Eliara
Santana: A extrema direita já está em 2026
A fake
news da taxação do Pix é somente o deflagrar da estratégia de disseminação do
caos, infelizmente.
Não
chega a ser uma enorme novidade, porque já vimos o que ocorreu, num movimento
crescente de aperfeiçoamento, em 2018 e em 2022. A extrema direita tem, na
desinformação, uma arma poderosíssima – o que também não é novidade.
Bom,
vou parar então de requentar e trazer mais alguns elementos à recente questão
da Instrução Normativa da Receita que foi transformada em “taxação do Pix” no
imaginário geral na nação.
Após a
decisão do governo de retirar a medida – acertada a meu ver, apesar dos custos
políticos grandes –, vejo informações interessantes sobre a costura para essa
campanha, cujo elemento mais expressivo foi o vídeo de Nikolas Ferreira
criticando o Pix e lançando as costumeiras bombas de desinformação.
Também
já sabemos que nada no mundo midiático é aleatório ou espontâneo, certo?
Então, pulamos essa
parte. Quarta (15-01), reportagem de O Globo trouxe detalhes sobre
um ponto que eu já tinha mencionado: o vídeo do deputado fez parte de uma ação
orquestrada de desinformação.
A
novidade apresentada é a costura para isso: a ideia da campanha veio do
marqueteiro de Jair, o inelegível, Duda Lima, já de olho em 2026.
Antes
dos detalhes, vou esmiuçar mais um pouquinho alguns elementos dessa ação
orquestrada de desinformação. Em linhas gerais, ela contemplou:
- Identificação de um
tema que era sensível à população (taxação, pagamento de imposto) e a
atenção máxima a ele
- Instrumentalização
desse medo presente entre a população em geral
- Produção de uma
narrativa condizente, eloquente, de fácil assimilação com uma MENTIRA que
falseou uma realidade e plantou muitas dúvidas
- Decisão partidária
e coordenação
- Impulsionamento do
vídeo para 200 milhões de robôs – nada viraliza ao acaso e já vimos isso
em 2018, quando muitos torciam o nariz para o “burro” Bolsonaro (deu no
que deu). Aquele montão de curtidas não é viral assim ao acaso
- Grana para
financiar isso tudo (desinformação envolve grana, muita grana – daí o medo
da gente graúda em relação ao monitoramento do PIX)
- Atores estratégicos
envolvidos: não foi somente Nikolas; Gustavo Gayer, um patife das redes, e
Flavio Bolsonaro (dispensa comentários) fizeram ações mentirosas
reproduzindo o discurso sobre o Pix. Vale lembrar que ações coordenadas de
desinformação sempre envolvem vários canais e vários atores, mesmo que
tenha ali um ator principal
Muito
bem, para a concretização, entrou em cena então o tal marqueteiro de Jair, Duda
Lima, que conversou com Valdemar Costa Neto e ambos decidiram convocar Nikolas
para a “missão” de detonar o Pix.
O
marqueteiro definiu a estratégia de como poderia ser explorado o tema. Viram aí
que tem uma elaboração estratégica de comunicação, certo?
Duda
Lima, o marqueteiro, falou aos parlamentares do PL sobre a delicadeza do tema,
que gerava muito medo na população e que poderia ser usado em oposição ao
governo.
Lembrando
que o medo é um combustível forte para a desinformação e que amplamente
instrumentalizado pela extrema direita.
E
lembrando também de algo que falei bastante: se há temas sensíveis, em um mundo
midiático, e o Governo X, Y, Z vai lançar uma medida, é preciso monitorar esse
tema e se antecipar ao debate.
Outro
detalhe interessante: Duda Lima é desafeto de Sidônio Palmeira, atual ministro
da Secom, quando se enfrentaram na última eleição presidencial, em 2022.
Sidônio
assumiu criticando abertamente o perigo da desinformação e se colocando no
front de batalha.
Aproveito
pra reiterar novamente, como já havia feito em outros artigos, que o anúncio
dessa medida deveria ter sido acompanhando – ou melhor, antecipado por – uma
grande campanha de esclarecimento, informado tudo, sendo cristalino.
É um
tema delicado, um assunto que mexe sim com o imaginário das pessoas, preocupa o
trabalhador informal, mesmo que ele não ganhe cinco mil reais. Pressupor que todo
mundo sabe ou que tudo mundo entende é sinal de arrogância e indicativo pra
cair no abismo.
Agora
com o desfecho, nesse contexto tumultuado, sigo achando que o governo desistir
da medida foi sim uma estratégia de contenção de danos importante porque interrompe
a sangria desmedida da desinformação, que poderia chegar a níveis totalmente
incontornáveis – mesmo que haja custos políticos, e há.
Além
disso, expõe agora essas ações coordenadas e coloca em evidência o tema da
sonegação – a mídia já está nessa toada.
Pois,
para além da intenção de desestabilizar o Governo com a ação orquestrada de
desinformação, vemos que há todo um interesse desse agrupamento de extrema
direita em interromper qualquer tentativa de rastreamento das operações via Pix
porque é a mina de ouro da corrupção – vide aí os 17 milhões de Jair, o
financiamento do 8 de janeiro, entre outros.
Do meu
humilde lugar na fila do pão – sem querer dar receita nenhuma a ninguém –, eu
espero que o ministro Sidônio, de posse dessas informações todas e de mais
algumas, dê o troco na medida exata, escarafunchando essas histórias de
rachadinha, verba parlamentar, crime organizado e mostrando por que esses
delinquentes não querem que o Pix seja rastreado. E faça uma campanha com tudo
a que temos direito.
Sigamos,
pessoal, sem lamentações em excesso, porque a extrema direita já chegou a 2026.
¨
Frei Betto: Desafios às forças progressistas em
2025
Meu primeiro impulso foi intitular este texto de “desafios à esquerda”.
Logo me dei conta de que, hoje em dia, resta pouco do que considero esquerda –
que se empenha na superação do sistema capitalista.
Adoto “forças progressistas” porque a expressão inclui
antibolsonaristas, apoiadores do atual governo Lula, os que se empenham para
manter e ampliar a democracia formal, malgrado seu paradoxo de socializar a
esfera política (sufrágio universal) e privatizar a econômica, excluindo a
maioria da população brasileira de condições dignas de existência (moradia,
saúde, educação, cultura, oportunidades de trabalho, que resulta em redução
significativa do desemprego etc.).
Abordo em seguida os desafios que considero prioritários, a comunicação
no governo, a batalha ideológica, o fenômeno do empreendedorismo e o fator
religioso.
<><> A comunicação do governo
Embora haja grandes feitos em apenas dois anos de governo Lula, após
quatro de desmontes promovidos pelo governo de Jair Bolsonaro, poucos sabem
que, em 2023, a economia brasileira cresceu 2,9% (alcançou R$ 10,9 trilhões), e
em 2024, 3,5%; a renda dos trabalhadores aumentou 12% e consequentemente também
o consumo das famílias; o programa Bolsa Família passou a atender 21,1 milhões
de famílias (1 milhão a mais que em 2022); recuperação do salário mínimo
acima da inflação (embora o ajuste fiscal tenha limitado o crescimento real a
2,5%. em 2025 deveria ser de R$ 1.528 e passa a R$ 1.518); reestruturação do
IBAMA e da FUNAI; o novo programa Pé de Meia (que beneficia 3,9 milhões de
estudantes do ensino médio); a instalação de mais de 100 unidades dos
Institutos Federais; o programa Mais Médicos, que atende populações mais
vulneráveis, conta, atualmente, com quase 25 mil médicos contratados pelo
governo federal; e o protagonismo do Brasil no cenário internacional (Brics,
G20, COP 30 etc.). Haveria muito mais a destacar.
Apesar de tantos avanços, o governo falha na comunicação. Até agora não
soube montar uma trincheira digital capaz de superar a influência da
extrema-direita nas redes. Pesquisas indicam que 76% dos brasileiros se
informam por redes digitais e sites de notícias.
A guerra digital exige um número expressivo de profissionais dedicados à
comunicação digital, com a possibilidade de formar grandes influenciadores. O
fenômeno eleitoral Pablo Marçal, que não dispunha sequer de um minuto de
propaganda na TV, deveria servir para alertar sobre a importância dessa
ofensiva.
<><> A batalha ideológica
Outro fator que julgo importante para que as forças progressistas não
venham a ser derrotadas pelos neofascistas na eleição presidencial de 2026 é a
batalha ideológica.
Convém lembrar que o fim da ditadura militar, em 1985, não resultou de
suas inerentes contradições. Pesaram, sobretudo, o desgaste ideológico com as
frequentes denúncias de violações de direitos humanos, o testemunho de
ex-presos políticos e de familiares de mortos e desaparecidos, a pressão
internacional pela redemocratização do Brasil, e as grandes mobilizações
populares como a Passeata dos Cem Mil, as greves operárias do ABC paulista e as
concentrações pelas Diretas Já!
Hoje, a esquerda se encontra órfã de referências ideológicas. Elas se
multiplicavam antes da queda do Muro de Berlim (1989). Países socialistas
serviam de parâmetros às utopias libertárias. O estudo do marxismo e a sua
aplicação nas análises da realidade vigoravam. Havia uma militância aguerrida
que atuava voluntariamente nas campanhas eleitorais. A extrema direita se
sentia acuada e a polarização da esquerda se dava com a social-democracia.
Isso acabou. Os tempos são outros. E sombrios. A direita se encontra em
ascensão eleitoral no mundo. Sua máxima expressão, Donald Trump, ocupa o cargo
mais poderoso do planeta. A direita passou a fazer intensa (des)educação
política do povo, enquanto as forças progressistas deixaram Paulo Freire
dormitar nas prateleiras.
As forças progressistas perderam a capacidade de promover grandes
mobilizações populares diante da falta de educação política do povo, da
excessiva burocratização dos partidos progressistas, da perda de referências
históricas e do esgarçamento do movimento sindical.
<><> Empreendedorismo
O fenômeno do empreendedorismo não é novo. A novidade é ter se tornado
um modismo para as classes populares. Vários fatores concorrem para isso:
retrocessos e perda dos direitos trabalhistas, precarização das relações de
trabalho, desarticulação das estruturas sindicais, supremacia da
financeirização sobre a produção, esgarçamento das relações sociais provocado
pelas redes digitais etc.
O neoliberalismo, em sua era digital, mina as relações corporativas. A
uberização das condições de trabalho e a síndrome dos influenciadores
internáuticos, bem como a monetização das redes, criam a ilusão de que todos
podem ascender socialmente sem muito esforço. Basta ousar ser patrão de si
mesmo. É a nova versão do self-made man.
Outrora a elite era constituída pela nobreza. Na medida em que os
títulos nobiliárquicos foram sendo substituídos pelos títulos da Bolsa de
Valores, o sangue azul cedeu lugar aos milionários que alcançaram o topo da
pirâmide social graças ao empreendedorismo.
Há que acrescer a isso a despolitização da sociedade, agravada desde a
queda do Muro de Berlim. Como falar de sociedade pós-capitalista se o
socialismo real fracassou? Como incutir nas novas gerações a consciência
crítica se o marxismo já não está em voga? Como ampliar o espectro social e
eleitoral das forças progressistas se elas abandonaram o trabalho de base?
São desafios que ainda não encontram respostas. E a falta de respostas
acelera a ascensão da direita. Faz com que se repitam fatos surpreendentes,
como a vitória de Lula sobre Bolsonaro, nas eleições de 2022, por apenas pouco
mais de 2 milhões votos, em um universo de 156 milhões de eleitores. Ou a
reeleição de Trump em 2024, vitorioso no colégio eleitoral e no voto popular.
Hoje, o eleitor, desprovido de consciência de classe, de relações
corporativas (como as sindicais) e imunizado pelos impactos da grande mídia
graças às suas bolhas digitais, busca eleger quem lhe possa garantir um lugar
ao sol na praia das oportunidades. Na falta de referências revolucionárias
(Vietnã, Sierra Maestra, figuras como Mao Tsé-Tung e Fidel) ele vota pensando,
primeiro, na prosperidade individual, e não coletiva.
Os eleitores pobres manifestam seu inconformismo ao dar apoio aos que
ostentam a bandeira da “antipolítica”. Decepcionados com os políticos
tradicionais, preferem os arrivistas, os messiânicos, os que ousam contrariar o
perfil da institucionalidade política e se glamourizam pelo histrionismo.
Convém ressaltar que aqueles que se encontram sociologicamente na
pobreza não mais se consideram pobres. Para eles, pobres são aqueles que vivem
em situação de rua. Um episódio demonstra bem o que assinalo: durante a
campanha eleitoral à prefeitura de São Paulo, em 2024, um líder do MTST visitou
uma invasão urbana. Não se tratava de ocupação. Um terreno privado havia sido
invadido por inúmeras pessoas induzidas por um espertalhão que cobrou por cada
espaço em que barracos precários foram erguidos.
Na conversa com um dos invasores, o líder do movimento social indagou
como ele se sentia naquela situação de pobreza. O cidadão, vendedor ambulante,
reagiu: “Não sou pobre. Tenho um terreno, uma casa e paguei por esse espaço.”
Espaço que, com certeza, passado o período eleitoral, o dono da área pedirá
reintegração de posse e todos serão expulsos dali pela Polícia Militar.
<><> O fator religioso
Outro importante fator que explica como a esquerda perdeu a mística e a
direita “saiu do armário” é a inversão da motivação religiosa. Entre as décadas
de 1970 e 1990, a principal rede de organização e mobilização popular no Brasil
eram as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e as pastorais populares,
inspiradas pela Teologia da Libertação.
Isso foi desmantelado com os 34 anos (1978-2013) de pontificados
conservadores de João Paulo II e Bento XVI. Coincidiu com o espantoso
crescimento das Igrejas evangélicas, cuja maioria de fiéis faz uma leitura
salvacionista da Bíblia (pauta de costumes) e não libertária como faziam as
Comunidades Eclesiais de Base.
A Igreja Católica, que havia feito “opção pelos pobres”, viu os pobres
optarem pelas Igrejas evangélicas, nas quais encontram acolhimento e suporte
social, inexistentes na maioria das paróquias católicas. Acresce-se a isso o
erro de os legisladores brasileiros isentarem as Igrejas de pagar impostos como
IPTU, ISS e imposto de renda sobre dízimos e doações. Assim, muitas novas
Igrejas surgem para facilitar a lavagem de dinheiro…
As forças progressistas, acuadas pelo fundamentalismo religioso dotado
de inegável poder eleitoral, ainda não sabem como enfrentar esse fator que
constitui o substrato cultural de nosso povo. E o governo não encontrou ainda
uma estratégia que se contraponha ao fenômeno do conservadorismo religioso,
cujo impacto cultural e político é significativo.
Em resumo, a direita pode, sim, vencer as eleições presidenciais de 2026
caso o governo Lula e as forças progressistas não recalibrem suas estratégias
na comunicação, nas trincheiras digitais, na educação política da população, na
questão religiosa, no trabalho de base dos partidos políticos progressistas.
Políticas sociais, por mais necessárias e eficientes que sejam, não
mudam a cabeça do povo. Só uma ofensiva cultural, ideológica, será capaz de
disseminar na população brasileira um novo consenso progressista como o que
elegeu Dilma Rousseff duas vezes e Lula, três.
Fonte: Viomundo/A
Terra é Redonda
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