Doença de
Parkinson: perda do olfato é um indicador precoce em 90% dos pacientes
A perda de olfato, ou distúrbio
olfativo, é um dos sintomas mais comuns e desconhecidos da doença de Parkinson, atingindo em torno de 90%
dos pacientes que sofrem da doença, principalmente em seus estágios iniciais.
Esse é o tema estudado pela pesquisadora Laís Soares Rodrigues, do programa de
Fisiologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Em seu estudo, a pesquisadora buscou formas de tratamento para esse sintoma,
compreendendo sua relação com a doença. Descobriu-se que esse sintoma é
essencial para o diagnóstico precoce do Parkinson, podendo ajudar com
tratamentos desde o estágio inicial da doença.
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O que é a doença de Parkinson?
A doença de Parkinson é a
segunda condição degenerativa mais
comum no mundo, sendo a primeira a doença de Alzheimer, e está relacionada à
morte de neurônios responsáveis por produzir e liberar dopamina, de uma região
do cérebro, denominada de substância negra.
A dopamina —neurônios
dopaminérgicos —é um neurotransmissor vinculado a várias funções do corpo, como
o controle dos movimentos. Essa perda característica da doença de Parkinson,
leva aos sintomas mais comuns, como o desequilíbrio, o tremor e a lentidão.
A principal forma de
tratamento da doença é a reposição dopaminérgica, entretanto, o novo estudo de
Laís descobriu que essa forma de tratamento está
relacionada à piora do distúrbio olfativo.
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A perda de olfato
Estudando os mecanismos da
doença de Parkinson, a pesquisadora da UFPR descobriu que a perda de olfato
surge no início da condição, até antes do distúrbio motor, contudo é
dificilmente percebido ou reconhecido como um sintoma dessa doença, levando à
uma prorrogação do diagnóstico. Ainda, o próprio tratamento para esse sintoma é
inexistente, o que compromete a qualidade de vida dos pacientes.
Ao longo do estudo, Laís
concluiu que o distúrbio olfatório estaria
relacionado ao aumento —e não à diminuição —de neurônios dopaminérgicos, da
região cerebral denominada bulbo olfatório. Ou seja, diferente dos outros
sintomas do Parkinson relacionados à perda desses neurônios na área da
substância negra, a perda de olfato está relacionada ao seu aumento no bulbo
olfatório. Dessa maneira, até o próprio tratamento da doença, baseado na
reposição da dopamina, estaria piorando esse sintoma.
Como criar um tratamento para esse sintoma, então?
A pesquisadora decidiu testar diferentes formas de terapia, buscando alguma que
não comprometesse o restante do tratamento do Parkinson e ainda ajudasse nesse
sintoma.
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As terapias para perda de olfato
Testando diferentes terapias
em ratos com distúrbio olfatório decorrente do Parkinson, Laís analisou o
mecanismo delas, buscando novas formas de tratar e diagnosticar a
doença. Investigando os efeitos de diferentes substâncias sobre o bulbo olfatório nesses
ratos —preparados com uma pesticida (rotenona), vinculada ao distúrbio
olfatório —a cientista dividiu os animais em quatro grupos, cada um com uma
diferente terapia:
- Cafeína
- Vitamina b9
- Nicotina
- Vitamina
b12
Além desses quatro grupos,
tivemos um que não foi testado nenhuma terapia —o grupo de controle. O
estudo provou que os ratos tratados com cafeína e vitamina b9 apresentaram
melhora no distúrbio olfatório, enquanto os dos outros dois grupos (nicotina e
vitamina b12) não apresentaram bons resultados.
A partir disso, a
pesquisadora seguirá investigando essas duas terapias que obtiveram bons
resultados, para futuramente iniciar experimentos em humanos. Laís Rodrigues
está no ramo de pesquisa do Parkinson há 14 anos. Sendo o distúrbio olfatório
um dos primeiros sinais da doença, a pesquisadora afirma que identificá-lo o
quanto antes contribuirá significativamente para o diagnóstico precoce.
Em entrevista para a equipe da IstoÉ
Bem-estar, a pesquisadora Laís Rodrigues trouxe outras contribuições sobre sua
pesquisa e o futuro do tratamento da doença de Parkinson.
LEIA A ENTREVISTA:
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Na sua pesquisa você
utilizou 4 substâncias para os testes: cafeína, vitamina B9, nicotina e
vitamina B12. A cafeína e a vitamina B9 foram as quais a terapia apresentou
melhora. Qual seria os próximos passos dessas terapias, pensando no tratamento
humano?
Laís. Ainda é necessário um longo caminho na pesquisa básica (com animais)
para confirmar os mecanismos de ação dessas substâncias e avaliar sua
segurança/toxicidade/via de administração. Depois disso, serão necessários
ensaios clínicos (em humanos) para avaliar novamente a segurança e a eficácia
das substâncias, entre outros fatores. Após muitos ensaios, se forem
consideradas substâncias seguras e eficazes, poderão compor o tratamento dos
pacientes no início da doença de Parkinson, para melhorar a qualidade de vida
desses pacientes, restaurando a função olfatória.
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Qual a relação da cafeína
e da vitamina B9 com a produção de dopamina no bulbo olfatório, e por que há
uma melhora na perda de olfato?
Laís. Para entendermos a sua função, precisamos entender como ocorre o
prejuízo olfatório no modelo animal que estudamos e também em humanos. Quando
pensamos em Doença de Parkinson, pensamos em morte de neurônios dopaminérgicos
e redução de dopamina, certo? Porém, isso ocorre em determinada região do
cérebro dos pacientes, chamada substância negra pars compacta.
Com a morte de neurônios
dopaminérgicos nessa região, ocorre a redução da liberação de dopamina em
outras regiões, como no estriado. Essa via nigro-estriatal é a mais
classicamente envolvida com a função nos movimentos do nosso corpo. Agora,
quando a gente pensa em olfação, pensamos em outra região do cérebro chamada
bulbo olfatório, que é a principal estrutura relacionada à detecção de odores e
que também envia informações para diferentes regiões do cérebro responsáveis
por decodificar e identificar odores.
Quando a morte neuronal
ocorre na substância negra, parece haver uma compensação lá no bulbo olfatório
(uma das poucas regiões do cérebro onde há neurogênese —formação de novos neurônios
—também na fase adulta). Dessa forma, ocorre um aumento no número de neurônios
dopaminérgicos no bulbo. Com isso, ocorre um desbalanço dopaminérgico, que
passa a favorecer respostas inibitórias e causar a hiposmia ou anosmia.
Os mecanismos exatos pelos
quais essas substâncias agem na função olfatória ainda estão sendo
investigados. No momento estamos avaliando a modulação de receptores do tipo
IGF-1 do bulbo olfatório (um dos fatores responsáveis pela neurogênese).
Portanto, pode não ser uma ação dopaminérgica direta a envolvida, mas sim de
fatores de crescimento que contribuem para a neurogênese de neurônios
dopaminérgicos nesta região. Acreditamos que essas substâncias tenham o
potencial de bloquear ou reduzir a neurogênese no bulbo olfatório, e, dessa
forma, restabelecer o equilíbrio do número de neurônios e, consequentemente, de
dopamina liberada. E, por fim, restaurar a função olfatória perdida com o
desequilíbrio dopaminérgico.
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Como podemos identificar
essa perda olfativa? Quando ter certeza que há de fato uma perda e não algo
momentâneo, como em casos de Covid-19 e resfriados comuns que levam à perda
olfativa?
Laís. Muitas vezes demoramos para identificar uma perda olfativa crônica.
Normalmente nos damos conta ao não sentirmos mais os sabores como sentíamos
anteriormente ou até mesmo alguns odores. Isso pode ser considerado até uma
questão de segurança, quando não conseguimos detectar cheiros de vazamento de
gás, ou de fumaça ou de um alimento estragado. A perda olfativa da doença de
Parkinson é progressiva e não volta ao normal, enquanto a causada pela COVID é
passageira. Porém, mesmo a anosmia crônica, pode ter diversas causas não
relacionadas à Doença de Parkinson. Este é o principal motivo para a
padronização de um teste olfatório diagnóstico, onde conseguimos diferenciar
essas causas e dizer ao paciente qual a razão da sua perda olfatória
específica. Existem alguns testes diagnósticos no mundo, porém, odores são
culturais, e isso quer dizer que nesses testes precisamos identificar odores.
Odores desconhecidos, de outras regiões do mundo, não serão identificados por
brasileiros talvez. Isso pode levar a um diagnóstico falso. O ideal seria
termos testes diagnósticos nacionais ou até mesmo regionais.
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Há algum teste para
confirmar essa perda?
Laís. No momento, existem testes diagnósticos de identificação olfatória, mas
muito raramente são utilizados na clínica em nosso país. Isso se deve também ao
fato de que o diagnóstico clínico ainda não considera o distúrbio olfatório
como um sinal prodrômico da doença de Parkinson, tornando assim muito difícil a
sua identificação. O paciente normalmente só é diagnosticado com Parkinson
quando se encontra em fases avançadas de neurodegeneração, onde apresenta os
sinais motores como o tremor em repouso.
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Descobrindo
esses sinais precocemente é possível entrar em qual tipo de tratamento para
diminuir os sintomas do Parkinson e ainda manter o olfato?
Laís. Infelizmente ainda não há tratamento que impeça a progressão da
degeneração e nenhum tratamento para o distúrbio olfatório. Por essa razão,
além de investigarmos como diagnosticar precocemente a doença, também estudamos
possíveis alvos terapêuticos pensando especificamente no distúrbio olfatório e,
consequentemente, melhorar a qualidade de vida do paciente.
Fonte: IstoÉ Bem-estar
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