quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Cessar-fogo em Gaza revela a fragilidade de Israel

O ministro das Relações Exteriores do Catar, em um anúncio crucial na noite de quarta-feira, 15, confirmou que Israel e o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) finalizaram um acordo destinado a interromper a guerra genocida e destruidora na Faixa de Gaza por pelo menos 42 dias. Este acordo é essencialmente uma reformulação do acordo de cessar-fogo proposto anteriormente em maio pelo governo Biden, quando o Hamas declarou que aceitava o acordo, enquanto Israel o negou e continuou com a guerra. Acontece que Israel queria tempo para trazer mais destruição a Gaza, somar mais mortes e usar as suas cartas para subjugar o Hezbollah no Líbano. Nesse contexto, o Catar surge mais uma vez como um dos maiores vencedores deste acordo, solidificando seu papel-chave na arquitetura da diplomacia regional. O pequeno Estado do Golfo dominou a arte de manobrar entre adversários, alavancando suas relações com atores aparentemente irreconciliáveis para mediar onde outros vacilam. Ao fazer isso, Doha reafirma seu lugar como a capital da negociação, capaz de se dirigir a Trump com um discurso simples: se os negócios são o seu jogo, é aqui que eles acontecem.

Para Donald Trump, o acordo é menos um avanço diplomático do que uma narrativa cuidadosamente embrulhada como presente. Foi oferecido a ele um belo enredo de triunfo – o retorno dos reféns israelenses, o fim do conflito -, elaborado perfeitamente para corresponder a seu populismo político. O acordo de cessar-fogo se encaixa perfeitamente na mitologia de sua presidência: um negociador habilidoso, o líder que tem sucesso onde outros falham, o disruptor que abala as fundações de impasses arraigados e status quo mortais.

Quanto a Joe Biden e sua equipe de política externa, o acordo serve como um sombrio epílogo de seu mandato – uma sombra esmaecida no comando do poder, persistente, mas impotente. Eles saem como filhos fiéis de um legado político que exige lealdade inabalável a Israel, uma história que exigiu sua lealdade ao mesmo tempo em que os desvendou. São trágicos liberais, não somente cúmplices, mas tragicamente compelidos, testemunhas e participantes de uma máquina de destruição que antecede seu tempo e sobreviverá a ele. Sua defesa, quando vier, não se baseará no arbítrio, mas na necessidade, como se estivessem presos por forças além de seu controle. E, no entanto, havia uma escolha. Eles escolheram a monstruosidade e deixaram o cargo sabendo muito bem que poderia ter sido diferente.

·       A narrativa fragmentada de Israel

Em Israel, o acordo marca o desenrolar de uma narrativa e a tentativa de construção de outra – uma tentativa precária de mudar da fantasia da vitória total para o pragmatismo da vitória suficiente. Israel agora enfrenta os limites de suas aspirações, compelido a se consolar com suas conquistas geopolíticas. Isso inclui o sucesso de seu aparato de inteligência em se infiltrar na resistência libanesa e sua capacidade de exercer imenso poder destrutivo em Gaza e no Líbano. No entanto, essas conquistas celebradas permanecem ofuscadas por contradições não resolvidas. Por trás da retórica triunfalista está uma questão fundamental: o que, em termos tangíveis, Israel alcançou?

Apesar das alegações de sucesso estratégico – um Hezbollah enfraquecido, um Irã diminuído e um Hamas maltratado – Israel não garantiu a vitória total que busca. O Hezbollah continua sendo uma força capaz, a influência regional do Irã perdura e o Hamas persiste como um lembrete dos limites das campanhas militares de Israel, enquanto o Iêmen provou sua capacidade de interromper o transporte marítimo global. A grande mídia amplifica as afirmações de triunfo estratégico, mas a realidade é muito mais preocupante: os militares israelenses, antes mistificados, agora parecem brutais e altamente ineficazes, com sua aura de invencibilidade destruída no cenário global.

Este acerto de contas se estende além do campo de batalha. Os fracassos dos militares – sua incapacidade de antecipar ameaças ou entregar resultados decisivos – irão lentamente se espalhar pela sociedade israelense, expondo tensões de longa data. Atrasos na finalização de um cessar-fogo, priorização da expansão dos assentamentos em vez de recuperação dos reféns para muitas forças de direita e a recusa dos Haredim em se alistar aprofundaram as fraturas internas. Essas tensões são agravadas ainda mais pelas tentativas de redesenhar a estrutura legal do Estado e as consequências econômicas e sociais da guerra. Para um Estado que vincula sua sobrevivência ao domínio militar, essas fissuras revelam os limites da unidade após a guerra. A sociedade israelense agora terá que contar com seus crimes, seus sucessos e sua nova imagem perante o mundo.

A conquista mais excepcional de Israel não está em garantir a vitória, mas em mostrar uma devastação implacável – uma capacidade de destruir em escala imensa. Essa persistência na destruição, em vez de alcançar a segurança, ressalta até onde Israel está disposto – e autorizado – a ir. Nesse paradoxo reside o fracasso mais profundo: o colapso de sua narrativa ética e a erosão de sua legitimidade moral aos olhos do mundo.

O cessar-fogo expõe ainda mais uma crescente desconfiança na promessa de segurança ao longo das fronteiras militarizadas de Israel, tanto no norte quanto no sul. A ilusão de uma fortaleza impenetrável está se desgastando, à medida que as fronteiras permanecem voláteis e os adversários perduram. Os israelenses que vivem na fronteira são forçados a confrontar a verdade inquietante de que os mecanismos projetados para garantir sua segurança não são mais suficientes, sua eficácia minada pelas realidades duradouras da resistência e da ocupação.

Incapaz de extinguir os palestinos ou suas reivindicações políticas, e sem vontade de se envolver em uma gramática de reconhecimento, Israel se condenou à guerra perpétua. Essa condição, longe de refletir força, destaca a dependência aguda de Israel de seu patrono imperial, cujo apoio inabalável se tornou mais essencial do que nunca para uma supremacia contínua fundida com o discurso racializado na região. O vício da guerra deixa Israel navegando por um caminho que não oferece nem resolução nem reconciliação – apenas a persistência de suas contradições e de seu papel na definição das fronteiras da monstruosidade no século XXI. Israel sai dessa guerra com um ambiente estratégico alterado. Algumas dessas mudanças irão jogar em seu benefício e permitirão que ganhe tempo. Mas, também, perde muito em termos morais, políticos e, na verdade, nas suas próprias lutas sociais e políticas.

·       Resistência e questões de futilidade e eficácia

O discurso palestino em torno da Tufan al-Aqsa (Inundação de Al-Aqsa) está preso na fixação implacável no entendimento binário entre vitória e derrota, reduzindo a violação do muro de Gaza em 7 de outubro a um cálculo frio de utilidade e resultados.

Esse quadro predominante, impregnado da lógica da razão instrumental, reconfigura a resistência em um esquema estéril de meios e fins, separando-a de suas raízes históricas e existenciais. Enquadrar a questão como tática – Tufan atingiu seus objetivos? – obscurece uma dialética mais profunda de necessidade e futilidade que assombra as deliberações palestinas. Essa dialética não apenas oscila entre agência e desespero, mas expõe uma armadilha sistêmica: a resistência emerge como um desafio ao colonialismo, mas permanece enredada pelas próprias estruturas que busca desmantelar.

Para os críticos da resistência a Israel, essa armadilha torna-se uma acusação constante. Segundo sua lógica, a resistência é incluída na maquinaria colonial à qual se opõe, reduzida a uma inevitabilidade trágica desprovida de poder transformador. Nessa visão, a resistência apenas proporciona poder e oportunidade para se expandir e se reafirmar. Através desta lente, Tufan, para alguns palestinos, torna-se um exercício de futilidade.

Em 15 meses de guerra, as vozes daqueles que argumentavam contra a necessidade de resistência e questionavam sua eficácia pediam que o Hamas se rendesse, entregasse suas armas e implorasse por misericórdia. Muitos dos que fizeram esse apelo argumentaram que Israel não sucumbiria, não libertaria prisioneiros palestinos e continuaria a guerra até expulsar os palestinos de Gaza ou anexar o território para construir assentamentos. Embora o acordo de cessar-fogo não impeça o retorno à guerra e a retomada desse mesmo processo, o retorno dos palestinos do sul ao norte de Gaza e a retirada parcial das tropas israelenses refletem a extensão e a amplitude das concessões israelenses. Essas concessões ocorreram durante uma semana especialmente difícil para as tropas israelenses, com até 15 soldados mortos em toda a faixa, inclusive no norte de Gaza.

Em outras palavras, o próprio fato de que um acordo de cessar-fogo foi alcançado – um cessar-fogo que mitiga algumas das piores ansiedades entre os palestinos – perturba a lógica daqueles que defendem a futilidade da resistência, embora não inteiramente. Revela que Israel, apesar de seus planos de limpeza étnica em Gaza, foi obrigado a ceder. A resistência perdura, o Hamas permanece firmemente no poder e, mesmo que abdicasse desse poder, a abdicação ainda teria que passar pelo próprio Hamas.

Embora o futuro permaneça incerto – frágil, com o acordo sendo possivelmente quebrado a qualquer momento e a ameaça iminente de uma nova guerra -, sua própria existência fratura a aposta dos palestinos alinhados com a futilidade da resistência. Nas próximas semanas, os prisioneiros palestinos deixarão as prisões israelenses e as pessoas deslocadas para o sul de Gaza retornarão ao norte. Israel executou uma guerra punitiva, mas também chegou a um limite, demonstrando que a questão palestina persiste apesar da monstruosa vontade que Israel empregou nesta guerra.

·       O projeto de libertação e um acerto de contas existencial

Desde o início da guerra, uma onda de intelectuais palestinos e árabes invocou a tradição da autocrítica, uma tradição profundamente enraizada na experiência intelectual árabe, particularmente após a Nakba ou a guerra de 1948, e mais tarde Al-Naksa, ou a guerra de 1967. Este momento de reflexão, emergindo com uma velocidade quase urgente, baseia-se em uma genealogia da crítica forjada à sombra da derrota.

No entanto, parece carregar em si um inerente paradoxo: a derrota, tanto em sua realidade material quanto em seu peso simbólico, não é apenas mais um resultado, mas se tornou a estrutura, a própria lente através da qual o eu coletivo percebe sua existência.

O eu coletivo é, portanto, apresentado como sujeito e objeto de um questionamento implacável – um questionamento disposto a desvendar as “ilusões” que obscurecem a realidade ou impedem a realização de uma possibilidade mais “pragmática”. Começa, aparentemente, como um esforço terapêutico, um meio de contar com o fardo de aspirações equivocadas. E, ainda assim, a recorrência de declarações como “tudo em que acreditávamos entrou em colapso; tudo o que esperávamos falhou; tudo o que sonhamos desapareceu”, revela que esse questionamento não apenas desestabilizou estratégias ou táticas, mas mergulhou mais fundo na própria essência da resistência. Em outras palavras, passou da autocrítica para a autolaceração.

O que emerge não é uma simples crítica, mas um acerto de contas existencial, um discurso que remodela a relação entre esperança e desespero, entre a ação e significado. O questionamento não visa refinar táticas, mas desestabilizar as bases da resistência, levantando um espectro muito mais preocupante: o projeto de libertação se enredou no absurdo da própria luta? Suas contradições excederam a capacidade da história de resolvê-las ou contê-las? É uma dialética que levou alguns a defender a retirada, a dizer “vamos nos concentrar na construção do Líbano” ou “vamos assinar nosso próprio Acordo de Oslo e seguir em frente”. Esses apelos, envoltos na linguagem da racionalidade, mascaram uma rendição não apenas do território, mas da própria gramática da resistência.

Em sua essência, a resistência não pode ser reduzida a suas dimensões táticas ou estratégicas. Não é apenas um confronto no campo de batalha, mas uma ruptura das certezas ontológicas do colonizador. Sua essência está em forçar o colonizador a confrontar questões que ele procurara evitar: seu poder pode realmente garantir a resolução? Os massacres proporcionam finalidade ou aprofundam o abismo?

A resistência força o colonizador a encontrar sua própria contingência, a reconhecer a fragilidade das estruturas que acreditava inatacáveis. Nesse sentido, o campo de batalha não é um espaço apenas de violência, mas também de interrogação – um local onde a soberania do colonizador está sujeita a dúvidas. Em outras palavras, o objetivo da resistência é forçar o inimigo a se questionar.

Um dos legados deste momento é se Israel enfrentará essas questões ou permanecerá intoxicado por seu próprio poder. Questionará a extensão de sua dependência dos Estados Unidos? Contará com a insustentabilidade de controlar o destino de outro povo? E, depois de se tornar nuclear e tentar apagar os palestinos para acabar com o conflito, Israel se contentará em apenas ganhar tempo ou escolherá um caminho diferente? Embora isso permaneça, em si, uma questão em aberto, as tendências fascistas de suas principais forças motrizes tornam mais plausível que Israel aposte seu futuro em um mundo semelhante ao atual acordo com os palestinos: muros, apartheid, deportações, exploração de trabalhadores indocumentados, supremacia étinico-religiosa e uma vocação implacável para a monstruosidade. Mas isso não elimina o mero fato de que o desejo de Israel pela vitória total atingiu um limite, apesar de seu excepcionalismo, e que essa suficiência da vitória signifique apenas que a guerra continuará por outros meios.

·       O desmoronamento do excepcionalismo israelense

A guerra revelou a falência moral norte-americana, a supremacia racializada de Israel, sua monstruosa capacidade de destruição e sua teia profundamente emaranhada de investimentos ideológicos, psíquicos e políticos no apagamento e dominação. Este não é apenas um conflito de armas, mas uma revelação das estruturas que sustentam e perpetuam a máquina da violência. A guerra expôs o excepcionalismo em torno de Israel – não apenas em conceder impunidade ao Estado, não apenas em silenciar e suprimir a dissidência em toda a Europa e América do Norte, não apenas dentro de instituições acadêmicas ou da grande mídia, mas em sua capacidade descarada de cometer crimes ao vivo.

Para os palestinos, essa capacidade é vista através de uma lente amarga, como um poder israelense. Afinal, Israel é apresentado como um Estado que pode se safar de qualquer coisa, uma realidade tão opressiva quanto a própria violência. No entanto, é também esse mesmo excepcionalismo, esse limite imposto ao discurso, que chama a atenção para a desconstrução de Israel como um estado de supremacismo judaico e colonizador. Esse desenrolar não é simplesmente uma questão palestina: é um apelo urgente para uma mudança radical – não apenas na Palestina, mas em todo o mundo. Este continuará sendo o horizonte persistente dos Tufan, muito depois do cessar-fogo – e, que crucialmente, nunca cessará na Palestina.

¨      Israel já matou mais de 47 mil pessoas em Gaza, afirma Palestina

O Ministério da Saúde de Gaza informou nesta terça-feira (21) que o número de mortos chegou a 47.107 e o de feridos a 111.147 no enclave palestino devido à ofensiva israelense, desde 7 de outubro de 2023.

De acordo com as autoridades de Gaza, somente nas últimas 24 horas chegaram aos hospitais da Faixa de Gaza um total de 71 corpos e 56 feridos.

O número de corpos recuperados pode aumentar nas próximas horas, pois, de acordo com a autoridade sanitária, muitas vítimas ainda estão enterradas sob escombros que equipes de resgate não conseguiram acessar.

"Numerosas vítimas permanecem sob os escombros e nas estradas às quais as equipes de ambulâncias e de proteção civil não conseguem chegar", informou o Ministério da Saúde de Gaza.

De acordo com o canal de TV Al Jazeera, 120 corpos foram encontrados em Gaza nos últimos dois dias. Pelo menos dez palestinos foram mortos e muitos ficaram feridos em um ataque militar israelense na cidade de Jenin, na Cisjordânia ocupada, segundo autoridades de saúde.

Mais cedo, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciou o lançamento da operação antiterrorista Parede de Ferro na Cisjordânia para reforçar a segurança.

Na última quarta-feira (15), Israel e o movimento Hamas concordaram com um acordo de cessar-fogo por 42 dias mediado por Catar, Egito e Estados Unidos, que prevê a entrada em vigor já no domingo (19).

primeira fase do acordo estipula a troca de 33 israelenses detidos pelo Hamas por cerca de mil prisioneiros palestinos. As forças de Israel terão que se retirar para as fronteiras da Faixa de Gaza, embora permaneçam dentro dos seus limites territoriais por enquanto.

 

Fonte: Por Abdaljawad Omar, no site Mondoweiss, traduzido por Raquel Foresti, para Opera Mundi

 

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