas de supervisão, manutenção, controle de qualidade e ajustes técnicos. Além disso, há operadores especializados e engenheiros com formação superior, responsáveis por programar, monitorar e gerenciar a automação, recebendo salários mais altos. A automação reduziu a quantidade de trabalho manual repetitivo, mas aumentou a demanda por habilidades técnicas e conhecimentos específicos.

Na Era digital, a remuneração por prestação de serviços varia amplamente. Assume diferentes formas, dependendo da natureza do trabalho e da relação entre contratante e prestador.

Entre os principais modelos de remuneração, há ainda o salário fixo de acordo com o modelo tradicional. Os trabalhadores, por exemplo, desenvolvedores ou analistas contratados por empresas, em setores onde há vínculo empregatício formal, como empresas de tecnologia ou serviços corporativos, os contratos formais são com remuneração mensal fixa. Oferecem benefícios trabalhistas a depender da legislação do país).

Outra forma é a “remuneração por projeto” (percentual ou fixa), quando prestadores de serviços recebem um valor negociado para a execução de um serviço específico ou projeto. Pode ser um percentual do orçamento, isto é, uma parcela proporcional ao custo total do projeto.

O valor fixo é estabelecido com base na complexidade e escopo. Essa modalidade de remuneração por projeto é popular em profissões autônomas ou freelancing em design, programação, consultoria, direção de vídeos publicitários etc. por exemplo, um designer gráfico cobra 10% do orçamento de uma campanha publicitária.

Outra modalidade é o pagamento por hora ou tarefa, comum em plataformas digitais ou em contratos temporários. A remuneração é calculada com base no número de horas trabalhadas ou na quantidade de tarefas concluídas. Por exemplo, desenvolvedores cobram por hora ou tradutores cobram por palavra traduzida.

Há ainda o “modelo de assinatura” ou retainer. Prestadores recebem um valor fixo periódico (mensal, trimestral) para prestar serviços contínuos.

A relação é menos formal diante o emprego tradicional, mas oferece estabilidade para ambas as partes. É o caso de um consultor de marketing digital contratado por assinatura para gerenciar redes sociais.

Outra modalidade é o pagamento por resultados ou comissões. A remuneração está diretamente vinculada aos resultados obtidos, como vendas, leads ou metas atingidas.

É comum em setores como vendas, marketing de afiliados ou gestão de anúncios digitais. Por exemplo, um gestor de tráfego pago recebe 15% do faturamento gerado pelos anúncios.

A economia de plataformas (Gig Economy) se utiliza de trabalhadores (motoristas, entregadores, freelancers) remunerados por serviço realizado, sem vínculo empregatício direto. As plataformas digitais definem as tarifas, podendo incluir taxas adicionais por horários ou regiões específicas. É o caso de motoristas de aplicativos ao ganhar por corrida.

Por fim, há também a participação nos lucros ou equity. Profissionais em startups ou projetos colaborativos recebem parte dos lucros ou ações da empresa em troca de serviços. Por exemplo, um programador aceita equity (participação acionária) em vez de pagamento imediato em uma startup emergente.

Na Era digital, os modelos de remuneração são flexíveis e adaptáveis às condições do mercado e à natureza do trabalho. Enquanto empregos formais com salário fixo ainda predominam em grandes empresas, a economia digital abriu espaço para formas alternativas, como pagamento por projeto, assinatura ou resultados, oferecendo mais opções para prestadores e contratantes.

Nesse novo mundo do trabalho há uma questão-chave: os algoritmos monitoram trabalhadores digitais por meio de tecnologias baseadas em coleta e análise de dados. Visam mensurar produtividade, cumprimento de metas e padrões de comportamento. As formas mais comuns incluem:

Plataformas digitais de trabalho como Uber, Amazon Mechanical Turk e Upwork monitoram os trabalhadores em tempo real por meio de registro de atividades (tempo online, cliques, entregas ou tarefas realizadas) e geolocalização (rastreamento de rotas e localização) como no caso de motoristas ou entregadores. As taxas de aceitação/rejeição são usadas para o controle de tarefas aceitas ou recusadas.

Há software de monitoramento empresarial. Empresas utilizam ferramentas como Time Doctor, Hubstaff ou Teramind, capazes de monitorar o uso do computador em captura de tela, uso de aplicativos e histórico de navegação.

Verificam o tempo de inatividade, quando há períodos sem movimento do mouse ou teclado. Avaliam as comunicações por meio de análise de e-mails, mensagens e chamadas.

Certos sistemas utilizam algoritmos para avaliar trabalhadores com base em métricas como taxas de produtividade, isto é, o número de tarefas ou entregas concluídas. Observam também o feedback do cliente com avaliações e comentários.

Dados são usados para prever desempenho ou até risco de rotatividade. É um comportamento preditivo e/ou preventivo.

Além do monitoramento algorítmico, outras práticas de vigilância no trabalho digital incluem a vigilância biométrica com tecnologias de reconhecimento facial, leitura de impressão digital e rastreamento ocular para controle de acesso a sistemas e equipamentos e monitoramento de presença em reuniões ou tarefas.

A vigilância se dá também por dispositivos como câmeras, microfones e sensores instalados em ambientes de trabalho ou equipamentos fornecidos pela empresa. Para chatear ainda mais, há a autoavaliação obrigatória: trabalhadores frequentemente são obrigados a preencher relatórios ou check-ins automáticos, complementando a vigilância algorítmica.

Algumas empresas chegam até a monitorar perfis públicos de redes sociais para avaliar comportamento ou opiniões de seus trabalhadores.

O capitalismo de vigilância é um modelo econômico no qual empresas coletam, processam e comercializam grandes volumes de dados pessoais, muitas vezes sem o consentimento total dos indivíduos. Essa prática baseia-se na exploração de dados como recurso econômico principal.

Empresas coletam informações detalhadas de usuários e trabalhadores (comportamento, preferências, localização). Esses dados são analisados para prever comportamentos e influenciar decisões, como consumo ou produtividade.

Os dados são também vendidos para anunciantes ou usados internamente para otimizar processos e maximizar lucros. Entre exemplos de práticas no capitalismo de vigilância há o de plataformas como Facebook e Instagram ao monitorarem interações para oferecer anúncios personalizados.

Em plataformas de trabalho, empresas como Uber utilizam dados dos motoristas e passageiros para ajustar tarifas e rotas. Há também dispositivos inteligentes em aparelhos como Alexa e Google Home: coletam dados de usuários continuamente.

Para os trabalhadores digitais, o monitoramento constante gera a sensação de vigilância opressiva, pressão e ansiedade. Avaliações algorítmicas automatizadas resultam em cortes injustos ou penalizações arbitrárias com precarização das relações de trabalho e perda de privacidade. Dados pessoais e comportamentais são frequentemente explorados sem transparência.

Para a sociedade, grandes empresas detêm enorme poder sobre dados e decisões sociais. Comunidades marginalizadas estão mais expostas à exploração algorítmica. A manipulação de comportamentos e escolhas limita a liberdade individual e reduz a autonomia de cada pessoa.

Os algoritmos e tecnologias de vigilância transformaram radicalmente o trabalho digital, tornando-o mais monitorado e controlado. Embora essas ferramentas prometam eficiência, antes disso, levantam questões éticas e críticas ao capitalismo de vigilância. Ele se baseia na exploração dos dados para lucro às custas da privacidade, liberdade e dignidade dos trabalhadores.

 

¨      Meus 20 centavos de opinião, via Pix, por favor. Por Sandra Bitencourt

Tão expressivo quanto o número de transações via Pix no país, foi o debate, as visualizações e a viralização das críticas e manipulações de uma informação sobre instrução normativa do governo que poderia, supostamente, monitorar as transações financeiras acima de R$ 5 mil reais e cobrar impostos de quem não estivesse declarando os ganhos para a Receita Federal.

Esse é um caso emblemático porque reúne vários fatores e nos brinda com algumas lições: é um caso de manipulação, mas não se tratou de uma Fake News clássica, uma vez que se ancorou em parte de verdade e muito de medo; é revelador da falta que faz um centro de inteligência digital e uma diretriz política do governo mais consistente para compreender percepções, sentimentos e preocupações da vida concreta da nossa gente; é o primeiro caso de viralização depois do anúncio da Meta sobre mudanças no modo de recomendar conteúdos políticos; é inequívoca para finalmente compreender que as formas de disputa mudaram e que as condições de temperatura e pressão de uma extrema direita aliada de grandes corporações sedentas por poder e monetização, nos obriga a mudar de estratégia. Urgentemente.

Podemos recuar um pouquinho no tempo e voltar para 2016, quando o Dicionário Oxford elegeu o termo “post truth” (pós-verdade) como palavra do ano. Assim definida: relativa a ou denotando circunstâncias em que os fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que os apelos à emoção e à crença pessoal. Um ano depois, o Real dicionário da língua espanhola definiu como distorção deliberada de uma realidade, que manipula crenças e emoções para influenciar a opinião pública e as atitudes sociais.

De lá para cá a extrema direita exibiu extrema habilidade em explorar essa tendência da pós-verdade. Em parte, porque a mentira costuma ser mais simples, mais barata e menos dolorosa. Sim, produzir verdade custa caro, exige pensamento mais complexo e pode ser frustrante. Quanto mais medo e bizarrice, mais cliques, mais negócios, mais dinheiro, mais poder.

Os que se dedicaram a denunciar e tentar conter a desinformação, estão com a sensação de enxugar gelo. A forma de operar influência nas grandes vitrines digitais, onde poucos são os donos dos holofotes, mudou. O que fazer?

O caso do vídeo, do extremista jovial e perverso, suscitou de um lado teorias de que possa ser fruto de algum tipo de teste ou manipulação da plataforma. A rigor não sabemos e nem saberemos como funcionam exatamente os tais algoritmos que definem o que vemos, quando vemos e se vemos. E essa é apenas uma das dificuldades de entendimento e controle do poder absoluto das plataformas. A mão invisível das big techs define assimetrias e nem nos inteiramos. Pode ser teoria da conspiração que a Meta possa ter impulsionado? Até pode, mas também é fato que há novas regras de recomendação de conteúdo.

O formato do vídeo, o momento escolhido para divulgação e a coordenação estratégica de parlamentares e influencers claro que também contam. Dito isto, claramente houve equívoco e inoperância ao tratar o tema e organizar a disputa em torno dessa agenda. A viralização foi fruto de uma bem-sucedida estratégia política da oposição, mas também foi o primeiro grande caso de conteúdo político viral depois do anúncio do retorno das recomendações no feed.

E no final das contas, nos damos conta de que não estamos tratando apenas de informação e desinformação, mas de propaganda para construir consenso ou desavença social.

A diferença é que o termo propaganda é definido pelo desejo de influenciar o público, para um propósito ideológico ou político que justifica o uso da informação, independentemente de ser verdadeira, completamente falsa ou parcialmente modificada para persuadir. É uma ideia antiga essa da “fabricação de consenso”, constituída pelo sociólogo Walter Lippmann na década de 20 do século passado (Lippmann, 1945). Não é por acaso o recorte de tempo que nos remete às raízes do fascismo e do nazismo. O aparecimento dos meios de comunicação de massa deixou claro, já no início do século XX, que “o conhecimento de como criar consentimento alterará todos os cálculos políticos e modificará todas as premissas políticas” (Lippmann, 1945).

Edward Bernays, sobrinho de Sigmund Freud, utilizou as ideias do tio aplicadas ao trabalho de relações públicas, com uma psicologia social em que o comportamento estava ligado a impulsos inconscientes, medos e desejos irracionais e fantasias infantis. Se isso não for o feed de qualquer Instagram da vida, com influencers extremistas, não sei mais…

A propaganda torna-se particularmente relevante nas duas décadas seguintes, não só na divulgação de informações interessadas, mas na estratégia de Joseph Goebbels com a falsificação por todos os lados durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje temos a sociedade da desinformação e dela deriva a nova geopolítica da informação, com vantagem para os feios, sujos e malvados.

As ciências sociais e as primeiras teorias de Comunicação já superaram a ideia do poder da mídia como “balas “mágica” ou injeções hipodérmicas, com a hipótese de um organismo social uniforme e facilmente manipulável se a mensagem apropriada e disseminável fosse encontrada mesmo através de meios subliminares. Mas como o cinismo, o ressentimento e os sentimentos antissistema restauram até mesmo saudações nazistas, não é de admirar que tenhamos regredido em sentido crítico e marchemos, em manada, por apitos e estímulos torpes.

Precisamos de uma explicação mais complexa para os comportamentos e fascínio das massas pela selvageria e o caos que as redes hoje constituem.

A semiótica francesa já abordou com profundidade o fato de que existem significados únicos: cada leitor constrói o seu. Mas se os significados são tão variáveis quanto os públicos, como podemos hoje compreender que a mesma mensagem tenha o mesmo efeito em pessoas tão diferentes ao redor do globo.

Acusações de comer cachorros e gatos, mamadeira de piroc@, são fenômenos que encontram bons receptores mundo a fora. O poder da mídia de impor significados e o poder dos indivíduos para decodificá-los marcou a discussão sobre esta questão nas ciências sociais das últimas décadas. Há poucas dúvidas sobre a importância das elites nessa disputa. Veremos a partir de hoje como um dos maiores impérios da humanidade usará suas corporações para impor o terror na sua cartada final de domínio. Usando também isso, bizarras ideias que nos intrigam que conquistem a crença de alguém.

Eles estabelecem a fábula, a história, a norma ou o discurso social a partir da perspectiva daqueles que são donos delas (as elites económicas e a sua lógica capitalista). Como resistiremos? Para começo de conversa reconhecendo a encrenca em que estamos metidos e a necessidade de reunir inteligência, estratégia e renovado olhar político.

 

Fonte: A Terra é Redonda

 

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