quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Quanto controle a China realmente tem sobre o Canal do Panamá

Em seu primeiro discurso após a posse como presidente dos Estados Unidos na segunda-feira (20/1), Donald Trump repetiu uma ideia que já havia insinuado dias atrás: a convicção de que "soldados da China" estão "operando de forma cordial, mas ilegal, o Canal do Panamá".

A afirmação foi desmentida por autoridades panamenhas e chinesas.

O presidente do Panamá, José Raúl Mulino, declarou repetidamente que isso é "um disparate", enfatizando que não há "absolutamente nenhuma interferência chinesa" no canal.

Nas últimas semanas, Trump ameaçou retomar o canal à força, alegando que são aplicadas tarifas "exorbitantes" para embarcações americanas, outra afirmação refutada pelas autoridades panamenhas.

A estratégica via navegável, responsável por cerca de 5% do volume do comércio marítimo mundial, é administrada pela Autoridade do Canal do Panamá, uma entidade do governo panamenho, e não por soldados chineses.

Ainda assim, a declaração imprecisa de Trump reflete a preocupação de alguns funcionários americanos com os investimentos significativos da China no canal e em sua infraestrutura adjacente.

·        A história do Canal

Os Estados Unidos tiveram um papel fundamental na construção e administração da hidrovia que une os oceanos Atlântico e Pacífico.

Após uma tentativa fracassada da França de construir o canal, os Estados Unidos adquiriram os diretos de realizar o projeto.

A construção do canal foi concluída em 1914.

Ele permaneceu sob controle americano até 1977, quando o então presidente Jimmy Carter assinou um tratado para ceder gradualmente o canal ao Panamá - uma medida que Trump já classificou como "tola".

Desde 1999, a Autoridade do Canal do Panamá, que pertence ao governo panamenho, mas que opera de forma independente, assumiu o controle exclusivo sobre as operações da via interoceânica.

Os acordos firmados entre os EUA e o Panamá determinam que o canal será permanentemente neutro, mas que os EUA se reservam o direito de defender qualquer ameaça à neutralidade do canal utilizando força militar.

·        Qual é o papel da China nas operações do canal?

Não há evidências públicas de que o governo chinês exerça qualquer controle sobre o canal, mas empresas chinesas possuem uma presença significativa na região.

De outubro de 2023 a setembro de 2024, a China representou 21,4% do volume de carga que transitou pelo Canal do Panamá, tornando-se o segundo maior usuário, atrás apenas dos Estados Unidos.

Nos últimos anos, a China também realizou investimentos substanciais em portos e terminais próximos ao canal.

Dois dos cinco portos adjacentes ao canal, Balboa e Cristóbal, localizados nos lados Pacífico e Atlântico, respectivamente, são operados por uma subsidiária da Hutchison Port Holdings desde 1997.

Essa empresa é, por sua vez, subsidiária da CK Hutchison Holdings, um conglomerado com sede em Hong Kong fundado pelo empresário honconguês Li Ka-shing. O grupo possui operações portuárias em 24 países, incluindo o Reino Unido.

A exploração desses portos oferece à CK Hutchison Holdings uma grande quantidade de informações estratégicas potencialmente úteis sobre os navios que transitam pelo canal, afirmou Ryan Berg, diretor do Programa das Américas do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, um centro de pesquisas com sede em Washington.

"Existe uma crescente tensão geopolítica de caráter econômico entre os Estados Unidos e a China", disse Berg. "Esse tipo de informação sobre cargas seria extremamente útil em caso de uma guerra, envolvendo o controle das cadeias de suprimentos."

Embora a CK Hutchison Holdings não seja de propriedade estatal chinesa, Berg mencionou que, em Washington, há preocupações sobre o grau de controle que Pequim poderia exercer sobre a empresa.

A CK Hutchison Holdings não respondeu às perguntas enviadas pela BBC.

Segundo Andrew Thomas, professor da Universidade de Akron, nos EUA, e autor de um livro sobre o canal, as licitações para operar esses portos enfrentaram pouca concorrência.

"Naquela época, os Estados Unidos não davam importância a esses portos, e a Hutchison não encontrou objeções", explicou Thomas.

Empresas chinesas, tanto privadas quanto estatais, também ampliaram sua presença no Panamá com investimentos de bilhões de dólares, incluindo a construção de um terminal de cruzeiros e de uma ponte sobre o canal.

Esse "pacote de atividades chinesas", como descreveu Thomas, pode ter motivado a declaração de Trump de que o canal seria "propriedade" da China, embora a operação desses portos não equivalha à propriedade, enfatizou.

Pequim tem reiterado que os laços da China com a América Latina são baseados na "igualdade, vantagem mútua, inovação, abertura e benefícios para o povo".

·        Quais os interesses da China no Panamá?

A posição estratégica do Panamá faz com que a China esteja há anos trabalhando para aumentar sua influência no país e expandir sua presença em um continente que tradicionalmente tem sido considerado "o quintal" dos Estados Unidos.

Em 2017, o Panamá rompeu relações diplomáticas com Taiwan e estabeleceu laços formais com a China, marcando uma importante vitória para a diplomacia chinesa.

A China vê Taiwan como uma província separatista que um dia voltará a estar sob o controle de Pequim. No entanto, Taiwan se vê como um país independente, com sua própria Constituição e líderes democraticamente eleitos.

Meses depois, o Panamá tornou-se o primeiro país latino-americano a aderir à iniciativa chinesa "Cinturão e Rota", também conhecida como Nova Rota da Seda, um ambicioso projeto global de infraestrutura e investimentos avaliado em um trilhão de dólares.

A República Dominicana, El Salvador, Nicarágua e Honduras seguiram o exemplo, também rompendo relações com Taiwan em favor de Pequim.

A China tem ampliado gradualmente sua influência no Panamá, inaugurando o primeiro Instituto Confúcio no país e concedendo um financiamento para a construção de uma linha ferroviária.

Além disso, empresas chinesas têm patrocinado "cursos de treinamento em mídia" voltados para jornalistas panamenhos.

·        O que dizem no Panamá

Membros da comunidade chinesa no Panamá disseram à BBC que mal prestaram atenção às declarações de Trump.

Gerações de famílias chinesas se estabeleceram no país, e Dora Gao, uma cidadã chinesa que se mudou para a Cidade do Panamá há mais de uma década para abrir um restaurante, afirmou que as marcas da China estão "por toda parte no Panamá".

"O que Trump disse [sobre os soldados] é infundado e risível", afirmou Gao. "Acredito que ele se sente ameaçado pela crescente influência da China no Panamá."

Muitos panamenhos comuns ficaram perplexos com as declarações de Trump.

"Passei três meses com acesso total trabalhando em um livro para o sindicato dos pilotos do Canal do Panamá e cruzei o canal ida e volta 15 vezes", declarou à BBC o jornalista local Tito Herrera.

"Nunca vi um soldado chinês vigiando o Canal do Panamá, nem nada remotamente relacionado a isso."

 

¨      Quem manda no Golfo do México — e como Trump pode mudar o nome?

Mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América: foi isso que o presidente dos Estados UnidosDonald Trump, anunciou ao tomar posse nesta segunda-feira (20/01).

Trump já havia anunciado a intenção de mudar o nome do golfo após ser eleito presidente.

"Vamos mudar o nome do Golfo do México para Golfo da América", ele declarou durante uma entrevista coletiva em sua residência em Mar-a-Lago, na Flórida, no início de janeiro.

"Golfo da América, que nome bonito. E é apropriado...", acrescentou na ocasião, sem fornecer mais detalhes sobre sua proposta.

Na sequência, Trump afirmou que o México "deve parar de permitir que milhões de pessoas entrem em nosso país" — e posteriormente reiterou sua ameaça de impor "tarifas muito sérias" ao México e ao Canadá.

Não está claro como Trump planeja realizar a mudança de nome do Golfo do México, mas logo após suas declarações no início de janeiro, a deputada republicana Marjorie Taylor Greene afirmou que apresentaria rapidamente um projeto de lei para mudar o nome do Golfo do México.

"O segundo mandato do presidente Trump teve um GRAN começo", escreveu Taylor Greene no X (antigo Twitter). "Vou apresentar uma [proposta de] legislação o mais rápido possível para mudar oficialmente o nome do Golfo do México para seu nome legítimo, Golfo da América!"

Mas será que é possível mudar o nome de um corpo d'água internacional?

·        A quem pertence o Golfo do México?

O Golfo do México, que abrange uma área de mais de 1,6 milhão de km², é uma bacia oceânica contida entre o Oceano Atlântico e o Mar do Caribe, entre os litorais do leste do México, do sudeste dos Estados Unidos e do oeste de Cuba.

Cinco Estados mexicanos possuem costa no golfo: Tamaulipas, Veracruz, Tabasco, Campeche e Yucatán. Assim como os Estados americanos da Flórida, Alabama, Mississippi, Louisiana e Texas, e as províncias cubanas de Pinar del Río e Artemisa.

O golfo é uma das regiões produtoras de petróleo offshore mais importantes do mundo, sendo responsável por 14% da produção total de petróleo bruto e 5% da produção de gás natural seco dos Estados Unidos.

Para o México, o golfo também é fundamental, pois é de lá que é extraída a maior parte do petróleo do país, um dos principais motores de sua economia.

Há acordos internacionais de delimitação de fronteiras marítimas estabelecidos por organizações como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar entre os Estados Unidos e o México, os Estados Unidos e Cuba, e o México e Cuba.

A delimitação da fronteira do Golfo do México entre os Estados Unidos, México e Cuba também foi definida pela mais alta autoridade internacional em delimitação de mares, a Organização Hidrográfica Internacional (IHO, na sigla em inglês).

·        Por que se chama Golfo de México

O corpo d'água foi chamado pela primeira vez de Golfo do México nos mapas europeus do século 16.

Como escreveu Susan Parker no St. Augustine Record, um jornal local da Flórida, "Baptiste Boazio, o ilustrador e cartógrafo das expedições caribenhas do (explorador inglês) Francis Drake na década de 1580, usou o 'Golfo do México' em seu mapa chamado 'Vista de toda a rota da viagem de Sir Francis Drake às Índias Ocidentais'".

"O mapa de De Bry de 1591 também usa o nome Golfo do México", ela acrescenta.

Já um mapa de 1630 chamou o corpo d'água de "Golfo da Nova Espanha", nome que, sob o Vice-Reino da Nova Espanha, incluía o que hoje é a Flórida, parte do sudeste dos Estados Unidos, México e grande parte da América Central.

Mas Golfo do México é o nome que continuou a ser usado com mais frequência por mais de 400 anos.

·        É possível mudar o nome?

Para começar, Trump precisaria da aprovação do México e de Cuba para mudar o nome do Golfo do México.

Mas a presidente do México, Claudia Sheinbaum, já rebateu a proposta de Trump.

Com um sorriso no rosto e mostrando um mapa-múndi de 1607, no qual parte do território mexicano e parte do território dos Estados Unidos aparecem como uma única unidade — sem a separação de fronteiras que existe hoje —, ela sugeriu na quarta-feira (8/1) mudar nome dos EUA para "América Mexicana".

"Por que não os chamamos (os Estados Unidos) de América Mexicana? Soa bem, não é verdade?".

"Desde 1607, a Constituição de Apatzingán era da América Mexicana. Portanto, vamos chamar de América Mexicana", acrescentou.

Sheinbaum enfatizou que o nome Golfo do México é reconhecido internacionalmente.

"Acredito que ontem, com todo o respeito, o presidente Trump estava mal informado, achando que Felipe Calderón e García Luna ainda governavam o México, mas não. No México, o povo governa", concluiu a presidente.

Em paralelo, o secretário de Economia do país, Marcelo Ebrard, reiterou que o corpo d'água "vai continuar a ser chamado de Golfo do México".

"Não podemos responder a todas as declarações todos os dias", declarou Ebrard.

"Se nos encontrarmos daqui a 30 anos, o Golfo do México ainda vai se chamar Golfo do México. Mas não vamos nos envolver nesse debate. O que vamos fazer é proteger o relacionamento que nossos dois países têm".

Trump também precisaria da avaliação e aprovação de vários organismos internacionais, incluindo a Organização Hidrográfica Internacional, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar e o Grupo de Especialistas das Nações Unidas em Nomes Geográficos (UNGEGN, na sigla em inglês).

Além disso, como o Golfo do México abriga uma grande variedade de habitats e ecossistemas marinhos e costeiros, um novo nome implicaria em mudanças legais nas cartas náuticas, nos mapas oficiais e na legislação nacional, que cada país envolvido teria que contemplar.

·        Trump pode mudar o nome unilateralmente?

Mesmo que o México e Cuba se oponham à mudança do nome do golfo, é provável que Donald Trump consiga realizar seu desejo, embora outros países possam não reconhecer o nome Golfo da América.

Nos Estados Unidos, há mecanismos para renomear locais reconhecidos pelo governo federal.

Um deles é o Conselho para Nomes Geográficos (BGN, na sigla em inglês), órgão cujo objetivo é estabelecer e manter o uso uniforme de nomes geográficos no governo federal.

O conselho não cria nomes para lugares geográficos, mas aprova ou rejeita novos nomes propostos por agências federais, governos estaduais ou municipais e pela população.

Se levar adiante sua proposta, Trump não seria o primeiro presidente americano a pedir uma mudança de nome geográfico.

Em 2015, o BGN aprovou a solicitação do então presidente Barack Obama para mudar o nome do Monte McKinley, o pico mais alto da América do Norte, para Monte Denali, nome usado por gerações de povos nativos do Alasca, que significa "pico mais alto do mundo".

A montanha havia sido batizada em homenagem a William McKinley, um político de Ohio que foi eleito presidente dos EUA em 1896, e assassinado apenas seis meses após o início de seu segundo mandato.

McKinley nunca pôs os pés no Alasca, e Obama declarou que seu objetivo ao mudar o nome da montanha era melhorar as relações com os povos nativos americanos.

Aliás, Trump indicou no passado que deseja reverter a mudança do nome, para que o Monte Denali volte a se chamar Monte McKinley.

E, se o BGN aprovar um eventual pedido de Trump para mudar o nome do Golfo do México, não seria a primeira vez que mexicanos e americanos divergem sobre como chamar um corpo d'água contido em suas fronteiras.

O rio que atravessa a fronteira entre o Estado americano do Texas e os Estados mexicanos de Chihuahua, Coahuila, Nuevo León e Tamaulipas é conhecido como Rio Grande entre os americanos, enquanto os mexicanos o chamam de Rio Bravo.

 

Fonte: BBC News

 

 

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