5 ações para o
Brasil enfrentar a crise climática e
reduzir emissões do agro
APESAR DE NO DISCURSO o Brasil se comprometer a “retomar o protagonismo na luta contra a
crise climática”, como prometeu o presidente Lula na posse, o governo tem
evitado enfrentar de forma mais incisiva o principal responsável por suas
emissões de gases de efeito estufa: o agronegócio.
Dados do Seeg (Sistema
de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima)
mostram que 74% das emissões do país estão relacionadas ao setor agropecuário.
Este cenário coloca o Brasil como o sexto maior emissor de gases de efeito estufa do mundo.
As emissões do agronegócio
são atribuídas em grande parte à fermentação entérica do gado, popularmente
conhecida como “arroto” do boi. Somam-se a isso as mudanças no uso da terra,
como o desmatamento provocado pela agricultura e a pecuária, e o uso de
fertilizantes sintéticos.
Na avaliação de diversos
especialistas ouvidos pela Repórter Brasil, a distância entre o discurso e as ações do governo brasileiro para
combater a crise climática fica mais evidente no caso do agronegócio.
“A agenda climática, de uma
certa maneira, avança mais lenta na agricultura do que em outros setores”,
afirma o economista e coordenador de estudos e pesquisas sobre trabalho e meio
ambiente do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos) Nelson de Chueri Karam.
Para Karam, isso se deve em
parte ao poder econômico e político do setor, que acaba atrasando a
implementação de medidas para conter as mudanças climáticas. “O agro se coloca
mais como vítima do que propulsor de uma parte desse desequilíbrio [nas
emissões]”, pondera.
Ex-vice presidente do Painel
Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), a cientista Thelma Krug
frisa a necessidade de ações estruturais. “Quando a gente fala em combater a
mudança do clima, o setor [agro] vê isso muito como uma penalidade e não como
oportunidade. Ou seja, como a gente vai reduzir nossas emissões, como vai
contribuir”, afirma.
Para Krug, é preciso
entender que o impacto no agronegócio será inevitável dada a velocidade com que
o aumento da temperatura média global está acontecendo no mundo todo – e agir
de acordo.
Listamos cinco ações prioritárias
para o Brasil enfrentar a crise climática e aumentar a participação do
agronegócio neste processo.
·
Segurar o desmatamento do agro
Só o desmatamento responde
sozinho por 46% das emissões de gases do efeito estufa no país, o que levou o
governo brasileiro a colocar como meta zerar todo o desmatamento até 2030.
Em abril de 2023 a União
Europeia aprovou uma norma que proibiria a entrada no mercado europeu de
produtos como carne bovina, cacau, café, óleo de palma, soja, borracha e
madeira provenientes de áreas desmatadas — legal ou ilegalmente — a partir de
30 de dezembro de 2024. De acordo com o Regulamento da União Europeia sobre
Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), as empresas irão precisar comprovar por
meio de documentos e dados de geolocalização que seus produtos são livres de
desmatamento e que não houve infrações de direitos humanos, como o uso de mão
de obra análoga à escravidão na produção.
Atendendo a pedidos do
governo brasileiro, porém, o parlamento europeu decidiu adiar por um ano o
EUDR. As ações brasileiras vieram
na esteira de fortes pressões de representantes do agronegócio, que vinham
criticando a medida desde a sua aprovação.
Em setembro, os ministros
das Relações Exteriores e da Agricultura enviaram uma carta à cúpula da União Europeia pedindo a não implementação da lei. Segundo eles, a nova lei é
“unilateral, punitiva e discriminatória”. Semanas depois, o presidente
Lula pediu o adiamento à
presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. O bloco econômico negou
a princípio, mas cedeu em novembro.
A assessoria de comunicação
da Presidência respondeu à Repórter Brasil que o objetivo da carta foi revisar a abordagem punitiva aos
produtores que cumprem o Código Florestal, vigente desde 2012. “A complexidade
das ações exigidas pelo bloco inviabiliza o processo de exportação,
penalizando, sobretudo, pequenos e médios produtores em processo de
desenvolvimento”. Leia a resposta na íntegra.
Segundo o Observatório do
Clima, a aplicação da regulamentação não criava exigências técnicas
intangíveis, mas, pelo contrário, baseia-se em estruturas de transparência já
estabelecidas. Além de ir de encontro ao plano do país de acabar com o
desmatamento até o final da década.
“A quase totalidade dos
proprietários rurais do Brasil não têm nada a perder com a legislação da UE
[União Europeia] – ao contrário, têm mercado a ganhar em relação a concorrentes
internacionais que desmatam”, afirma a organização em nota. Para o Observatório do Clima, há grandes chances desse adiamento
enfraquecer o EUDR até torná-lo sem efeito.
·
Fortalecer o “cep das florestas”
Especialistas apontam que
uma forma de criar mais barreiras para o desmatamento e consequentemente
reduzir as emissões de gases de efeito estufa seria a validação dos Cadastros
Ambientais Rurais (CAR). Estendido para o Brasil todo com a aprovação do Código
Florestal em 2012, o cadastro atua como um “CEP das florestas”, e é utilizado
para a regularização ambiental do imóvel rural.
A partir do CAR, as
autoridades de controle ambiental podem identificar autores de desmatamento e
queimadas irregulares, cruzando as informações declaradas com imagens de
satélite.
A inscrição é
autodeclaratória e os estados devem, com o apoio do governo federal, validar os
cadastros. Contudo, desde a promulgação do Código Florestal, apenas 3,3% dos mais de 7 milhões de cadastros
tiveram a análise concluída, seja por equipe ou por
ferramentas de automatização, segundo o Climate Policy Initiative. E durante os
dois primeiros anos do governo Lula a situação não foi diferente.
A inscrição no CAR passou a
ser uma informação essencial para ter acesso a determinadas políticas públicas,
ao crédito rural e à obtenção de licenças e autorizações administrativas.
Porém, a falta de validação do cadastro permite que desmatadores ilegais e
imóveis rurais cadastrados em sobreposição a terras indígenas e unidades de conservação
– o que não é permitido pela legislação – tenham acesso a políticas econômicas
do Estado.
Investigações da Repórter Brasil mostraram, por exemplo, que donos
de fazendas na Amazônia alteraram o perímetro de suas propriedades no CAR e
“apagaram” embargos do Ibama sobrepostos com o objetivo de facilitar a venda da
produção e obter financiamentos.
“Se você não sabe quem é o
proprietário daquela terra, pra quem você manda multa?”, questiona Krug.
Um levantamento do jornal Folha de S. Paulo mostra que apenas 1 em cada 4 inquéritos abertos por desmatamento
ou queimadas na Polícia Federal aponta os responsáveis pelos respectivos
crimes.
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Dar transparência à rastreabilidade bovina
Além da emissão de gases de
efeito estufa, em especial o metano gerado por meio do “arroto” do boi, um dos
grandes gargalos do setor pecuário é o controle do desmatamento relacionado à
sua cadeia produtiva. Imagens de satélite analisadas pelo MapBiomas revelaram
que mais de 90% do desmatamento da Amazônia entre 1985 e
2023 foram para a abertura de pastagens.
Atualmente, a
rastreabilidade bovina é feita por meio do Guia de Trânsito Animal, documento
gerido pelos estados, e por iniciativas individuais de frigoríficos, dois sistemas que identificam a movimentação de lotes de animais.
Especialistas de diversas áreas defendem a divulgação dos dados dos como uma
forma de defesa da saúde pública, além de possibilitar o acompanhamento
ambiental da atividade pecuária e gerar mecanismos que garantem o bem estar
animal. Hoje essas informações não ficam disponíveis em bases públicas e os
estados, no geral, se negam a disponibilizá-las.
Em dezembro, o Ministério da
Agricultura (Mapa) lançou o Plano Nacional de Identificação Individual de Bovinos
e Búfalos (PNIB). Com o PNIB, os pecuaristas deverão colocar na orelha de cada
animal “brincos” ou “bottons” com numerações únicas, com ou sem chip, para
identificá-los individualmente. O prazo para desenvolvimento e adesão ao plano,
porém, é 2032, dois anos após a meta do Brasil de zerar o desmatamento.
Questionado pela reportagem sobre esse e outros pontos envolvendo esforços da
pasta para reduzir as emissões, o Mapa não retornou até a publicação desta
reportagem.
Além de considerar o prazo
extenso, Marina Guyot, gerente de políticas públicas do Imaflora (Instituto de
Manejo e Certificação Florestal e Agrícola), afirma que ainda não está muito
claro o que será feito caso seja detectada alguma irregularidade e qual a
celeridade e apoio que o governo vai dar para que os produtores possam se
regularizar.
“O que acontece com quem não
estiver em conformidade? O governo vai apontar quais são os caminhos de
regularização? Vai dar celeridade? Porque também tem uma questão de
ineficiência do Estado, muitas vezes, nos processos de regularização”, afirma
Guyot.
Procurado pela reportagem, o
Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) afirmou que vem atuando em
paralelo ao Ministério da Agricultura para garantir a origem da carne e sua
relação com o desmatamento. “O Ibama desenvolve novos métodos de fiscalização
aos frigoríficos que atuam em áreas prioritárias para controle do desmatamento.
Um exemplo é a Operação Carne Fria, que busca coibir o desmatamento a partir da
fiscalização da cadeia que produz ou comercializa gado procedente de áreas
desmatadas ilegalmente na Amazônia”. Leia a nota completa.
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Reduzir o uso de agrotóxicos
Há mais de 10 anos, o país
vem tentando aprovar o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos
(Pronara) que sofre forte oposição do Ministério da Agricultura desde a sua criação.
Em 2024, foi a vez da
Secretaria de Defesa Agropecuária negar a inclusão do programa no Plano
Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo). Segundo fontes ouvidas
pela reportagem, foi necessária a intervenção do presidente Lula para que o
Mapa aprovasse o programa.
Além das contaminações
ambientais, o uso de agrotóxicos na agricultura tem aumentado as emissões do
Brasil. Os fertilizantes sintéticos nitrogenados estão entre as maiores fontes
de emissões da agricultura, com 37,6 milhões de toneladas de dióxido de carbono
emitidos em 2023, um aumento de 0,7% em relação ao ano anterior, segundo dados do Seeg.
De acordo com dados da FAO
(Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), o Brasil é
líder mundial no uso de agrotóxicos, tendo consumido mais de 800 mil toneladas
dessas substâncias em 2022, o equivalente a 22% do volume mundial total.
Mas esse cenário não impediu
o governo de renunciar a mais de R$ 25,7 bilhões de impostos do setor até
agosto do ano passado, o que corresponde a 26% do total renunciado no período.
Segundo Rogério Dias,
presidente do Instituto Brasil Orgânico e integrante da comissão de
agroecologia, a aprovação do Pronara está prevista para março. Contudo, ele
prevê resistências do setor, mesmo após a entrada do presidente no processo de
negociações.
Ele lembra que os problemas
com o Mapa, a Reforma Tributária e as eleições municipais fizeram com que as
negociações atrasassem e o programa fosse adiado três vezes em 2024. “A gente
precisa necessariamente que o Ministério da Agricultura assuma alguns
compromissos”, afirma. “A intensificação do uso de agrotóxicos só é
interessante para as fabricantes que ganham com isso. Não é vantajoso para mais
ninguém”.
Em resposta à Repórter Brasil, o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) afirmou que “em prol de
manter a competitividade internacional do agronegócio brasileiro, o Ministério da
Agricultura volta-se a apoiar a produção em larga escala e exportação de
commodities, e este modelo de agricultura possui características específicas,
como o uso intensivo de insumos químicos, como fertilizantes e defensivos
agrícolas, para atender às demandas de produtividade e competitividade no
mercado global”.
Para o MDA, apesar da
relevância econômica do modelo convencional, ele apresenta desafios à saúde e
ao meio ambiente que se contrapõem a iniciativas voltadas para a transição
agroecológica e a produção orgânica. “No contexto das mudanças climáticas, um
programa como o Pronara tem o potencial de ajudar o Brasil no alcance suas
metas de redução de emissões de GEE, fortalecendo nosso compromisso com o
Acordo de Paris”. Leia o posicionamento completo.
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Atrelar o financiamento agrícola a boas práticas
O Plano Safra é o principal
programa do governo federal para financiamento rural. Anunciado em 2024 como o
maior plano da história, o programa de crédito foi apresentado como mais
sustentável devido ao fortalecimento dos sistemas de produção ambientalmente
responsáveis. Contudo, segundo especialistas, avançou quase nada para conter as
emissões de gases de efeito estufa.
Cálculos do Instituto
Talanoa mostram que menos de 2% do total de R$ 400,59 bilhões vão para o
Programa para Financiamento a Sistemas de Produção Agropecuária Sustentáveis (RenovAgro), que financia iniciativas de baixa emissão de carbono.
A agricultura de baixo
carbono é um sistema de produção que tenta diminuir ou minimizar as emissões de
gases de efeito estufa com o objetivo de aumentar a conservação do solo, o
sequestro de carbono da atmosfera e diminuir o uso de combustíveis fósseis e
agrotóxicos, que são produtos derivados do petróleo e de minerais.
Em seu posicionamento, o
Ministério do Meio Ambiente afirmou que vem atuando na criação e fortalecimento
de diversas medidas que fortalecerão o combate ao desmatamento e o cumprimento
da meta assumida pelo governo federal de zerá-lo até 2030. Uma delas é o aprimoramento
das normas do Manual de Crédito Rural em relação às exigências ambientais, que
permitirá maior e melhor controle sobre as concessões de crédito rural a
tomadores com histórico de desmatamento (ilegal e legal), segundo o órgão.
Para a coordenadora de
políticas públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo faltam, porém,
contrapartidas ambientais aos produtores com acesso aos recursos do Plano
Safra. “Eles trabalham com linhas específicas e reduzem os juros dos
empréstimos para quem já pratica uma agricultura mais sustentável, mas dá para
ser mais categórico do que isso. O governo deveria impor requisitos de baixo
carbono como condição para os financiamentos agrícolas”, exemplifica.
Fonte: Repórter
Brasil
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