‘Com Trump no
poder, big techs tentarão ampliar sua influência no Brasil’, prevê sociólogo
O segundo mandato
presidencial de Donald Trump nos Estados Unidos, iniciado nesta
segunda-feira (20/01),
deve ser marcado por uma maior influência das big techs nas políticas do país,
mas o reflexo dessa aliança entre o mandatário republicano e os grandes
empresários do Vale do Silício, com o avanço das medidas que interessam a esse
setor, deve se concretizar não só no país norte-americano como no mundo
inteiro, e certamente no Brasil.
Em entrevista
exclusiva a Opera Mundi, o sociólogo Sérgio Amadeu, professor da
Universidade Federal do ABC (UFABC) e presidente do Instituto Nacional de
Tecnologia da Informação, afirmou que, neste novo governo de Trump, “nós
veremos uma forte pressão
por parte de figuras como Mark Zuckerberg e Elon Musk, obviamente com o
apoio do governo norte-americano, para que o Congresso Nacional
brasileiro, que tem forças de extrema direita em sua composição, consiga
bloquear o Judiciário, ou seja, bloquear a aplicação das leis”.
“Talvez os Estados
Unidos escolham o caminho de buscar uma relação protocolar com o Brasil, ao
menos no início, mas em algum momento nós certamente veremos ações de agências
governamentais norte-americanas em apoio à
extrema-direita brasileira”, acrescentou.
Formando em Ciências Sociais, com de mestrado e doutorado em Ciências
Políticas, todos pela Universidade de São Paulo (USP), Amadeu acredita que “o
movimento de extrema direita a nível internacional está mais forte com este
retorno ao poder nos Estados Unidos”.
“Se analisamos as disputas
eleitorais destes últimos dois ou três anos, nós vemos vitórias importantes e
uma dinâmica constante de conquista de espaço, porque mesmo onde essa extrema
direita perde ela consegue construir ou preservar uma trincheira política. No
Brasil, por exemplo, ela perdeu o poder com a derrota do bolsonarismo em 2022,
mas continua sendo um setor muito forte”, comentou o acadêmico.
Sobre as rusgas expressadas recentemente entre Elon Musk e Steve Bannon,
dois dois principais aliados do mandatário de extrema direita, Amadeu disse que
“Bannon se sente incomodado com a chegada do Elon Musk a esse núcleo trumpista porque o Musk não quer ser só um
empresário, ele claramente está querendo alçar voos políticos muito maiores”.
“É próprio da extrema direita essa dinâmica de ir criando inimigos a
cada momento, e nos Estados Unidos acontece o mesmo, eles estão brigando agora,
mas podem se alinhar novamente se os interesses convergirem. O fato é que a
extrema direita está forte, chega muito mais forte à Casa Branca agora, e por
conta disso nós temos uma disputa que tende a ser acirrada nestes primeiros
meses do novo governo Trump”, ressaltou o sociólogo, conhecido como um dos
principais defensores do software livre e da inclusão digital no Brasil.
<><> Leia a entrevista na íntegra:
·
Este novo governo de Donald
Trump deve retomar as políticas adotadas no primeiro mandato do republicano, ou
será diferente?
Sérgio Amadeu: Neste
segundo mandato, Trump chega com muito mais clareza sobre onde ele deve atuar
para fazer as mudanças que as classes dominantes e os neoliberais pretendem. A
extrema direita tem hoje, nos Estados Unidos, uma pegada muito forte de
destruição de direitos e de enfrentamento dos interesses das classes médias
mais pauperizadas. Esses setores querem reorganizar o fundo público para
financiar o grande capital, por isso estão atraindo tanto apoio da classe
dominante norte-americana. Porém, isso vai gerar uma concentração de renda
ainda maior.
Essa extrema direita quer uma atuação ainda mais forte nas questões de
valores e vão ampliar a violência discursiva contra os que eles apontam como
“grandes inimigos” dos Estados Unidos, para colocar a culpa de todas as mazelas
do país nesses supostos perigos. Um desses grandes inimigos é a China, o outro são os imigrantes. Vai haver uma
ampliação importante da narrativa nesse sentido.
Do ponto de vista das plataformas digitais, nós já estamos vendo uma
movimentação importante entre as empresas do Vale do Silício. Aqueles que
tinham preferência ou que tinham algum diálogo com o Partido Democrata estão
abandonando o governo que está por terminar e aderindo não ao Partido
Republicano mas sim à extrema direita. Nós vimos o caso do Mark Zuckerberg, mas
isso não é algo novo. Vários outros líderes empresariais estão defendendo o
projeto trumpista.
Outro detalhe importante é que, embora esses setores gostem muito de
falar em liberdade, o fato é que eles foram para cima da Bytedance para forçar
a venda do controle da operação norte-americana do TikTok para empresários
norte-americanos. Isso equivale a uma ação mafiosa. É como o sujeito armado que
entra na sua loja e diz “agora essa loja vai ser minha porque ela está dando
muito dinheiro e eu quero ela para mim”. É a agressividade e o cinismo como
prática política, junto com uma robusta estratégia da desinformação.
·
As rusgas expressadas
recentemente entre Steve Bannon e Elon Musk podem ser um indício de certa
divisão na base trumpista às vésperas da posse? Qual deles deve ter maior
influência no novo governo? Que outros setores chegam fortalecidos?
É tradicional na extrema direita norte-americana, e até mesmo da extrema
direita brasileira, a necessidade de criar inimigos internos que precisam ser
combatidos em nome da manutenção da causa, em nome da existência do seu
conglomerado em si, ou das políticas e dos valores reacionários que ela
defende.
Nesse contexto, é óbvio que o Bannon se sente incomodado com a chegada
do Elon Musk a esse núcleo trumpista, porque o Musk não quer ser só um
empresário. Nós estamos vendo, desde o ano passado, que ele vem tentando se
colocar na posição de um líder político. Não está preocupado com a saúde
financeira do país ou da sua própria empresa, ou com o bom relacionamento que
uma empresa precisa ter com um governo. Ele claramente está querendo alçar voos
políticos muito maiores. Apesar de ser sul-africano, talvez ele sonhe em ser
presidente dos Estados Unidos, algo que, ao menos por enquanto, a legislação
norte-americana não permite.
Portanto, o que temos aqui entre Bannon e Musk é uma disputa de espaço
político, e isso já aconteceu no primeiro mandato do Trump. Aliás, durante
aquela gestão, o próprio Bannon foi defenestrado. No começo, ele chegou a
adquirir uma posição central no governo, mas depois, se não me engano após o
caso de Charlottesville (manifestação antirracista em agosto de 2017), houve um
confronto entre a extrema direita e as forças democráticas, uma pessoa morreu,
e ele acabou sendo retirado do governo. Depois disso, o Bannon até saiu dos
Estados Unidos por um tempo, foi para a Europa, passou a ser uma espécie de
porta-voz dessa nova extrema direita.
Mas as disputas no interior desses grupos, no ambiente da política
interna norte-americana, não têm como objetivo a defesa de um certo convívio,
mesmo um convívio interno dentro do próprio setor. São sempre disputas que
visam a eliminação do outro. Nós vimos isso no Brasil durante o governo
Bolsonaro: primeiro ele trouxe o Sérgio Moro para o Ministério da Justiça,
depois o eliminou junto com o general Santos Cruz, o próprio Moro se colocou em
algum momento como adversário do Jair Bolsonaro, depois recuou. Enfim, é
próprio da extrema direita essa dinâmica de ir criando inimigos a cada momento,
e nos Estados Unidos acontece o mesmo, eles estão brigando agora, mas podem se
alinhar novamente se os interesses convergirem.
O fato é que a extrema direita está forte, chega muito mais forte à Casa
Branca agora, e por conta disso nós temos uma disputa que tende a ser acirrada
nestes primeiros meses do novo governo Trump, mas que não vai ser a única
disputa. Eles vão seguir nessa dinâmica de criar inimigos, às vezes até entre
si.
·
As mudanças anunciadas na Meta
pelo próprio Mark Zuckerberg significam que é a empresa que está se sujeitando
ao novo governo, ou você acha que, pelo contrário, a Meta visa se adaptar para
buscar ter mais influência e sujeitar o futuro governo aos seus interesses?
As big techs têm um DNA que é baseado na coleta de dados dos seus
usuários para poder tratá-los com redes neurais artificiais, com deep learning,
e tentar construir amostras que permitam modular a tensão desses usuários, para
atingir melhor esses usuários. Por isso essas big techs não param de coletar
dados, o tempo todo, da maior parte das pessoas, mesmo as que não sejam
usuários das suas redes. Elas buscam ampliar os seus tentáculos para atuar
dentro dessa economia da tensão, moldando o comportamento das pessoas.
Esses grupos trabalham dentro das redes sociais online com algoritmos
que privilegiam a espetacularização. A prioridade nunca foi a qualidade da
informação. O sistema é feito para privilegiar a informação que vai gerar mais
curiosidade, mais engajamento, manter as pessoas por mais tempo observando
aquele conteúdo, pois assim elas também são observadas por mais tempo.
Quando Elon Musk e Donald Trump dizem que não deve haver nenhum limite à
postagem de conteúdos nas redes, quando o Zuckerberg diz que isso é liberdade
de expressão, na verdade, todos estão trabalhando para criar um cenário que é
muito confortável para essas plataformas.
Devemos lembrar que quem obrigou essas plataformas a fazerem checagem de
fatos foi a sociedade civil, foram as democracias. Por livre e espontânea
vontade, eles tinham suas regras de comunidade, suas regras de conduta, mas que
nunca tiveram como objetivo combater a desinformação. O objetivo era manter
determinados tipo de conduta que gerassem mais monetização e prendessem por
mais tempo a atenção dos usuários dentro da plataforma.
Portanto, não é nenhuma surpresa ver o Zuckerberg aderir ao trumpismo a
ponto de dizer que não tem nenhum interesse na qualidade da informação, ou em
uma informação que garanta um debate baseado em fatos, para que a democracia
possa ser baseada em uma realidade que a sociedade está vivendo. Não, a extrema
direita defende que o debate não seja sustentado na realidade e sim nos valores
que eles promovem, em valores reacionários.
O Zuckerberg não é um democrata que está se escondendo e que agora quer
ter influência no governo Trump. Ele é um empresário do Vale do Silício, que
criou uma rede social online, depois criou um império com base nos ditames neoliberais
e na gestão voltada a uma aposta clara na monetização. Ele sabe que em alguns
países ele terá que se adequar, como é o caso do Brasil. Ele vai ter que
recuar, cumprir as ordens judiciais, respeitar a legislação brasileira.
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Nos próximos quatro anos de
governo Trump veremos uma ampliação dos algoritmos e sistemas tecnológicos que
têm favorecido a disseminação do ideário de extrema direita a partir dessas
plataformas? Como isso pode afetar o Brasil?
As forças da extrema direita continuarão apostando na estratégia
política da desinformação, em um debate no qual os fatos são anulados e a
discussão pública gira em torno das questões que eles mesmo pautam, promovendo
um conceito de família que é extremamente autoritário, uma ideia de mundo que
nunca existiu na realidade. As redes sociais dão cobertura para isso e vai
continuar sendo assim.
No caso do Brasil, nós veremos uma forte pressão por parte de figuras
como Mark Zuckerberg e Elon Musk, obviamente com o apoio do governo
norte-americano, para que o Congresso Nacional brasileiro, que tem forças
de extrema direita em sua composição, consiga bloquear o Judiciário, ou seja,
bloquear a aplicação das leis.
Hoje em dia, combater a desinformação e regular as plataformas das big
techs são praticamente sinônimo de enfrentar a extrema direita, porque essas
empresas não só utilizam sua força econômica, política e cultural, que não são
pequenas, mas também estão se aproveitando dessa aliança com a extrema direita
norte-americana, e no caso do Brasil essa aliança é com o chamado centrão e com
a extrema direita local.
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Em algumas entrevistas
recentes, Trump deu a entender que a China será seu principal adversário no
cenário geopolítico. Deve-se esperar uma maior confrontação entre Washington e
Pequim nos próximos anos? A questão tecnológica terá um papel central nessa
disputa?
O governo Trump vai atuar fortemente para mobilizar a sociedade
norte-americana a favor das políticas direcionadas aos inimigos criados pelo
seu discurso, que são a China e os imigrantes, com um relato baseado na ideia
de que são estes dois inimigos os que impedem os Estados Unidos de exercer a
sua vocação de líder mundial.
Para isso, Trump tem a intenção de se apoiar nas big techs, aproveitando
também a sinalização de empresários como o Zuckerberg. E, curiosamente, as big
techs que têm interesses no ramo do entretenimento, das comunicações e da
tecnologia estão abocanhando cada vez mais fatias dos orçamentos militares nos
Estados Unidos.
Também os empresários da indústria da guerra, que não eram tão ligados
ao Partido Republicano, ultimamente mantinham mais vínculos com o Partido
Democrata, mas agora estão se aproximando do Trump através das big techs.
E esse é um setor muito ligado a grupos de extrema direita com grande
influência em alguns países da América do Sul. Eles vão atuar por aqui, como
sempre atuaram, até porque os Estados Unidos sempre consideraram o Brasil como
um país de importância estratégica, e que, portanto, precisa estar sempre
submetido aos ditames norte-americanos, e essa atuação deverá aproveitar o fato
de que agora eles têm o Elon Musk no governo, que deverá ajudar a extrema
direita brasileira não só com ações visíveis como também com ações invisíveis,
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Como o Brasil pode ser afetado
com a mudança de governo dos Estados Unidos, seja pela política para a América
Latina ou até pela aproximação ideológica entre o novo governo e a oposição
bolsonarista a Lula?
O movimento de extrema direita a nível internacional está mais forte com
este retorno ao poder nos Estados Unidos. Se analisamos as disputas eleitorais
destes últimos dois ou três anos, nós vemos vitórias importantes e uma dinâmica
constante de conquista de espaço, porque mesmo onde essa extrema direita perde
ela consegue construir ou preservar uma trincheira política. No Brasil, por
exemplo, ela perdeu o poder com a derrota do bolsonarismo em 2022, mas continua
sendo um setor muito forte.
Sobre a relação entre os governos de Trump e Lula, talvez os Estados
Unidos escolham o caminho de buscar uma relação protocolar com o Brasil, ao
menos no início, mas em algum momento nós certamente veremos ações de agências
governamentais norte-americanas em apoio à extrema-direita brasileira.
Se daqui a dois anos, Trump conseguir impor um governo aliado ao seu
projeto no Brasil isso será lido como uma vitória pessoal dele. Além disso,
dependendo de como se der essa possível vitória, os Estados Unidos podem ter
aqui um governo que seguirá as determinações do seu projeto com relação à
China.
Claro que existem diferenças brutais entre Brasil e Estados Unidos, e
também o fato de que a China é o maior parceiro comercial do Brasil, mas até
por isso o Brasil seria um aliado importante para essa ofensiva, por isso eu
creio que haverá uma atuação muito forte dos Estados Unidos visando levar a
extrema direita de volta ao poder por aqui.
Fonte: Ópea Mundi
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