terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Sob o olhar do chavismo, a Venezuela segue vencendo

Observar, escutar e analisar. Compreender a Venezuela demanda todos nossos sentidos. Devemos também, realizar uma análise fundamentada no histórico de lutas sociais e populares que moldaram seu processo político. Sob o olhar do chavismo a vitória e posse do presidente Maduro, sustentada pelo poder popular, escancara o limite da compreensão das lutas populares na América Latina a partir da crise do conceito ideológico da democracia liberal.

No Brasil, o primeiro debate que deve ser superado é o da interferência internacional na realidade política e institucional da democracia venezuelana. Um discurso perigoso em um mundo colapsado por uma crise de segurança internacional, guerras e uma transição hegemônica. As forças progressistas latino-americanas devem se posicionar contra políticas de ingerência internacional e isso está longe de ser um conceito do socialismo do século XXI, e sim de acordo com os princípios do direito internacional, no qual é essencial reafirmar o respeito à soberania dos Estados, previsto na Carta das Nações Unidas, e o princípio da não intervenção como um pilar fundamental das relações internacionais contemporâneas.

Diversos políticos, presidentes e ex-presidentes de direita, como Álvaro Uribe e Iván Duque, reinvindicaram nos últimos dias a defesa da intervenção. A escalada dessas desestabilizações internacionais colocam em vulnerabilidade a soberania de todo o continente. A Venezuela não pode ser transformada em um terreno de disputa geopolítica ou em um novo conflito internacional, sob o pretexto de “restauração democrática” ou “defesa de direitos humanos”. A transição hegemônica atual intensifica as disputas entre potências globais, e muitas vezes instrumentaliza países periféricos para projetar poder e influenciar dinâmicas regionais. Dessa forma a Venezuela, enquanto Estado soberano, deve ser defendida contra políticas de ingerência que comprometem sua estabilidade política, social e econômica.

Outro princípio importante a ser reivindicado é o da autodeterminação dos povos — um princípio do Direito Internacional — que busca assegurar a independência, a liberdade e o direito de organização própria dos povos. Dessa forma, os processos domésticos devem ser respeitados. A democracia venezuelana não pode ser analisada a partir dos conceitos liberais, pois a Venezuela possui o direito à autodeterminação e à soberania de seus processos e instituições. Trata-se de um modelo democrático não liberal, socialista, sustentado por sua constituição e por inúmeros processos consultivos, comunais, comunicativos e de politização.

A democracia venezuelana, com todas as suas contradições e desafios, segue vitoriosa. A fórmula de sucesso está no poder protagonista do povo enraizado e fortalecido por relações populares internas, legitimadas pela constituição de 1999 do Hugo Chávez e estruturada pela organização do poder comunal. O protagonismo do povo venezuelano é constituído pela politização e organização em torno das comunas, esse é o poder popular venezuelano.

As comunas, como expressão concreta de poder popular, avançam na democratização da participação popular e mais recentemente do orçamento, tendo acesso aos recursos dando força a uma alternativa econômica baseada na auto suficiência e na cooperação. Essa organização popular é fundamental para superar o “capitalismo dependente” e criar uma base material e social para o socialismo.

A comunicação e a política popular são outras ferramentas sociais centrais para enfrentar os desafios impostos pelo bloqueio midiático e pelas tentativas de isolamento internacional da Venezuela. É impressionante transitar entre dois universos: no cenário internacional, o presidente Maduro é retratado como um pária e antidemocrático, mas, ao pisar em solo venezuelano, no contexto político doméstico, ele é um líder popular com grande capacidade de comunicação e mobilização do povo venezuelano.

Devemos lembrar que a transição ao socialismo em sociedades periféricas, têm as massas populares como papel fundamental na transformação social e as contradições do capitalismo dependente. Assim, é necessário adotar uma lente crítica para compreender a Revolução Bolivariana como um processo dialético de luta pela soberania e pela construção de uma alternativa socialista em uma sociedade marcada pela dependência estrutural e pela dominação imperialista.

O bloqueio midiático internacional, às sanções econômicas e às pressões de governos estrangeiros contrários ao socialismo bolivariano reforça a tese de que as elites dominantes, tanto internacionais quanto nacionais, atuam para manter a ordem dependente e impedir a consolidação de experiências alternativas de desenvolvimento. A guerra econômica promovida contra a Venezuela é um exemplo concreto dos ataques e da dominação imperialista. Essas sanções econômicas tiveram como objetivo sufocar o projeto socialista e inviabilizar economicamente a população venezuelana.

A Venezuela, no entanto, caminha para sua recuperação econômica. Tem sido bem-sucedida em criar mecanismos alternativos às sanções, o que se mostrou fundamental graças à cooperação no contexto de um novo mundo multipolar, com apoios diretos de países como Rússia, China e Irã. Venezuela é a economia que mais cresce na América do sul, de acordo com a Comissão Econômica para América Latina e o Caribe (Cepal), um crescimento de 6,2% do PIB em 2024. Esse crescimento foi possível porque o país superou a “doença holandesa” — caracterizada pela dependência do petróleo — por meio de uma substituição de importações forçada pelas sanções econômicas. Além disso, alcançou soberania alimentar ao aumentar sua produção agrícola de forma exponencial.

Hugo Chávez reinterpretou o papel do Estado e das massas populares no contexto latino-americano. Chávez utilizou o aparato estatal para consolidar uma frente popular revolucionária, fundamentada em um discurso anti-imperialista e na democratização econômica e política do país. Os ensinamentos de Hugo Chávez seguem vivos e o olhar do chavismo acompanha todo o processo histórico de resistência.

Na comunicação política, a Venezuela também tem muito a nos ensinar. O ato de jurar lealdade ao projeto chavista, como o movimento “Juro com Maduro”, exemplifica de forma material a mobilização das massas populares como força motriz da transformação social. No dia 10 de janeiro, perante um isolamento internacional e um grande ataque midiático, o presidente Nicolás Maduro aprofundou seu compromisso dialético entre o Povo e o Governo no ato “Juro com Maduro”. A participação ativa do povo em um projeto socialista é fundamental para garantir que o processo de transformação não seja apenas estatal, mas também uma revolução das estruturas sociais e culturais. A prática de jurar com o governo reflete um compromisso mútuo, em que o governo se posiciona como representante legítimo das demandas populares e as massas assumem a responsabilidade coletiva de defender e construir a revolução. Milhares de venezuelanos, juraram com Maduro lealdade à luta socialista.

Nicolás Maduro é o herdeiro do projeto socialista e anti-imperialista de Chávez, mas atualiza o discurso e a prática política para incluir a luta antifascista como elemento central. Muito atentos aos movimentos da extrema direita no continente, a Venezuela rapidamente entende as novas condições históricas, como o avanço de forças conservadoras e autoritárias em nível global, representadas pela ascensão de líderes como Jair Bolsonaro e Javier Milei. Se atualizam para uma luta anti-imperialista e antifascismo, e reforçam o papel das massas organizadas, incluindo partidos políticos, comunas e movimentos sociais, na defesa da soberania e na luta contra as novas expressões de dominação.

É urgente que as forças progressistas latino-americanas atualizem suas análises e compreendam que com a vitória de Trump, não existe a opção de que o império seja aliado contra a extrema direita na região. Hoje os EUA representam o imperialismo e o fascismo, e isso se concretiza como sua política externa e opção de poder para perpetuar a hegemonia norte-americana perante a ameaça de um mundo multipolar. Frente a isso, devemos criar um cordão antifascista, a construção de uma frente antifascista para resistir às ofensivas da extrema direita, do capital internacional e das elites locais.

A Revolução Bolivariana representa um exemplo vivo da luta pela soberania em sociedades periféricas, enfrentando a dominação imperialista e as contradições internas do capitalismo dependente. A atualização do discurso chavista para incorporar o antifascismo reflete a capacidade do projeto bolivariano de adaptar-se às condições históricas, sem perder de vista seus princípios fundamentais de justiça social e emancipação popular. Assim, é urgente entender que a Revolução Bolivariana não é apenas um processo político, mas um exercício contínuo de resistência e transformação, onde povo e governo se entrelaçam em uma luta comum contra as forças do capital e pela construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

¨         Trump vs. Maduro, 2º round: o que os EUA querem da Venezuela?

Assessores de Trump revelaram à Axios sob condições de anonimato no sábado (18) que o presidente eleito, que passou boa parte de seu primeiro mandato tentando derrubar o presidente venezuelano Nicolás Maduro, não perdeu sua obsessão em relação à nação latino-americana. A Sputnik explica o que está em jogo no confronto iminente.

·        O que Trump quer?

# A Venezuela tem muito petróleo. Na verdade, com mais de 300 bilhões de barris de reservas comprovadas, o país tem o maior estoque de petróleo inexplorado da Terra.

# Algumas empresas de energia dos EUA e da Europa têm permissão para operar na Venezuela, mas Washington gostaria de desregulamentar suas atividades, reduzir os impostos sobre os lucros e expandir a produção.

# Além do petróleo, a Venezuela tem uma vasta riqueza mineral inexplorada e de terras raras, minério de ferro, ouro, bauxita, diamantes e o metal tecnológico coltan, que o falecido líder venezuelano Hugo Chávez apelidou de "ouro azul".

·        Competição geopolítica

Além dos recursos, a febre de Trump pela Venezuela pode estar relacionada à sua obsessão com o "destino manifesto" de Washington e uma versão do século XXI da Doutrina Monroe. Quer uma, quer outra está repleta de riscos para as nações do Hemisfério Ocidental que buscam escapar da hegemonia dos EUA.

# A Venezuela está fora da órbita dos EUA desde o final dos anos 1990 e forjou parcerias econômicas e de segurança estreitas com a China, o Irã e a Rússia.

# O governo Bush tentou dar um golpe em Chávez em 2002. Em 2018, o ex-assessor de Trump John Bolton rotulou a Venezuela, Cuba e Nicarágua de "Troika da Tirania", sinalizando os planos de Washington de pressionar por uma mudança de regime.

# Em 2019, os EUA aplicaram sanções esmagadoras à gigante petrolífera venezuelana PDVSA, apreendendo bilhões em ativos no exterior e tentando sufocar as exportações.

# Em 2020, uma tentativa bizarra de um grupo de mercenários de sequestrar Maduro, apelidado de "Baía dos Leitões", deu comicamente errado, deixando seis mercenários mortos e 91 capturados, incluindo 2 norte-americanos.

Com Trump se cercando de falcões hostis à Venezuela como Marco Rubio e Mike Waltz, nuvens de tempestade estão se formando para uma nova rodada de confronto entre Washington e Caracas.

 

¨         Venezuela - a depender dos russos, já está dentro, no jogo. Só falta combinar com o “adversário”. Por Maria Luiza Franco Busse

Dez dias separam a posse de dois presidentes no continente americano. Entretanto, não é a demarcação temporal que caracteriza a distância entre as repúblicas do sul e do norte em questão, mas o sentido contrário em que estarão sendo governadas a partir deste janeiro de 2025. Na República Bolivariana da Venezuela, Nicolás Maduro Moros assume o terceiro mandato presidencial reafirmando o compromisso de aprofundar a democracia direta de protagonismo popular iniciada há 26 anos pelo então presidente Hugo Chavez Frias. No Estados Unidos da América, Donald Trump volta em segundo mandato prometendo continuar a política de fazer a América grande outra vez.

Em 1998, Hugo Chávez se elegeu presidente prometendo refundar o país a partir de nova constituição e reverter a Lei dos hidrocarbonetos devolvendo à Venezuela a propriedade sobre as jazidas de petróleo e o direito exclusivo do Estado à atividade de exploração. A constituição referendada pela vontade popular foi promulgada pela Assembleia Nacional e daí nasceu a República Bolivariana da Venezuela. Chávez foi reeleito três vezes e faleceu de câncer no exercício do mandato em 2013. Nicolás Maduro era o vice-presidente, e corre que as últimas palavras de Chávez foram o pedido para que os venezuelanos votassem em Maduro.

A morte de Chávez reascendeu a esperança da oligarquia de voltar ao poder e ao regime democrático que destinava o Estado a atender os interesses exclusivos da classe burguesa. Mas, qual. Nos quatorze anos de afirmação da soberania interna e externa, o poder popular não arredou pé das ruas para garantir seu protagonismo vencendo as recorrentes tentativas da direita e da extrema-direita de derrubar o governo e as violentas ações terroristas dessas mesmas oposições sempre auxiliadas por mercenários externos, sob soldo do imperialismo, que resultaram em muitas mortes de cidadãs e cidadãos venezuelanos.

Maduro tomou posse dia 10 de janeiro com o slogan de campanha “Eu juro com Maduro, pelo futuro”. Depois de formalizar o rito em cerimônia na Assembleia Nacional, o então presidente seguiu para a avenida lateral ao Palácio Miraflores, região central de Caracas, onde era esperado por mais de dois milhões de pessoas. Eram locais, caravanas de outros estados, e representantes de cerca de 125 delegações estrangeiras vindas da Asia, África, Europa, Américas do norte, sul e caribe. Já instalado no palco, o que se assistiu foi o presidente jurando seus compromissos junto com a multidão e dando posse ao povo. De mão erguida, pediu aos presentes que repetissem seu gesto e as palavras que iria proferir. “Juro, como povo bolivariano e chavista; juro, em nome dos libertadores e libertadoras da América; juro, por Guaicapuro; juro, por Pedro Camejo, ‘El Negro Primero’; juro, pelo general-em-chefe Ezequiel Zamora; juro, por nosso comandante supremo Hugo Chávez, lealdade absoluta ao projeto histórico de Bolivar; juro, continuar o processo de construção de uma Venezuela potente, de um novo modelo econômico que nos dê prosperidade, de um modelo social de socialismo e igualdade ; juro, consolidar o poder popular; juro, consolidar a fusão popular militar-policial; e eu juro, combater como guerreiros pela paz qualquer conspiração fascista saia por onde saia; juro, combater, lutar, até vencer o fascismo e as conspirações imperiais; e eu juro, defender o direito da minha pátria à paz e ao futuro; hoje, juro com Maduro, hoje eu juro pela pátria. Ficam vocês juramentados e empossados. Exército de luz para avançar nos anos que virão.”

O que se passa na república bolivariana da Venezuela não é aventura nem bravata. É o cumprimento do programa revolucionário participativo de protagonismo popular e ao mesmo tempo representativo no que diz respeito às funções administrativas corriqueiras dos estados democráticos. E a julgar pelos poderes do povo, o processo está assegurado nos seis anos de mandato que termina em 2031. Maduro já começou a trabalhar instalando comissão para debater uma nova constituinte a ser submetida a referendo popular e chamou todos os 10 partidos para tratar das próximas eleições para os executivos estadual e municipal, e para o legislativo. Seria infame dizer que a revolução bolivariana está madura, mas que dá vontade, dá, pois é assim que ela se apresenta nas práticas diárias e se manifesta nas urnas.

Em relação à governança de Donald Trump, o que se conhece são seus desejos declarados de anexar a Groenlândia, o Canadá e o Canal do Panamá. Voltando à Maduro, o presidente anunciou que vai instalar um destacamento da Guarda Nacional Bolivariana em Essequibo. Também aguarda se tornar membro pleno do BRICS+. Enquanto a demanda não se efetiva, seguem os acordos e as melhores relações com China e Rússia. A propósito, a delegação russa na posse era das mais animadas, formada por 67 jovens assessores e parlamentares do partido Rússia Unida. A depender dos russos, a Venezuela já está dentro, no jogo. Só falta combinar com o “adversário”.

 

Fonte: Por Amanda Harumy, na Opera Mudi/Sputnik Brasil/Brasil 247

 

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