Quanto controle a
China realmente tem sobre o Canal do Panamá
Em seu primeiro discurso após a posse
como presidente dos Estados Unidos na segunda-feira (20/1), Donald Trump repetiu uma
ideia que já havia insinuado dias atrás: a convicção de que "soldados da
China" estão "operando de forma cordial, mas ilegal, o Canal do Panamá".
A afirmação foi
desmentida por autoridades panamenhas e chinesas.
O presidente do
Panamá, José Raúl Mulino, declarou repetidamente que isso é "um
disparate", enfatizando que não há "absolutamente nenhuma
interferência chinesa" no canal.
Nas últimas
semanas, Trump ameaçou retomar o canal à força, alegando que são aplicadas
tarifas "exorbitantes" para embarcações americanas, outra afirmação
refutada pelas autoridades panamenhas.
A estratégica via
navegável, responsável por cerca de 5% do volume do comércio marítimo mundial,
é administrada pela Autoridade do Canal do Panamá, uma entidade do governo
panamenho, e não por soldados chineses.
Ainda assim, a
declaração imprecisa de Trump reflete a preocupação de alguns funcionários
americanos com os investimentos
significativos da China no canal e em sua infraestrutura adjacente.
·
A
história do Canal
Os Estados Unidos
tiveram um papel fundamental na construção e administração da hidrovia que une
os oceanos Atlântico e Pacífico.
Após uma tentativa
fracassada da França de construir o canal, os Estados Unidos adquiriram os
diretos de realizar o projeto.
A construção do
canal foi concluída em 1914.
Ele permaneceu sob
controle americano até 1977, quando o então presidente Jimmy Carter assinou um
tratado para ceder gradualmente o canal ao Panamá - uma medida que Trump já
classificou como "tola".
Desde 1999, a
Autoridade do Canal do Panamá, que pertence ao governo panamenho, mas que opera
de forma independente, assumiu o controle exclusivo sobre as operações da via
interoceânica.
Os acordos firmados
entre os EUA e o Panamá determinam que o canal será permanentemente neutro, mas
que os EUA se reservam o direito de defender qualquer ameaça à neutralidade do
canal utilizando força militar.
·
Qual
é o papel da China nas operações do canal?
Não há evidências
públicas de que o governo chinês exerça qualquer controle sobre o canal, mas
empresas chinesas possuem uma presença significativa na região.
De outubro de 2023
a setembro de 2024, a China representou 21,4% do volume de carga que transitou
pelo Canal do Panamá, tornando-se o segundo maior usuário, atrás apenas dos
Estados Unidos.
Nos últimos anos, a
China também realizou investimentos substanciais em portos e terminais próximos
ao canal.
Dois dos cinco
portos adjacentes ao canal, Balboa e Cristóbal, localizados nos lados Pacífico
e Atlântico, respectivamente, são operados por uma subsidiária da Hutchison
Port Holdings desde 1997.
Essa empresa é, por
sua vez, subsidiária da CK Hutchison Holdings, um conglomerado com sede em Hong
Kong fundado pelo empresário honconguês Li Ka-shing. O grupo possui operações
portuárias em 24 países, incluindo o Reino Unido.
A exploração desses
portos oferece à CK Hutchison Holdings uma grande quantidade de informações
estratégicas potencialmente úteis sobre os navios que transitam pelo canal,
afirmou Ryan Berg, diretor do Programa das Américas do Centro de Estudos
Estratégicos e Internacionais, um centro de pesquisas com sede em Washington.
"Existe uma
crescente tensão geopolítica de caráter econômico entre os Estados Unidos e a
China", disse Berg. "Esse tipo de informação sobre cargas seria
extremamente útil em caso de uma guerra, envolvendo o controle das cadeias de
suprimentos."
Embora a CK
Hutchison Holdings não seja de propriedade estatal chinesa, Berg mencionou que,
em Washington, há preocupações sobre o grau de controle que Pequim poderia
exercer sobre a empresa.
A CK Hutchison
Holdings não respondeu às perguntas enviadas pela BBC.
Segundo Andrew
Thomas, professor da Universidade de Akron, nos EUA, e autor de um livro sobre
o canal, as licitações para operar esses portos enfrentaram pouca concorrência.
"Naquela
época, os Estados Unidos não davam importância a esses portos, e a Hutchison
não encontrou objeções", explicou Thomas.
Empresas chinesas,
tanto privadas quanto estatais, também ampliaram sua presença no Panamá com
investimentos de bilhões de dólares, incluindo a construção de um terminal de
cruzeiros e de uma ponte sobre o canal.
Esse "pacote
de atividades chinesas", como descreveu Thomas, pode ter motivado a
declaração de Trump de que o canal seria "propriedade" da China,
embora a operação desses portos não equivalha à propriedade, enfatizou.
Pequim tem
reiterado que os laços da China com a América Latina são baseados na
"igualdade, vantagem mútua, inovação, abertura e benefícios para o
povo".
·
Quais
os interesses da China no Panamá?
A posição
estratégica do Panamá faz com que a China esteja há anos trabalhando para
aumentar sua influência no país e expandir sua presença em um continente que
tradicionalmente tem sido considerado "o quintal" dos Estados Unidos.
Em 2017, o Panamá
rompeu relações diplomáticas com Taiwan e estabeleceu
laços formais com a China, marcando uma importante vitória para a diplomacia
chinesa.
A China vê Taiwan
como uma província separatista que um dia voltará a estar sob o controle de
Pequim. No entanto, Taiwan se vê como um país independente, com sua própria
Constituição e líderes democraticamente eleitos.
Meses depois, o
Panamá tornou-se o primeiro país latino-americano a aderir à iniciativa chinesa
"Cinturão e Rota", também conhecida como Nova Rota da Seda, um ambicioso
projeto global de infraestrutura e investimentos avaliado em um trilhão de
dólares.
A República
Dominicana, El Salvador, Nicarágua e Honduras seguiram o exemplo, também
rompendo relações com Taiwan em favor de Pequim.
A China tem
ampliado gradualmente sua influência no Panamá, inaugurando o primeiro
Instituto Confúcio no país e concedendo um financiamento para a construção de
uma linha ferroviária.
Além disso,
empresas chinesas têm patrocinado "cursos de treinamento em mídia"
voltados para jornalistas panamenhos.
·
O
que dizem no Panamá
Membros da
comunidade chinesa no Panamá disseram à BBC que mal prestaram atenção às
declarações de Trump.
Gerações de
famílias chinesas se estabeleceram no país, e Dora Gao, uma cidadã chinesa que
se mudou para a Cidade do Panamá há mais de uma década para abrir um
restaurante, afirmou que as marcas da China estão "por toda parte no
Panamá".
"O que Trump
disse [sobre os soldados] é infundado e risível", afirmou Gao.
"Acredito que ele se sente ameaçado pela crescente influência da China no
Panamá."
Muitos panamenhos
comuns ficaram perplexos com as declarações de Trump.
"Passei três
meses com acesso total trabalhando em um livro para o sindicato dos pilotos do
Canal do Panamá e cruzei o canal ida e volta 15 vezes", declarou à BBC o
jornalista local Tito Herrera.
"Nunca vi um
soldado chinês vigiando o Canal do Panamá, nem nada remotamente relacionado a
isso."
¨ Quem manda no Golfo do México — e como Trump pode mudar
o nome?
Mudar o nome do
Golfo do México para Golfo da América: foi isso que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou ao tomar
posse nesta segunda-feira (20/01).
Trump já havia
anunciado a intenção de mudar o nome do golfo após ser eleito presidente.
"Vamos mudar o
nome do Golfo do México para Golfo da América", ele declarou durante uma
entrevista coletiva em sua residência em Mar-a-Lago, na Flórida, no início de
janeiro.
"Golfo da
América, que nome bonito. E é apropriado...", acrescentou na ocasião, sem
fornecer mais detalhes sobre sua proposta.
Na sequência, Trump
afirmou que o México "deve
parar de permitir que milhões de pessoas entrem em nosso país" — e
posteriormente reiterou sua ameaça de impor "tarifas muito sérias" ao
México e ao Canadá.
Não está claro como
Trump planeja realizar a mudança de nome do Golfo do México, mas logo após suas
declarações no início de janeiro, a deputada republicana Marjorie Taylor Greene
afirmou que apresentaria rapidamente um projeto de lei para mudar o nome do
Golfo do México.
"O segundo
mandato do presidente Trump teve um GRAN começo", escreveu
Taylor Greene no X (antigo Twitter). "Vou apresentar uma [proposta de] legislação
o mais rápido possível para mudar oficialmente o nome do Golfo do México para
seu nome legítimo, Golfo da América!"
Mas será que é
possível mudar o nome de um corpo d'água internacional?
·
A
quem pertence o Golfo do México?
O Golfo do México,
que abrange uma área de mais de 1,6 milhão de km², é uma bacia oceânica contida
entre o Oceano Atlântico e o Mar do Caribe, entre os litorais do leste do
México, do sudeste dos Estados Unidos e do oeste de Cuba.
Cinco Estados
mexicanos possuem costa no golfo: Tamaulipas, Veracruz, Tabasco, Campeche e
Yucatán. Assim como os Estados americanos da Flórida, Alabama, Mississippi,
Louisiana e Texas, e as províncias cubanas de Pinar del Río e Artemisa.
O golfo é uma das
regiões produtoras de petróleo offshore mais
importantes do mundo, sendo responsável por 14% da produção total de petróleo
bruto e 5% da produção de gás natural seco dos Estados Unidos.
Para o México, o
golfo também é fundamental, pois é de lá que é extraída a maior parte do
petróleo do país, um dos principais motores de sua economia.
Há acordos
internacionais de delimitação de fronteiras marítimas estabelecidos por
organizações como a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar entre os
Estados Unidos e o México, os Estados Unidos e Cuba, e o México e Cuba.
A delimitação da
fronteira do Golfo do México entre os Estados Unidos, México e Cuba também foi
definida pela mais alta autoridade internacional em delimitação de mares, a
Organização Hidrográfica Internacional (IHO, na sigla em inglês).
·
Por
que se chama Golfo de México
O corpo d'água foi
chamado pela primeira vez de Golfo do México nos mapas europeus do século 16.
Como escreveu Susan
Parker no St. Augustine Record, um jornal local da Flórida, "Baptiste
Boazio, o ilustrador e cartógrafo das expedições caribenhas do (explorador
inglês) Francis Drake na década de 1580, usou o 'Golfo do México' em seu mapa
chamado 'Vista de toda a rota da viagem de Sir Francis Drake às Índias
Ocidentais'".
"O mapa de De
Bry de 1591 também usa o nome Golfo do México", ela acrescenta.
Já um mapa de 1630
chamou o corpo d'água de "Golfo da Nova Espanha", nome que, sob o
Vice-Reino da Nova Espanha, incluía o que hoje é a Flórida, parte do sudeste
dos Estados Unidos, México e grande parte da América Central.
Mas Golfo do México
é o nome que continuou a ser usado com mais frequência por mais de 400 anos.
·
É
possível mudar o nome?
Para começar, Trump
precisaria da aprovação do México e de Cuba para mudar o nome do Golfo do
México.
Mas a presidente do
México, Claudia Sheinbaum, já rebateu a
proposta de Trump.
Com um sorriso no
rosto e mostrando um mapa-múndi de 1607, no qual parte do território mexicano e
parte do território dos Estados Unidos aparecem como uma única unidade — sem a
separação de fronteiras que existe hoje —, ela sugeriu na quarta-feira (8/1)
mudar nome dos EUA para "América Mexicana".
"Por que não
os chamamos (os Estados Unidos) de América Mexicana? Soa bem, não é
verdade?".
"Desde 1607, a
Constituição de Apatzingán era da América Mexicana. Portanto, vamos chamar de
América Mexicana", acrescentou.
Sheinbaum enfatizou
que o nome Golfo do México é reconhecido internacionalmente.
"Acredito que
ontem, com todo o respeito, o presidente Trump estava mal informado, achando
que Felipe Calderón e García Luna ainda governavam o México, mas não. No
México, o povo governa", concluiu a presidente.
Em paralelo, o
secretário de Economia do país, Marcelo Ebrard, reiterou que o corpo d'água
"vai continuar a ser chamado de Golfo do México".
"Não podemos
responder a todas as declarações todos os dias", declarou Ebrard.
"Se nos
encontrarmos daqui a 30 anos, o Golfo do México ainda vai se chamar Golfo do
México. Mas não vamos nos envolver nesse debate. O que vamos fazer é proteger o
relacionamento que nossos dois países têm".
Trump também
precisaria da avaliação e aprovação de vários organismos internacionais,
incluindo a Organização Hidrográfica Internacional, a Convenção das Nações
Unidas sobre o Direito do Mar e o Grupo de Especialistas das Nações Unidas em
Nomes Geográficos (UNGEGN, na sigla em inglês).
Além disso, como o
Golfo do México abriga uma grande variedade de habitats e ecossistemas marinhos
e costeiros, um novo nome implicaria em mudanças legais nas cartas náuticas,
nos mapas oficiais e na legislação nacional, que cada país envolvido teria que
contemplar.
·
Trump
pode mudar o nome unilateralmente?
Mesmo que o México
e Cuba se oponham à mudança do nome do golfo, é provável que Donald Trump
consiga realizar seu desejo, embora outros países possam não reconhecer o nome
Golfo da América.
Nos Estados Unidos,
há mecanismos para renomear locais reconhecidos pelo governo federal.
Um deles é o
Conselho para Nomes Geográficos (BGN, na sigla em inglês), órgão cujo objetivo
é estabelecer e manter o uso uniforme de nomes geográficos no governo federal.
O conselho não cria
nomes para lugares geográficos, mas aprova ou rejeita novos nomes propostos por
agências federais, governos estaduais ou municipais e pela população.
Se levar adiante
sua proposta, Trump não seria o primeiro presidente americano a pedir uma
mudança de nome geográfico.
Em 2015, o BGN
aprovou a solicitação do então presidente Barack Obama para mudar o nome do
Monte McKinley, o pico mais alto da América do Norte, para Monte Denali, nome
usado por gerações de povos nativos do Alasca, que significa "pico mais
alto do mundo".
A montanha havia
sido batizada em homenagem a William McKinley, um político de Ohio que foi
eleito presidente dos EUA em 1896, e assassinado apenas seis meses após o
início de seu segundo mandato.
McKinley nunca pôs
os pés no Alasca, e Obama declarou que seu objetivo ao mudar o nome da montanha
era melhorar as relações com os povos nativos americanos.
Aliás, Trump
indicou no passado que deseja reverter a mudança do nome, para que o Monte
Denali volte a se chamar Monte McKinley.
E, se o BGN aprovar
um eventual pedido de Trump para mudar o nome do Golfo do México, não seria a
primeira vez que mexicanos e americanos divergem sobre como chamar um corpo
d'água contido em suas fronteiras.
O rio que atravessa
a fronteira entre o Estado americano do Texas e os Estados mexicanos de
Chihuahua, Coahuila, Nuevo León e Tamaulipas é conhecido como Rio Grande entre
os americanos, enquanto os mexicanos o chamam de Rio Bravo.
Fonte: BBC News
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