quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Como a Tailândia se tornou 'paraíso' para casais LGBT

"Foi uma longa luta repleta de lágrimas para nós."

É assim que Ann "Waaddao" Chumaporn descreve os anos que levaram a este momento — nesta quinta-feira (23/01), quando o casamento entre pessoas do mesmo sexo se tornar legal na Tailândia, mais de cem casais vão se casar em um dos maiores shoppings de Bangkok, em uma profusão de cores e comemorações.

E a mesma pergunta que foi ouvida durante toda a longa campanha para que a lei do casamento homoafetivo fosse aprovada será feita novamente: por que na Tailândia? Por que em nenhum outro lugar da Ásia, além de Taiwan e Nepal?

As pessoas acham que sabem a resposta. A Tailândia é conhecida por ser aberta e aceitar lésbicas, gays, bissexuais e pessoas trans. Há muito tempo elas estão visíveis em todas as esferas da vida cotidiana. Os tailandeses são tranquilos em relação a praticamente tudo.

Mai pen rai — que significa "nada demais" — é um slogan nacional. As crenças budistas, seguidas por mais de 90% dos tailandeses, não proíbem o estilo de vida LGBT. Então, com certeza, o casamento homoafetivo era inevitável.

Só que não. "Não foi fácil", diz Waaddao, que organiza a Parada do Orgulho de Bangkok.

A primeira parada do Orgulho LGBT na Tailândia aconteceu há apenas 25 anos. Naquela época, era difícil obter a aprovação da polícia, e o desfile era um evento caótico e sem foco. Depois de 2006, apenas dois desfiles foram realizados até 2022. Em 2009, uma parada do orgulho LGBT programada em Chiang Mai teve que ser cancelada devido à ameaça de violência.

"Não éramos aceitos pelas nossas próprias famílias e pela sociedade", acrescenta Waaddao. "Houve momentos em que não achávamos que o casamento homoafetivo algum dia se tornaria realidade, mas nunca desistimos."

·        'Não brigamos, negociamos'

Apesar de toda a tolerância que a Tailândia tem, de uma maneira geral, em relação às pessoas LGBT, a obtenção de direitos iguais, incluindo o casamento, exigiu uma campanha determinada para mudar as atitudes das autoridades e da sociedade tailandesa. E as atitudes mudaram.

Quando Chakkrit "Ink" Vadhanavira começou a namorar seu companheiro em 2001, ambos eram atores que desempenhavam papéis principais em séries de TV. Naquela época, a homossexualidade ainda era oficialmente descrita pelo Ministério da Saúde da Tailândia como um transtorno mental.

"Naquela época, a sociedade não aceitava que os papéis de protagonistas masculinos fossem interpretados por um homem gay. Havia muitas fofocas sobre a gente na mídia, muitas delas falsas, o que nos estressava muito", lembra Chakkrit.

"Decidimos então que, se íamos namorar, teríamos que deixar o showbiz."

Eles ainda estão juntos, mas ficaram longe dos holofotes por mais de 20 anos, administrando uma produtora de sucesso.

Muita coisa mudou nesse período — e o setor em que eles trabalham tem algum crédito por isso.

A maneira como os personagens LGBT são retratados na teledramaturgia tailandesa, desde papéis cômicos peculiares até papéis convencionais, fez uma grande diferença, de acordo com Tinnaphop Sinsomboonthong, professor assistente da Universidade Thammasat, na Tailândia, que se identifica como queer.

"Hoje em dia, eles nos representam como personagens normais, como você vê na vida real", diz ele. "O tipo de colega LGBTQ+ que você pode ter no escritório, ou seu vizinho LGBTQ+. Isso realmente ajudou a mudar a percepção e os valores em todas as gerações."

As produções do gênero conhecido como Boy Love ajudaram a convencer o restante da sociedade da ideia não apenas de tolerância, mas de aceitação total e direitos iguais para a comunidade.

Esses dramas românticos para televisão que apresentam casos de amor entre belos jovens cresceram enormemente em popularidade na última década, especialmente durante a pandemia de covid-19.

Atualmente, eles são uma das exportações culturais mais bem-sucedidas da Tailândia, com grandes audiências em lugares como a China. Séries como O Presidente da Minha Escola e Love Sick tiveram centenas de milhões de visualizações em redes de streaming.

Ao mesmo tempo, os ativistas se tornaram mais focados e unidos em sua tentativa de alterar a lei. Os diferentes grupos LGBT se uniram na campanha Change 1448 — 1448 é a cláusula do Código Civil tailandês que abrange a definição de casamento — e, posteriormente, na Rainbow Coalition for Marriage Equality.

Eles se juntaram a outros grupos que lutam por mais direitos e liberdades na Tailândia, e aprenderam a trabalhar com partidos políticos no Parlamento para persuadi-los a mudar sua posição em relação à lei.

A retomada das paradas do Orgulho LGBT em 2022, e o fato de o governo reconhecer e promover o apelo da Tailândia como um destino atraente para turistas LGBT, também ajudaram a mudar a percepção do público.

"Não lutamos, negociamos", explica Tinnaphop. "Sabíamos que tínhamos que conversar com a sociedade tailandesa e, aos poucos, fomos mudando as atitudes."

·        O momento político certo

A aprovação da lei do casamento homoafetivo no Parlamento também foi ajudada pelos acontecimentos políticos na Tailândia.

Durante cinco anos, após o golpe de 2014, o país foi governado por um governo militar conservador, que estava disposto a considerar apenas o reconhecimento de uma espécie de união estável para casais LGBT, sem direitos plenos como o de herança.

Mas na eleição de 2019, que devolveu à Tailândia o governo civil, um novo partido reformista jovem chamado Future Forward, que apoiava totalmente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, teve um desempenho inesperadamente bom. Eles conquistaram a terceira maior parcela de assentos, revelando um crescente desejo de mudança na Tailândia.

Quando, um ano depois, o Future Forward foi dissolvido por um controverso veredicto judicial, desencadeou meses de protestos liderados por estudantes pedindo reformas abrangentes, incluindo restrições ao poder da monarquia.

Os ativistas LGBT foram proeminentes nestes protestos, dando a eles maior destaque nacional. Os protestos acabaram esmorecendo, e muitos dos líderes foram presos por questionar o papel da monarquia.

Mas nas eleições de 2023, o sucessor do Future Forward, que se autodenomina Move Forward, teve um desempenho ainda melhor do que em 2019, conquistando mais assentos do que qualquer outro partido. Mais uma vez, ficou claro que o desejo de mudança estava presente entre os tailandeses de todas as idades.

O Move Forward foi impedido de formar um governo por conservadores que se opuseram ao seu apelo por reformas políticas abrangentes.

Mas, a essa altura, o casamento homoafetivo era menos controverso. Poucos se opunham a ele. E a sua aprovação proporcionou ao complicado e impopular governo de coalizão, que havia sido formado sem o Move Forward, um feito rápido para agradar a maior parte do país.

·        Movimento pioneiro pode impulsionar o turismo

A Tailândia é, no entanto, um caso isolado na Ásia. Poucos outros países da região provavelmente vão seguir seu exemplo.

A influência do Islã na Malásia, na Indonésia e em Brunei faz com que a noção de casamento homoafetivo não seja possível. As comunidades LGBT enfrentam discriminação e processos judiciais; em Brunei, o sexo entre homens é punido com pena de morte.

Nas Filipinas, há uma aceitação cada vez maior de casais LGBT que vivem juntos abertamente. Mas a Igreja Católica se opõe veementemente ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

No Vietnã, assim como na Tailândia, não há obstáculos religiosos ou ideológicos, mas fazer campanha para mudar a lei, como aconteceu na Tailândia, é difícil sob um regime repressivo. O mesmo acontece na China. Até que o Partido Comunista no poder apoie o casamento homoafetivo, o que não dá sinais de que vai fazer, ele não poderá acontecer.

Mesmo em democracias como o Japão e a Coreia do Sul — em que os partidos políticos são em grande parte conservadores e dominados por homens mais velhos — as perspectivas parecem sombrias.

"São, em grande parte, os cristãos conservadores que estão impedindo", diz Chae-yoon Han, diretor executivo da Beyond the Rainbow Foundation, na Coreia do Sul.

"A maioria, se não todos, os políticos do partido conservador do presidente Yoon (Suk-yeol) são cristãos devotos, e eles consideram o casamento homoafetivo como uma 'agenda esquerdista', que poderia potencialmente abrir a sociedade para uma 'tomada esquerdista e comunista'."

Índia parecia perto de legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo em 2023, quando a decisão coube à Suprema Corte — mas os juízes recusaram, dizendo que cabia ao Parlamento.

Portanto, a Tailândia espera se beneficiar do fato de ser pioneira. O turismo é uma das poucas áreas da economia tailandesa que está se saindo bem na recuperação pós-pandemia, e o país é visto como um destino seguro e acolhedor para os turistas LGBT.

Um número cada vez maior de casais do mesmo sexo de outros países asiáticos está optando por viver aqui agora.

O reconhecimento legal que eles podem obter para seus casamentos vai permitir que criem filhos e envelheçam juntos com quase todos os direitos e proteções concedidos a casais heterossexuais.

 

Fonte: Por Jonathan Head, correspondente da BBC no Sudeste Asiático

 

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