Brasil
dá lição em negociação com Trump 'amarelão', diz jornal inglês Financial Times
Um
artigo de opinião no jornal Financial Times publicado nesta sexta-feira (28/11)
afirma que "o Brasil deu uma lição" sobre como vencer o presidente
americano, Donald Trump, dentro da "estratégia Taco" (Taco trade, em
inglês).
'Taco'
é uma sigla em inglês que significa Trump Always Chickens Out ("Trump
sempre amarela", em tradução livre para o português), que foi cunhada por
outro colunista do próprio Financial Times.
A
estratégia Taco consiste em investidores apostarem que, após prometer grandes
aumentos de tarifas, o presidente americano Donald Trump sempre acabará
"amarelando" e recuando em sua posição.
Em
artigo, a jornalista Gillian Tett, do Financial Times, sugere que o recuo de
Trump no tarifaço contra produtos brasileiros seria mais um exemplo de 'Taco'.
Na
semana passada, Trump assinou um decreto suspendendo as tarifas de 40% sobre
diversos produtos agrícolas importados do Brasil.
"Como
se diz 'Taco' — como em 'Trump Sempre Amarela' — em português? É uma pergunta
que alguns brasileiros podem fazer agora com um sorriso", escreve a
jornalista.
"Quatro
meses atrás, o presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou tarifas adicionais de
40% sobre as importações brasileiras (totalizando 50% em taxas), porque estava
furioso com o julgamento de Jair Bolsonaro, seu ex-presidente, e com a pressão
contra as grandes empresas de tecnologia americanas."
"Mas
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu com firmeza à intimidação —
aumentando sua popularidade interna — e defendeu os tribunais."
"E
as tarifas? Na semana passada, Trump declarou que 'certas importações agrícolas
do Brasil não devem mais estar sujeitas à sobretaxa adicional de 40%'."
"Em
outras palavras: Lula venceu", afirma o artigo.
Ela
escreve que o episódio fornece três lições sobre Trump.
A
primeira é que "a Casa Branca parece estar ficando mais nervosa com as
pressões do custo de vida".
"Não
é de admirar: pesquisas recentes mostram que a confiança do consumidor está
caindo em conjunto com a taxa de aprovação de Trump. Sua equipe está se
esforçando para encontrar maneiras de reduzir os preços dos alimentos — e
cortar as tarifas agrícolas é uma medida óbvia", escreve Tett.
A
segunda lição é que pessoas que praticam bullying costumam responder a
demonstrações de força.
"Sim,
bajulação servil às vezes também pode funcionar. A Suíça reduziu suas próprias
tarifas enviando executivos bajuladores com presentes para se encontrarem com
Trump. Mas a China seguiu uma estratégia de conflito com resultados notáveis. E
a postura firme do Brasil sugere que outros países estão aprendendo com Pequim.
No mínimo, isso indica que qualquer pessoa que negocie com Trump deve começar
avaliando como explorar seus pontos fracos", diz a jornalista do Financial
Times.
Por
fim, ela afirma que é preciso"diferenciar táticas de objetivos ao analisar
a Casa Branca".
"Isso
pode não parecer óbvio, visto que Trump frequentemente demonstra uma lamentável
falta de estratégia clara. De fato, sua posição em relação ao Brasil, à Ucrânia
e ao caso Jeffrey Epstein — para citar apenas alguns exemplos — tem sido tão
cheia de caprichos que a imprevisibilidade é, sem dúvida, a única
característica previsível."
A
sensação que muitos têm é que "tal como um rei Tudor, os caprichos
narcisistas de Trump parecem conduzir a sua 'corte'", escreve a
jornalista.
Mas ela
pontua que Trump possui um instinto de sempre querer estabelecer uma hegemonia
econômica e política em negociações — tanto para os EUA como para seu círculo
íntimo. E que esse instinto é transformado em estratégia pelos assessores de
Trump, e que "o objetivo é obter vantagem sobre os concorrentes em um
mundo movido por negócios".
"Mas
é precisamente porque essas manobras melodramáticas são frequentemente táticas
— e não objetivos ideológicos profundamente arraigados — que a Casa Branca se
sente capaz de mudar de rumo sem pudor, descartando medidas caso elas se
mostrem contraproducentes ou surjam prioridades maiores", escreve a
jornalista.
"É
por isso que as tarifas brasileiras desapareceram repentinamente na semana
passada e por isso que Trump acaba de se aproximar de Zohran Mamdani, o
recém-eleito prefeito de Nova York, depois de atacá-lo ferozmente."
"[...]
O triunfo de Lula enviou sinais bastante positivos para os europeus e outros.
Os reis raramente são tão onipotentes quanto parecem", ela conclui.
• O recuo de Donald Trump. Por Emiliano
José
Eu temo
muito o impulso de ser movido pela indignação. Pode ser bom, na linha de Che
Guevara, mas pode não ser, por levar eventualmente à precipitação, à formulação
descuidada. Tento combinar as coisas. A indignação, acompanhada de reflexão
serena, e não tenho qualquer certeza de conseguir a proeza. Nesse momento,
indignado. Tolamente, talvez, vou me alertando.
Não
deveria ser surpreendido pelo tratamento dado a Lula no caso da medida de
supressão de parte substancial de tarifas feita pelo presidente dos EUA, Donald
Trump. No íntimo, esperava algum reconhecimento por parte da mídia empresarial.
Imaginava falasse do papel dele para chegar a esse ponto, tão favorável ao
Brasil, à burguesia e ao povo brasileiro, pelo impacto positivo de tal medida
para todos. Esperava, também, o agradecimento de entidades empresariais. Nada.
Como se a medida tivesse caído do céu, um raio num dia de céu azul.
Assim,
vou escrevendo, e compreendendo: a indignação revela boa dose de inocência.
Acreditar ser impossível desconhecer o fato, joia rara do jornalismo liberal,
apenas como adereço, no entanto, nunca como realidade. Desconhecer o entorno,
as circunstâncias, os muitos aspectos a levarem à decisão do presidente
americano. Não, a mídia empresarial não poderia fazer isso. Deixar de lado
tantos fatos, a evidenciar o papel de Lula a determinar a atitude
norte-americana.
Poderia.
Pode. Faz sempre. Porque é movida pela visão de mundo dela. Atua como partido
político, na linha da conceituação desenvolvida por Antonio Gramsci há coisa de
um século. E esse partido político sempre quer desconhecer Lula, ignorá-lo,
como se fosse possível, e para ela é. Nunca o engoliu. Quer escondê-lo, ignorar
a magnitude assumida por ele no Brasil e no mundo atual. Digo sempre, e não é
novidade: a grandeza dos seres humanos dificilmente é reconhecida em vida.
Os
meios de comunicação, ao integrar o mundo do capitalismo, da acumulação,
lidando com a mercadoria notícia, são atravessados permanentemente pela luta de
classes, desculpem o termo antigo tomado de Karl Marx, e vindo até muito antes
dele. Não há jornalismo desinteressado, ao menos quanto aos aspectos essenciais
do modo produtor de mercadorias. Por isso, partido político. Por isso, longe de
qualquer isenção, imparcialidade, como os manuais professam, de modo enganoso.
Não é
necessário recuperar em detalhe toda a movimentação em torno da taxação de 50%
das exportações brasileiras para os EUA. Falar dela apenas em traços largos.
Donald Trump chega ao poder pela segunda vez, na esteira de um movimento a
elevar a extrema direita como protagonista político do capitalismo em crise,
acossado pela emergência da China, pelo inegável fortalecimento dos BRICs.
Um
fenômeno mundial, o do ressurgimento aberto da extrema direita, passados 80
anos da derrota do nazifascismo, em 1945. Diante da crise mundial do
capitalismo, sentiu-se à vontade para colocar-se novamente como alternativa
política. A situação dos EUA, a mais emblemática pela importância do país, pelo
significado das decisões do império, não obstante império em decadência. Os
monstros, como diria Antonio Gramsci, ganharam coragem de mostrar a cara diante
da insistência do velho em persistir e do novo em não poder ainda despontar.
Donald
Trump pretendeu fechar-se em copas, num nacionalismo raivoso, com a intenção de
ignorar a realidade de um mundo globalizado, globalização iniciada desde o
século XIX – Marx já assinalava isso lá pelos meados do século XIX. Mais
recentemente, no entanto, isso ganhou contornos irreversíveis e ampliados.
As
nações são obrigadas a, mantendo a autonomia, garantindo a soberania,
relacionarem-se amplamente, evitando qualquer tentativa de fecharem-se em si
mesmas, sob pena de amargarem sérios prejuízos.
O
nacionalismo, essencial a qualquer país, não é o do século XIX, nem o do século
XX. Exige capacidade para se mexer em meio à realidade complexa do século XXI,
marcada pela presença ainda do neoliberalismo e, como dito, pela ascensão de
outras poderosas forças, não mais guiadas pela lógica neoliberal, entre as
quais estão a China, a Rússia, a Índia, e o Brasil, inegavelmente.
Donald
Trump, nesse novo mandato, chegou acreditando pudesse tudo. Fazer o que bem
entendesse, o que lhe desse na telha. Fundado na fórmula, não dele, mas
originária da campanha de 1980 de Ronald Reagan, Make America Great Again,
acreditou-se à frente de um império incontestável, disposto a avançar sobre
territórios, agredir nações, cercá-las com a força bruta de gigantescas forças
armadas à disposição dele, impor acordo absolutamente lesivo aos palestinos
depois do massacre daquele povo, e sobrecarregar os países com taxas abusivas,
como aconteceu com o Brasil.
Tentação
de parafrasear James Carville, notório estrategista de Bill Clinton, e dizer: é
a política, estúpido. O mundo não parece disposto a dobrar-se mais ao mando
imperial, como ele acreditava. Ao menos, alguns países, não. Nem todos agem de
maneira acovardada, como o fez a Europa. Alguns líderes, de jeito nenhum. Com
destaque para Luiz Inácio Lula da Silva.
Donald
Trump, ao taxar produtos brasileiros em 50% argumentou, equivocadamente, um
déficit comercial na relação com o Brasil, e acrescentou pretensa perseguição a
Jair Bolsonaro, pretendendo chantagear o país, colocá-lo de joelhos.
Lula
não piscou. Em momento nenhum. Donald Trump provavelmente não o conhecia. Não
tinha noção de com quem estava lidando. Considerou pesar a mão e assustar o
interlocutor, colocar o Brasil no canto do ringue. Deixá-lo aparentemente sem
saída.
Lula
confrontou Donald Trump com a verdade: o Brasil tinha um saldo comercial
deficitário com os EUA. Portanto, falsa a alegação quanto a esse aspecto. O
tratamento dado a Bolsonaro, não por Lula, mas pelo judiciário brasileiro,
fundado na mais absoluta legalidade, garantidas todas as prerrogativas da
defesa, e dizia respeito, diz, a uma tentativa felizmente fracassada de golpe
de Estado onde se pretendia assassinar o presidente Lula, o vice Geraldo
Alckmin e o ministro do STF, Alexandre de Moraes. Poderíamos, a partir desse
espírito sanguinário, viver uma nova Jacarta no Brasil.
Lula
foi uma das vozes mais possantes do mundo na resistência a Donald Trump, dando
exemplo a todas as nações. É possível não se dobrar às exigências da principal
nação capitalista do mundo, ao mais forte representante das forças
imperialistas.
Só
mantendo uma posição de nação soberana, autônoma, dona de seus caminhos, é
possível manter a cabeça erguida, espinha ereta, coração tranquilo, certeza na
mente. Quem muito se agacha, mostra os fundilhos. É da sabedoria popular, e
relevante para essa conjuntura, para esse momento de ameaças permanentes do
presidente americano.
Donald
Trump, nessa quadra, logo depois de assumir, tratou de maneira desrespeitosa,
arrogante, a vários chefes de Estado, alguns, aliados. Não reagiram, não
levantaram a cabeça, voltaram seus países desmoralizados.
Lula,
desde os primeiros anúncios de Donald Trump, fez questão de dizer duas coisas:
a soberania era inegociável e, posto isso, estava disposto a negociar. Não era
nenhuma atitude sectária, arrogante. Apenas a posição de um chefe de Estado
cumprindo o dever de defender o país dirigido por ele. Em segundo lugar,
defendeu o judiciário, cujo procedimento sempre foi fundado no respeito à
Constituição, nas balizas do Estado de direito.
O recuo
do presidente americano foi decorrente dessa posição segura de Lula, da atitude
soberana dele, de nunca deixar de cumprir o dever de defender a pátria. Tal
posição contrasta com o discurso de muitos da mídia empresarial, a criticar
Lula, propondo a ele “mais flexibilidade”, a pedir ao presidente fosse capaz de
atender aos apelos norte-americanos, a evidenciar, para dizer o mínimo, a
posição rebaixada do nosso jornalismo, pobre jornalismo. A vida vem
demonstrando o quanto Lula estava certo.
O
presidente americano viu-se cercado. Principalmente pela atitude politicamente
ousada, convicta, firme de uma liderança hoje capaz de falar ao mundo, não mais
restrita aos limites nacionais. Donald Trump viu-se também acuado por razões
econômicas, pelo fato vários produtos taxados serem essenciais por não serem
produzidos pelos EUA.
Evidente,
nessa movimentação, ser o argumento em torno de Jair Bolsonaro apenas um
adereço circunstancial, sem qualquer importância, descartado sem mais. A Donald
Trump, pouco se lhe dava a presença do quinta-coluna Eduardo Bolsonaro rosnando
nos EUA contra o Brasil, agora à beira de ser condenado pela justiça
brasileira, e desmoralizado, como merecem todos os traidores.
O
importante aqui, para retomar do início de minha conversa, é destacar a riqueza
da movimentação de Lula, envolvendo a recuperação do conceito de soberania, de
autonomia das nações. Quando ele fala em multilateralismo, não o faz apenas
como uma teoria solta no ar. Dá concretude à ideia. Acabou o tempo dos
impérios, apesar de Donald Trump pretender agir como tal.
Quando
diz da independência de cada nação, ao direito década uma dispor de seu próprio
destino, sinaliza com atitudes políticas a fortalecer a ideia. O direito à
autodeterminação das nações, se aparece como enfeite para alguns liberais,
desponta como posição essencial para um Lênin, é, ele mesmo, defensor desse
princípio há mais de século, como se sabe.
O
movimento de Lula em favor da autodeterminação não tem significado apenas
local. É exemplo para o mundo. Cada vez mais, afirma-se como liderança mundial.
E uma
liderança capaz de não só constranger o presidente norte-americano a recuar de
suas agressivas pretensões imperiais em relação às taxas abusivas, como também,
de manter as posições em defesa da paz, militante contra a existência obscena
da fome, contra o massacre em Gaza, a favor de uma solução negociada para a
guerra da Ucrânia, contra a agressão anunciada à Venezuela, em defesa da
América Latina, só para lembrar alguns dos combates feitos por Lula. Um líder
corajoso, incapaz de se manter de modo indiferente às dores do mundo.
Dizia,
no início desse texto: difícil um ser humano de relevo, de importância
história, ser reconhecido em vida. Mais ainda, se confrontado com uma das
mídias empresariais mais partidárias do mundo, acostumadas sempre a caminhar
lado a lado com as classes dominantes, até porque parte delas, inequivocamente.
Lula
andou desde sempre por caminhos ásperos, jamais aceito pelas classes dominantes
nacionais e internacionais. Na caminhada, se afirmando. Crescendo cada vez
mais, mantendo os compromissos fundamentais com o povo brasileiro, atento aos
sofrimentos da população mundial, firmando o compromisso pela igualdade, pela
distribuição da riqueza, não obstante soubesse que o tempo de uma vida não
seria suficiente para realizar todos os sonhos dele, oriundos de uma vida
difícil, visitada pela fome, uma vida de superação. Jamais esqueceu de onde
veio.
Deixou
marca insuperável ao longo da participação política dele. Já é possível dizer
ser o principal nome da história brasileira pelo conjunto da obra, e
seguramente ainda fará muito mais, até porque tudo indica será eleito para
outro mandato, impedindo a volta da extrema direita.
Então
poderá continuar o projeto de fazer do Brasil cada vez mais um país marcado
pela democracia, pela igualdade, pelo fim desse fosso entre uma classe
dominante escandalosamente rica e perdulária e uma população pobre. Já houve
passos significativos nesse governo, mas ele quer mais. E o fará. Porque o povo
brasileiro precisa desse mais.
Seguirá
o caminho de compromisso profundo com a nossa gente, especialmente aquela mais
pobre, especialmente a classe trabalhadora. Para desespero dos muitos
acostumados a desprezá-lo, a ter raiva do prestígio mundial alcançado por ele,
a detestá-lo por essa mania de distribuir renda, de querer incluir os muito
ricos no rol dos que pagam impostos.
Donald
Trump foi obrigado a respeitá-lo. As classes dominantes brasileiras, salvo uma
ou outra exceção, marcadas pelo espírito da Casa Grande, jamais irão reconhecer
o papel dele em nossa história. O povo brasileiro já reconhece, e isso para um
líder é o bastante. Os cães ladram. A caravana passa.
Fonte:
BBC News Brasil/A Terra é Redonda

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