A reação do papa a
planos de Trump de deportar imigrantes: 'Uma desgraça'
O Papa Francisco afirmou que
os planos de Donald Trump para deportar
migrantes ilegais dos EUA seriam uma "vergonha" se se concretizassem.
Em entrevista a um
programa de TV italiano, transmitido de sua residência no Vaticano, Francisco
disse que, caso os planos avançassem, Trump faria "miseráveis que não têm
nada pagarem a conta". "Isso não está certo. Não é assim que se
resolvem os problemas", afirmou.
Trump prometeu
iniciar a maior deportação
de imigrantes indocumentados da história dos EUA logo após
assumir o cargo.
Em uma mensagem a
Trump, compartilhada na segunda-feira, o Papa ofereceu-lhe "saudações
cordiais" e o incentivou a liderar uma sociedade com "não há espaço
para ódio, discriminação ou exclusão", promovendo "paz e
reconciliação entre os povos".
O Papa é conhecido
por considerar a questão dos migrantes de grande importância. Durante uma
audiência pública em agosto, ele disse que "trabalhar sistematicamente por
todos os meios para afastar migrantes" é "um grave pecado".
Em 2016, antes das
primeiras eleições presidenciais vencidas por Trump, o Papa afirmou que
"uma pessoa que pensa apenas em construir muros... e não em
construir pontes, não é cristã".
Referindo-se à
promessa de Trump de construir um muro na fronteira com o México para impedir a
entrada de migrantes nos EUA, Francisco disse: "Eu digo apenas que esse
homem não é cristão se ele falou coisas assim. Devemos ver se ele disse isso
dessa forma, e eu lhe darei o benefício da dúvida".
Francisco e Trump
se encontraram mais tarde, quando Trump e sua família visitaram Roma em 2017.
Antes da eleição
presidencial dos EUA em 2024, o Papa recusou-se a dizer se as pessoas
deveriam votar em Trump ou em sua adversária democrata, Kamala Harris, limitando-se a
aconselhar os eleitores a escolherem "o mal menor", de acordo com sua
consciência.
Durante a
entrevista no domingo à noite, Francisco também abordou a questão da migração
para a Europa, afirmando que há "muita crueldade" e que todos têm
"o direito de permanecer em casa e o direito de emigrar".
O Papa acrescentou
ainda que alguns dos países do sul da Europa que recebem o maior número de
migrantes "não estão tendo filhos e precisam de mão de obra".
"Em alguns desses países, há vilarejos inteiros que estão vazios. Uma boa
política migratória, bem pensada, ajudaria países como Itália e Espanha
também", disse.
Em outra parte da
entrevista, Francisco foi questionado sobre as guerras na Ucrânia e no Oriente Médio
e afirmou que não entendia por que fazer a paz era tão difícil. "Não sei
por que... é como se houvesse uma força internacional em direção à
autodestruição", afirmou o Papa.
Francisco, de 88
anos, ocupa o cargo desde 2013, quando foi eleito para suceder o Papa Bento
XVI.
¨
Donald Trump
realmente pode deportar 1 milhão de migrantes sem visto?
Durante a campanha
para as eleições presidenciais, Donald Trump prometeu que
deportará em massa os migrantes que não
tiverem vistos válidos para permanecer nos Estados Unidos.
Ele falou sobre o
tema em diversas ocasiões e reiterou que esse será um de seus grandes projetos
durante o segundo mandato.
Embora a campanha
do republicano tenha respondido de diferentes maneiras à questão de quantos
poderiam acabar sendo expulsos, o seu companheiro de chapa, o agora
vice-presidente JD Vance, deu um número concreto durante uma entrevista à
televisão ABC.
“Vamos começar com
um milhão de pessoas. Foi aí que Kamala Harris falhou e a partir daí podemos
começar a trabalhar”, afirmou o então senador, durante a corrida eleitoral de
2024.
Mas embora a ideia
já faça parte das propostas da plataforma eleitoral de Trump —sob o lema
“Deportações em massa, já!” — os especialistas alertam que expulsar tantas
pessoas do país geraria uma série de desafios jurídicos e até práticos.
Os defensores dos
migrantes também alertam para o custo humano significativo das deportações, com
famílias separadas e prejuízo a comunidades e diversos locais de trabalho nos
EUA.
Com Trump de volta
à Casa Branca, ele será capaz de colocar em prática esta proposta?
Quais são os
desafios legais?
De acordo com os
últimos números do Departamento de Segurança Interna e do instituto de pesquisa
Pew Research, cerca de 11 milhões de migrantes sem visto vivem hoje nos EUA,
número que se manteve relativamente estável desde 2005.
A maioria deles são
residentes de longa duração: quase quatro em cada cinco migrantes sem
documentos estão no país há pelo menos uma década.
Os migrantes que
estão ilegalmente no país têm direito ao devido processo, incluindo uma
audiência judicial antes de serem deportados.
Assim, um aumento
drástico nas deportações envolveria provavelmente primeiro a expansão do
sistema judicial de migração, que atualmente está saturado e com atrasos na
resolução de casos.
A maioria dos
migrantes não entrou no sistema de deportação após serem detidos por agentes de
Imigração e Alfândega (ICE), mas, sim, pela polícia local.
No entanto, foram
aprovadas leis em muitas das principais cidades do país que restringem a
cooperação entre a polícia e o ICE.
A campanha de Trump
se comprometeu a tomar medidas contra essas cidades, chamadas "cidades
santuário", mas a rede de leis locais, estaduais e federais nos EUA
complica a situação.
Kathleen
Bush-Joseph, analista do instituto Migration Policy, com sede em Washington,
destaca que a cooperação entre os agentes do ICE e as autoridades locais seria
essencial para concretizar um programa de deportação em massa.
"É muito mais
fácil para o ICE buscar alguém na prisão se as autoridades locais colaborarem,
em vez de ter de precisar fazer essas buscas nas ruas", diz Bush-Joseph.
Como exemplo de
quão crucial é esse aspecto, Bush-Joseph recorda algumas declarações proferidas
no início de agosto por autoridades policiais do Condado de Broward e Palm
Beach, na Flórida, quando garantiram que não enviariam nenhum dos seus agentes
para ajudar nos planos de deportação em massa.
"Há muitos
outros condados que não vão cooperar com o plano de deportação em massa de
Trump. E isso torna tudo muito mais difícil", explica.
Qualquer programa
de deportação em massa também terá muitas implicações jurídicas, especialmente
devido aos processos judiciais que se espera que isso gere entre organizações
de direitos humanos.
No entanto, uma
decisão do Supremo Tribunal de 2022 estabeleceu que os tribunais não podem
emitir liminares sobre as políticas de aplicação da imigração, o que significa
que permaneceriam em vigor mesmo que os desafios atravessassem o sistema jurídico.
<><> O
projeto é viável do ponto de vista logístico?
Agora, se o governo
dos EUA avançasse com as medidas legais que tornam possível o plano de
deportação em massa de Trump, as autoridades ainda teriam de lidar com enormes
desafios logísticos.
Durante o mandato
de Joe Biden, os esforços de deportação se concentraram nos migrantes detidos
na fronteira.
Aqueles que já
estavam no país e acabaram sendo deportados geralmente tinham antecedentes
criminais ou eram considerados uma "ameaça à segurança nacional".
Em 2021, as
polêmicas ações realizadas durante o governo de Donald Trump em locais de
trabalho foram suspensas.
E, ao contrário dos
detidos na fronteira, o número de deportações de pessoas detidas dentro dos
Estados Unidos tem diminuído na última década, até ficar abaixo dos 100 mil por
ano.
O pico, de 230
mil/ano, aconteceu durante os primeiros anos do governo de Barack Obama.
"Para
multiplicar esse número e chegar a um milhão (de deportados) num único ano,
será necessário um enorme investimento de recursos que atualmente parecem não
existir", afirma Aaron Reichlin-Melnick, diretor de políticas do Conselho
de Imigração dos EUA.
Por um lado, os
especialistas duvidam que os 20 mil agentes do ICE e o pessoal de apoio sejam
suficientes para procurar e encontrar mesmo uma fração do número que Trump tem
como alvo.
Além disso,
Reichlin-Melnick salienta que o processo de deportação é longo e complicado — e
que a identificação e a detenção de um migrante sem documentos é apenas o
começo.
Depois, os detidos
precisam ficar em um centro de detenção ou em um programa alternativo, à espera
de uma audiência perante um juiz de imigração, o que faz o sistema acumular
casos há anos sem poder encerrá-los.
Concluída esta
etapa, acontece a deportação de fato, o que também requer a cooperação
diplomática do país que vai receber a pessoa.
"O ICE
simplesmente não tem capacidade para processar milhões de pessoas em cada uma
dessas etapas", diz Reichlin-Melnick.
Trump disse que
envolverá a Guarda Nacional e outras forças militares para ajudar nas
deportações.
Historicamente, as
forças militares dos EUA tiveram um papel limitado, mais como um apoio na
fronteira com o México.
Além de contar com
os militares e com a ajuda das "aplicações da lei locais", Trump deu
poucas pistas sobre como executaria o plano de deportação em massa.
Numa entrevista à
revista Time no início de 2024, o futuro presidente disse apenas que não
descartava a construção de novos centros de detenção de migrantes e que tomaria
medidas para proporcionar imunidade à polícia, para protegê-la de possíveis
processos judiciais de grupos progressistas.
E acrescentou que
poderá criar incentivos para as polícias locais e estaduais que participem do
plano — e que quem não quiser, "não ganhará os benefícios".
"Temos que
fazer isso. Não é sustentável para o nosso país."
Durante a campanha
de 2024, a BBC tentou contato com a equipe de Trump para obter mais detalhes.
Eric Ruark, diretor
de investigação da NumbersUSA — uma organização que defende controles de
imigração mais rigorosos — disse que qualquer programa de deportação dentro do
país só será eficaz se for acompanhado de um aumento no pessoal que controla a
fronteira.
"Essa tem que
ser a prioridade. Caso contrário, não haverá muito progresso nesta questão. [A
falta de pessoal] é o que faz com que as pessoas cheguem à fronteira",
ressalta Ruark.
Ele acrescenta que
também é necessária uma ofensiva contra as empresas que contratam imigrantes
indocumentados.
"(Os
imigrantes) vêm em busca de trabalho", enfatiza.
"E têm
sucesso, basicamente porque a capacidade de monitorar e fazer cumprir a lei foi
desmantelada."
<><> O
custo político e financeiro
Os especialistas
estimam o custo de manter um plano como o proposto por Trump em cerca de 100
bilhões de dólares.
O orçamento do ICE
em 2023 para transferência e deportação foi de 327 milhões de dólares e
expulsou quase 140 mil pessoas do país.
Segundo o projeto
do novo presidente americano, milhares de pessoas que aguardam audiências de
imigração poderão ser detidas.
A campanha do
candidato presidencial republicano planejou construir grandes acampamentos para
abrigar todos eles.
Também seria
necessário multiplicar os voos para realizar as deportações, o que
provavelmente envolveria o apoio da força aérea local.
E o que está claro
é que qualquer aumento no funcionamento dos departamentos correspondentes
implica no disparo dos custos.
"Mesmo uma
pequena alteração custa dezenas de milhões de dólares", explica
Reichlin-Melnick.
Além disso, teriam
de ser somados às despesas de outros esforços de controle fronteiriço que Trump
prometeu: os de continuar construindo o muro na fronteira com o México, um
bloqueio naval para impedir a entrada de fentanil no país e as transferências
de milhares de soldados para a fronteira.
Adam Isacson,
especialista em migração e fronteiras do Escritório de Washington para a
América Latina (WOLA, na sigla em inglês), disse que "imagens horríveis de
deportações em massa" também poderiam ter um custo político para Trump.
"Todas as
comunidades da América veriam pessoas que conhecem e amam sendo colocadas
nesses ônibus", explica ele.
"Haveria
imagens muito dolorosas de crianças chorando, de famílias, na televisão. Tudo
isso é uma péssima impressão. É o que já vimos com a política de separação
familiar, mas de forma amplificada", antevê ele.
Já houve
deportações em massa antes?
Nos quatro anos em
que Trump ocupou a Casa Branca, cerca de 1,5 milhões de pessoas foram
deportadas, tanto a partir da fronteira como de dentro do país.
Durante o último
ano fiscal da administração Biden, foram expulsos mais de 271 mil imigrantes
ilegais, um novo recorde nos registros dos EUA.
Durante os dois
mandatos de Obama, quando Biden era vice-presidente, mais de três milhões de
pessoas foram deportadas, o que levou alguns defensores da reforma da imigração
a apelidarem o então presidente de "deportador-chefe".
Mas o único
programa comparável ao proposto por Trump seria talvez o realizado em 1954 no
âmbito da chamada "Operação Wetback", que leva o nome de um insulto
comum que foi usado na época contra os mexicanos, e levou à deportação de 1,3
milhão de pessoas.
Embora existam
historiadores que duvidam do número.
O plano, aprovado
pelo presidente Dwight Eisenhower, encontrou considerável oposição pública — em
parte porque alguns cidadãos americanos também foram deportados — bem como
falta de financiamento.
Em 1955, ele foi
descontinuado.
Especialistas em
imigração afirmam que o fato de se concentrar em pessoas originárias do México
e a falta do devido processo legal significa que a operação da década de 1950
não pode ser comparada a um atual programa de deportação em massa.
"Os deportados
eram homens mexicanos solteiros", observa Bush-Joseph.
"Agora, a
grande maioria dos que atravessam a fronteira nas áreas entre os postos de
entrada não são originários do México, nem mesmo do norte da América Central. E
isso torna muito mais difícil deportá-los.".
"São situações
incomparáveis", conclui a especialista.
Fonte: BBC News
Mundo
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