Como se livrar do Instagram, WhatsApp e Facebook?
Você pula onda, veste branco, acompanha os fogos na
virada, deseja um feliz ano novo pra geral. Aquela sensação boa de frescor, de
novidade, domina os ares e você pensa no quanto tem coisa para mudar e
melhorar. Ano novo, novo mundo (no que for possível, claro).
Aí chega a manhã do dia 1 de janeiro e você abre suas
redes sociais. O “mundo velho”, pipoca na sua pobre cara ressacada:
terríveis assassinatos de
trabalhadores do MST; cidades não preparadas para as chuvas; mortes provocadas
não pelas chuvas, mas por inabilidade e corrupção; declarações bisonhas de um
ex-presidente que felizmente está inelegível.
Entre as notícias, muita, muita publicidade. Também há
muito “conteúdo sugerido” trazendo reflexões com a profundidade de um pires
furado.
Há ainda muita inteligência artificial criando um
batalhão padronizado de criaturas brancas, magras, jovens, todas elas servindo
de modelo para gente de verdade. Um mar formado
por “clean girls”, Salmos, Dubai,
tigrinhos e bets.
Confesso que, nessa aurora de 2025, isso me incomodou
como nunca: como vou passar outro ano enfiada aqui, provavelmente mais
distraída do que informada? Vivendo esse grande misto de 2016 (Trump, cuja
posse acontece hoje), 2022 (“a esquerda não sabe se comunicar”) e 1950 (tradwifes)? Outro ano
servindo de produto premium para basicamente uma empresa, a Meta, que detém
Instagram, Threads, Facebook e WhatsApp juntos (tenho contas em todas elas)?
Dias depois do meu desconforto, veio a bomba: era 7 de
janeiro e Mark Zuckerberg, dono da companhia citada e aparecendo com um
dos bronzeados mais bizarros
que já vi na vida, informava o fim das checagens de notícias nas redes
sociais da sua empresa.
<><> Vocês provavelmente já leram sobre
isso, então vamos já colocando a coisa em números:
1. O Facebook continua sendo a rede social mais
utilizada pela população mundial: tem mais de 2,95 bilhões de contas ativas,
109 milhões delas no Brasil.
2. O WhatsApp é utilizado por 147 milhões de pessoas no
Brasil, o equivalente a 99% dos brasileiros online. O país é o segundo no
mundo em número de contas do aplicativo, perdendo somente para a Índia
(governada por um presidente apoiador de
Trump, a mesma Índia na qual pessoas já morreram linchadas após a
divulgação de notícias falsas no WhatsApp). A empresa informou, em
2020, possuir 2 bilhões de usuários
no mundo, e desde então não atualizou o número. Estima-se que hoje sejam 2,2
bilhões de contas ativas.
3. O Instagram aparece na quarta posição entre as
plataformas de mídia social mais utilizadas no mundo: tem 1 bilhão de usuários
ativos mensais. No Brasil, eram 134,6 milhões de usuários em janeiro de 2024,
ou 62% da população. O país é o terceiro com o maior número de usuários na rede
de vídeos e fotos do Zucka, atrás, de novo, da Índia e ainda dos Estados Unidos.
4. A Meta AI, disponível no WhatsApp, Instagram e
Facebook já conta, segundo a Meta, com mais de 500 milhões de usuários ativos
mensais em todo o mundo.
5. O Threads, concorrente do X, tem 275 milhões de usuários ativos ao mês
em todo mundo. Tem mais dados nesse bom levantamento aqui.
O que Zuckerberg diz: vai liberar, para nove bilhões de contas ao redor do planeta (número
maior do que a própria população mundial), muita desinformação, preconceito e
violência.
Não somente visando o óbvio lucro, mas encampando uma
cruzada ideológica com cheirinho de incel, uma vez que suas críticas ao que
chama de ataques à “masculinidade” são muitas. Uma
pessoa com 211,1 bilhões de dólares de patrimônio (Forbes) e não paga uma boa terapia, gente.
Dizer que falta “energia masculina” em um mundo
hoje coalhado de guerras é uma
insanidade.
Zuck orgulhosamente assumiu em praça pública que faz
parte de um poderoso grupo identitário formado por homens heterossexuais no
Norte Global, multi-bilionários, ressentidos e brancos (ou laranjas, é
verdade): Elon Musk (X, Tesla, etc), Jeff Bezos (Amazon,
Washington Post, etc), Sam Altman (OpenAI) e o
citado Donald Trump (EUA, Mar-a-Lago, Trump Media & Technology Group, etc).
Obviamente, o oportunismo do criador da Meta dobrou meu
mal estar digital naquela manhã de um ano nada novo: eu, assim como
provavelmente você, vi as declarações de suas decisões enquanto usava uma das
redes sociais que o tornam muito bilionário. Entregava meu tempo e dados para
uma empresa que atua, e não é de hoje, essencialmente contra pessoas como eu.
Temos aí a grande questão: nós, que seguimos perspectivas progressistas/
democráticas, vamos continuar a monetizar empresas que não veem problema na
promoção do racismo, da transfobia, da xenofobia, do machismo, etc?
A contradição entre ser progressista e utilizar redes
sociais cujos proprietários manifestam alinhamento com figuras políticas da
extrema-direita, como Donald Trump, evidencia como nunca as tensões e os
dilemas éticos da era digital.
De um lado, muitos usuários defendem valores como
justiça social, inclusão e direitos humanos; de outro, essas mesmas plataformas
— Meta, X, Amazon e outras — frequentemente são controladas por indivíduos ou
corporações com interesses políticos e econômicos que contradizem essas questões.
Não só: eles militam contra todas elas e investem dinheiro nisso.
·
Seremos cúmplices desses homens?
Depois de usar bastante aplicativos como Facebook e
Instagram, a aposentada Katiane Prazim, que trabalhou durante mais de três
décadas com tecnologia da informação, desinstalou não somente as redes citadas,
como ainda o Threads. O Instagram foi abandonado anteriormente, no início do
conflito entre Hamas e Israel, em 2023.
O app voltou ao telefone de Katiane durante um período
de férias, mas já foi novamente para o lixo após Zuckerberg se assumir como
militante da extrema-direita, como diz a própria. Abaixo, ela conta sobre sua
longa relação com as redes sociais digitais – e o começo do abandono das
mesmas:
“Eu me
considero uma usuária pioneira da internet, porque comecei pelo BBS e, mesmo
antes, usava uma rede francesa que eu nem lembro mais o nome, que obviamente só
funcionava com endereços dentro da França e tal. Quando surgiu o protocolo www
e os primeiros sites em html eu estava grávida e aproveitamos para divulgar
fotos e notícias da gravidez para a família num site próprio. Fiquei viciada
nos blogs nos anos 2000, adorava o Orkut e tive o meu próprio blog assim que
surgiu o Tumblr. Tive conta de e-mail no primeiro provedor de internet
brasileiro, o Mandic. Fiz amigos e conheci muita gente através dos blogs, mas
nunca fui usuária de chats, assim como nunca tive conta no Tik Tok. Fui das
primeiras usuárias do Facebook, das primeiras usuárias do Instagram, quando era
uma plataforma muito boa para postagem de fotos (melhor do que o Fotolog e o
Pinterest). Não usava muito o Twitter, mas tinha conta desde o início, quando
havia a limitação de caracteres. Gostava de acompanhar as notícias e as
repercussões, geralmente engraçadas do Twitter. Havia uma leveza e uma irreverência
nas redes, que foi gradativamente sendo perdida quando começou a ser usada,
inicialmente pela esquerda, para fins políticos e, depois, quando a direita
invadiu com seu rancor, ódio e mentiras. Nos últimos anos, quando o Instagram
começou a colocar anúncios e depois reels, sugestões de sites, o negócio
degringolou de vez. Agora, com as redes sociais completamente sequestradas pela
extrema-direita, perdi a graça em ser um instrumento disso. É uma atitude
política mesmo, uma revolta pessoal, que eu gostaria que se estendesse a mais
pessoas e conseguisse abalar de alguma forma esse controle sobre nossas vidas.”
- Katiane Prazim
Conversei com a diretora de comunicação da
organização Redes Cordiais, Ana d’ Angelo,
com quem dividi minha agonia e minha alma ressacada. Ela nos dá uma excelente
imagem sobre o que se passa em nossas telas: “as redes sociais formaram um
condomínio privado dentro da internet, e é como se vivêssemos e circulássemos
nele”. Pois é.
Para ela, a tática do boicote, simplesmente sair das
redes, não é a melhor escolha, muito embora este seja um dos primeiros
impulsos.
“Em momentos extremos, de crise, sempre há também
resistência, e as redes sociais não vão fugir disso. Elas também imprimem muito
do que a gente é, sonha, gosta, pretende. Acho que há brechas, a gente
não vai poder ficar de braços cruzados. Investir em educação midiática,
jornalismo de qualidade, regulação via organismos internacionais, fortalecer
alianças dos países que são grandes usuários de redes sociais no Sul Global,
como G20 e Brics”, diz d’Angelo.
É bom lembrar que Zuckerberg se referiu
especificamente, ao “controle excessivo” das redes vindo dos países
latino-americanos. O ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de
Moares recebeu o recado.
Ana traz um ponto importante aqui: apesar de seu potencial
destruidor, as redes sociais são também ferramentas quase indispensáveis para a
mobilização política, compartilhamento de ideias e construção de comunidades.
Assim, boicotar essas plataformas pode significar a perda de alcance e
relevância em debates cruciais.
Um caminho interessante é a descentralização das redes
sociais, cooperativas e de código aberto. Projetos como Mastodon e outras
iniciativas da federação Fediverse, que voltou à
baila após ter aparecido nas redes no contexto da compra do Twitter por Musk,
buscam oferecer ambientes digitais mais alinhados aos ideais
progressistas.
A adesão a essas alternativas, no entanto, ainda é
muito limitada: não é brincadeira competir com a
força gravitacional dos gigantes da tecnologia.
Usuário hard das redes sociais e abertamente de
esquerda, o filósofo João Maria Tavares se vê nesse lugar incômodo e entende
que as redes sociais fazem parte de um processo mais amplo do que chamamos de
capitalismo.
“Nossas formas de se relacionar com o mundo são há muito
mediadas por estratégias que visam o lucro. As redes trazem comodidade,
satisfazem desejos (que podem ter sido criados por elas) e nos tornam muito
vulneráveis ao controle. Por isso, somos críticos e ao mesmo tempo usuários: é
um mecanismo que sacia nossos desejos e facilita a nossa vida e ao mesmo tempo
que controla parte dela”, diz Tavares.
Ele entende que o uso contínuo dessas redes por
progressistas levanta questionamentos sobre coerência ética. Afinal, como
justificar a participação em ecossistemas digitais que não apenas lucram com a
divisão social, mas também fornecem megafones para ideias retrógradas?
A resposta a essa pergunta revela uma profunda
dificuldade em se desvencilhar das infraestruturas de comunicação que moldam o
mundo contemporâneo. Mas tem gente muito foda que sabe: rede social
também se faz no face a face.
·
O offline e a igreja
Mais cansada de guerra do que Tereza Batista (se não catou a ref, vem aqui), fui ouvir uma
das jornalistas e comunicadoras mais relevantes da atualidade no país, Martihene Oliveira.
Ela criou, ao lado de Gilberto Luiz, também jornalista,
o coletivo Sargento Perifa. O nome deriva da
própria comunidade, o Córrego do Sargento, no bairro da Linha do Tiro, zona
norte de Recife.
O coletivo já realizou projetos como o Muda Sargento,
Alfabetiza Sargento e Sargento em Movimento, além de cursos de formação de
jovens comunicadoras/es. Possuem grupos no WhatsApp e, claro, perfis nas redes
sociais. Mas há outras estratégias que sustentam esse trabalho de base.
Martihene me conta que, das 372 famílias da comunidade,
306 são cadastradas no Perifa, que termina sendo um equipamento cultural
importantíssimo em um local que só veio ter seu primeiro equipamento
público no fim de 2023, uma praça.
“Se a gente ficasse só nas redes sociais, o Perifa não
teria sentido e não faria o efeito que faz na comunidade. A gente ia acabar
fazendo mais do mesmo porque não conseguimos convencer sempre os moradores de
que uma mentira das redes é mentira através de um vídeo, por exemplo. Sem falar
que as redes não entregam nosso conteúdo sempre. O efeito mais rápido, e que
talvez seja tão trabalhoso quanto, é a partir da comunicação olho no olho
mesmo. É com minha vivência, que é parecida com a vivência de Janaína, mulher
negra da comunidade que me conhece e que tem a mesma idade, que vou convencer
as pessoas de que uma mentira é mentira. Essa é a mesma regra utilizada pelos
pastores e lideranças religiosas, por exemplo. Tem dado certo”, explica.
A jornalista toca em um ponto central aí: a assimilação
de uma comunicação que se dá, também seguindo o modo de aproximação que as
igrejas há tanto realizam no país, sejam elas católicas ou evangélicas.
“Minha expectativa é focar no offline”, diz, lembrando que
muitos dos pastores que propagam fake news são também pessoas pobres,
periféricas e vítimas desse fenômeno. O trabalho, claro, não é fácil.
“Nós somos claramente um veículo de esquerda, mas não
estamos envolvidos em política partidária. Uma exceção foram as eleições
de 2022, quando os jornalistas do Perifa se posicionaram a favor de Lula.
Sofremos muito hate, até ameaças de morte”, relata Martihene.
É nesse ambiente conflagrado que a disputa pela
comunicação vai continuar a acontecer. Por isso, em vez de gastarmos toda
nossa energia – feminina, masculina, não-binária, vegetal, o que for – olhando
apenas para a cara de Zuckerberg e seus colegas, talvez seja mais importante
prestar máxima atenção no que coletivos como o Sargento Perifa estão fazendo e
multiplicar tais estratégias.
Não tem salvação prometida, mas não é somente
compartilhando nosso horror e insatisfação com as Meta da vida que vamos fazer
diferença nesse jogo.
Os nossos dados eles já têm, agora é aprender (melhor)
a produzir contra discurso a partir de dentro e de fora do próprio condomínio.
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