Amanda
Audi: Como notícias falsas impactam do Pix à economia?
As notícias falsas sobre uma
suposta taxação do Pix tomou proporções alarmantes nas últimas semanas,
obrigando o governo federal a recuar de medidas voltadas ao monitoramento de
transações financeiras. Desde 2003, todas as movimentações a partir de R$ 2 mil
são enviadas pelos bancos para a Receita Federal. Com a mudança, esse valor
passaria para R$ 5 mil, com adição das movimentações do Pix e dos bancos
digitais, mas sem taxação. Mas a onda de boatos amplificada pelas redes
sociais gerou pânico e desconfiança na população, mesmo após tentativas de
esclarecimento oficial.
De difícil compreensão para
leigos, a portaria da Receita Federal foi explicada pelo governo inicialmente
de um modo burocrático, se tornando um prato cheio para que fosse atrelada à
desinformação. É tudo o que as pessoas mal intencionadas precisam para
distorcer um assunto: algo difícil de explicar, cheio de regras, e que está
relacionado a um aspecto muito corriqueiro e de interesse da vida cotidiana.
De acordo com o pesquisador
Fabio Malini, professor do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura
da Universidade Federal do Espírito Santo, esse fenômeno é alimentado pela
lógica das plataformas digitais, que priorizam o conteúdo com maior engajamento
nos algoritmos. Redes como TikTok e Instagram, com suas funções “Para Você” e
Reels, oferecem um ambiente ideal para que temas polêmicos, ainda que
imprecisos, ganhem relevância e viralizem rapidamente. No caso do Pix, as
mentiras sobre uma possível taxação escalonaram rapidamente porque uma grande
maioria de brasileiros usa a ferramenta para fazer transações diariamente.
Em entrevista à Agência Pública, Malini aponta que
os brasileiros, especialmente pequenos empresários e
trabalhadores autônomos, estão cada vez mais atentos às questões financeiras —
que devem ser a tônica das eleições de 2026. Diante da crise de comunicação
gerada pela desinformação, o governo enfrenta o desafio de adotar estratégias
mais eficazes para se conectar com a população. Malini aponta para a
necessidade de uma presença digital consistente e assertiva, capaz de competir
com o fluxo de informações moldado pelos algoritmos das redes sociais.
LEIA A ENTREVISTA
·
Informações falsas como a da taxação do Pix tomam
uma proporção gigantesca muito rápido. Nesse caso, a desinformação foi tão
violenta que mesmo o governo tentar desmentir não foi suficiente, e decidiu
recuar da decisão de monitorar melhor essas transações financeiras. Por que a
desinformação econômica tem toda essa força?
Para entender isso, é
importante entender a transição da primeira para a segunda geração de
plataformas de redes sociais. A primeira plataforma de redes sociais era alicerçada
na lógica do perfil e na maneira em que esse perfil segue e é seguido. A dieta
de informação, no chamado feed, era seu principal traço característico. Por
feed a gente entendia aquele conteúdo que chegava nos nossos celulares ou
computadores pela produção de conteúdo das pessoas que nós seguimos. Foi um
período de forte crescimento dos chamados influenciadores ou
micro-influenciadores. O que importava era o que eu decidia seguir para ter
acesso ao conteúdo dessas pessoas que considero relevante para mim. Essa foi a
geração do Facebook, Orkut, Twitter, etc.
A segunda geração emergiu sobretudo por conta do
TikTok. O TikTok trouxe uma configuração nova, que é a não mais o feed,
mas o For You (Para Você), ou seja, os conteúdos que a própria plataforma
decide ser relevante para o interesse de cada um dos usuários. Mas essa
decisão não é baseada em qualquer coisa, ela é baseada no tempo que o usuário
gasta em assistir determinado vídeo. Então, se o usuário assiste muitos vídeos
de memes, ou se ele assiste muitos vídeos de coach, de direito tributário, de
empreendedorismo, esses interesses passam a ser objeto de algoritmos que
empurram mais conteúdo do tipo no For You.
O que tem acontecido agora é
que o sucesso dessa dinâmica de produção de audiência algorítmica, cujo modelo
é o TikTok, adentrou em diferentes plataformas de primeira geração. Por
exemplo, no Instagram, já tem lá o Reels, que é semelhante ao For You, e tem
sessões no estilo “para você” no Threads, no Twitter (X). Você vê que essa
maneira de navegação está ganhando mais força. As pessoas, de certa forma, se
saturaram do conteúdo das pessoas que elas seguem. Esse nível de saturação,
digamos, chatice, leva as pessoas ao campo do For You, em que tudo pode ser
interessante.
O caso do Pix é o mesmo
fenômeno que aconteceu com a escala 6×1. Ambos são temas que ganham tração e
relevância dentro da dimensão do Reels do Intagram, do For You no TikTok, do
Pra Você do Twitter, em que quanto mais as pessoas têm interesse naquele tema,
mais elas alimentam o algoritmo. E, alimentando o algoritmo, mais rápido aquele
tema fica popular, ele viraliza. Essa concatenação de interesses de usuários
faz com que um determinado assunto cresça paulatinamente.
·
Temos mais tendência a acreditar em uma notícia
falsa travestida de economês? Por que?
Não acredito que a gente
tenha essa tendência. Temos uma tendência a acreditar mais na informação
inacurada, imprecisa, quando existe um vácuo de segurança sobre o que está
acontecendo. Quando tem uma falta de coesão em torno de determinados fatos, ou
porque não estão apurados, ou porque são imprecisos, isso acaba gerando um
certo vácuo, que produz uma situação de insegurança, e aí o rumor toma conta de
um determinado grupo social.
A gente tem que fazer uma
separação do que é o rumor e a desinformação. O rumor é aquele fato ainda
não apurado, que nos coloca em dúvida. Já a desinformação é uma produção de
informação sem base consensuada. A indefinição acaba sendo um terreno
fértil para as teorias conspiratórias e para os achismos. Então, acho que eu
vejo muito mais como o mundo. Então o que gera a produção do rumor, e que pode
levar a um processo de desinformação, é a indefinição em relação a determinado
fato.
·
Falando de modo prático, poderia dar exemplos de
como notícias falsas podem impactar a economia (considerando decisões de
governo, posicionamento do mercado etc)? E como essas questões impactam a vida
das pessoas?
Há um conjunto de usuários
ligado a temas como empreendedorismo, pequenos negócios, MEI, dinheiro. As
pessoas têm interesse nos seus próprios negócios, é algo que afeta o dia a dia
delas. Então esses influenciadores sabem que produzir trends no TikTok ou no
Instagram é relevante para manter a atenção das pessoas no conteúdo deles. Hoje
é muito mais difícil prender a atenção da audiência, porque a audiência é menos
conectada aos influenciadores.
A audiência algorítmica da
plataforma tira o poder dos influenciadores e bota para si a capacidade de
empurrar um conteúdo. Então, quando você começa a ter uma concatenação de pessoas
que ficam orientando, sugerindo, recomendando conteúdo ligado a pequenos
negócios, microeconomia, e isso passa a ser relevante, isso muito rapidamente
começa a ser objeto de atenção. Isso ganhou uma atração independente do campo
político. O campo político não observou isso, nem à direita, nem à esquerda. E
aí, rapidamente, tiktokers ou instagramers da área de humor começaram a
satirizar também a situação. E o assunto foi ganhando mais e mais força. Então,
quando a gente vai ver tanto processo de informação ou desinformação hoje, elas
circulam rapidamente em formato dessa lógica. Essa é a nova lógica.
Isso demonstra também, tanto
a escala 6×1, ou agora a tema do Pix, que o ecossistema de consultores digitais
da área da microeconomia ganhou muita força, porque você tem um processo de
financeirização forte das pessoas. Elas são bancarizadas, elas fazem pequenos
investimentos, elas querem prosperar, elas têm aspirações de melhor vida
econômica. Esse campo cresceu bastante e também é agressivo numa lógica de
venda, ou seja, as técnicas de venda da informação e a disputa também por
trazer algum tipo de conteúdo que teoricamente vai encurtar o caminho para você
obter dinheiro. E isso também caminhou para o campo político. Acho que o Pablo
Marçal é um dos principais exemplos.
·
O Banco Central publicou, em janeiro do ano passado,
um estudo sobre o espaço ocupado pela economia – e mais especificamente pela
inflação – no universo das fake news, entre 2019 e 2023. Eles concluem que o
tema Economia teve crescimento significativo dentre os relatos de desinformação
entre os anos de 2022 e 2023, ou seja, o começo do governo Lula. As fake news econômicas
são, na sua percepção, o calcanhar de Aquiles do governo Lula?
É interessante esses temas
ganharem força porque a agenda do governo Lula é muito alicerçada na
discussão de impostos e escala de trabalho. Não é um calcanhar de Aquiles,
mas a principal agenda do governo é muito econômica. Nesse sentido, um
ecossistema que coloca em prática essas decisões vai ganhar também mais
fôlego.
Estamos vendo uma transição
do ponto de vista digital que passa das discussões sobre democracia, sobre
comportamentos, para o crescimento do ecossistema financeiro, empreendedor,
econômico. Isso é uma nova agenda digital do Brasil. É algo que não foi
percebido nem pelo governo e nem pela oposição, que continua se pautando em
questões de comportamentos, de valores sociais.
O vídeo do Nicholas
[deputado federal Nicholas Ferreira que postou um vídeo em seu Instagram com informações enganosas] foi muito compartilhado, mas foi muito compartilhado junto com os
outros, o próprio vídeo do Lula. O Nicholas foi porta-voz de uma dinâmica que
já vinha rolando, a desconfiança sobre um processo de taxação mais agressivo
pela Receita Federal. Essa desconfiança só aconteceu porque aquela portaria
tornava a informação ambígua. Estamos na antessala do que vai ser a grande
questão de 2026, em que as temáticas econômicas serão o principal eixo das
eleições.
·
Como você avalia a resposta do Banco Central, que
usou memes com memes para rebater as fake news nesse caso do PIX?
A memetização é um clássico,
mas eu não acredito que seja o melhor dos caminhos tornar engraçado para tornar
mais palatável um determinado assunto. Acho que atinge muito as novas gerações,
mas não atinge esse conjunto de trabalhadores autônomos,
microempresários.
A gente está vendo que os
políticos vão ter que se tornar atores mais ou menos especializados e mais
agressivos em termos de comunicação digital. Eles precisam estar na tela das
pessoas diariamente. O que as pessoas chamam de crise de comunicação do governo
Lula, que leva a um distanciamento da vida das pessoas.
Também temos que olhar como
um fenômeno de dificuldade da própria imprensa, que foi atropelada por
essa dinâmica mediada pelas plataformas. São elementos da sociedade que
ganharam força, a da escala 6 por 1, de reorganizar o modelo de trabalho, e a
do Pix, que desconfia de uma certa sanha controladora do tributarismo
brasileiro. Como vamos responsabilizar as plataformas no manejo deste tipo de
lógica, que não é mais o que quero assistir, mas o que tenho interesse de
assistir? A agenda das redes atropela a agenda da política, atos normativos,
aqui e em outros países. É um debate que se impõe. Sobre o recuo do governo, o
governo acabou se antecipando, muito por conta do vídeo do Nicholas Ferreira,
em vez de esperar o resultado das redes, porque tem que esperar o conteúdo
ganhar tração.
¨
Os
três erros do governo na novela do PIX. Por Felipe Nunes
A Quaest publicou
estudo em que mostra o saldo negativo do episódio do PIX para o governo. Felipe
Nunes dividiu sua análise em 3 fatores: erro de timing, erro de diagnóstico e
erro tático. A pesquisa foi um monitoramento de redes, de grupos de WhatsApp e
de pesquisa de opinião.
Combinando dados de
monitoramento de redes sociais e de pesquisa a Quaest mapeou todo o debate
sobre o PIX para responder: Qual o saldo político para o governo? O saldo é
negativo por 3 razões: timing errado, diagnóstico errado e tática errada.
O governo demorou a
compreender o que estava acontecendo e entrou atrasado no assunto. E timing é
tudo para quem quer pautar debate digital. Foi em setembro que a medida foi
anunciada pela Fazenda. O governo teve tempo. Quando o assunto esquentou nas
redes com o vídeo do Senador Cleitinho, no dia 06/01, já era tarde. O vídeo
teve 3,4 milhões de visualizações e foi o gatilho para a narrativa da oposição.
A partir dali o assunto ferveu e chegou no dia 10/01 a produzir mais de 5
milhões de menções sobre o assunto. Foi quando o governo foi lidar com o
assunto, de forma protocolar.
O segundo erro foi
achar que o problema era apenas a grande circulação dos vídeos falsos. É
verdade que eles circularam. Pesquisa da Quaest exclusiva sobre o assunto
mostra que 88% ficaram sabendo do debate sobre as mudança do PIX e 87% ouviu
falar que o governo estava planejando cobrar impostos sobre o PIX. Mas essas
Fake News tem que ser corretamente compreendidas. Elas são gatilhos, não são
instrumentos de persuasão. Tenho publicado artigos científicos mostrando que as
pessoas não mudam de opinião ao serem expostas por Fake News. Elas apenas
servem para reafirmar nossos vieses, nossas crenças.
E de onde vem o
viés da sociedade contra o governo? As idas e vindas na comunicação do governo
tem produzido desconfiança sobre que medidas serão adotadas ao final. Vale
lembrar dois episódios: a taxação das blusinhas e o anúncio do pacote no corte
de gastos. Ambos sinalizam, de formas diferentes, que o governo não sabe o que
está fazendo. É como se revelasse insegurança. E o resultado acaba sendo mais
desconfiança. Ou seja, a crise do governo hoje é de credibilidade.
Quem melhor se
aproveitou disso foi o deputado mineiro, Nikolas Ferreira, que conseguiu levar
o assunto a um patamar histórico em termos de redes sociais. O nosso
monitoramento de redes mostra que mais de 22 milhões de perfis comentaram sobre
o assunto em suas redes no dia 15/01. No total, mais de 5.5 milhões de perfis
únicos comentaram sobre o assunto, fazendo com que o impacto chegasse próximo
de 152 milhões de perfis.
Para efeito de
comparação, o vídeo do Nikolas conseguiu ser mais visto que o vídeo do Messi no
Instagram comemorando a vitória na Copa de 22, da Fernanda Torres e sua vitória
no Globo de Ouro, e do próprio Trump celebrando a vitória presidencial de 2024.
Aí veio o terceiro
erro: revogar a medida. Dada a pressão social e a incapacidade de pautar
politicamente o governo, o governo optou por jogar água na fervura. Era o que a
maioria das pessoas esperava depois de tudo o que aconteceu. Mas essa medida
não vem sem custo. A revogação revelou a fragilidade do governo. Passou a
impressão que o governo estava errado e que a oposição estava certa. O que
gerou mais reação negativa no debate digital: até o dia 15/01 a derrota do
governo nas redes era de 54 x 46. Depois do vídeo do Nikolas e da revogação da
medida, virou um 86 x 14. Ou seja, a revogação.
O problema real é
que a população entrou e saiu desconfiada do governo. Embora 68% tenham ficado
sabendo que o governo desmentiu que haveria taxação, mesmo que 55% tenham
ficado sabendo que a norma foi revogada, ainda assim 67% acreditam que o
governo vai cobrar imposto sobre o PIX.
O grande desafio do
governo para os próximos dois anos é recuperar sua credibilidade. Criar
expectativas que serão cumpridas. E falar para fora de sua base.
Os monitoramentos
aqui apresentados foram feitos levando em consideração dados coletados entre 01
e 16/01 às 15h. A pesquisa ouviu 1.200 pessoas entre os dias 15 e 17/01.
Fonte: Agencia
Pública/Jornal GGN
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