segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Eliara Santana: A extrema direita já está em 2026

A fake news da taxação do Pix é somente o deflagrar da estratégia de disseminação do caos, infelizmente.

Não chega a ser uma enorme novidade, porque já vimos o que ocorreu, num movimento crescente de aperfeiçoamento, em 2018 e em 2022. A extrema direita tem, na desinformação, uma arma poderosíssima – o que também não é novidade.

Bom, vou parar então de requentar e trazer mais alguns elementos à recente questão da Instrução Normativa da Receita que foi transformada em “taxação do Pix” no imaginário geral na nação.

Após a decisão do governo de retirar a medida – acertada a meu ver, apesar dos custos políticos grandes –, vejo informações interessantes sobre a costura para essa campanha, cujo elemento mais expressivo foi o vídeo de Nikolas Ferreira criticando o Pix e lançando as costumeiras bombas de desinformação.

Também já sabemos que nada no mundo midiático é aleatório ou espontâneo, certo?

Então, pulamos essa parte. Quarta (15-01), reportagem de O Globo trouxe detalhes sobre um ponto que eu já tinha mencionado: o vídeo do deputado fez parte de uma ação orquestrada de desinformação.

A novidade apresentada é a costura para isso: a ideia da campanha veio do marqueteiro de Jair, o inelegível, Duda Lima, já de olho em 2026.

Antes dos detalhes, vou esmiuçar mais um pouquinho alguns elementos dessa ação orquestrada de desinformação. Em linhas gerais, ela contemplou:

  • Identificação de um tema que era sensível à população (taxação, pagamento de imposto) e a atenção máxima a ele
  • Instrumentalização desse medo presente entre a população em geral
  • Produção de uma narrativa condizente, eloquente, de fácil assimilação com uma MENTIRA que falseou uma realidade e plantou muitas dúvidas
  • Decisão partidária e coordenação
  • Impulsionamento do vídeo para 200 milhões de robôs – nada viraliza ao acaso e já vimos isso em 2018, quando muitos torciam o nariz para o “burro” Bolsonaro (deu no que deu). Aquele montão de curtidas não é viral assim ao acaso
  • Grana para financiar isso tudo (desinformação envolve grana, muita grana – daí o medo da gente graúda em relação ao monitoramento do PIX)
  • Atores estratégicos envolvidos: não foi somente Nikolas; Gustavo Gayer, um patife das redes, e Flavio Bolsonaro (dispensa comentários) fizeram ações mentirosas reproduzindo o discurso sobre o Pix. Vale lembrar que ações coordenadas de desinformação sempre envolvem vários canais e vários atores, mesmo que tenha ali um ator principal

Muito bem, para a concretização, entrou em cena então o tal marqueteiro de Jair, Duda Lima, que conversou com Valdemar Costa Neto e ambos decidiram convocar Nikolas para a “missão” de detonar o Pix.

O marqueteiro definiu a estratégia de como poderia ser explorado o tema. Viram aí que tem uma elaboração estratégica de comunicação, certo?

Duda Lima, o marqueteiro, falou aos parlamentares do PL sobre a delicadeza do tema, que gerava muito medo na população e que poderia ser usado em oposição ao governo.

Lembrando que o medo é um combustível forte para a desinformação e que amplamente instrumentalizado pela extrema direita.

E lembrando também de algo que falei bastante: se há temas sensíveis, em um mundo midiático, e o Governo X, Y, Z vai lançar uma medida, é preciso monitorar esse tema e se antecipar ao debate.

Outro detalhe interessante: Duda Lima é desafeto de Sidônio Palmeira, atual ministro da Secom, quando se enfrentaram na última eleição presidencial, em 2022.

Sidônio assumiu criticando abertamente o perigo da desinformação e se colocando no front de batalha.

Aproveito pra reiterar novamente, como já havia feito em outros artigos, que o anúncio dessa medida deveria ter sido acompanhando – ou melhor, antecipado por – uma grande campanha de esclarecimento, informado tudo, sendo cristalino.

É um tema delicado, um assunto que mexe sim com o imaginário das pessoas, preocupa o trabalhador informal, mesmo que ele não ganhe cinco mil reais. Pressupor que todo mundo sabe ou que tudo mundo entende é sinal de arrogância e indicativo pra cair no abismo.

Agora com o desfecho, nesse contexto tumultuado, sigo achando que o governo desistir da medida foi sim uma estratégia de contenção de danos importante porque interrompe a sangria desmedida da desinformação, que poderia chegar a níveis totalmente incontornáveis – mesmo que haja custos políticos, e há.

Além disso, expõe agora essas ações coordenadas e coloca em evidência o tema da sonegação – a mídia já está nessa toada.

Pois, para além da intenção de desestabilizar o Governo com a ação orquestrada de desinformação, vemos que há todo um interesse desse agrupamento de extrema direita em interromper qualquer tentativa de rastreamento das operações via Pix porque é a mina de ouro da corrupção – vide aí os 17 milhões de Jair, o financiamento do 8 de janeiro, entre outros.

Do meu humilde lugar na fila do pão – sem querer dar receita nenhuma a ninguém –, eu espero que o ministro Sidônio, de posse dessas informações todas e de mais algumas, dê o troco na medida exata, escarafunchando essas histórias de rachadinha, verba parlamentar, crime organizado e mostrando por que esses delinquentes não querem que o Pix seja rastreado. E faça uma campanha com tudo a que temos direito.

Sigamos, pessoal, sem lamentações em excesso, porque a extrema direita já chegou a 2026.

 

¨         Frei Betto: Desafios às forças progressistas em 2025

Meu primeiro impulso foi intitular este texto de “desafios à esquerda”. Logo me dei conta de que, hoje em dia, resta pouco do que considero esquerda – que se empenha na superação do sistema capitalista.

Adoto “forças progressistas” porque a expressão inclui antibolsonaristas, apoiadores do atual governo Lula, os que se empenham para manter e ampliar a democracia formal, malgrado seu paradoxo de socializar a esfera política (sufrágio universal) e privatizar a econômica, excluindo a maioria da população brasileira de condições dignas de existência (moradia, saúde, educação, cultura, oportunidades de trabalho, que resulta em redução significativa do desemprego etc.).

Abordo em seguida os desafios que considero prioritários, a comunicação no governo, a batalha ideológica, o fenômeno do empreendedorismo e o fator religioso.

<><> A comunicação do governo

Embora haja grandes feitos em apenas dois anos de governo Lula, após quatro de desmontes promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro, poucos sabem que, em 2023, a economia brasileira cresceu 2,9% (alcançou R$ 10,9 trilhões), e em 2024, 3,5%; a renda dos trabalhadores aumentou 12% e consequentemente também o consumo das famílias; o programa Bolsa Família passou a atender 21,1 milhões de famílias (1 milhão a mais que em 2022);  recuperação do salário mínimo acima da inflação (embora o ajuste fiscal tenha limitado o crescimento real a 2,5%. em 2025 deveria ser de R$ 1.528 e passa a R$ 1.518); reestruturação do IBAMA e da FUNAI; o novo programa Pé de Meia (que beneficia 3,9 milhões de estudantes do ensino médio); a instalação de mais de 100 unidades dos Institutos Federais; o programa Mais Médicos, que atende populações mais vulneráveis, conta, atualmente, com quase 25 mil médicos contratados pelo governo federal; e o protagonismo do Brasil no cenário internacional (Brics, G20, COP 30 etc.). Haveria muito mais a destacar.

Apesar de tantos avanços, o governo falha na comunicação. Até agora não soube montar uma trincheira digital capaz de superar a influência da extrema-direita nas redes. Pesquisas indicam que 76% dos brasileiros se informam por redes digitais e sites de notícias.

A guerra digital exige um número expressivo de profissionais dedicados à comunicação digital, com a possibilidade de formar grandes influenciadores. O fenômeno eleitoral Pablo Marçal, que não dispunha sequer de um minuto de propaganda na TV, deveria servir para alertar sobre a importância dessa ofensiva.

<><> A batalha ideológica

Outro fator que julgo importante para que as forças progressistas não venham a ser derrotadas pelos neofascistas na eleição presidencial de 2026 é a batalha ideológica.

Convém lembrar que o fim da ditadura militar, em 1985, não resultou de suas inerentes contradições. Pesaram, sobretudo, o desgaste ideológico com as frequentes denúncias de violações de direitos humanos, o testemunho de ex-presos políticos e de familiares de mortos e desaparecidos, a pressão internacional pela redemocratização do Brasil, e as grandes mobilizações populares como a Passeata dos Cem Mil, as greves operárias do ABC paulista e as concentrações pelas Diretas Já!

Hoje, a esquerda se encontra órfã de referências ideológicas. Elas se multiplicavam antes da queda do Muro de Berlim (1989). Países socialistas serviam de parâmetros às utopias libertárias. O estudo do marxismo e a sua aplicação nas análises da realidade vigoravam. Havia uma militância aguerrida que atuava voluntariamente nas campanhas eleitorais. A extrema direita se sentia acuada e a polarização da esquerda se dava com a social-democracia.

Isso acabou. Os tempos são outros. E sombrios. A direita se encontra em ascensão eleitoral no mundo. Sua máxima expressão, Donald Trump, ocupa o cargo mais poderoso do planeta. A direita passou a fazer intensa (des)educação política do povo, enquanto as forças progressistas deixaram Paulo Freire dormitar nas prateleiras. 

As forças progressistas perderam a capacidade de promover grandes mobilizações populares diante da falta de educação política do povo, da excessiva burocratização dos partidos progressistas, da perda de referências históricas e do esgarçamento do movimento sindical.

<><> Empreendedorismo

O fenômeno do empreendedorismo não é novo. A novidade é ter se tornado um modismo para as classes populares. Vários fatores concorrem para isso: retrocessos e perda dos direitos trabalhistas, precarização das relações de trabalho, desarticulação das estruturas sindicais, supremacia da financeirização sobre a produção, esgarçamento das relações sociais provocado pelas redes digitais etc.

O neoliberalismo, em sua era digital, mina as relações corporativas. A uberização das condições de trabalho e a síndrome dos influenciadores internáuticos, bem como a monetização das redes, criam a ilusão de que todos podem ascender socialmente sem muito esforço. Basta ousar ser patrão de si mesmo. É a nova versão do self-made man.

Outrora a elite era constituída pela nobreza. Na medida em que os títulos nobiliárquicos foram sendo substituídos pelos títulos da Bolsa de Valores, o sangue azul cedeu lugar aos milionários que alcançaram o topo da pirâmide social graças ao empreendedorismo.

Há que acrescer a isso a despolitização da sociedade, agravada desde a queda do Muro de Berlim. Como falar de sociedade pós-capitalista se o socialismo real fracassou? Como incutir nas novas gerações a consciência crítica se o marxismo já não está em voga? Como ampliar o espectro social e eleitoral das forças progressistas se elas abandonaram o trabalho de base?

São desafios que ainda não encontram respostas. E a falta de respostas acelera a ascensão da direita. Faz com que se repitam fatos surpreendentes, como a vitória de Lula sobre Bolsonaro, nas eleições de 2022, por apenas pouco mais de 2 milhões votos, em um universo de 156 milhões de eleitores. Ou a reeleição de Trump em 2024, vitorioso no colégio eleitoral e no voto popular.

Hoje, o eleitor, desprovido de consciência de classe, de relações corporativas (como as sindicais) e imunizado pelos impactos da grande mídia graças às suas bolhas digitais, busca eleger quem lhe possa garantir um lugar ao sol na praia das oportunidades. Na falta de referências revolucionárias (Vietnã, Sierra Maestra, figuras como Mao Tsé-Tung e Fidel) ele vota pensando, primeiro, na prosperidade individual, e não coletiva.

Os eleitores pobres manifestam seu inconformismo ao dar apoio aos que ostentam a bandeira da “antipolítica”. Decepcionados com os políticos tradicionais, preferem os arrivistas, os messiânicos, os que ousam contrariar o perfil da institucionalidade política e se glamourizam pelo histrionismo.

Convém ressaltar que aqueles que se encontram sociologicamente na pobreza não mais se consideram pobres. Para eles, pobres são aqueles que vivem em situação de rua. Um episódio demonstra bem o que assinalo: durante a campanha eleitoral à prefeitura de São Paulo, em 2024, um líder do MTST visitou uma invasão urbana. Não se tratava de ocupação. Um terreno privado havia sido invadido por inúmeras pessoas induzidas por um espertalhão que cobrou por cada espaço em que barracos precários foram erguidos.

Na conversa com um dos invasores, o líder do movimento social indagou como ele se sentia naquela situação de pobreza. O cidadão, vendedor ambulante, reagiu: “Não sou pobre. Tenho um terreno, uma casa e paguei por esse espaço.” Espaço que, com certeza, passado o período eleitoral, o dono da área pedirá reintegração de posse e todos serão expulsos dali pela Polícia Militar.

<><> O fator religioso

Outro importante fator que explica como a esquerda perdeu a mística e a direita “saiu do armário” é a inversão da motivação religiosa. Entre as décadas de 1970 e 1990, a principal rede de organização e mobilização popular no Brasil eram as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e as pastorais populares, inspiradas pela Teologia da Libertação.

Isso foi desmantelado com os 34 anos (1978-2013) de pontificados conservadores de João Paulo II e Bento XVI. Coincidiu com o espantoso crescimento das Igrejas evangélicas, cuja maioria de fiéis faz uma leitura salvacionista da Bíblia (pauta de costumes) e não libertária como faziam as Comunidades Eclesiais de Base.

A Igreja Católica, que havia feito “opção pelos pobres”, viu os pobres optarem pelas Igrejas evangélicas, nas quais encontram acolhimento e suporte social, inexistentes na maioria das paróquias católicas. Acresce-se a isso o erro de os legisladores brasileiros isentarem as Igrejas de pagar impostos como IPTU, ISS e imposto de renda sobre dízimos e doações. Assim, muitas novas Igrejas surgem para facilitar a lavagem de dinheiro…

As forças progressistas, acuadas pelo fundamentalismo religioso dotado de inegável poder eleitoral, ainda não sabem como enfrentar esse fator que constitui o substrato cultural de nosso povo. E o governo não encontrou ainda uma estratégia que se contraponha ao fenômeno do conservadorismo religioso, cujo impacto cultural e político é significativo.

Em resumo, a direita pode, sim, vencer as eleições presidenciais de 2026 caso o governo Lula e as forças progressistas não recalibrem suas estratégias na comunicação, nas trincheiras digitais, na educação política da população, na questão religiosa, no trabalho de base dos partidos políticos progressistas.

Políticas sociais, por mais necessárias e eficientes que sejam, não mudam a cabeça do povo. Só uma ofensiva cultural, ideológica, será capaz de disseminar na população brasileira um novo consenso progressista como o que elegeu Dilma Rousseff duas vezes e Lula, três.

 

Fonte: Viomundo/A Terra é Redonda

 

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