terça-feira, 21 de janeiro de 2025

‘Com Trump no poder, big techs tentarão ampliar sua influência no Brasil’, prevê  sociólogo

O segundo mandato presidencial de Donald Trump nos Estados Unidos, iniciado nesta segunda-feira (20/01), deve ser marcado por uma maior influência das big techs nas políticas do país, mas o reflexo dessa aliança entre o mandatário republicano e os grandes empresários do Vale do Silício, com o avanço das medidas que interessam a esse setor, deve se concretizar não só no país norte-americano como no mundo inteiro, e certamente no Brasil.

Em entrevista exclusiva a Opera Mundi, o sociólogo Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC (UFABC) e presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, afirmou que, neste novo governo de Trump, “nós veremos uma forte pressão por parte de figuras como Mark Zuckerberg e Elon Musk, obviamente com o apoio do governo norte-americano, para que o Congresso Nacional brasileiro, que tem forças de extrema direita em sua composição, consiga bloquear o Judiciário, ou seja, bloquear a aplicação das leis”.

“Talvez os Estados Unidos escolham o caminho de buscar uma relação protocolar com o Brasil, ao menos no início, mas em algum momento nós certamente veremos ações de agências governamentais norte-americanas em apoio à extrema-direita brasileira”, acrescentou.

Formando em Ciências Sociais, com de mestrado e doutorado em Ciências Políticas, todos pela Universidade de São Paulo (USP), Amadeu acredita que “o movimento de extrema direita a nível internacional está mais forte com este retorno ao poder nos Estados Unidos”.

 “Se analisamos as disputas eleitorais destes últimos dois ou três anos, nós vemos vitórias importantes e uma dinâmica constante de conquista de espaço, porque mesmo onde essa extrema direita perde ela consegue construir ou preservar uma trincheira política. No Brasil, por exemplo, ela perdeu o poder com a derrota do bolsonarismo em 2022, mas continua sendo um setor muito forte”, comentou o acadêmico.

Sobre as rusgas expressadas recentemente entre Elon Musk e Steve Bannon, dois dois principais aliados do mandatário de extrema direita, Amadeu disse que “Bannon se sente incomodado com a chegada do Elon Musk a esse núcleo trumpista porque o Musk não quer ser só um empresário, ele claramente está querendo alçar voos políticos muito maiores”.

“É próprio da extrema direita essa dinâmica de ir criando inimigos a cada momento, e nos Estados Unidos acontece o mesmo, eles estão brigando agora, mas podem se alinhar novamente se os interesses convergirem. O fato é que a extrema direita está forte, chega muito mais forte à Casa Branca agora, e por conta disso nós temos uma disputa que tende a ser acirrada nestes primeiros meses do novo governo Trump”, ressaltou o sociólogo, conhecido como um dos principais defensores do software livre e da inclusão digital no Brasil.

<><> Leia a entrevista na íntegra:

·        Este novo governo de Donald Trump deve retomar as políticas adotadas no primeiro mandato do republicano, ou será diferente?

Sérgio Amadeu: Neste segundo mandato, Trump chega com muito mais clareza sobre onde ele deve atuar para fazer as mudanças que as classes dominantes e os neoliberais pretendem. A extrema direita tem hoje, nos Estados Unidos, uma pegada muito forte de destruição de direitos e de enfrentamento dos interesses das classes médias mais pauperizadas. Esses setores querem reorganizar o fundo público para financiar o grande capital, por isso estão atraindo tanto apoio da classe dominante norte-americana. Porém, isso vai gerar uma concentração de renda ainda maior.

Essa extrema direita quer uma atuação ainda mais forte nas questões de valores e vão ampliar a violência discursiva contra os que eles apontam como “grandes inimigos” dos Estados Unidos, para colocar a culpa de todas as mazelas do país nesses supostos perigos. Um desses grandes inimigos é a China, o outro são os imigrantes. Vai haver uma ampliação importante da narrativa nesse sentido.

Do ponto de vista das plataformas digitais, nós já estamos vendo uma movimentação importante entre as empresas do Vale do Silício. Aqueles que tinham preferência ou que tinham algum diálogo com o Partido Democrata estão abandonando o governo que está por terminar e aderindo não ao Partido Republicano mas sim à extrema direita. Nós vimos o caso do Mark Zuckerberg, mas isso não é algo novo. Vários outros líderes empresariais estão defendendo o projeto trumpista.

Outro detalhe importante é que, embora esses setores gostem muito de falar em liberdade, o fato é que eles foram para cima da Bytedance para forçar a venda do controle da operação norte-americana do TikTok para empresários norte-americanos. Isso equivale a uma ação mafiosa. É como o sujeito armado que entra na sua loja e diz “agora essa loja vai ser minha porque ela está dando muito dinheiro e eu quero ela para mim”. É a agressividade e o cinismo como prática política, junto com uma robusta estratégia da desinformação.

·        As rusgas expressadas recentemente entre Steve Bannon e Elon Musk podem ser um indício de certa divisão na base trumpista às vésperas da posse? Qual deles deve ter maior influência no novo governo? Que outros setores chegam fortalecidos?

É tradicional na extrema direita norte-americana, e até mesmo da extrema direita brasileira, a necessidade de criar inimigos internos que precisam ser combatidos em nome da manutenção da causa, em nome da existência do seu conglomerado em si, ou das políticas e dos valores reacionários que ela defende.

Nesse contexto, é óbvio que o Bannon se sente incomodado com a chegada do Elon Musk a esse núcleo trumpista, porque o Musk não quer ser só um empresário. Nós estamos vendo, desde o ano passado, que ele vem tentando se colocar na posição de um líder político. Não está preocupado com a saúde financeira do país ou da sua própria empresa, ou com o bom relacionamento que uma empresa precisa ter com um governo. Ele claramente está querendo alçar voos políticos muito maiores. Apesar de ser sul-africano, talvez ele sonhe em ser presidente dos Estados Unidos, algo que, ao menos por enquanto, a legislação norte-americana não permite.

Portanto, o que temos aqui entre Bannon e Musk é uma disputa de espaço político, e isso já aconteceu no primeiro mandato do Trump. Aliás, durante aquela gestão, o próprio Bannon foi defenestrado. No começo, ele chegou a adquirir uma posição central no governo, mas depois, se não me engano após o caso de Charlottesville (manifestação antirracista em agosto de 2017), houve um confronto entre a extrema direita e as forças democráticas, uma pessoa morreu, e ele acabou sendo retirado do governo. Depois disso, o Bannon até saiu dos Estados Unidos por um tempo, foi para a Europa, passou a ser uma espécie de porta-voz dessa nova extrema direita.

Mas as disputas no interior desses grupos, no ambiente da política interna norte-americana, não têm como objetivo a defesa de um certo convívio, mesmo um convívio interno dentro do próprio setor. São sempre disputas que visam a eliminação do outro. Nós vimos isso no Brasil durante o governo Bolsonaro: primeiro ele trouxe o Sérgio Moro para o Ministério da Justiça, depois o eliminou junto com o general Santos Cruz, o próprio Moro se colocou em algum momento como adversário do Jair Bolsonaro, depois recuou. Enfim, é próprio da extrema direita essa dinâmica de ir criando inimigos a cada momento, e nos Estados Unidos acontece o mesmo, eles estão brigando agora, mas podem se alinhar novamente se os interesses convergirem.

O fato é que a extrema direita está forte, chega muito mais forte à Casa Branca agora, e por conta disso nós temos uma disputa que tende a ser acirrada nestes primeiros meses do novo governo Trump, mas que não vai ser a única disputa. Eles vão seguir nessa dinâmica de criar inimigos, às vezes até entre si.

·        As mudanças anunciadas na Meta pelo próprio Mark Zuckerberg significam que é a empresa que está se sujeitando ao novo governo, ou você acha que, pelo contrário, a Meta visa se adaptar para buscar ter mais influência e sujeitar o futuro governo aos seus interesses?

As big techs têm um DNA que é baseado na coleta de dados dos seus usuários para poder tratá-los com redes neurais artificiais, com deep learning, e tentar construir amostras que permitam modular a tensão desses usuários, para atingir melhor esses usuários. Por isso essas big techs não param de coletar dados, o tempo todo, da maior parte das pessoas, mesmo as que não sejam usuários das suas redes. Elas buscam ampliar os seus tentáculos para atuar dentro dessa economia da tensão, moldando o comportamento das pessoas.

Esses grupos trabalham dentro das redes sociais online com algoritmos que privilegiam a espetacularização. A prioridade nunca foi a qualidade da informação. O sistema é feito para privilegiar a informação que vai gerar mais curiosidade, mais engajamento, manter as pessoas por mais tempo observando aquele conteúdo, pois assim elas também são observadas por mais tempo.

Quando Elon Musk e Donald Trump dizem que não deve haver nenhum limite à postagem de conteúdos nas redes, quando o Zuckerberg diz que isso é liberdade de expressão, na verdade, todos estão trabalhando para criar um cenário que é muito confortável para essas plataformas.

Devemos lembrar que quem obrigou essas plataformas a fazerem checagem de fatos foi a sociedade civil, foram as democracias. Por livre e espontânea vontade, eles tinham suas regras de comunidade, suas regras de conduta, mas que nunca tiveram como objetivo combater a desinformação. O objetivo era manter determinados tipo de conduta que gerassem mais monetização e prendessem por mais tempo a atenção dos usuários dentro da plataforma.

Portanto, não é nenhuma surpresa ver o Zuckerberg aderir ao trumpismo a ponto de dizer que não tem nenhum interesse na qualidade da informação, ou em uma informação que garanta um debate baseado em fatos, para que a democracia possa ser baseada em uma realidade que a sociedade está vivendo. Não, a extrema direita defende que o debate não seja sustentado na realidade e sim nos valores que eles promovem, em valores reacionários.

O Zuckerberg não é um democrata que está se escondendo e que agora quer ter influência no governo Trump. Ele é um empresário do Vale do Silício, que criou uma rede social online, depois criou um império com base nos ditames neoliberais e na gestão voltada a uma aposta clara na monetização. Ele sabe que em alguns países ele terá que se adequar, como é o caso do Brasil. Ele vai ter que recuar, cumprir as ordens judiciais, respeitar a legislação brasileira.

·        Nos próximos quatro anos de governo Trump veremos uma ampliação dos algoritmos e sistemas tecnológicos que têm favorecido a disseminação do ideário de extrema direita a partir dessas plataformas? Como isso pode afetar o Brasil?

As forças da extrema direita continuarão apostando na estratégia política da desinformação, em um debate no qual os fatos são anulados e a discussão pública gira em torno das questões que eles mesmo pautam, promovendo um conceito de família que é extremamente autoritário, uma ideia de mundo que nunca existiu na realidade. As redes sociais dão cobertura para isso e vai continuar sendo assim.

No caso do Brasil, nós veremos uma forte pressão por parte de figuras como Mark Zuckerberg e Elon Musk, obviamente com o apoio do governo norte-americano, para que o Congresso Nacional brasileiro, que tem forças de extrema direita em sua composição, consiga bloquear o Judiciário, ou seja, bloquear a aplicação das leis.

Hoje em dia, combater a desinformação e regular as plataformas das big techs são praticamente sinônimo de enfrentar a extrema direita, porque essas empresas não só utilizam sua força econômica, política e cultural, que não são pequenas, mas também estão se aproveitando dessa aliança com a extrema direita norte-americana, e no caso do Brasil essa aliança é com o chamado centrão e com a extrema direita local.

·        Em algumas entrevistas recentes, Trump deu a entender que a China será seu principal adversário no cenário geopolítico. Deve-se esperar uma maior confrontação entre Washington e Pequim nos próximos anos? A questão tecnológica terá um papel central nessa disputa?

O governo Trump vai atuar fortemente para mobilizar a sociedade norte-americana a favor das políticas direcionadas aos inimigos criados pelo seu discurso, que são a China e os imigrantes, com um relato baseado na ideia de que são estes dois inimigos os que impedem os Estados Unidos de exercer a sua vocação de líder mundial.

Para isso, Trump tem a intenção de se apoiar nas big techs, aproveitando também a sinalização de empresários como o Zuckerberg. E, curiosamente, as big techs que têm interesses no ramo do entretenimento, das comunicações e da tecnologia estão abocanhando cada vez mais fatias dos orçamentos militares nos Estados Unidos.

Também os empresários da indústria da guerra, que não eram tão ligados ao Partido Republicano, ultimamente mantinham mais vínculos com o Partido Democrata, mas agora estão se aproximando do Trump através das big techs.

E esse é um setor muito ligado a grupos de extrema direita com grande influência em alguns países da América do Sul. Eles vão atuar por aqui, como sempre atuaram, até porque os Estados Unidos sempre consideraram o Brasil como um país de importância estratégica, e que, portanto, precisa estar sempre submetido aos ditames norte-americanos, e essa atuação deverá aproveitar o fato de que agora eles têm o Elon Musk no governo, que deverá ajudar a extrema direita brasileira não só com ações visíveis como também com ações invisíveis,

·        Como o Brasil pode ser afetado com a mudança de governo dos Estados Unidos, seja pela política para a América Latina ou até pela aproximação ideológica entre o novo governo e a oposição bolsonarista a Lula?

O movimento de extrema direita a nível internacional está mais forte com este retorno ao poder nos Estados Unidos. Se analisamos as disputas eleitorais destes últimos dois ou três anos, nós vemos vitórias importantes e uma dinâmica constante de conquista de espaço, porque mesmo onde essa extrema direita perde ela consegue construir ou preservar uma trincheira política. No Brasil, por exemplo, ela perdeu o poder com a derrota do bolsonarismo em 2022, mas continua sendo um setor muito forte.

Sobre a relação entre os governos de Trump e Lula, talvez os Estados Unidos escolham o caminho de buscar uma relação protocolar com o Brasil, ao menos no início, mas em algum momento nós certamente veremos ações de agências governamentais norte-americanas em apoio à extrema-direita brasileira.

Se daqui a dois anos, Trump conseguir impor um governo aliado ao seu projeto no Brasil isso será lido como uma vitória pessoal dele. Além disso, dependendo de como se der essa possível vitória, os Estados Unidos podem ter aqui um governo que seguirá as determinações do seu projeto com relação à China.

Claro que existem diferenças brutais entre Brasil e Estados Unidos, e também o fato de que a China é o maior parceiro comercial do Brasil, mas até por isso o Brasil seria um aliado importante para essa ofensiva, por isso eu creio que haverá uma atuação muito forte dos Estados Unidos visando levar a extrema direita de volta ao poder por aqui.

 

Fonte: Ópea Mundi

 

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