Carlos Bocuhy: O retrocesso ambiental com a
volta de Trump
Estamos adentrando a uma nova fase de retrocessos para
a gestão climática. A ascensão de Donald Trump, que retorna à Presidência dos
EUA, poderá provocar um tresloucado atoleiro para a governança global. Isso
inclui retrocessos sociais, retirando possibilidades de fortalecimento do
multilateralismo global.
O
efeito backlash é
reconhecido internacionalmente como retrocesso, reação adversa à
implementação das mudanças positivas para a sociedade e o meio ambiente. Por
exemplo, a desregulamentação ambiental e perda de direitos sociais, retroagindo
em protetividade social e da natureza.
Não é de hoje que isso ocorre, mas antes não era
explícito. Mathias Quent, da Universidade Magdeburg-Stendal, afirma que:
“durante décadas, as grandes empresas ocidentais de combustíveis fósseis
exerceram influência financiando campanhas de relações públicas, fundações, think tanks, mídia e muito mais. Nos EUA,
a manipulação organizada por empresas petrolíferas está particularmente bem
documentada. Jornalistas e acadêmicos estão atualmente investigando essas
questões, e litígios por compensação estão em andamento”.
O backlash climático,
uma ocorrência negativa nas boas políticas de contenção do aquecimento global,
volta a ganhar espaço no cenário norte-americano. Forças econômicas ambiciosas,
que antes atuavam de forma discreta, agora buscam explicitamente retrocessos normativos
e promovem políticas de governo alheias à realidade dos impactos climáticos e
aos alertas da ciência.
Jamie Dimon, chefe do JP Morgan, o maior banco dos
Estados Unidos, tem afirmado repetidamente que a vitória de Donald Trump os
colocou em tal estado de alegria que “era como
se estivessem dançando na rua”.
No atual cenário de emergência climática é uma
insanidade retroagir para os caminhos do Business
as usual, dos negócios como sempre foram, sem limites éticos. Joe
Biden, em seu último
discurso à nação,
apontou a ascendente e perigosa “oligarquia tomando forma nos EUA”.
De fato. Os anúncios de esvaziamento com relação aos
compromissos com o Acordo de Paris, por parte de organizações financeiras
norte-americanas de porte, demonstram estado de subserviência às novas
diretrizes econômicas sinalizadas por Trump. Há um evidente oportunismo
econômico pegando carona no ônibus tresloucado do novo governo.
Donald Trump e seus apoiadores à direita tentam
descaracterizar os benefícios da energia limpa, caracterizando-a como uma forma
de domínio chinês ou impulsionadora do aumento dos custos de energia, ou até
mesmo como manobra “globalista”. Essa
estratégia é bastante conhecida de cientistas políticos: “Uma vez no
poder, partidos com tendências de extrema direita impedem o progresso suado no
clima, mimam teorias da conspiração de extrema-direita e profundas queixas
socioculturais e, às vezes, se esforçaram para corroer as instituições
democráticas”, afirma o relatório “O nexo entre a reação verde e o retrocesso
democrático na Europa”.
Por outro lado, revelam-se interesses econômicos das
sanhas imobiliária, de petróleo e econômico-especulativa, que se insurgem
contra qualquer restrição econômica trazida pelas exigências da
sustentabilidade. “Na esteira das vitórias recordes da extrema-direita nas
eleições parlamentares da União Europeia em junho, os líderes do bloco estão
reduzindo as prioridades climáticas”, afirma matéria
veiculada pela Time sobre
as tendências do backlash europeu.
A geração de riqueza imediatista e irresponsável
encontra espaço em governos reacionários, ao contrário das questões
humanitárias. O
Mito de Midas retrata
bem o enlouquecimento ambicioso que a tudo transforma em ouro – resultando em
nada para consumir ou sobreviver. Trump afirma que haverá agora uma “fase
de ouro para a América”. Fase fóssil seria o termo mais apropriado.
Diretrizes, leis e programas de financiamento que foram
defendidos por Joe Biden para impulsionar empregos verdes, regular a poluição e
financiar infraestrutura podem ser atacados por ordens executivas do atual
presidente dos Estados Unidos, assim como remover restrições de perfuração em
terras federais – cumprindo sua promessa de
“perfurar, perfurar” e aumentar a produção e a independência de energia dos
EUA. Ele
também prometeu proibir novos projetos eólicos e cancelar mandatos de veículos
elétricos.
“Perfurar, perfurar, perfurar” é o refrão
cantado por Trump, mas isso já ocorre. A América de Joe Biden quebrou recordes na produção de
hidrocarbonetos.
O backlash climático não é uma prerrogativa exclusiva
dos maiores poluidores do planeta. Ele também se reflete na antropofagia fóssil
dos objetivos ambiciosos da Opep, uma organização que tem se empenhado em
atrair cada vez mais adeptos para prolongar a sobrevida dos combustíveis
fósseis.
No Brasil, o ministro de Minas e Energia Alexandre
Silveira acaba de anunciar que o Ibama deverá liberar a extração de petróleo na
foz do rio Amazonas, região que receberá a COP30 no final de 2025.
Posições de governo como esta não diferem do que temos
observado na história recente. Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e
Azerbaijão, por exemplo, são acusados de ampliar seus negócios petrolíferos e
tentar atenuar as medidas pela eliminação do petróleo que ocorrem no âmbito dos
acordos climáticos globais.
O absurdo incompreensível é a abismal discrepância
entre ciência e decisões políticas. Os alertas sobre o aquecimento global vêm
de longa data. James Hansen, físico da Nasa e “pai das mudanças climáticas”,
como é reconhecido, foi preso em frente à Casa Branca em Washington, na década
de 80, ao protestar por maior transparência nos dados sobre os riscos do
aquecimento global.
Hansen abandonou estudos na Nasa sobre a temperatura
extremamente quente da atmosfera de Vênus. Ao perceber que a Terra estava
aquecendo pelo mesmo motivo de concentração de carbono na atmosfera, o físico
concluiu que estudar nosso próprio planeta em transformação faria muito mais
sentido para a humanidade.
Depois de quatro décadas, em janeiro de 2025, a ciência
concluiu que o
planeta Terra tinha superado a média anual de 1,5ºC acima dos valores do início
da era industrial. Estudos
apontam um aquecimento de 0,33ºC por década, o que nos remete minimamente à
média de 2ºC por volta de 2040, limite extremamente perigoso, pois com 1,5ºC já
é possível sentir os fortes impactos climáticos.
A diferença entre 1,5ºC e 2ºC foi o pomo da discórdia
durante a Conferência de Paris em 2015. Apesar dos fatos que, há dez anos, já
demonstravam uma tendência de que não seria possível estancar o processo de
aquecimento tão cedo, diante do baixo protagonismo multilateral global, a meta
de 2ºC foi cuidadosamente rejeitada. Adotou-se, então, o objetivo menor de
1,5ºC até 2100, uma alternativa pedagógica para convencer os governos a
adotarem medidas imediatas e mais restritivas com relação à emissão dos gases
efeito estufa (GEE).
A boa intenção virou risco. Desenhar cenários
adaptativos com base em 1,5º C para 2100 representa, no atual contexto,
subestimar cenários adversos e deixar de se preparar para ameaças reais. A
imprevisibilidade política se associa à climática. O multilateralismo
colaborativo, alimentado pelo crescente backlash,
não correspondeu às expectativas do Acordo de Paris, já abandonado por Trump em
2016, durante sua primeira gestão.
Os Estados Unidos, segundo maior emissor de gases
efeito estufa (GEE), passará novamente a ignorar seu símbolo de águia para
adotar novamente comportamento de avestruz? Enfiará vergonhosamente a cabeça no
buraco, em cegueira propositada voltada à interesses devastadores e
imediatistas?
Mesmo diante da constatação de que atingimos a média
global de 1,5ºC, Trump poderá acirrar drasticamente o backlash climático, em cegueira
evidente. Neste ano o
sul da Califórnia ardeu em chamas, com prejuízos estimados em 150 bilhões de
dólares, metade do valor prometido pelos maiores responsáveis pelo lançamento
de GEE durante a COP29 do Azerbaijão para suprir, ainda que de forma
insuficiente, o fundo de perdas e danos para a adaptação climática global.
Biden, em seu último pronunciamento, colocou a
importância da América em não entregar seus valores a um nacionalismo
populista, que pouco se importa com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH),
mas sim com o estímulo de enriquecimento na mão de poucos, como geralmente
demonstram análises dos benefícios trazidos pelo Produto Interno Bruto (PIB).
A transformação pela economia está se tornando um
objetivo cada vez menos tangível. Biden se referiu às tendências econômicas que
pairam sobre a América como “concentração extrema de riqueza, poder e
influência que literalmente ameaçam nossa democracia.” De fato, quando o poder
constituído decide pelo que não é de interesse do povo, mas sim de grupos e
interesses econômicos, prevalece o interesse privado sobre o interesse público.
Essa distorção não se concretizará sem “acentuada tendência de desinformação,
de manipulação e falsas informações, que permite o abuso de poder”, afirmou o
ex-presidente dos EUA.
Nesse aspecto, os retrocessos
na normatização de redes sociais para evitar fake news ganharão
força,
o que já se percebe claramente nas declarações de oligarcas da tecnologia
digital, como Musk e Zuckemberg.
A sociedade brasileira deve estar atenta a esses fatos
que terão profundos reflexos no País, pois estimularão a prática da
desinformação e da espoliação ambiental, uma vez que a baixa exigência no plano
internacional enfraquece tanto os avanços internacionais já conquistados como a
prática do multilateralismo colaborativo.
Quando o backlash ascende,
aumenta o desequilíbrio ambiental. Mas a ameaça vai muito além dos retrocessos
na desregulação ambiental econômica. Zaki Laïdi, professor de relações
internacionais da Sciences Po, afirma
que Donald Trump acredita fundamentalmente na força e zomba daqueles que
queriam fazer as pessoas acreditarem que a competição entre os Estados era uma
coisa antiga do século XIX.
O governo antiambiental da maior potência global e seus
efeitos poderão elevar as ameaças à sobrevivência da humanidade, espécies vivas
e ecossistemas vitais. Diante dos limites planetários já fragilizados em sua
capacidade de suporte, a atual fase de retrocessos poderá levar o mundo a um
estado de insolvência ambiental.
O backlash climático,
ansiado por setores especulativos-predadores, eleva o patamar das ameaças que
poderão impactar os pontos de não retorno planetários. Esses perigos
devem ser duramente combatidos por meios jurídicos, de comunicação, por setores
progressistas da área política, econômica e com ampla mobilização social.
Fonte: Le Monde
Nenhum comentário:
Postar um comentário