quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Projeto em fazenda de gado busca proteger espécie de raposa que só existe no Brasil

Elas apareceram ao crepúsculo. O dia terminava em um céu mesclado de rosa e amarelo quando um filhote se mexeu na relva. A mãe surgiu em seguida, ruiva da cor da terra, pequena, delgada. Krahô-Kanela é uma mãe experiente, já teve pelo menos quatro ninhadas em seus seis anos estimados de vida. A quantidade de parceiros não fica aquém: atualmente ela está com MacDonald, o quinto, padrasto de seus três novos filhotes. O ciclo da vida foi lhe tirando os parceiros, e também a ponta do rabo, mas ela segue resiliente na sua jornada em meio a áreas de gado no município goiano de Corumbaíba.

A raposa-do-campo (Lycalopex vetulus), ou raposinha, é um animal pequeno, mas de superlativos: a menor entre as espécies de canídeo que ocorrem no Brasil é a única endêmica não só do Cerrado, mas também do país. É também a única que tem os cupins como sua principal fonte de alimento, o que a leva a viver em campos limpos e abertos do bioma, onde a vegetação é mais baixa e os cupinzeiros são mais aparentes. Costuma morar em buracos antes abertos por tatu-pebas.

A ninhada nasce no mês de setembro, e a mãe e o pai dividem as tarefas na criação dos bebês, buscando comida e vigiando a toca para afugentar predadores. Os filhotes começam a desmamar em dezembro, e o cuidado parental vai diminuindo a partir de então. O pai e a mãe já não moram na mesma toca que os filhotes – aliás, cada um tem a sua – e, conforme as crianças se tornam jovens, os pais vão expulsando-os da casa e do território, seguindo uma estratégia natural para evitar a procriação entre familiares.

Por ser uma espécie onívora, que se alimenta de animais e vegetais, a raposinha tem um papel preponderante no Cerrado. Ela consome sobretudo cupins, mas também besouros, roedores e frutos, potencialmente contribuindo para a dispersão de espécies de flora: na Chapada dos Guimarães, um estudo de 1998 e outro de 2020 identificaram que a raposa chega a consumir em torno de 30 espécies vegetais diferentes em áreas naturais. Além de haver uma relação direta entre raposas e tatu-pebas, existe uma forte correlação entre as chuvas, os cupins e as ninhadas de raposinhas. Nascidos em setembro, os filhotes saem das tocas um mês depois, prontos para se fartarem com a revoada de cupins causada pelo início das chuvas em outubro.

Ainda há muitas perguntas a serem respondidas sobre a espécie, que atualmente é considerada como quase em risco de extinção, mas as ameaças já são bem conhecidas pelos pesquisadores: diminuição do seu habitat natural, atropelamento em ferrovias e rodovias, perseguição e conflito com cães domésticos, conflito direto com pessoas (que atiram, envenenam e matam filhotes na toca) e diferentes doenças – tanto as que têm relação com os cães, como parvovirose, cinomose e sarna, como as derivadas do meio silvestre, como leishmaniose e doença do carrapato. Quanto mais degradado for o ambiente natural de Cerrado, mais suscetíveis as raposas ficam às doenças que são causadas pelo contato com as pessoas e o meio doméstico.

Plantações de soja também têm se mostrado uma ameaça para a espécie, porque a altura e a densidade das plantas dificultam a movimentação dos indivíduos. Das 11 fitofisionomias principais do Cerrado – categorizadas em formações savânicas, florestais e campestres –, as raposas ocupam os chamados campos limpos, onde a vegetação é formada principalmente por gramíneas nativas e poucos arbustos. Na paisagem transformada pelo ser humano, a que mais se aproxima deste cenário original é a pastagem do gado, com seu capim, moitas e algumas árvores. Nos últimos anos, porém, o gado tem perdido espaço para a soja, uma transição que traz mais trabalhadores e, consequentemente, mais cães domésticos e movimentação nas estradas de chão, intensificando os perigos já existentes.

Com poucas unidades de conservação espalhadas entre uma maioria absoluta de terras privadas no Cerrado, a situação para a raposinha é desafiadora. Segundo uma análise de viabilidade populacional realizada pelo Programa de Conservação Mamíferos do Cerrado (PCMC), há 80% de probabilidade de que a raposa-do-campo deixe de existir em 50 anos. O modelo não diz que isso vai acontecer, mas mostra números altos o suficiente para alertar que o animal é sensível à maneira como as pessoas usam e modificam o ambiente.

·        Estudar para salvar

Para evitar que essa situação hipotética se torne realidade, o projeto Raposinha do Pontal une pesquisa, conservação e engajamento comunitário. Em uma fazenda de gado de 1.500 hectares na região do Pontal, em Goiás, biólogos e veterinários estudam o comportamento das raposinhas e monitoram alguns indivíduos identificados com brinco e coleira rádio-transmissora. Eles querem entender a ecologia e a saúde da espécie e suas interações com outros carnívoros silvestres, também estudados pelo projeto, em um ambiente de agroecossistema (um espaço natural modificado para a produção agrícola com base em práticas sustentáveis).

O projeto foi criado em 2020 a partir de uma parceria entre o PCMC e o proprietário da fazenda, Juscelino Martins, que, apesar de ter uma “profissão da cidade”, de empresário, como ele diz, herdou do seu avô a fazenda que lhe deu muitas memórias afetivas de infância, das férias passadas em família. Seu interesse em conservação da biodiversidade o levou a criar um projeto de reintrodução de antas na fazenda, há quase 30 anos, e hoje é comum passar pelas estradas de terra e ver o maior mamífero terrestre brasileiro na mata ao lado. Cada vez mais interessado em conservação, a aposta de Juscelino agora é na raposa-do-campo.

O PCMC é um grupo de pesquisa vinculado à Universidade Federal de Catalão que, desde 2009, conduz trabalhos de pesquisa e extensão em Goiás para entender as relações de algumas espécies, principalmente carnívoras, com áreas modificadas. As informações geradas pelos seus diversos projetos, incluindo o Raposinha do Pontal, servem de base para tomadas de decisão de órgãos ambientais, como Ibama e ICMBio, e para criação de planos de ação estadual e federal para conservação de canídeos silvestres.

Os idealizadores e coordenadores são o casal de biólogos Fernanda Cavalcanti de Azevedo e Frederico Gemesio Lemos. Depois de se conhecerem na Serra da Canastra, em Minas Gerais, onde ela trabalhava com lobos-guará, a paixão de um pelo outro e dos dois pelo Cerrado levaram o par a focar sua atenção em duas espécies que eles consideram chave: a onça-parda, ou suçuarana (Puma concolor), que atualmente é o predador de topo na maior parte do Cerrado e do Brasil, e a raposinha, espécie que a ciência mal conhecia até 2004.

“Eu comecei a trabalhar com a raposinha em 2002, ainda na graduação. Quando nasceu o programa, anos depois, a ideia era trazer o maior número de informações possível para entender uma espécie que é exclusiva do Brasil”, conta Frederico. E assim eles fizeram. Com o início do PCMC, o casal lançou um projeto de estudo de raposas que duraria uma década, precedendo o Raposinha do Pontal.

A iniciativa foi realizada no município de Cumari, em um ambiente similar à fazenda de Juscelino e suas pastagens de gado. Com o atual projeto sobre a espécie, a proposta é replicar o que foi feito anteriormente, para ter comparações: será que a ecologia, o comportamento e as ameaças se repetem em outra área antropizada? Da amizade que já existia com o dono da fazenda e da vontade dele próprio de estudar um animal genuinamente do Cerrado, as conversas levaram naturalmente ao início do projeto.

·        Soja em vez de raposas

“O que a gente já descobriu de interessante sobre a raposa vem sendo coletado desde 2002, como informações envolvendo dieta, uso do espaço, comportamento, cuidado parental, longevidade e que tipo de ameaças ela enfrenta nesse tipo de paisagem antropizada. Até 2019, juntamos uma gama de informações que agora estamos validando no Pontal nos últimos quatro anos”, resume Frederico. “Os dois projetos reunidos têm trazido várias informações interessantes para a espécie, como o quanto os pais são preponderantes na criação dos filhotes, mas o que eu chamaria atenção é o quanto essa espécie é sensível e vulnerável à maneira que ocupamos os espaços.”

No projeto de Cumari, de todas as 53 raposinhas monitoradas ao longo de 10 anos, 45% morreram por causas humanas diretas ou indiretas. As ameaças que havia lá existem também nas fazendas da região do Pontal, onde já apareceram raposas mortas por atropelamento, ataque de cães e conflito, evidenciando que os dados entre os dois projetos são parecidos. Nos últimos dois anos, numa fazenda vizinha à de Juscelino, surgiu também a ameaça da soja. A mudança brusca da paisagem incomoda os olhos e os sentidos: não tem como passar ileso dos sons de aves e frescor da sombra nos caminhos da Fazenda Pontal para o calor e o silêncio em meio aos campos de soja recém-brotada.

“Teve uma modificação bem drástica da paisagem em poucos meses, e isso reflete uma realidade de outras áreas do Cerrado, em que as pastagens estão, em um ritmo bem acelerado, sendo transformadas em soja nos últimos cinco anos”, afirma Fernanda. Por meio do monitoramento via coleira, os pesquisadores conseguem identificar que, a partir da inserção da soja, as raposinhas não usaram mais aquela área. “Os bichos não entraram mais ou entraram esporadicamente quando a soja ainda estava pequena, mas a partir do momento que começou a crescer e a movimentação aumentou, elas pararam de usar. Esse dado nos dá pistas do que está acontecendo no resto do Cerrado que era pastagem: tinha raposa, e agora está sendo transformado em soja.”

Se os agrotóxicos afetam as raposas-do-campo ainda é uma questão que o projeto quer responder, mas por ora os pesquisadores já estão vendo que a soja desloca os indivíduos, gerando perda de território, e empobrece a sua base alimentar, porque nenhum fruto cresce no meio da plantação e nenhum cupim ou besouro sobrevive aos agrotóxicos. “Até 20 anos atrás, a gente brigava contra pasto em detrimento de área de conservação. Hoje a gente está brigando por pasto em detrimento da soja”, diz Frederico. “E não só para a raposa; acredito que para outras espécies é a mesma situação”, complementa Fernanda.

·        Coleiras de contagem

Ninguém até hoje descobriu o tamanho da população de raposinhas e se ela está diminuindo ou não. O único número certeiro é o da quantidade de animais monitorados das quatro espécies-alvo do projeto. Desde o início, foram conduzidos 177 procedimentos anestésicos em 28 raposas-do-campo, 70 cachorros-do-mato (Cerdocyon thous), três lobos-guará (Chrysocyon brachyurus) e 11 jaritatacas (Conepatus amazonicus), totalizando 109 carnívoros de espécies e idades diferentes (filhotes, jovens e adultos). Um mesmo indivíduo passa pelo procedimento uma única vez na campanha; e muitos são recapturados ao longo do tempo.

De todos os animais monitorados, 18 raposas, 18 cachorros e dois lobos foram equipados com coleiras rádio-transmissoras GPS. Atualmente, são dez os animais acompanhados: cinco raposinhas e cinco cachorros-do-mato. Os demais não são mais acompanhados porque a coleira parou de funcionar ou se soltou; e os animais não caíram de novo nas armadilhas para trocar a coleira ou já morreram.

São feitas duas campanhas de captura por ano, uma em cada semestre, e cada novo animal que cai nas armadilhas recebe um brinco e um rádio-colar, que funciona entre seis e oito meses, no caso da raposinha, e cerca de um ano e meio para o cachorro-do-mato. O projeto utiliza dois tipos de coleira: uma que cai sozinha do pescoço do animal quando a bateria está acabando e outra que permanece com ele, então é preciso recapturá-lo para trocar o objeto. Para coletar os dados das coleiras das raposas e dos cachorros-do-mato, os pesquisadores precisam ir até o campo, localizar o indivíduo e então fazer o download dos dados. Os rádio-colares de lobo-guará enviam os dados por satélite diretamente para o computador.

O monitoramento de indivíduos via brinco e coleira transmissora – e para isso a captura é necessária – permite fazer um acompanhamento de indivíduos e da população para saber quantos entraram ou saíram, como está a saúde deles, qual é a carga parasitária e como as espécies usam o espaço e os recursos alimentares.

“Quanto o bicho anda no dia, no mês, na vida? Qual é a taxa de nascimento? Como a dinâmica superacelerada da paisagem modifica os parâmetros dos animais em termos de alimentação, comportamento, reprodução e cuidado parental? São perguntas que a gente consegue responder a partir da marcação dos indivíduos”, avalia Frederico. As armadilhas para captura são colocadas depois que a equipe identifica por onde os indivíduos passam, via busca ativa, coleta de amostras de fezes e armadilhas fotográficas. 

·        Capturando raposas

Numa campanha de captura habitual, a checagem das armadilhas começa de manhã, com os pesquisadores indo de carro até cada uma para avaliar o animal que porventura tenha caído. A mesa do procedimento é preparada na caçamba da picape, onde são colocados os materiais a serem utilizados. Para iniciar o procedimento, a médica veterinária coordenadora, Ísis Zanini, aplica a anestesia no animal ainda na armadilha. Assim que ele fica sedado, ela leva o indivíduo para o carro e a equipe se divide em tarefas que incluem pesar o animal, avaliar dentição, colocar brinco e coleira, registrar medidas e coletar sangue, pelos e carrapatos.

No laboratório localizado no centro de pesquisa, dentro da Fazenda Pontal, as veterinárias fazem as análises essenciais, como hemograma, coproparasitológico e alguns testes rápidos que revelam positividade para sete doenças diferentes de canídeos. O projeto mantém amostras de todos os indivíduos no biobanco do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap/ICMBio).

Uma parte das amostras coletadas de cada indivíduo segue para instituições parceiras, como fundações e universidades, para suas respectivas análises em torno de patógenos e da saúde e genética dos animais. Outra parceria importante é com o projeto Genômica da Biodiversidade Brasileira, realizado pelo ICMBio e pelo Instituto Tecnológico Vale, que está sequenciando o genoma de dezenas de espécies brasileiras para embasar políticas de conservação. As amostras para esse projeto foram coletadas na primeira campanha de captura de 2024.

Depois de finalizado o procedimento em campo, que dura em torno de uma hora, o animal é levado de volta para a armadilha, e a equipe espera até ele estar totalmente recuperado da anestesia para soltá-lo. Nos primeiros dias de campanha, quando costumam cair vários animais nas armadilhas no mesmo dia, a ordem de procedimentos começa pelas raposas e por aqueles que estão em áreas menos sombreadas. Ao longo da campanha, à medida que os indivíduos são capturados, a equipe vai mudando as armadilhas de lugar para aumentar as chances de captura.

Foi assim que, na segunda campanha de captura de 2024, no fim do ano, conseguiram pegar Klaire, uma fêmea adulta, fruto da ninhada do ano passado. Pelagem bonita, sem sarna, carrapato nem pulga (se tivesse, seria feito um tratamento com o antiparasitário). Status: muito saudável. Vendo de perto, fica evidente o desenho na base do rabo que toda raposinha tem, mas cada uma tem o seu, com um formato único que a diferencia de todos os outros indivíduos da espécie. Outra marca registrada, esta da espécie como um todo, é a ponta do rabo preta.

Nessa campanha, acompanhamos ainda a captura de um dos filhotes de Krahô e dela própria, que precisava ter a coleira trocada, mas que não estava com uma pelagem de causar inveja, porque a maternidade e a amamentação deixam suas marcas. Krahô estava tranquilamente deitada na armadilha, à sombra de uma aroeira, e, na hora da soltura, bancou a modelo perfeita para o cinegrafista, saindo devagar da armadilha.

Na noite desse mesmo dia, a família de cinco canídeos nos presenteou com cenas de umedecer os olhos: um bebê à espera do pai na entrada da toca, a mãe e o pai escoltando os filhotes, o casal trocando carícias – algo raro de presenciar, segundo os pesquisadores – e, por fim, MacDonald nos expulsando da área com seu aulido, seguindo-nos até o outro lado da cerca da fazenda para garantir que deixaríamos a família em paz.

·        Educação ambiental

“Em campo, eu percebi uma nova forma de ver o mundo, porque a vida delas é muito mais do que a gente imagina. A família de raposas tem organização, divisão de trabalhos, e isso acontece em várias espécies”, conta Giulianny Machado, coordenadora das atividades de campo do projeto, citando que ri com coisas alegres e chora com coisas tristes, como quando presenciou uma onça-parda predando um dos ex-parceiros de Krahô. “Quero fazer a diferença no projeto para que daqui a 50 anos ainda haja raposas em campo e que as crianças de hoje cuidem da espécie.”

Permanecendo na base de pesquisa por pelo menos 15 dias por mês desde 2020, a bióloga já se tornou parte da comunidade local, com quem conversa durante seus trajetos no trabalho e pelo grupo de mensagens no celular, aonde chegam relatos e fotos dos moradores sobre bichos que eles avistam, e eventualmente resgatam, nos caminhos da vida no campo. A percepção das pessoas mudou em relação às raposas e outros animais por causa do projeto, diz ela, a partir das conversas com as crianças durante as caronas na van escolar e também nas missas que acontecem uma vez por mês em cada fazenda.

“Se a gente não criar pontes, as pessoas vão perder a capacidade de se encantar”, acredita Frederico. A próxima ponte que o projeto quer estabelecer é a elaboração de um livro infantil sobre as raposinhas, para ser doado às escolas de Corumbaíba e de cidades vizinhas. Será a primeira atividade sistemática de educação ambiental do projeto, mas as portas já foram abertas com esta notícia animadora: a raposinha se tornou mascote da Universidade Federal do Catalão.

 “É pela educação ambiental e pelos contatos que estamos tendo um engajamento da comunidade. E, no final, é com esse engajamento que a gente vai conseguir conservar os animais”, avalia Juliana Martins, gestora do projeto e filha de Juscelino. “O sonho do projeto é ser um hub de pesquisa para conservação no Cerrado”, afirma a bióloga. Para isso, os próximos passos incluem expandir a pesquisa para outras espécies, como aves, construir corredores ecológicos entre as fazendas para conectar os fragmentos de vegetação e criar um guia de boas práticas de manejo em fazendas, seguindo o exemplo do Pontal.

Ausência de cachorros domésticos, cupinzeiros conservados, zero uso de agrotóxico, manutenção de uma alta porcentagem de reserva legal e de vegetação nativa e reflorestamento de mudas nativas são os métodos que Juscelino emprega em sua fazenda para ajudar a fauna local a sobreviver.

“Eu sempre achei possível aplicar melhores práticas e ter uma boa produção sem os riscos de degradação. Eu acho importante ter lucro, sim; o que eu não acho necessário, no horizonte temporal maior, é ter lucro a qualquer custo. É possível conciliar uma produção lucrativa sem precisar pressionar demais o ambiente, pois existem muitas práticas, muitas tecnologias, muitas possibilidades”, diz Juscelino. A convivência com os vizinhos é boa, conta o produtor, e à medida que o projeto vai gerando mais informações, “fica mais fácil acabar com mitos e preconceitos e ajudar as pessoas a pensarem de forma mais sustentável”.

Conseguir avistar queixadas, tamanduás-bandeira, tatu-pebas, emas, seriemas, macacos-pregos, tucanos, arirambas, calangos, ameivas, iraras, dois filhotes de jaritataca brincando de lutinha na relva – também raro, segundo os pesquisadores – e tantas outras espécies num raio de poucos quilômetros, em poucos dias, é prova de que produção e conservação são complementares, não excludentes. Com respeito e cuidado, todos os seres vivos podem prosperar, tendo seu direito inerente à vida preservado.

“Eu sonho que a raposa consiga estar nos espaços que ela sempre esteve desde o seu surgimento, como espécie, sentindo somente medos que sejam naturais a ela, sem que a nossa espécie potencialize esses medos num nível que torna a vida muito menos mágica”, almeja Frederico. “Todas as espécies são válidas e merecedoras de estarem aqui. Eu desejo para a raposa o que eu desejo para mim mesma, estar viva, estar bem, com qualidade de vida, que ela seja tão respeitada quanto qualquer outra espécie, inclusive nós mesmos”, sonha Fernanda.

Nos paralelos da vida em campo, a vida da família de raposas se reflete na família de pesquisadores que se formou nesse projeto, com a parceria, as tarefas compartilhadas e os desafios no manejo diário. Na luta por sobreviver às ameaças crescentes, as raposas espelham a luta dos pesquisadores pelo direito das espécies de coexistirem num agroecossistema. A resiliência e a simplicidade da raposinha, nas palavras deles, mostram que ela pode ser pequena em tamanho, mas é grande na sobrevivência.

 

Fonte: Mongabay

 

Nenhum comentário: