quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Volta de Trump deve fortalecer extrema direita europeia, dizem analistas

A maior parte dos analistas ouvidos pela mídia europeia avalia que a volta de Donald Trump à Casa Branca é uma péssima notícia para a Europa. Suas promessas de campanha, se cumpridas, trarão o enfraquecimento econômico da região, a redução do apoio militar aos interesses da União Europeia e o fortalecimento da tendência à ascensão da extrema direita nos governos do velho continente.

“A Europa deve se preparar para um mundo no qual os Estados Unidos já não desempenhem o papel que têm hoje. A era em que eles estavam extremamente presentes na Europa acabou”, avalia Serge Jaumain, professor de história contemporânea da Universidade Livre de Bruxelas (ULB), em reportagem da Euronews.

Em um evento de campanha, ele disse que não defenderia os membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no caso de um ataque da Rússia, se eles não cumprissem com suas obrigações de gastos em defesa.

·        OTAN pode acabar enfraquecida

Só 23 dos 31 membros cumprem com os 2% do PIB que deveriam destinar à aliança e Trump disse há duas semanas que o percentual deveria chegar a 5%. O republicano chegou a ameaçar abandonar a aliança, o que enfraqueceria a aliança, uma vez que os Estados Unidos arcam com mais de 16% do financiamento da OTAN.

Além de exigir maior participação dos sócios no financiamento da OTAN, Trump parece determinado encerrar a guerra na Ucrânia ou a cortar o apoio militar e financeiro que Washington entrega a Kiev desde 2022, que já movimentou dezenas de bilhões de dólares. 

Durante a campanha eleitoral, ele criticou os gastos de seu país com a guerra, prometeu acabar com ela e criticou várias vezes o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. Além disso, anunciou que está preparando uma reunião com o presidente russo Vladimir Putin para discutir a questão.

“O risco para a União Europeia é que Trump corte o fornecimento de armas para a Ucrânia”, disse à Euronews o analista de conjuntura do Fund German Marshal, Bart Szwczyk.

·        Trump pode negociar a paz na Ucrânia à revelia da UE

Szwczyk acredita até na possibilidade de que Putin feche um acordo de paz com o presidente russo Vladimir Putin “passando por cima dos ucranianos e dos europeus”. Em qualquer caso, sem o apoio americano, Zelensky seria obrigado a negociar a rendição. A menos que a União Europeia aceitasse pagar por toda a ajuda que a Ucrânia precisa.

 “Seu grande adversário é a China e eu acredito que ele ainda tem esperança de atrair a Rússia como aliado, apesar da recente aproximação de Moscou com os chineses”, diz Pérez.

A relação cordial que Trump teve com Putin no passado pode indicar uma tendência à menor tensão entre os dois países. “Com isso, a Europa passaria a arcar sozinha com toda a pressão em suas disputas com a Rússia”, avalia Sérgio Castaño Riaño, doutor em estudos europeus e relações exteriores da União Europeia, em artigo disponível online.

Pérez acredita, aliás, que a guerra na Ucrânia foi um fator que impulsionou o crescimento da extrema direita na Europa. Isso porque os políticos desse espectro se opuseram fortemente ao envio de armas à Ucrânia, enquanto Bruxelas e os governos liberais lutavam por apoiar a Ucrânia contra a Rússia.

·        Guerra fortaleceu a extrema direita

“Enquanto o establishment de Bruxelas e da maior parte dos governos europeus apostava por armar a Ucrânia contra a Rússia, vista como adversária do continente, a extrema direita foi firmemente contra e defendeu o fim do conflito. Isso aumentou sua popularidade. O povo não quer guerra”, explica Pérez.

Outra promessa de Trump que preocupa os europeus é taxar em 10% as importações de todos os países (e em 60% as da China). Isso porque os Estados Unidos compram quase 20% das exportações da União Europeia. O país, aliás, era o maior comprador da UE até 2024, quando foi superado pela China. Trump já advertiu que o bloco europeu “pagaria um preço muito alto” por não comprar tanto quanto vendia aos Estados Unidos.

“Essas taxas de importação são possivelmente uma represália contra Europa. Em termos de relações comerciais, a ideia de Trump é proteger os Estados Unidos por todos os lados”, avaliou Jaumain falando à Euronews.

·        Protecionismo poderia fazer UE perder 0,5% de seu PIB

E se Trump fosse mais longe e decidisse abandonar a Organização Mundial do Comércio, o velho continente poderia perder a 0,5% do seu PIB, segundo cálculos do Instituto Kiel, organismo alemão independente de pesquisas econômicas.

Para piorar, a Europa tende a ser prejudicada também pela taxa de 60% que Trump pretende aplicar às importações chinesas acabará prejudicando a Europa. “Isso ocorre porque a China procurará outros mercados e seus produtos costumam ser mais competitivos que os europeus”, explicou ao La Vanguardia Eric Dior, diretor de estudos da IESEG, conceituada escola de negócios francesa.

A União Europeia já enfrenta esse problema com os carros elétricos chineses que invadiram o mercado europeu. O Velho Continente tem uma capacidade limitada para taxar os produtos chineses porque é muito dependente da China para bens essenciais.

Os analistas lembram ainda que, com mais taxas de importação, a inflação dos Estados Unidos tenderá a aumentar, o que pode atrasar a esperada baixa das taxas de juros. Isso, associado a um dólar forte e um euro mais fraco, pode tornar a área do dólar mais atrativa e rentável do que a do euro para os investidores. Mais perdas para a União Europeia.

·        Impulso renovado aos ultras

Além dos aspectos econômicos e de segurança, a volta de Trump à Casa Branca preocupa a União Europeia porque representará um novo impulso à extrema direita, que não para de crescer no continente.

Enquanto uma parte da direita tradicional de alguns países europeus reagiu com cautela à vitória de Trump, a extrema direita não escondeu seu entusiasmo. O novo presidente dos Estados Unidos já fez várias declarações elogiosas aos europeus da direita mais radical, como o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán.

Além disso, mesmo antes de sua posse, seu maior apoiador, o bilionário Elon Musk, já estava se imiscuindo na política europeia. Musk usou suas redes sociais para declarar apoio a Alice Weide, candidata de extrema direita às eleições que se celebram em fevereiro na Alemanha.

“Só a AfD pode salvar a Alemanha”, postou um dos empresários mais ricos do mundo, em referência ao partido Alternativa para a Alemanha, classificado naquele país como uma organização de ultradireita extremista e suspeita. Não contente com isso, Musk publicou um artigo de apoio ao AfD em um jornal alemão.

Além do ódio aos imigrantes, do discurso misógino e racista, Trump comparte com a ultradireita europeia a visão nacionalista e isolacionista. Os sentimentos antiglobalização e contra a União Europeia desses grupos encaixam como uma luva com os anseios de Trump de ter uma Europa dividida para negociar bilateralmente com cada país.

¨      As reações ao controverso gesto de Elon Musk, criticado por semelhança à 'saudação' nazista

Elon Musk gerou indignação por um gesto com o braço que realizou durante um discurso em celebração à posse de Donald Trump.

Musk agradeceu ao público por "fazer isso acontecer", colocou a mão direita sobre o coração e, em seguida, estendeu o braço direito para frente, em linha reta. Ele repetiu o gesto para as pessoas posicionadas atrás dele.

Muitos usuários da plataforma X, que pertence a Musk, compararam o movimento a uma saudação nazista.

Em resposta, Musk publicou no X: "Francamente, eles precisam de truques sujos melhores. Essa coisa de 'todo mundo é Hitler' está tããão ultrapassada."

O bilionário, aliado próximo de Trump e considerado o homem mais rico do mundo, fez o gesto enquanto discursava na Capital One Arena, em Washington D.C.

"Meu coração vai para vocês. É graças a vocês que o futuro da civilização está garantido", disse o empresário, de 53 anos, após realizar a segunda saudação com o braço.

A reação nas redes sociais foi imediata.

Claire Aubin, historiadora especializada em nazismo nos Estados Unidos, afirmou que o gesto de Musk foi um 'sieg heil', ou saudação nazista.

"Minha opinião profissional é que vocês estão certos; devem acreditar no que veem", escreveu ela no X, apoiando aqueles que consideraram o gesto uma referência explícita aos nazistas.

Ruth Ben-Ghiat, professora de história na Universidade de Nova York, declarou: "Como historiadora do fascismo, posso dizer que foi uma saudação nazista — e uma bem agressiva, inclusive."

Andrea Stroppa, confidente próximo de Musk e que o conectou à primeira-ministra italiana de extrema-direita Giorgia Meloni, teria compartilhado o vídeo do gesto nas redes italianas com a legenda: "O Império Romano está de volta, começando pela saudação romana."

A saudação romana foi amplamente usada na Itália pelo Partido Fascista de Benito Mussolini antes de ser adotada por Adolf Hitler na Alemanha.

Segundo a mídia italiana, Andrea Stroppa apagou sua publicação. Mais tarde, ele afirmou que "aquele gesto, que alguns confundiram com uma saudação nazista, é simplesmente Elon, que é autista, expressando seus sentimentos ao dizer: 'Quero dar meu coração a vocês'".

Ele acrescentou: "Foi exatamente isso que ele comunicou ao microfone. ELON NÃO GOSTA DE EXTREMISTAS!"

O gesto ocorre em um momento em que as posições políticas de Musk têm se inclinado cada vez mais para a direita. Ele fez declarações recentes em apoio ao partido de direita radical AfD, da Alemanha, e ao partido anti-imigração britânico Reform UK.

No entanto, Musk também recebeu defesa de alguns grupos, como a Liga Antidifamação (ADL), uma organização fundada para combater o antissemitismo. "Parece que Elon Musk fez um gesto desajeitado em um momento de entusiasmo, e não uma saudação nazista", publicou o grupo no X.

Musk tornou-se um dos aliados mais próximos de Trump e foi indicado para co-liderar o que o presidente chamou de Departamento de Eficiência Governamental.

 

¨      Por que Trump não deve escapar de turbulências em novo governo

Donald Trump ama um espetáculo e adora surpreender as pessoas.

Agora que ele está de volta à Casa Branca, o mundo está esperando para ver se a versão Trump 2.0 será mais disciplinada e eficaz do que a primeira —- e caótica — encarnação.

Mas a maior diferença entre agora e o começo de seu primeiro mandato oito anos atrás é simplesmente o quão confiante ele se sente.

Ao falar com pessoas próximas a Trump, a confiança é inegável. Ele tem o Partido Republicano em sintonia, a comunidade empresarial doando dinheiro para sua posse e uma oposição cansada e, em grande parte, quieta.

eleição foi, na verdade, acirrada, mas você não vai perceber isso observando o mundo "Maga" (o acrônimo para o lema de Trump, "Make America Great Again" — ou "Faça a América Grande de Novo").

Os apoiadores se sentem vingados e querem agir rapidamente para realizar mudanças, enfrentar os inimigos do presidente recém-eleito e transformar os Estados Unidos.

Eles acreditam que o país apoia o desprezo de Trump pela chamada agenda "woke", pela mídia tradicional e pelas elites globais.

E sua agenda reflete isso. Desde a deportação em massa de migrantes e os perdões para os manifestantes que invadiram o Capitólio, até tarifas comerciais punitivas para os vizinhos dos EUA e o fim da cidadania por nascimento, há muitas mudanças fundamentais desde o dia 1.

O efeito pode ser vertiginoso — e esse é exatamente o objetivo.

equipe que Trump leva para a Casa Branca reflete essa audácia. Já não é mais o presidente que parecia reverenciar as hierarquias e as credenciais do establishment — elite social, econômica e política do país.

Basta olhar suas escolhas para o secretário de Defesa.

Em 2016, Donald Trump escolheu Jim Mattis para liderar o Pentágono, quase idolatrando o general veterano "que todos amam".

Ele elogiou Mattis como "um homem de caráter e integridade". (Dois anos depois, Mattis renunciou em meio a divergências públicas muito claras, e Trump passou a chamá-lo de "o general mais superestimado do mundo".)

Avance para 2024, e Trump escolheu um secretário de Defesa bem diferente: Pete Hegseth, um apresentador de TV com histórico militar, mas sem experiência significativa em gestão. Ele sobreviveu às audiências de confirmação no Senado apesar de múltiplas acusações de abuso sexual e embriaguez.

Desta vez, Trump não está tentando impressionar ninguém, e o Partido Republicano parece incapaz ou desinteressado em impor limites às suas decisões.

Trump manteve Hegseth no cargo mesmo em meio a escândalos, o que pareceu ser um teste para os legisladores republicanos. Eles ousariam desafiar Trump? Não ousaram.

<><> Divergências no governo

Por enquanto, há unidade entre os republicanos — mas, abaixo da superfície, há menos harmonia e, com isso, a perspectiva de mais caos.

O gabinete de Trump é formado por pessoas com visões surpreendentemente diferentes, que podem não trabalhar bem juntas.

Sua escolha para liderar a área de saúde, Robert F. Kennedy Jr., é um ex-democrata pró-escolha da mulher, enquanto muitos legisladores republicanos querem restringir o acesso ao aborto.

O secretário do Tesouro, Scott Bessent, representa os valores econômicos tradicionais dos republicanos e vem de Wall Street, com um período de trabalho para o financista liberal George Soros.

Mas o vice-presidente de Trump, J.D. Vance, é um populista que afirma: "Estamos cansados de agradar Wall Street."

Há Elon Musk, com sua agenda de desregulamentação, trabalhando ao lado de um indicado para secretário do Trabalho que é pró-sindicatos e favorável a regulamentações de segurança para trabalhadores.

A escolha de Trump para secretário de Estado, Marco Rubio, segue a linha republicana tradicional e agressiva. Ele já chamou o presidente russo Vladimir Putin de "bandido" e "gângster".

Enquanto isso, a escolhida para diretora de inteligência nacional, Tulsi Gabbard, tem sido simpática a adversários dos EUA, incluindo a Rússia e o agora deposto líder da Síria, Bashar al-Assad. Um aliado de Trump a descreveu como uma pacifista, "o Jimmy Carter" do grupo.

Aliados do presidente argumentam que essa mistura incomum de opiniões é o que torna Trump diferente e empolgante.

Um ex-assessor de Trump me disse que a uniformidade de ideias nas administrações democratas anteriores era como "um bando de papagaios". O objetivo do segundo mandato de Trump, segundo esse assessor, é sacudir um sistema de governo estagnado.

A historiadora Doris Kearns Goodwin creditou a Abraham Lincoln a criação de um gabinete composto por uma equipe cheia de seus rivais.

No caso de Trump, esta administração que está por vir parece mais uma corte do que uma República.

Os cortesãos têm suas visões divergentes e discordâncias entre si, mas precisam se aproximar o máximo possível do homem no centro de tudo para que suas agendas prevaleçam.

Eles conhecem a reputação de Trump de concordar com a última pessoa com quem conversa, e, na Casa Branca do primeiro mandato, os assessores competiam para ser essa pessoa influente.

Quando isso falhava, frequentemente vazavam informações para a imprensa na tentativa de fazer suas opiniões serem ouvidas.

Com tantas opiniões conflitantes, pode haver ainda mais vazamentos desta vez, apesar dos melhores esforços da nova chefe de gabinete, Susie Wiles.

E, assim, a grande questão para esta administração é se esse grupo surpreendentemente eclético será capaz de debater internamente e produzir os melhores resultados possíveis. Ou se o gabinete será como uma briga de escola, com alunos ansiosos se enfrentando e obstruindo uns aos outros, na tentativa de se tornarem o "favorito do professor", sem princípios claros para orientá-los.

A falta de coesão já evidente deixa alguns analistas alarmados, especialmente em questões de segurança nacional.

"Não há consenso na nova administração quando se trata de como a China é vista", diz Richard Haass, que trabalhou na administração Bush e agora é presidente emérito do Conselho de Relações Exteriores.

"Podemos antecipar lutas contínuas sobre a política americana, mais do que uma pequena inconsistência."

Por enquanto, os desejos de Trump reinam supremos. Mas o presidente sabe que, em apenas dois anos, os Estados Unidos realizarão as eleições legislativas de meio de mandato, e a conversa rapidamente mudará para o futuro. O trem republicano partirá da estação, e o presidente Trump será deixado na plataforma.

Ainda assim, ele terá influência, e uma enorme quantidade de dinheiro que lhe dará algum poder sobre a sucessão, mas a conversa seguirá em frente, e os cortesãos estarão disputando para se tornarem os próximos governantes.

 

Fonte: Opera Mundi/BBC News

 

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