Menos
de 1% tenta romper tornozeleira eletrônica: 'Eu não tentaria. Você vai ser
penalizado', diz fabricante
O
Brasil tem atualmente quase 1 milhão de pessoas em cumprimento de pena. Dessas,
122 mil estão em prisão domiciliar com uso de monitoramento eletrônico, número
que só cresce a cada ano.
Para se
ter uma ideia, em 2016, há uma década, eram 6 mil, segundo mostram dados do
Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen).
O
mercado da produção de tornozeleiras, como consequência, também teve um boom, e
a expectativa do setor é aumentar ainda mais a produção e ampliar a tecnologia,
com mais capacidade de armazenar e compartilhar informações.
Sávio
Bloomfield, presidente da Spacecom Monitoramento SA, empresa que afirma ser
responsável por mais de 100 mil tornozeleiras monitoradas em 16 Estados do
país, contou à BBC News Brasil que são raros os casos de tentativa de danificar
o equipamento, como no episódio envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Bolsonaro
admitiu ter usado um ferro de solda durante a madrugada de sábado (22/11) para
tentar violar a sua tornozeleira. O ex-presidente afirmou que interrompeu a
ação por conta própria e comunicou posteriormente o ocorrido aos agentes
responsáveis pelo monitoramento.
A
Spacecom Monitoramento SA, vale destacar, não é a mesma responsável pela
tornozeleira utilizada pelo ex-presidente.
"Menos
de 1% tenta evadir o sistema de monitoramento", disse Bloomfield, com base
em informações dos equipamentos da própria empresa.
E ele
faz um alerta: "Vai ficar registrado, vai ficar no seu prontuário e você
vai responder à Justiça. Você vai ser penalizado de acordo com o juízo
acompanhando o caso. Eu não tentaria fazer."
Ele
disse que a empresa ainda não tinha visto casos de rompimento da tornozeleira
com ferro de solda, embora haja outras formas de violação comuns. E que esses
casos sempre ficam registrados.
"Já
recebemos equipamento quebrado, furado, cortado. Mas nunca tivemos nenhum caso
em que a Justiça tenha nos solicitado e que não tivesse prova do que houve com
aquele apenado. Costumamos brincar que só não sabemos a cor da cueca do preso.
Mas o resto que ele fez, eu sei."
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Custo de monitoramento é menor
O uso
de tornozeleira eletrônica pode ser decidido pelo Poder Judiciário tanto
durante uma investigação ou instrução criminal quanto após uma condenação.
A ideia
é que a medida permita, por exemplo, substituição à prisão provisória, medida
protetiva em casos de violência doméstica, saída temporária para quem está no
regime semiaberto e progressão de regime, quando não há vagas em
estabelecimentos adequados.
Bloomfield
avalia que o aumento do uso tem a ver com a visão do Judiciário de buscar penas
mais justas e de gastar menos.
"Temos
superlotação. Um preso custa, para o Estado, em torno de R$ 3 mil por mês. Uma
tornozeleira, em média, custa R$ 260. É muito mais barato. Quando um preso vai
para a penitenciária, há toda uma desestruturação da família da pessoa, que é
pressionada pelos presos para que leve droga. Ou para que família dos presos
prestem favores."
Ele diz
que o sistema de monitoramento eletrônico também foi ganhando mais confiança
nos últimos anos.
"A
Justiça acabou entendendo que, com a tecnologia da tornozeleira, é possível
acompanhar a pena dessa pessoa. Desse pessoal que é monitorado, menos de 1% se
evadem do monitoramento. Alguns cometem delito, mas é minoria. Esses números
têm provado que é mais econômico pro Estado. Às vezes a pessoa faz um pequeno
furto, um delito, uma pessoa nova. Então você consegue não deixar a pessoa
entrar no sistema, não virar um membro de facção. É a razão do sucesso, que vem
crescendo ano a ano."
Poucas
empresas oferecem o serviço, dada a complexidade do monitoramento. O Brasil
representa um dos grandes mercados: segundo um estudo feito pela consultoria
sueca Berg Insight com firmas deste setor enviado à BBC News Brasil, o Brasil
concentra mais de 85% na América Latina.
"Estamos
lidando com sistema penal, sistema judiciário. Tem de seguir as regras. Tenho
de prestar informações para a Justiça cinco, seis, sete anos depois de um caso.
Demanda investimentos, porque o Estado, quando faz licitação, não paga
imediatamente, mas depois de prestar o serviço. É preciso fazer todo um aporte
inicial para depois ser recebido ao longo do tempo", diz Bloomfield.
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Como funciona o monitoramento na prática?
A
tornozeleira emite sinais que são captados por satélite e permitem identificar
a posição exata da pessoa que está sendo monitorada. Os equipamentos possuem
uma série de sensores para detectar se o usuário está mantendo a bateria
carregada ou se tentou fazer algum tipo de violação.
A
pessoa monitorada deve aceitar visitas dos responsáveis pelo monitoramento,
responder aos contatos e obedecer a qualquer orientação.
Também
não pode retirar nem permitir que outra pessoa retire sua tornozeleira. O
usuário também deve manter a bateria sempre carregada e avisar as autoridades
caso haja qualquer falha no equipamento. Outra demanda é respeitar a área de
circulação permitida pela Justiça — nem todo monitorado precisa ficar somente
em casa.
"Trabalhamos
a quatro mãos com o Estado. O Estado tem a central dele. Mas nossa central
também monitora e informa se acontece alguma infração. Entramos em contato com
a penitenciária, mandamos e-mail e uma mensagem no próprio sistema. Tudo é
feito online", diz Bloomfield.
O tipo
mais comum de tentativa de romper a tornozeleira, conta, é cortando o
equipamento, o que pode causar o interrompimento do sinal e alertar as
autoridades sobre a violação.
"Tem
todo tipo de abertura: tem gente que serra, tem gente que fura. Não posso
comentar especificamente o caso do Bolsonaro, porque é de outra empresa, mas se
fosse nosso equipamento, se um equipamento metálico chegar perto da
tornozeleira, dá pra detectar. Se houve acréscimo de temperatura, dá pra
detectar. Se furou ou der pancada, também."
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Violação na 'caixa' da tornozeleira é tentativa de desativar GPS?
Um dos
fatores que chamaram a atenção no caso da tentativa do ex-presidente Bolsonaro
de romper a tornozeleira foi que o ferro de solda foi usado na própria caixa do
equipamento, não no cinto.
"Não
sei a psicologia dele ali. Algumas pessoas falam que ele surtou. Como não vimos
o equipamento, é difícil comentar. Há vários vídeos na internet que ensinam a
tirar isso ou aquilo [da tornozeleira]. Mas no momento em que se tira, está
havendo a violação", diz Bloomfield.
"Há
quem tira a caixa, quem tira a cinta. Tivemos um caso em São Paulo, em 2012 ou
2013, onde o preso foi a uma empresa de assistência técnica [para tentar abrir
o dispositivo]. A polícia foi lá e prendeu o preso e o técnico. Quando
mostramos o prontuário com as informações geradas, é prova para a Justiça. O
equipamento é como se fosse um relógio de ponto, mas com muito mais
informação."
Ele diz
que, além de violar fisicamente os equipamentos, já houve também tentativas de
ataques hacker aos sistemas da empresa e de acessar as informações dos
dispositivos.
Embora
admita que nenhum equipamento é inviolável, o fabricante diz que as informações
sobre a violação sempre ficarão registradas.
"Vai
ficar no seu prontuário e você vai responder à Justiça. E será penalizado de
acordo com o juízo que está analisando o caso. Eu não tentaria fazer. Seja o
rompimento da pulseira, seja violação do caso, isso vai ficar registrado e
enviado para o juízo."
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Tornozeleira é epílogo "Zorra Total" do bolsonarismo. Por Nina Lemos
Nem o
melhor dos roteiristas de comédia conseguiria escrever um final tão cômico para
a história de um líder de extrema direita como Jair Bolsonaro : "depois de
se vender como herói macho e ‘imbrochável', um nacionalista mequetrefe é preso
pela polícia em sua casa, onde estava em prisão domiciliar, por tentar derreter
sua tornozeleira com uma solda elétrica".
É claro
que o ato do ex-presidente, que o levou a ter sua prisão preventiva decretada
no sábado (22/11) é seríssimo e que a tese do Supremo Tribunal Federal (STF) de
que ele tentaria uma fuga faz todo sentido. Mas não tem como não ver o tom
Zorra Total, de mais essa atitude do Bolsonaro, famoso não só por seu viés
autoritário, sua misoginia e seu negacionismo, mas também por atitudes
patéticas.
A piada
não está só no fato dele ter tentado "derreter" uma tornozeleira, uma
atitude vista por parte da imprensa mundial como um ato "covarde" e
"desesperado", mas também pelos requintes do fato. O vídeo gravado e
divulgado pela Polícia Federal (PF), onde Bolsonaro explica o que fez, é
inacreditável. Nele, imagens da tornozeleira meio derretida são exibidas
enquanto um sujeito amedrontado responde para uma policial que "tinha
metido ferro" no objeto usando "uma solda".
As
desculpas também são "maravilhosas". Primeiro, o homem amedrontado
fala que tinha passado a tarde e parte da noite queimando uma tornozeleira
eletrônica com uma solda elétrica por "curiosidade", como se isso
fosse um hobby simples e não uma maneira bizarra de agir contra a lei. Em
seguida, ele e seus advogados passam a afirmar que o ex-presidente teve um
"surto" . O crime teria sido motivado por uma "alucinação"
causada por uso de remédios. Ele teria "ouvido vozes" vindas da
tornozeleira e achado que estava sendo espionado.
Sim, é
super normal (contém ironia) que uma pessoa tome dois antidepressivos
amplamente utilizados, tenha alucinações e decida conscientemente pegar uma
solda elétrica (e quem tem um objeto desses em casa?) para "calar" as
vozes. Honestamente, parece ou não uma piada?
Repito,
é seríssimo o que o ex-presidente fez e ele praticamente "pediu" por
uma prisão preventiva, mas não tem como não rir da desfaçatez e do espírito
trapalhão.
As
notícias da bizarra "tentativa de fuga" de Bolsonaro (é assim que o
STF entende a tal "traquinagem" de queimar a tornozeleira) corre o
mundo com todo o seu ridículo. É curioso, mas algumas coisas ficam ainda mais
inacreditáveis quando lidas em outros idiomas. "Bolsonaro explica ataque à
tornozeleira com alucinações", escreve o jornal alemão Tagesspiegel. O
diário explica: "segundo o depoimento, o homem de 70 anos afirmou que
desenvolveu ‘certa paranoia' devido à medicação e começou a manipulação pouco
depois da meia noite. Ele então recobrou a consciência e parou." Essa é
uma narrativa que faz "todo o sentido", não é mesmo?
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Golpe trapalhão
Essa
não é a primeira vez em que Bolsonaro e seus apoiadores agem de maneira
tragicômica (espero que seja a última, mas não tenho tantas esperanças): a
própria tentativa de golpe de Estado , crime que fez Bolsonaro ser condenado a
27 anos e três meses de prisão, teve desses momentos.
O
ex-presidente e sua turma são especialistas em, por exemplo, produzir provas
contra si mesmos. Uma das reuniões na qual eles tramavam um golpe, por exemplo,
foi filmada por eles mesmos. Nela, os presentes, entre eles o ex-ministro
Augusto Heleno e Bolsonaro, fazem confissões, falam que vão "virar a
mesa", que "não aceitariam o resultado das eleições" e que era a
hora de "implementar o plano B". A polícia nem deve ter tido muito
trabalho, já que eles mesmos fizeram os vídeos.
Enquanto
planejavam o golpe, eles também "imprimiram o plano". O documento,
que ficou conhecido como "minuta do golpe", foi encontrado na sala de
Bolsonaro em seu partido, o PL, e dizia, entre outras coisas, que um
"estado de sítio" seria implementado no país. Assustador. Mas como
eles deixaram essa prova tão escancarada?
É
claro, tudo perde a graça imediatamente quando lembramos que sim, o Brasil
esteve perto de sofrer mais um golpe de Estado e que um homem com ideias
autoritárias como essa foi eleito presidente do país. Que isso nunca se repita.
E que o bolsonarismo acabe desse jeito patético, com um suposto "macho
corajoso" tentando derreter uma tornozeleira eletrônica com uma solta no
calar da noite. Mais ridículo, impossível.
Fonte:
BBC News Brasil/DW Brasil

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