Projeto
em fazenda de gado busca proteger espécie de raposa que só existe no Brasil
Elas apareceram ao crepúsculo. O dia terminava em um
céu mesclado de rosa e amarelo quando um filhote se mexeu na relva. A mãe
surgiu em seguida, ruiva da cor da terra, pequena, delgada. Krahô-Kanela é uma
mãe experiente, já teve pelo menos quatro ninhadas em seus seis anos estimados
de vida. A quantidade de parceiros não fica aquém: atualmente ela está com
MacDonald, o quinto, padrasto de seus três novos filhotes. O ciclo da vida foi
lhe tirando os parceiros, e também a ponta do rabo, mas ela segue resiliente na
sua jornada em meio a áreas de gado no município goiano de Corumbaíba.
A raposa-do-campo (Lycalopex vetulus), ou raposinha, é
um animal pequeno, mas de superlativos: a menor entre as espécies de canídeo
que ocorrem no Brasil é a única endêmica não só do Cerrado, mas também do país.
É também a única que tem os cupins como sua principal fonte de alimento, o que
a leva a viver em campos limpos e abertos do bioma, onde a vegetação é mais
baixa e os cupinzeiros são mais aparentes. Costuma morar em buracos antes
abertos por tatu-pebas.
A ninhada nasce no mês de setembro, e a mãe e o pai
dividem as tarefas na criação dos bebês, buscando comida e vigiando a toca para
afugentar predadores. Os filhotes começam a desmamar em dezembro, e o cuidado
parental vai diminuindo a partir de então. O pai e a mãe já não moram na mesma
toca que os filhotes – aliás, cada um tem a sua – e, conforme as crianças se
tornam jovens, os pais vão expulsando-os da casa e do território, seguindo uma
estratégia natural para evitar a procriação entre familiares.
Por ser uma espécie onívora, que se alimenta de animais
e vegetais, a raposinha tem um papel preponderante no Cerrado. Ela consome
sobretudo cupins, mas também besouros, roedores e frutos, potencialmente
contribuindo para a dispersão de espécies de flora: na Chapada dos Guimarães,
um estudo de 1998 e outro de 2020 identificaram
que a raposa chega a consumir em torno de 30 espécies vegetais diferentes em
áreas naturais. Além de haver uma relação direta entre raposas e tatu-pebas,
existe uma forte correlação entre as chuvas, os cupins e as ninhadas de
raposinhas. Nascidos em setembro, os filhotes saem das tocas um mês depois,
prontos para se fartarem com a revoada de cupins causada pelo início das chuvas
em outubro.
Ainda há muitas perguntas a serem respondidas sobre a
espécie, que atualmente é considerada como quase em risco de extinção, mas as
ameaças já são bem conhecidas pelos pesquisadores: diminuição do seu habitat
natural, atropelamento em ferrovias e rodovias, perseguição e conflito com cães
domésticos, conflito direto com pessoas (que atiram, envenenam e matam filhotes
na toca) e diferentes doenças – tanto as que têm relação com os cães, como
parvovirose, cinomose e sarna, como as derivadas do meio silvestre, como
leishmaniose e doença do carrapato. Quanto mais degradado for o ambiente
natural de Cerrado, mais suscetíveis as raposas ficam às doenças que são
causadas pelo contato com as pessoas e o meio doméstico.
Plantações de soja também têm se mostrado uma ameaça
para a espécie, porque a altura e a densidade das plantas dificultam a
movimentação dos indivíduos. Das 11 fitofisionomias principais do Cerrado –
categorizadas em formações savânicas, florestais e campestres –, as raposas
ocupam os chamados campos limpos, onde a vegetação é formada principalmente por
gramíneas nativas e poucos arbustos. Na paisagem transformada pelo ser humano,
a que mais se aproxima deste cenário original é a pastagem do gado, com seu
capim, moitas e algumas árvores. Nos últimos anos, porém, o gado tem perdido
espaço para a soja, uma transição que traz mais trabalhadores e,
consequentemente, mais cães domésticos e movimentação nas estradas de chão,
intensificando os perigos já existentes.
Com poucas unidades de conservação espalhadas entre uma
maioria absoluta de terras privadas no Cerrado, a situação para a raposinha é
desafiadora. Segundo uma análise de
viabilidade populacional realizada pelo Programa de Conservação Mamíferos do
Cerrado (PCMC), há 80% de probabilidade de que a raposa-do-campo deixe de existir
em 50 anos. O modelo não diz que isso vai acontecer, mas mostra números altos o
suficiente para alertar que o animal é sensível à maneira como as pessoas usam
e modificam o ambiente.
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Estudar para salvar
Para evitar que essa situação hipotética se torne realidade,
o projeto Raposinha do Pontal une pesquisa,
conservação e engajamento comunitário. Em uma fazenda de gado de 1.500 hectares
na região do Pontal, em Goiás, biólogos e veterinários estudam o comportamento
das raposinhas e monitoram alguns indivíduos identificados com brinco e coleira
rádio-transmissora. Eles querem entender a ecologia e a saúde da espécie e suas
interações com outros carnívoros silvestres, também estudados pelo projeto, em
um ambiente de agroecossistema (um espaço natural modificado para a produção
agrícola com base em práticas sustentáveis).
O projeto foi criado em 2020 a partir de uma parceria
entre o PCMC e o proprietário da fazenda, Juscelino Martins, que, apesar de ter
uma “profissão da cidade”, de empresário, como ele diz, herdou do seu avô a
fazenda que lhe deu muitas memórias afetivas de infância, das férias passadas
em família. Seu interesse em conservação da biodiversidade o levou a criar um
projeto de reintrodução de antas na fazenda, há quase 30 anos, e hoje é comum
passar pelas estradas de terra e ver o maior mamífero terrestre brasileiro na
mata ao lado. Cada vez mais interessado em conservação, a aposta de Juscelino
agora é na raposa-do-campo.
O PCMC é um grupo de pesquisa vinculado à Universidade
Federal de Catalão que, desde 2009, conduz trabalhos de pesquisa e extensão em
Goiás para entender as relações de algumas espécies, principalmente carnívoras,
com áreas modificadas. As informações geradas pelos seus diversos projetos,
incluindo o Raposinha do Pontal, servem de base para tomadas de decisão de
órgãos ambientais, como Ibama e ICMBio, e para criação de planos de ação
estadual e federal para conservação de canídeos silvestres.
Os idealizadores e coordenadores são o casal de
biólogos Fernanda Cavalcanti de Azevedo e Frederico Gemesio Lemos. Depois de se
conhecerem na Serra da Canastra, em Minas Gerais, onde ela trabalhava com
lobos-guará, a paixão de um pelo outro e dos dois pelo Cerrado levaram o par a
focar sua atenção em duas espécies que eles consideram chave: a onça-parda, ou
suçuarana (Puma concolor), que atualmente é o predador de topo na
maior parte do Cerrado e do Brasil, e a raposinha, espécie que a ciência mal
conhecia até 2004.
“Eu comecei a trabalhar com a raposinha em 2002, ainda
na graduação. Quando nasceu o programa, anos depois, a ideia era trazer o maior
número de informações possível para entender uma espécie que é exclusiva do
Brasil”, conta Frederico. E assim eles fizeram. Com o início do PCMC, o casal
lançou um projeto de estudo de raposas que duraria uma década, precedendo o
Raposinha do Pontal.
A iniciativa foi realizada no município de Cumari, em
um ambiente similar à fazenda de Juscelino e suas pastagens de gado. Com o
atual projeto sobre a espécie, a proposta é replicar o que foi feito
anteriormente, para ter comparações: será que a ecologia, o comportamento e as
ameaças se repetem em outra área antropizada? Da amizade que já existia com o
dono da fazenda e da vontade dele próprio de estudar um animal genuinamente do
Cerrado, as conversas levaram naturalmente ao início do projeto.
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Soja em vez de raposas
“O que a gente já descobriu de interessante sobre a
raposa vem sendo coletado desde 2002, como informações envolvendo dieta, uso do
espaço, comportamento, cuidado parental, longevidade e que tipo de ameaças ela
enfrenta nesse tipo de paisagem antropizada. Até 2019, juntamos uma gama de
informações que agora estamos validando no Pontal nos últimos quatro anos”,
resume Frederico. “Os dois projetos reunidos têm trazido várias informações
interessantes para a espécie, como o quanto os pais são preponderantes na
criação dos filhotes, mas o que eu chamaria atenção é o quanto essa espécie é
sensível e vulnerável à maneira que ocupamos os espaços.”
No projeto de Cumari, de todas as 53 raposinhas
monitoradas ao longo de 10 anos, 45% morreram por causas humanas diretas ou
indiretas. As ameaças que havia lá existem também nas fazendas da região do
Pontal, onde já apareceram raposas mortas por atropelamento, ataque de cães e
conflito, evidenciando que os dados entre os dois projetos são parecidos. Nos
últimos dois anos, numa fazenda vizinha à de Juscelino, surgiu também a ameaça
da soja. A mudança brusca da paisagem incomoda os olhos e os sentidos: não tem
como passar ileso dos sons de aves e frescor da sombra nos caminhos da Fazenda
Pontal para o calor e o silêncio em meio aos campos de soja recém-brotada.
“Teve uma modificação bem drástica da paisagem em
poucos meses, e isso reflete uma realidade de outras áreas do Cerrado, em que
as pastagens estão, em um ritmo bem acelerado, sendo transformadas em soja nos
últimos cinco anos”, afirma Fernanda. Por meio do monitoramento via coleira, os
pesquisadores conseguem identificar que, a partir da inserção da soja, as
raposinhas não usaram mais aquela área. “Os bichos não entraram mais ou
entraram esporadicamente quando a soja ainda estava pequena, mas a partir do
momento que começou a crescer e a movimentação aumentou, elas pararam de usar.
Esse dado nos dá pistas do que está acontecendo no resto do Cerrado que era
pastagem: tinha raposa, e agora está sendo transformado em soja.”
Se os agrotóxicos afetam as raposas-do-campo ainda é
uma questão que o projeto quer responder, mas por ora os pesquisadores já estão
vendo que a soja desloca os indivíduos, gerando perda de território, e
empobrece a sua base alimentar, porque nenhum fruto cresce no meio da plantação
e nenhum cupim ou besouro sobrevive aos agrotóxicos. “Até 20 anos atrás, a
gente brigava contra pasto em detrimento de área de conservação. Hoje a gente
está brigando por pasto em detrimento da soja”, diz Frederico. “E não só para a
raposa; acredito que para outras espécies é a mesma situação”, complementa
Fernanda.
·
Coleiras de contagem
Ninguém até hoje descobriu o tamanho da população de
raposinhas e se ela está diminuindo ou não. O único número certeiro é o da
quantidade de animais monitorados das quatro espécies-alvo do projeto. Desde o
início, foram conduzidos 177 procedimentos anestésicos em 28 raposas-do-campo,
70 cachorros-do-mato (Cerdocyon thous), três lobos-guará
(Chrysocyon brachyurus) e 11 jaritatacas (Conepatus
amazonicus),
totalizando 109 carnívoros de espécies e idades diferentes (filhotes, jovens e
adultos). Um mesmo indivíduo passa pelo procedimento uma única vez na campanha;
e muitos são recapturados ao longo do tempo.
De todos os animais monitorados, 18 raposas, 18
cachorros e dois lobos foram equipados com coleiras rádio-transmissoras GPS.
Atualmente, são dez os animais acompanhados: cinco raposinhas e cinco
cachorros-do-mato. Os demais não são mais acompanhados porque a coleira parou
de funcionar ou se soltou; e os animais não caíram de novo nas armadilhas para
trocar a coleira ou já morreram.
São feitas duas campanhas de captura por ano, uma em
cada semestre, e cada novo animal que cai nas armadilhas recebe um brinco e um
rádio-colar, que funciona entre seis e oito meses, no caso da raposinha, e
cerca de um ano e meio para o cachorro-do-mato. O projeto utiliza dois tipos de
coleira: uma que cai sozinha do pescoço do animal quando a bateria está
acabando e outra que permanece com ele, então é preciso recapturá-lo para
trocar o objeto. Para coletar os dados das coleiras das raposas e dos
cachorros-do-mato, os pesquisadores precisam ir até o campo, localizar o
indivíduo e então fazer o download dos dados. Os rádio-colares de lobo-guará
enviam os dados por satélite diretamente para o computador.
O monitoramento de indivíduos via brinco e coleira
transmissora – e para isso a captura é necessária – permite fazer um
acompanhamento de indivíduos e da população para saber quantos entraram ou
saíram, como está a saúde deles, qual é a carga parasitária e como as espécies
usam o espaço e os recursos alimentares.
“Quanto o bicho anda no dia, no mês, na vida? Qual é a
taxa de nascimento? Como a dinâmica superacelerada da paisagem modifica os
parâmetros dos animais em termos de alimentação, comportamento, reprodução e
cuidado parental? São perguntas que a gente consegue responder a partir da
marcação dos indivíduos”, avalia Frederico. As armadilhas para captura são
colocadas depois que a equipe identifica por onde os indivíduos passam, via
busca ativa, coleta de amostras de fezes e armadilhas fotográficas.
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Capturando raposas
Numa campanha de captura habitual, a checagem das
armadilhas começa de manhã, com os pesquisadores indo de carro até cada uma
para avaliar o animal que porventura tenha caído. A mesa do procedimento é
preparada na caçamba da picape, onde são colocados os materiais a serem
utilizados. Para iniciar o procedimento, a médica veterinária coordenadora,
Ísis Zanini, aplica a anestesia no animal ainda na armadilha. Assim que ele
fica sedado, ela leva o indivíduo para o carro e a equipe se divide em tarefas
que incluem pesar o animal, avaliar dentição, colocar brinco e coleira,
registrar medidas e coletar sangue, pelos e carrapatos.
No laboratório localizado no centro de pesquisa, dentro
da Fazenda Pontal, as veterinárias fazem as análises essenciais, como
hemograma, coproparasitológico e alguns testes rápidos que revelam positividade
para sete doenças diferentes de canídeos. O projeto mantém amostras de todos os
indivíduos no biobanco do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de
Mamíferos Carnívoros (Cenap/ICMBio).
Uma parte das amostras coletadas de cada indivíduo
segue para instituições parceiras, como fundações e universidades, para suas
respectivas análises em torno de patógenos e da saúde e genética dos animais.
Outra parceria importante é com o projeto Genômica da Biodiversidade Brasileira,
realizado pelo ICMBio e pelo Instituto Tecnológico Vale, que está sequenciando
o genoma de dezenas de espécies brasileiras para embasar políticas de
conservação. As amostras para esse projeto foram coletadas na primeira campanha
de captura de 2024.
Depois de finalizado o procedimento em campo, que dura
em torno de uma hora, o animal é levado de volta para a armadilha, e a equipe
espera até ele estar totalmente recuperado da anestesia para soltá-lo. Nos
primeiros dias de campanha, quando costumam cair vários animais nas armadilhas
no mesmo dia, a ordem de procedimentos começa pelas raposas e por aqueles que
estão em áreas menos sombreadas. Ao longo da campanha, à medida que os
indivíduos são capturados, a equipe vai mudando as armadilhas de lugar para aumentar
as chances de captura.
Foi assim que, na segunda campanha de captura de 2024,
no fim do ano, conseguiram pegar Klaire, uma fêmea adulta, fruto da ninhada do
ano passado. Pelagem bonita, sem sarna, carrapato nem pulga (se tivesse, seria
feito um tratamento com o antiparasitário). Status: muito saudável. Vendo de
perto, fica evidente o desenho na base do rabo que toda raposinha tem, mas cada
uma tem o seu, com um formato único que a diferencia de todos os outros
indivíduos da espécie. Outra marca registrada, esta da espécie como um todo, é
a ponta do rabo preta.
Nessa campanha, acompanhamos ainda a captura de um dos
filhotes de Krahô e dela própria, que precisava ter a coleira trocada, mas que
não estava com uma pelagem de causar inveja, porque a maternidade e a
amamentação deixam suas marcas. Krahô estava tranquilamente deitada na
armadilha, à sombra de uma aroeira, e, na hora da soltura, bancou a modelo
perfeita para o cinegrafista, saindo devagar da armadilha.
Na noite desse mesmo dia, a família de cinco canídeos
nos presenteou com cenas de umedecer os olhos: um bebê à espera do pai na
entrada da toca, a mãe e o pai escoltando os filhotes, o casal trocando
carícias – algo raro de presenciar, segundo os pesquisadores – e, por fim,
MacDonald nos expulsando da área com seu aulido, seguindo-nos até o outro lado
da cerca da fazenda para garantir que deixaríamos a família em paz.
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Educação ambiental
“Em campo, eu percebi uma nova forma de ver o mundo,
porque a vida delas é muito mais do que a gente imagina. A família de raposas
tem organização, divisão de trabalhos, e isso acontece em várias espécies”,
conta Giulianny Machado, coordenadora das atividades de campo do projeto,
citando que ri com coisas alegres e chora com coisas tristes, como quando
presenciou uma onça-parda predando um dos ex-parceiros de Krahô. “Quero fazer a
diferença no projeto para que daqui a 50 anos ainda haja raposas em campo e que
as crianças de hoje cuidem da espécie.”
Permanecendo na base de pesquisa por pelo menos 15 dias
por mês desde 2020, a bióloga já se tornou parte da comunidade local, com quem
conversa durante seus trajetos no trabalho e pelo grupo de mensagens no
celular, aonde chegam relatos e fotos dos moradores sobre bichos que eles
avistam, e eventualmente resgatam, nos caminhos da vida no campo. A percepção
das pessoas mudou em relação às raposas e outros animais por causa do projeto,
diz ela, a partir das conversas com as crianças durante as caronas na van
escolar e também nas missas que acontecem uma vez por mês em cada fazenda.
“Se a gente não criar pontes, as pessoas vão perder a
capacidade de se encantar”, acredita Frederico. A próxima ponte que o projeto
quer estabelecer é a elaboração de um livro infantil sobre as raposinhas, para
ser doado às escolas de Corumbaíba e de cidades vizinhas. Será a primeira
atividade sistemática de educação ambiental do projeto, mas as portas já foram
abertas com esta notícia animadora: a raposinha se tornou mascote da
Universidade Federal do Catalão.
“É pela educação
ambiental e pelos contatos que estamos tendo um engajamento da comunidade. E,
no final, é com esse engajamento que a gente vai conseguir conservar os
animais”, avalia Juliana Martins, gestora do projeto e filha de Juscelino. “O
sonho do projeto é ser um hub de pesquisa para conservação no Cerrado”, afirma
a bióloga. Para isso, os próximos passos incluem expandir a pesquisa para
outras espécies, como aves, construir corredores ecológicos entre as fazendas
para conectar os fragmentos de vegetação e criar um guia de boas práticas de manejo
em fazendas, seguindo o exemplo do Pontal.
Ausência de cachorros domésticos, cupinzeiros
conservados, zero uso de agrotóxico, manutenção de uma alta porcentagem de
reserva legal e de vegetação nativa e reflorestamento de mudas nativas são os
métodos que Juscelino emprega em sua fazenda para ajudar a fauna local a
sobreviver.
“Eu sempre achei possível aplicar melhores práticas e
ter uma boa produção sem os riscos de degradação. Eu acho importante ter lucro,
sim; o que eu não acho necessário, no horizonte temporal maior, é ter lucro a
qualquer custo. É possível conciliar uma produção lucrativa sem precisar
pressionar demais o ambiente, pois existem muitas práticas, muitas tecnologias,
muitas possibilidades”, diz Juscelino. A convivência com os vizinhos é boa,
conta o produtor, e à medida que o projeto vai gerando mais informações, “fica
mais fácil acabar com mitos e preconceitos e ajudar as pessoas a pensarem de
forma mais sustentável”.
Conseguir avistar queixadas, tamanduás-bandeira,
tatu-pebas, emas, seriemas, macacos-pregos, tucanos, arirambas, calangos,
ameivas, iraras, dois filhotes de jaritataca brincando de lutinha na relva –
também raro, segundo os pesquisadores – e tantas outras espécies num raio de
poucos quilômetros, em poucos dias, é prova de que produção e conservação são
complementares, não excludentes. Com respeito e cuidado, todos os seres vivos
podem prosperar, tendo seu direito inerente à vida preservado.
“Eu sonho que a raposa consiga estar nos espaços que
ela sempre esteve desde o seu surgimento, como espécie, sentindo somente medos
que sejam naturais a ela, sem que a nossa espécie potencialize esses medos num
nível que torna a vida muito menos mágica”, almeja Frederico. “Todas as
espécies são válidas e merecedoras de estarem aqui. Eu desejo para a raposa o
que eu desejo para mim mesma, estar viva, estar bem, com qualidade de vida, que
ela seja tão respeitada quanto qualquer outra espécie, inclusive nós mesmos”,
sonha Fernanda.
Nos paralelos da vida em campo, a vida da família de
raposas se reflete na família de pesquisadores que se formou nesse projeto, com
a parceria, as tarefas compartilhadas e os desafios no manejo diário. Na luta
por sobreviver às ameaças crescentes, as raposas espelham a luta dos
pesquisadores pelo direito das espécies de coexistirem num agroecossistema. A
resiliência e a simplicidade da raposinha, nas palavras deles, mostram que ela
pode ser pequena em tamanho, mas é grande na sobrevivência.
Fonte: Mongabay
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