Trump
pode mesmo ajudar Bolsonaro a revitalizar seu grupo político?
"Estou me
sentindo uma criança novamente com o convite de Trump. Estou animado. Não tomo
mais nem Viagra". Foi assim que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) descreveu ao
jornal americano The New York Times como se sentia ao ter sido convidado para a
posse do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Bolsonaro não irá,
porque o Supremo Tribunal
Federal (STF) não
liberou seu passaporte, retido pela Justiça por suposto risco de fuga do
ex-presidente, alvo de investigações criminais.
Se Bolsonaro
assistirá ao evento pela TV, uma delegação estimada em pelo menos 30 políticos
bolsonaristas, além da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, está na capital
norte-americana para participar da posse nesta segunda-feira.
A empolgação do
ex-presidente e a ida da comitiva bolsonarista à posse de Trump não é uma mera
deferência ao poder da maior potência econômica e militar do planeta. Para
parte dos bolsonaristas, a chegada de Trump ao poder é vista como uma fonte de
esperança para a revitalização do bolsonarismo em um momento marcado por reveses
do seu principal líder.
Desde 2022,
Bolsonaro perdeu as eleições presidenciais para Luiz Inácio Lula da
Silva (PT),
foi tornado inelegível até 2030 pelo Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) condenado
por suposto abuso do poder político e econômico na campanha eleitoral, virou
alvo de diversas investigações junto ao STF e, no final do ano passado,
foi indiciado pela
Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado.
Bolsonaro e sua
defesa alegam que ele não praticou nenhum ato ilegal nos casos em que é
investigado ou no que foi indiciado. Dizem que ele é alvo de uma perseguição
política perpetrada por adversários e por setores do Poder Judiciário
brasileiro, entre eles, o próprio STF.
Nesse contexto, a
chegada ao poder de um presidente norte-americano com quem tem laços pessoais
antigos e afinidade ideológica vem sendo vista pelo próprio Bolsonaro e aliados
como uma possibilidade de ventos políticos mais favoráveis.
Especialistas
ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que a posse de Trump tem sido
"vendida" pelo bolsonarismo como uma aposta de mudança e de possível
reforço do grupo no Brasil.
Entre eles, há
expectativa de que Trump e sua equipe possam fazer movimentos de apoio a
Bolsonaro e até mesmo de pressão contra membros do Judiciário — que, no melhor
cenário, poderia pressionar por uma rediscussão de sua inelegibilidade.
Apesar disso, há
certo ceticismo sobre até que ponto essa proximidade poderá levar, por exemplo,
à reabilitação dos direitos políticos de Bolsonaro ou qualquer efeito prático.
·
"Chama
de esperança"
Em novembro de
2024, quando a vitória do republicano nas urnas se confirmou, Bolsonaro e seu
entorno já ventilavam essa esperança.
"Trump não
precisa fazer nada. Só a atmosfera política criada pela eleição dele já ativa o
imaginário dos brasileiros de que o Bolsonaro também pode retornar [...] Com
Trump retornando, isso aumenta o imaginário do brasileiro de que o Bolsonaro
também poderá fazê-lo. Há males que vêm para o bem", disse então o
deputado federal e filho de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) à BBC News
Brasil.
A expectativa se
mantém alta nas alas bolsonaristas.
"Para o
movimento conservador de direita e o bolsonarismo no Brasil, a posse de Trump é
muito importante. Ele é um aliado de primeira hora, sua ascensão terá reflexos
na economia do Brasil e nas relações bilaterais", disse à BBC News Brasil
o deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ).
O parlamentar é um
dos que deve participar da comitiva de deputados e senadores que participarão
das cerimônias em torno da posse de Trump nesta semana.
Para o professor de
Ciência Política da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antônio Teixeira, a
aposta em Trump acontece em um momento delicado para o futuro do bolsonarismo.
"O
bolsonarismo está sofrendo uma diminuição no seu tamanho e relevância muito
grande após a derrota para a presidência da República e de todo o processo
ocorrido após os episódios do dia 8 de janeiro de
2023.
Esse risco de diminuição aumenta ainda mais com a manutenção da inelegibilidade
de Bolsonaro", disse Teixeira à BBC News Brasil.
Segundo ele, não é
por acaso que tantos parlamentares estão indo à posse de Trump.
"A vitória de
Trump tem sido turbinada pela direita como uma chama de esperança para o futuro
do bolsonarismo", disse.
Realinhamento de
forças
Especialistas e
políticos ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que a posse de Trump pode
influenciar a dinâmica da política doméstica no Brasil.
Uma das arenas em
que essa dinâmica se dará é a disputa entre big techs americanas e as
instituições brasileiras que tentam regulamentar o funcionamento das redes
sociais no Brasil. Elon Musk, dono do X, é hoje
um dos principais influenciadores das políticas de Trump, que tem recebido
apoio de outros empresários do setor, como Mark
Zuckerberg.
"Em setembro
de 2024, havia uma disputa muito específica, quase pessoal, entre Elon Musk e
Alexandre de Moraes. Hoje, com a debandada das Big Techs em direção ao governo
Trump, essa pressão não vai ser mais individual, de uma figura que se sentiu
prejudicada por políticas tomadas por uma autoridade do Brasil. Vai ser um
movimento quase que de setor contra o Brasil, a Suprema Corte", disse o
cientista político e internacionalista Guilherme Casarões, da FGV, citando a
suspensão do X no país no ano passado.
Segundo ele, a
situação tem alto potencial de gerar desgaste político para a gestão Lula,
"ainda mais considerando que o governo se associou ao STF no combate
às fake news, na luta contra a desinformação e na regulação das
redes".
Sóstenes Cavalcante
disse acreditar que os impactos da chegada de Trump ao poder poderão ser
sentidos na economia brasileira.
Segundo ele, Trump
deverá adotar um distanciamento em relação ao governo Lula que, como
consequência, poderia favorecer a volta da direita ao poder no Brasil.
"Coisas como
não liberar o presidente Bolsonaro para vir à posse vão fazer com que os investidores
americanos vejam o Brasil com certa desconfiança. Eles terão o pé atrás com o
Brasil e isso trará prejuízos econômicos. Isso vai afetar o Brasil e desgastar
o governo. E à medida que afeta o governo, cria condições para que a direita
volte com mais força", disse o parlamentar.
Guilherme Casarões
concorda que Trump tem claras preferências na política doméstica brasileira e
atuará para privilegiar este lado.
"A influência
já está sendo construída desde que Trump apoiou Bolsonaro, em 2022, e chamou
Lula de lunático de extrema-esquerda. [O secretário de estado indicado por
Trump ] Marco Rubio fez o mesmo. A incidência do peso político norte-americano
sobre a política nacional é um dado da realidade, já está acontecendo e tende a
se intensificar", disse, mas completou:
"Não acho que
Trump vai bancar uma nova tentativa de golpe para garantir que Bolsonaro seja
eleito em 2026", disse.
O professor Marco
Antônio Teixeira compartilha da mesma análise.
"Por mais que
estejam turbinando a importância da posse de Trump para o bolsonarismo, a
vitória dele não vai reverter a inelegibilidade de Bolsonaro", afirmou.
·
Inimigos
(e amigos) comuns
Parte da aposta
bolsonarista em Trump reside no fato de que, aparentemente, o presidente
norte-americano e Bolsonaro têm alguns amigos e inimigos comuns.
Trump se elegeu
tendo por principal financiador o bilionário Elon Musk, dono da plataforma X,
que chegou a ser suspensa no Brasil no ano passado depois que Musk se recusou a
cumprir ordens judiciais do ministro Alexandre de Moraes e do colegiado do
Supremo Tribunal Federal.
Musk e Bolsonaro
compartilham os mesmos alvos no país, Moraes e STF, a quem criticam com
argumentos semelhantes: o de Moraes estaria exacerbando seus poderes legais e
cerceando a liberdade de expressão, especialmente de grupos da direita radical.
Moraes e o Supremo
rebatem essas acusações, por outro lado, dizendo que, ao combater a engenharia
de distribuição de notícias falsas, ambos estariam salvaguardando a democracia
brasileira.
A julgar por
manifestações recentes de Trump, que chegou a usar o caso da suspensão do X no
Brasil como um exemplo dos perigos à liberdade de expressão em democracias
ocidentais, o STF deve se tornar alvo de intensa pressão por parte da nova
administração Trump.
No Congresso
americano, parlamentares republicanos chegaram a apresentar dois projetos de
lei no ano passado que previam punições, como sanções e cortes de
financiamento, a entidades estrangeiras que se envolvessem no que os projetos
legislativos qualificavam como censuras ou atentados à primeira emenda da
constituição dos EUA, que assegura liberdade de expressão irrestrita.
Os políticos
republicanos não fizeram segredo de que os projetos foram pensados para ter por
alvo o STF. E não foi só isso.
Entre outros
senadores e deputados republicanos, Marco Rubio, indicado para
secretário de Estado de Trump, remeteu uma carta em setembro de 2024 em que se
dizia "profundamente preocupados com o fato de Alexandre de Moraes, ministro do
Supremo Tribunal brasileiro, estar abusando do seu poder e envolvendo-se numa
campanha cada vez mais arbitrária para coagir uma empresa americana de redes
sociais a sufocar a oposição política interna e a minar os direitos de
liberdade de expressão do povo brasileiro".
Ao New York Times,
Bolsonaro deixou claro que tem expectativas de que Trump seja capaz de alterar
as correlações de força no Brasil de modo a favorecê-lo, embora tenha se
recusado a especificar como isso seria feito. "Não vou tentar dar nenhuma
dica a Trump, nunca", disse ele. "Mas espero que a política dele
realmente se espalhe para o Brasil."
Segundo o diário,
Bolsonaro demonstrou ainda satisfação em ver a recente guinada de Mark
Zuckerberg, o CEO da Meta, a quem pertence o Facebook, o Instagram e o
Whatsapp, em direção ao caminho de Musk.
Ao anunciar o fim
das checagens de fatos em suas redes, Zuckerberg criticou "decisões
secretas de tribunais da América Latina" para retirada de conteúdos do ar,
no que foi entendido como uma alusão ao STF.
Entre os
"amigos comuns", Trump e Bolsonaro compartilham vínculos ideológicos
com líderes como os presidentes da Argentina, Javier Milei, e de El Salvador, Nayib Bukele.
Enquanto Bolsonaro
terá que assistir à posse pela TV, o argentino Javier Milei já está em
Washington e deve mais uma vez esbanjar intimidade tanto com Donald Trump
quanto com Elon Musk.
Depois da vitória
de Trump, ele foi a a Mar-a-Lago prestigiar o republicano — que o chamou de seu
"presidente favorito" e tem trocado experiências de cortes de gastos
públicos com Musk, que vai chefiar o esforço de austeridade no time de Trump.
No sábado, quando
participou do chamado Hispanic Ball, ou baile hispânico, parte das celebrações
da posse de Trump, Milei atacou o governo Lula ao ser perguntado a respeito da
ausência do ex-presidente brasileiro.
"Bolsonaro é
meu amigo e lamento muito que o regime de Lula não tenha deixado ele vir",
afirmou a jornalistas brasileiros.
Se a assimetria dos
momentos de Bolsonaro e Milei pode sugerir uma concorrência pelas atenções de
Trump, aliados de ambos ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que a relação é de
"cooperação, não de competição".
Estudioso dos
movimentos de direita radical, Casarões concorda: "A relação da família
Bolsonaro e do movimento bolsonarista com o Milei é de cooperação muito intensa
até porque, de certa maneira, o Milei se sente, em parte, devedor à família
Bolsonaro por sua ascensão e sua inserção internacional uma vez eleito
presidente da Argentina".
Segundo Casarões,
Milei deve a Eduardo Bolsonaro seu primeiro contato telefônico direto com
Trump.
"Existe uma
percepção por parte do bolsonarismo que, estando eles fora do poder, a segunda
melhor opção é ter um aliado importante na Argentina, colocando pressão e
tensionando o governo Lula e, ao mesmo tempo, podendo abrir a possibilidade de
um olhar interessado da administração Trump para a América Latina e para a
América do Sul, sobretudo", diz Casarões.
Segundo ele,
"é natural que Milei ganhe mais protagonismo agora diante de Trump porque
tem o poder da caneta".
A avaliação é
também compartilhada por bolsonaristas, que acreditam que, caso Bolsonaro ou
algum aliado volte ao poder em 2026, o papel de aliado principal das Américas
retornaria ao Brasil, não apenas porque a relação Bolsonaro-Trump já dura anos
e tem características pessoais profundas, como também pelo tamanho econômico e
geopolítico do Brasil. O país seria um ator mais potente para barrar os planos
da China na região ou encampar planos trumpistas em relação à Venezuela, por
exemplo.
·
Histórico
de proximidade
O convite de Trump
para que Bolsonaro participasse da sua cerimônia de posse foi apenas o mais
recente exemplo da proximidade entre os dois líderes conservadores. Durante a
apuração dos votos, em novembro passado, Eduardo Bolsonaro estava junto a Trump
no resort de Mar-a-Lago, na Flórida.
Essa proximidade
entre a família Bolsonaro e Trump remonta aos anos em que o ex-presidente
brasileiro esteve no poder e, também, ao destino que ambos tiveram após
deixarem o comando de seus países.
Em 2016, Trump
venceu as eleições norte-americanas defendendo ruptura com a chamada
"velha política" e implementou um estilo de comunicação e de governo
que foi, posteriormente, incorporado por Bolsonaro.
Em 2018, foi a vez
de Bolsonaro vencer as eleições no Brasil após ter sido apontado como um
"azarão" antes do início da campanha. Em comum, Bolsonaro e Trump se
elegeram com discursos alinhados contra movimentos de esquerda, prometendo uma
guinada conservadora em seus países e acusando a "grande mídia" de
perseguição.
Com frequência,
Bolsonaro foi chamado de "Trump dos trópicos" em uma alusão aos
estilos semelhantes entre ambos.
Assim como Trump, o
ex-capitão do Exército brasileiro utilizou sua forte presença nas redes sociais
para se comunicar diretamente com sua base, criticando instituições e
divulgando suspeitas de fraudes eleitorais, ainda que sem evidências concretas.
Ao longo de seus
mandatos, tanto Bolsonaro quanto Trump reforçaram seus discursos nacionalistas
e conservadores, defenderam a flexibilização de políticas ambientais,
declararam-se contrários ao que chamaram de "ideologia de gênero" e
acusaram opositores de ameaçarem a soberania nacional.
Durante a pandemia
de Covid 19, por exemplo, ambos minimizaram, inicialmente, a gravidade do
vírus, se colocaram contra restrições impostas por governadores e prefeitos e
frequentemente confrontaram especialistas em saúde que defendia medidas como
fechamento do comércio ou limitações à movimentação de pessoas.
Trump e Bolsonaro
perderam suas tentativas de reeleição. O republicano foi derrotado por Joe
Biden em 2020, enquanto o brasileiro perdeu para Lula, 2022. Nos dois casos,
ambos relutaram em aceitar o resultado das urnas e levantaram suspeitas sobre a
lisura do processo eleitoral.
Alimentando ainda
mais as semelhanças entre os dois, a saída do poder de ambos também foi marcada
por episódios parecidos.
Nos Estados Unidos,
uma multidão de apoiadores de Trump insatisfeita com a derrota do então
presidente à reeleição invadiu o Capitólio, em Washington, no dia 6 de janeiro
de 2021. Dois anos depois, em 8 de janeiro de 2023, foi a vez de uma multidão
de bolsonaristas insatisfeitos com a derrota do ex-presidente invadiu as sedes
dos Três Poderes, em Brasília.
Fora do poder,
ambos mantiveram a proximidade. Em 2022, Trump declarou apoio a Bolsonaro
durante a sua tentativa de reeleição. Em 2024, foi a vez de Bolsonaro declarar
apoio a Trump.
Fonte: BBC News
Brasil
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