Dólar, Amazônia,
STF: um guia para entender o provável impacto do governo Trump no Brasil
Donald Trump voltou
à Casa Branca neste 20 de
janeiro e ao tomar posse na presidência já quebrando um novo recorde: a equipe
do republicano trabalhou no
preparo de mais de uma centena de medidas que o novo presidente assinou tão
logo conclua seu juramento como novo mandatário da nação.
Entre as medidas,
algumas foram anunciadas ainda durante a campanha, como o perdão a ao menos
parte dos condenados pela invasão ao
Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Parte
das medidas chegou até a ser anunciada já pelo presidente eleito, embora
ninguém possa garantir que serão realmente implementadas, como as tarifas de 25% sobre
produtos importados do México e do Canadá.
E há medidas que,
negativa ou positivamente, terão impacto sobre o Brasil. Se e quando tais
medidas podem ser assinadas é imprevisível até mesmo para auxiliares do próprio
Trump, mas, a seguir, a BBC News Brasil lista algumas das ideias que foram
ventiladas pelo entorno do presidente .
Estas medidas
incluem: tarifas e seus efeitos sobre o dólar e sobre a economia do Brasil,
deportações de imigrantes, pressões políticas sobre o Supremo Tribunal
Federal,
mudanças na política ambiental global com impacto para o protagonismo
brasileiro e a Amazônia e possíveis
impactos para a política doméstica.
A BBC News Brasil
perguntou à equipe de Trump a respeito de medidas específicas em relação ao
Brasil, mas não obteve resposta.
·
Tarifas
e e seu impacto no dólar no Brasil
Novas taxas sobre
produtos estrangeiros são um dos instrumentos mais importantes na política
econômica proposta por Donald Trump. Como o próprio republicano afirmou, tarifa
é "a palavra mais bonita do dicionário" para ele.
Ainda não está
claro em qual extensão ele de fato aplicará novas tarifas. Tampouco se sabe
quanto elas vão mirar o Brasil diretamente (leia mais abaixo).
Mas o que já é
certo é que o simples anúncio do plano de novas taxas com a volta de Trump para
a Casa Branca já vem trazendo consequências para a economia mundial, com forte
efeito sobre países emergentes como o Brasil.
A principal delas é
a enorme volatilidade do câmbio no mundo todo.
O dólar já vinha se
valorizando globalmente em 2024, mas o movimento ganhou novo impulso após a
vitória do republicano.
O panorama levou o
real a ser a moeda que
mais perdeu frente ao dólar globalmente no ano passado.
Esse efeito de
fortalecimento da moeda americana deve continuar agora e afetar o real?
A maior parte dos
analistas aposta que sim. Segundo a agência Reuters, a leitura é a de que
enquanto a incerteza sobre as tarifas persistir, os investidores terão
dificuldade em abandonar suas apostas otimistas no dólar.
Isso acontece por
conta de efeitos que se sobrepoem: se Trump fala em impulsionar a economia
interna e taxar importações, os analistas leem as medidas como potencialmente
inflacionárias nos EUA porque os produtos internos tenderiam a ficar mais
caros.
Uma maior inflação
lá pressionaria os juros americanos, atraindo mais capital do mundo e reduzindo
o fluxo de dólar no Brasil, fortalecendo-o frente ao real.
Além disso,
mercados nervosos com instabilidade trazida por Trump tendem a recorrer ao
dólar como moeda de reserva, mais uma vez desvalorizando moedas emergentes,
como o real, o que provoca também pressão inflacionária doméstica e pode
empurrar o aumento da taxa de juros brasileiras.
Todo esse
movimento, na análise majoritária dos analistas, tende a resultar em uma menor
taxa de crescimento da economia global.
É por tudo isso que
o Eurasia Group, uma das maiores consultorias de risco político do mundo,
afirmou em dezembro a seus clientes que o governo Trump por si só é um dos dois
fatores mais importantes para definir como será a segunda metade do governo
Lula — o outro é a
política de gastos públicos federais.
"Um cenário
global melhor do que o esperado certamente ajudaria [o Brasil]. Se Trump não
cumprir suas promessas sobre comércio e imigração, e o Federal Reserve [banco
central americano] tiver mais espaço para reduzir as taxas de juros, as tensões
sobre a política monetária no Brasil diminuiriam", escreveu a Eurasia.
Em relação a
tarifas propriamente ditas, diplomatas brasileiros acreditavam, logo que o
republicano se elegeu, que o Brasil não seria alvo preferencial das novas taxas
trumpistas.
O motivo é que o
Brasil não tem acordo de livre comércio firmado com os EUA. Além disso, a
balança comercial com os americanos é deficitária para o Brasil, ou seja, os
americanos vendem mais do que compram dos brasileiros — e por isso, em tese,
teriam mais a perder em caso de cobrança de tarifas.
Mas, o país é
integrante dos Brics, originalmente
composto por Brasil, Rússia, Índia e China — um bloco a quem os americanos veem
cada vez mais como antagonistas no jogo geopolítico global.
Em dezembro, Trump
chegou a anunciar textualmente que pretende colocar barreiras tarifárias de
100% nos produtos dos países dos Brics.
"Exigimos que
esses países se comprometam a não criar uma nova moeda dos Brics nem apoiar
qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano, caso contrário,
eles sofrerão 100% de tarifas e deverão dizer adeus às vendas para a
maravilhosa economia norte-americana", escreveu Trump em sua plataforma de
mídia social, a Truth Social.
"Eles podem
procurar outro 'otário'. Não há nenhuma chance dos Brics substituírem o dólar
americano no comércio internacional, e qualquer país que tentar deve dizer
adeus aos Estados Unidos", concluiu o republicano.
Não existe
atualmente a possibilidade de que o bloco adote uma moeda única, mas, de fato,
as nações têm criado instrumentos para trocas comerciais entre si em divisa
chinesa, e o Banco dos Brics tem dado empréstimos com moedas alternativas ao
dólar.
Mais tarde, em uma
coletiva de imprensa, Trump voltou à carga em relação a Índia e Brasil. "Nós
vamos tratar as pessoas de forma muito justa, mas a palavra 'recíproco' é
importante, porque se alguém nos cobra... Se a Índia nos cobrar 100% e nós não
cobrarmos nada pela mesma coisa... Eles mandam uma bicicleta para nós, nós
mandamos uma bicicleta para eles, eles nos cobram 100, 200. A Índia cobra
muito. O Brasil cobra muito. Se eles querem nos cobrar, tudo bem, mas vamos
cobrar a mesma coisa", disse o republicano.
À BBC News Brasil,
o presidente executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José
Augusto de Castro, disse que esta "declaração gera preocupação", mas
também se mostrou cético de que uma taxa tão alta realmente se confirme.
No primeiro
mandato, Trump chegou a impor taxas sobre alguns produtos brasileiros, como
chapas de aço e alumínio — o que prejudicou também parte da indústria americana
que tinha no produto matéria-prima. Nenhuma delas, no entanto, passou de 25%.
Mas nenhum outro
país foi alvo tão preferencial de sua taxação do que a China, a quem Trump
promete reinstaurar uma tarifa global de 10%.
Em sua primeira
gestão, a estratégia trouxe consequências amargas para setores da economia
americana — e lucros para o Brasil.
A China retaliou os
americanos impondo taxação sobre produtos importados dos EUA como soja e carne
de porco. Com isso, o agronegócio
brasileiro passou
a disputar e conquistar parte
deste enorme mercado consumidor.
Em 2016, Brasil e
EUA dividiam de forma quase equânime o mercado consumidor da soja chinês, com
46% e 40% das vendas, respectivamente. Durante a guerra comercial Trump-Xi
Jinping, a fatia brasileira foi a 80%, enquanto que a americana caiu para menos
de 20%. Esses patamares se mantêm até hoje.
Em proteína suína,
o Brasil triplicou sua venda de 2017 para 2018, no início da guerra comercial.
E em milho, o Brasil tomou a liderança dos americanos como o maior fornecedor
dos chineses.
·
Deportações:
230 mil brasileiros na mira
Trump se elegeu
prometendo levar a cabo as maiores deportações da história
recente dos EUA. O assunto foi um dos principais motes de sua campanha.
Embora seus aliados
tenham recentemente discordado publicamente sobre restringir ou expandir a
migração legal de trabalhadores altamente qualificados, não resta dúvidas de
que, ao contrário do que fez com o muro na fronteira
com o México,
deportações massivas são uma promessa que ele pretende e pode ter condições de
cumprir.
Para dar conta da
tarefa, Trump escalou como vice chefe de gabinete Stephen Miller, que tem o
tema como prioridade. E no posto de "czar da
fronteira",
ele colocou Tom Homan, um dos criadores da política de
separação de pais e filhos imigrantes indocumentados que causou
comoção global pelo grau de sofrimento humano.
A meta seria
expulsar ao menos um milhão de imigrantes indocumentados por ano. Homan agora
fala em deportar famílias inteiras juntas. E, após eleito, Trump afirmou que
assinaria logo que assumisse um decreto de estado de emergência que permita o
uso da Guarda Nacional na captura dos indocumentados.
De acordo com o
Instituto Pew Research, em 2022, a população de imigrantes indocumentados nos
EUA girava em torno de 11 milhões de pessoas — mas o número atual pode ser
maior.
Destes, 230 mil eram brasileiros, todos eles
potencialmente alvos de uma medida de deportação em massa por
Trump.
Em conversas com a
BBC News Brasil, fontes ligadas ao novo governo afirmaram que os brasileiros
estão longe de ser alvos preferenciais de expulsão. E repetiram algo que tem
sido dito publicamente também por Trump: que as expulsões chegarão primeiro
para imigrantes indocumentados com histórico criminal ou com ordem de
deportação final.
Por meio da lei de
acesso à informação dos Estados Unidos, a rede de comunicação Fox News obteve
informações de que o serviço de Imigração e Fiscalização alfandegária do país
(ICE, na sigla em inglês) hoje contabiliza quase 1,5 milhão de pessoas com
ordens de deportação ativas.
Dessas, 38.677 são
brasileiros. Se, em seu primeiro ano de mandato, Trump enviar apenas esses
quase 40 mil brasileiros de volta, ele terá expulsado o equivalente a quatro
vezes o número de cidadãos do Brasil deportados por Biden em quatro anos de
mandato.
Mas, claro, há
alguns países na América Latina com mais
pessoas com ordem de deportação, como México, Guatemala e Honduras, acima dos
250 mil cada. Já os salvadorenhos são mais de 200 mil.
Nesta sexta-feira
(17/1), um grupo de 10 países da América Latina e o Caribe que inclui o Brasil
divulgou comunicado no qual expressaram "grave preocupação" pela
possível deportação em massa de imigrantes e a defesa de seus direitos, ainda
que nem tenham citado Trump diretamente. O texto foi costurado em uma reunião
convocada pelo México para debater o tema migratório.
Seriam
movimentações profundas na população das Américas, com potencial de causar
impactos imprevisíveis para toda a região.
Para se ter uma
ideia, por exemplo, cerca de 15% do Produto Interno Bruto (PIB) de El Salvador
e Honduras vem das remessas de dinheiro que imigrantes nos EUA enviam de volta.
Sem essa fonte de
recursos, os dois países entrariam em crise. No caso do Brasil, globalmente, as
remessas não chegam a ser tão relevantes.
"Mas pode
haver um impacto econômico importante na região de Governador Valadares
[município em Minas Gerais] e entorno, que historicamente envia muitos
migrantes aos EUA", afirma Guilherme Casarões, professor de relações
internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
E há ainda o fato
de que parte dos imigrantes não tem exatamente para onde voltar.
É o caso de ao
menos parte dos haitianos e dos venezuelanos, por exemplo.
Nos últimos anos, o
governo americano chegou a pedir ao governo brasileiro que aceitasse receber
aviões de haitianos expulsos dos EUA — o que não chegou a acontecer.
Analistas acreditam
que esse tipo de pressão retornará, inclusive com a possibilidade de uso de
tarifas para forçar a negociação.
"Claramente
haverá muita pressão para encontrar países que recebam grandes levas de pessoas
à medida que esta agenda avance. Mas não quero ir muito longe no mundo das
previsões", disse à BBC News Brasil Lauri Tähtinen, especialista em
América Latina do Center for Strategic and International Studies.
Tähtinen argumenta
que a grande maioria dos migrantes indocumentados têm empregos em setores
nevrálgicos da economia americana, como construção civil e serviços, e que a
perda dessa mão de obra teria efeitos negativos para os Estados Unidos.
·
Big
techs, pressão sobre o STF e a esperança bolsonarista de cassação de visto de
Moraes
Outra área de
possível impacto do novo governo Trump no mundo todo e no Brasil é a questão da
regulação das redes sociais.
A volta do
republicano ao poder, dessa vez em aliança explícita com os bilionários Elon Musk, dono da rede
social X, e Mark Zuckerberg, CEO da Meta (que
controla Facebook, Instagram e Whatsapp), deve impulsionar uma
desregulamentação do setor, na contramão do que defendem tanto o governo Lula
como a maioria do juízes do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro.
Nesse contexto, é
possível esperar um aumento de pressão sobre o Supremo em relação às decisões
tomadas inicialmente pelo ministro Alexandre de Moraes — e depois
confirmadas em colegiado — para coibir notícias falsas em redes sociais.
Em 2023, tais
decisões levaram a uma queda de braço entre o bilionário Musk, o maior
financiador individual da candidatura Trump e um de seus mais importantes
conselheiros políticos, e o STF.
A tensão culminou
na suspensão do X (antigo
Twitter) no país por algumas semanas.
Mais tarde, Musk
voltou atrás e cumpriu as decisões
judiciais,
mas não sem criticar dura e publicamente o que vê como violação da liberdade de
expressão no Brasil.
Tal discurso,
aliás, passou a ser reproduzido
por Zuckerberg.
Sem citar o Supremo, Musk criticou recentemente "decisões secretas de
tribunais da América Latina". O empresário faz uma pública aproximação em
relação ao trumpismo.
"Em setembro
de 2024, havia uma disputa muito específica, quase pessoal, entre Elon Musk e
Alexandre de Moraes.
Hoje, com a debandada das big techs em direção ao governo Trump, essa
pressão não vai ser mais individual, de uma figura que se sentiu prejudicada
por políticas tomadas por uma autoridade do Brasil. Vai ser um movimento quase
que de setor contra o Brasil, a Suprema Corte", diz Guilherme Casarões, da
FGV.
Os argumentos de
Musk e de expoentes do bolsonarismo ganharam tração junto à base parlamentar
republicana.
Em setembro
passado, o então senador Marco Rubio, indicado para ser o secretário de Estado
de Trump, assinou, junto a colegas, uma carta ao Departamento de Estado na qual
dizia: "Estamos profundamente preocupados com o fato de Alexandre de
Moraes, ministro do Supremo Tribunal brasileiro, estar abusando do seu poder e
envolvendo-se numa campanha cada vez mais arbitrária para coagir uma empresa
americana de redes sociais a sufocar a oposição política interna e a minar os
direitos de liberdade de expressão do povo brasileiro".
A carta surgia em
um contexto no qual políticos brasileiros, como o deputado federal Eduardo
Bolsonaro (PL-SP), tentavam emplacar uma campanha para que os vistos americanos
do ministro Moraes e de outros integrantes da corte fossem cassados.
Essa medida não foi
levada à frente pela gestão Biden, mas estaria em análise no círculo trumpista,
segundo apurou a BBC News Brasil.
Em uma manifestação
à Suprema Corte do país acerca da rede social chinesa TikTok, ameaçada de
ser banida dos EUA em um
movimento iniciado pelo grupo político de Trump e do qual ele agora tenta se
distanciar, os advogados do republicano utilizaram o caso do bloqueio do X no
Brasil como exemplo negativo dos riscos à liberdade de expressão, mesmo em
ambientes democráticos.
"Existem
preocupações válidas de que a lei [que prevê banimento do Tiktok nos EUA] possa
estabelecer um precedente global perigoso ao exercer o poder extraordinário de
encerrar toda uma plataforma de redes sociais com base, em grande parte, em preocupações
sobre discurso crítico nessa plataforma", escreveram os advogados na
manifestação.
"Talvez não
por coincidência, logo após a aprovação da lei, outra grande democracia
ocidental – o Brasil – fechou totalmente outra plataforma de mídia social, X, por
mais de um mês, aparentemente com base no desejo daquele governo de suprimir o
discurso político oposicionista", segue o texto.
Anteriormente,
trumpistas como Marco Rubio viam o TikTok, e seu possível controle por Pequim,
como uma ameaça à segurança nacional dos EUA. Agora, Trump sinalizou
que deve assinar uma
medida para salvar a rede
utilizada por 170 milhões de americanos.
Na posse nesta
segunda, a expectativa é que Trump esteja ladeado por Musk, Zuckerberg e Shou
Zi Chew, CEO do TikTok.
"É muito
difícil dizer que tipos de políticas de vistos ou ordens executivas
relacionadas a essas questões verão a luz do dia neste caso do Supremo. Mas é
fato que a política brasileira em geral está contribuindo para a discussão, em
diferentes partes do chamado mundo livre, sobre qual é o futuro de grandes
plataformas tecnológicas na democracia", diz Tähtinen, do Center for
Strategic and International Studies.
Diplomatas
brasileiros, cientes da possibilidade de que a pressão sobre o Judiciário
brasileiro se expresse por meio do banimento de vistos, dizem que este cenário
poderia abrir uma crise institucional sem precedentes em 200 anos de história
de relações entre Brasil e EUA, mas que é cedo para saber o que esperar do
segundo governo Trump.
·
Amazônia,
meio ambiente e energias renováveis
É extremamente
provável que Trump inaugure seu segundo mandato reeditando a retirada dos
Estados Unidos do Acordo de Paris, que prevê que países ricos diminuam suas
emissões de gases do efeito estufa e financiem os países mais pobres no esforço
pra mitigar e se adaptar aos efeitos do aquecimento global.
Trump é
historicamente negacionista do aquecimento global e não demonstra disposição de
sentar à mesa para negociar opções para conter a temperatura do planeta.
Com o mote de
campanha "drill, baby,drill" (algo como "perfure, baby,
perfure", em relação a poços de petróleo), não existe motivo para esperar
que o presidente americano compareça ou se
engaje na COP30,
que acontecerá em Belém, em novembro, com o Brasil como anfitrião.
Além disso, Trump
deve ignorar o compromisso firmado por seu antecessor, Joe Biden, de remeter
meio bilhão de dólares ao Fundo Amazônia. O democrata, que se tornou o primeiro
presidente americano no cargo a visitar a floresta no fim do ano passado, só cumpriu ⅕ da própria
promessa.
Segundo Casarões, a
Amazônia ainda não entrou no mapa mental de Trump — preocupado com regiões
sensíveis para o comércio internacional, como o Canal do
Panamá,
ou pontos estratégicos do ponto de vista de posição e riquezas minerais, como
a Groenlândia.
Mas o especialista
vê espaço para que Trump adote posturas pragmáticas em relação a energias renováveis e na
exploração de minerais importantes para indústrias como as dos carros elétricos
e de turbinas eólicas — entre o quais lítio e terras-raras, os quais o Brasil
possui.
Tähtinen concorda:
"Os EUA passaram por uma revolução de energia renovável nos últimos anos,
especialmente em alguns Estados vermelhos [republicanos], como o Texas. Então
há uma série de conversas frutíferas que o governo Lula pode ter com a
administração Trump, porque os dois países estão investindo tremendamente em
energia eólica e solar".
Já existem acordos
de cooperação na área mineral e de energias renováveis entre os dois países.
Tähtinen relembra
ainda que os dois mandatários concordam que seguir explorando petróleo é
importante para suas economias.
Já Casarões
menciona que mesmo governos antagônicos sentam-se à mesa quando o assunto é
produção energética.
Foi exatamente o
que aconteceu com Lula e o argentino Javier Milei que, em
novembro, fecharam um acordo para importação de gás natural pelo Brasil dos
campos de Vaca Muerta, em território argentino.
·
Apoio
à democracia e efeito na política interna
O último governo
Biden teve atuação importante para dissuadir escaladas autoritárias na América
Latina, em países como Guatemala e Venezuela.
Mas em nenhum deles
a atuação da Casa Branca pode ter sido tão importante quanto no Brasil.
Autoridades
americanas de agências como a CIA, do Conselho de Segurança Nacional, do
Departamento de Estado e das Forças Armadas se engajaram ativamente junto aos
militares brasileiros e a integrantes do governo Bolsonaro para advertir que
não concordariam com uma eventual aventura golpista e que não viam com bons
olhos as repetidas acusações — sem provas — de Bolsonaro de que o sistema
eleitoral brasileiro era fraudado.
O autor
de Como as democracias morrem, o cientista político da Universidade
Harvard Steven Levitsky, disse à BBC News
Brasil que esse tipo de atuação deve acabar sob Trump.
Nenhum programa de
impulsionamento de democracias na região ou de proteção contra notícias falsas
criado sob Biden deverá ser mantido.
"A primeira
coisa é que Trump não está nem aí para a democracia e, por vezes, admira
autocratas. Então, o tipo de promoção da democracia que os Estados Unidos
fizeram no passado, nem sempre de forma muito consistente, nem sempre de forma
muito eficaz, isso vai abrandar, se não parar", afirma Levitsky.
O pensador diz isso
a partir do que o mundo testemunhou na primeira gestão Trump, entre 2017 e
2021.
"O [primeiro]
governo Trump não fez nada para retardar a consolidação de uma ditadura na
Nicarágua ou o estabelecimento de uma autocracia sob Bukele em El Salvador,
tudo isso, e também um movimento em uma direção autoritária na Guatemala",
diz o pesquisador de Harvard.
"A América
Central se tornou muito mais autoritária sob Trump porque o governo Trump não
levantou um dedo para apoiar a democracia. O tipo de comportamento que o
governo Biden teve durante a crise no Brasil, ajudando a persuadir os militares
brasileiros a ficarem de fora de qualquer tipo de tentativa golpista, isso não
acontecerá sob Trump", avalia.
Segundo Levitsky,
não apenas a inação de Trump e dos EUA devem ter efeitos na região, mas o
próprio exemplo do republicano pode encorajar líderes latino-americanos a
adotarem comportamentos mais autoritários.
O cientista
político diz que isso já aconteceu ao longo do primeiro mandato de Trump. E
cita o ex-presidente Jair Bolsonaro como exemplo.
Os dois líderes
seguem próximos, embora Bolsonaro não esteja mais no poder, não possa concorrer
à eleição até 2030 e
tenha sido indiciado por
tentativa de golpe pela Polícia Federal.
Bolsonaro chegou a
ser convidado para a posse de Trump, embora sua viagem tenha sido barrada pela
Justiça. Já o presidente Lula não foi convidado.
Tradicionalmente,
chefes de Estado estrangeiros não recebem convite pessoal para posse dos
presidentes americanos, com um convite geral feito às representações
diplomáticas dos países nos EUA.
Trump quebrou esse
protocolo tradicional ao convidar pessoalmente cinco chefes de Estado ou
governo à sua posse — Xi Jinping (China), Giorgia Meloni (Itália), Javier Milei
(Argentina), Nayib Bukele (El Salvador) e Viktor Orbán (Hungria).
"A influência
de Trump já está sendo construída na realidade política nacional. Ele apoiou o
Bolsonaro na eleição de 2022, chamou o Lula de um lunático de extrema-esquerda,
então a incidência do peso político de um governo norte-americano sobre a
política nacional é um dado da realidade. Ela já está acontecendo e tende a se
intensificar nos próximos anos", avalia Casarões, para quem Trump não
tenderá a criar muitos canais com o atual governo brasileiro.
Por outro lado, o
pesquisador, estudioso da direita radical internacional, não acredita que um
governo Trump poderia financiar assaltos à democracia brasileira.
"Eu não acho
que o Trump vai bancar uma nova tentativa de golpe no Brasil para garantir em
2026 a chegada de Bolsonaro ao poder. Até porque, apenas pela via do apoio e
pelas urnas, esse campo tem grandes chances de vencer as próximas
eleições", diz Casarões.
Fonte: BBC News
Brasil
Nenhum comentário:
Postar um comentário