sexta-feira, 28 de novembro de 2025

A atuação de Cuba em Angola mudou o curso da história africana

O fim do domínio colonial português em Angola, há cinquenta anos, marcou também o início de uma missão militar cubana com grande impacto na história do país, repelindo uma invasão sul-africana e impedindo que Pretória levasse seus aliados locais ao poder. A missão deixou ainda sua marca em toda a região: Nelson Mandela atribuiu à vitória cubana sobre o exército sul-africano em 1988 o mérito de ter acelerado o fim do apartheid.

Quando as forças armadas cubanas se envolveram abertamente em Angola, em novembro de 1975, houve uma suposição generalizada de que Cuba era um “Estado satélite” soviético. Aqueles que conheciam bem Cuba argumentavam que não era tão simples. Questionavam se o país poderia realmente ser descrito como um Estado cliente e se Moscou tinha realmente interesse em se envolver (indiretamente) nos conflitos internos da África Austral.

Com o tempo, pesquisas posteriores desviaram a atenção de uma interpretação que devia muito à perspectiva hegemônica da Guerra Fria. Lentamente, tornou-se claro que o envolvimento de Cuba ocorreu a pedido do novo governo do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), ao qual Portugal havia entregado o controle do país às pressas.

O MPLA estava agora ameaçado por forças rivais que contavam com o apoio da África do Sul e dos Estados Unidos. O MPLA solicitou ajuda de Havana com base em seus próprios laços estreitos com Cuba e no histórico de apoio cubano à luta anticolonial.

<><> Solidariedade internacional

Apartir de 1961, Cuba seguiu uma estratégia de apoio ativo às revoluções armadas e às lutas anticoloniais na América Latina, África e Ásia. A seminal Conferência Tricontinental de Havana, em 1966, expressou essa linha de solidariedade ideológica com os radicais do Terceiro Mundo.

“Nelson Mandela atribuiu à vitória cubana sobre o exército sul-africano em 1988 o mérito de ter acelerado o fim do apartheid.”

Essa política também incluía o apoio aos Estados pós-coloniais contra ameaças externas, por exemplo, através de ajuda militar para defender a Síria contra Israel em 1973. O pedido do MPLA em 1975 foi, portanto, um passo natural, assim como a resposta positiva de Cuba. A partir de agosto, já havia um pequeno contingente cubano em Luanda, prestando consultoria sobre a defesa da cidade.

A rápida resposta de Cuba ao pedido de ajuda pegou Moscou de surpresa, e os líderes soviéticos foram constrangidos a oferecer apoio logístico, apesar de suas reservas, que ecoavam sua oposição anterior à estratégia insurrecional de Cuba. Longe de obedecer aos ditames de seu aliado soviético, Havana estava, na verdade, influenciando as interpretações soviéticas dos acontecimentos no Sul Global, um padrão que se repetiu posteriormente com a Nicarágua e Granada.

Havia outro contexto, mais interno, para o envolvimento de Cuba em Angola, enraizado na cultura política do país. A solidariedade com as forças anti-imperialistas no exterior era, em parte, uma manifestação externa de padrões bem estabelecidos internamente, como demonstrado em muitas das mobilizações e campanhas participativas bem-sucedidas desde 1959.

Tudo isso acontecia em um Terceiro Mundo que passava por transformações dramáticas. Novos governos pós-coloniais estavam surgindo, e muitos deles buscavam aconselhamento ou assistência cubana com base em laços antigos. Na América Latina, o padrão de regimes militares pró-EUA durante as décadas de 1960 e início de 1970 começara a mudar, com governos mais nacionalistas em muitos países dispostos a reconhecer Cuba e a comercializar com o país.

Isso coloca em questão a visão tradicional de que Cuba cessou seu apoio ativo à luta armada nas Américas após 1970 devido à sua dependência econômica da URSS. Na verdade, com o afrouxamento do cerco estadunidense e continental à ilha, Cuba agora podia buscar aliados por meio da diplomacia, em vez de apoiar movimentos guerrilheiros.

A estratégia insurrecional regional de Cuba não se baseava apenas em uma interpretação radical heterodoxa do marxismo e em um compromisso ideológico com o anti-imperialismo. Refletia também a realidade de que Cuba tinha pouco a perder ao responder dessa forma ao cerco e ao isolamento, tendo como pano de fundo um compromisso secreto dos EUA, após a Crise dos Mísseis de Cuba em 1962, de não invadir a ilha. Agora que o isolamento estava diminuindo, Havana podia explorar novas formas de promover a solidariedade com o Terceiro Mundo.

Uma vez que o MPLA e seus aliados cubanos neutralizaram a ameaça militar imediata a Angola, a ajuda cubana estendeu-se a áreas civis para a construção de infraestrutura pós-colonial. Centenas de técnicos, pessoal médico, professores, agrônomos e até mesmo agentes culturais se voluntariaram por períodos prolongados. A prática cubana de internacionalismo se expressaria, a partir de então, principalmente em campos não militares, estendendo-se a mais de quarenta países.

<><> Ponto de virada

Oque tudo isso significou para a própria Cuba? Olhando para trás, fica claro que o envolvimento do país em Angola representou um ponto de virada em vários aspectos.

O voluntariado desempenhou um papel importante desde o início. A liderança em Havana deixou claro que toda a iniciativa seria baseada nesse princípio e convocou os soldados cubanos a participar.

A dimensão da resposta foi notável. De fato, muitos estrangeiros acharam inacreditável, supondo que a disposição para servir fosse resultado de coerção ou da promessa de benefícios materiais. No entanto, quando acadêmicos de fora de Cuba pesquisaram o fenômeno, tenderam a concordar que o voluntariado era genuíno, pelo menos nos estágios iniciais.

Para entender isso, precisamos analisar o contexto da participação popular em Cuba desde 1959. Em 1975, a solidariedade prática e ideológica já havia sido mobilizada por meio do envolvimento em massa em diversas organizações — principalmente nos Comitês de Defesa da Revolução (CDRs) de bairro — e em uma série de campanhas para alcançar objetivos definidos, desde a promoção da alfabetização e da saúde até a defesa de Cuba contra a ameaça de invasão.

“Muitos cubanos viam o trabalho no exterior como uma forma de romper com o hábito imposto de se isolarem sob o cerco dos EUA, oferecendo-lhes novas experiências.”

Por meio dessas experiências coletivas constantes, as noções de solidariedade e voluntariado tornaram-se partes integrantes do tecido social e da cultura política cubana. De fato, grande parte do projeto de construção nacional das décadas de 1960 e início de 1970 foi alcançada por meio desses mecanismos.

Havia também outros atrativos. Por exemplo, muitas pessoas viam o trabalho no exterior como uma forma de romper com o isolamento imposto pelo cerco dos EUA, oferecendo-lhes novas experiências. Isso também poderia lhes dar acesso a bens escassos e moeda forte. Além disso, havia um certo grau de pressão dos colegas no ambiente de trabalho, como no caso de voluntários que persuadiam outros a fazer o mesmo.

Com o tempo, porém, a estratégia de enviar pessoas para o exterior para prestar assistência tornou-se um elemento natural e proeminente da política externa de Cuba e da vida dos cubanos comuns. Muitas pessoas trabalhavam no exterior ou tinham um amigo ou familiar que o fazia.

<><> Cuba e a África

Quanto ao esforço militar propriamente dito em Angola, uma das primeiras reações públicas foi de grande orgulho nacional. Cuba passou a ser vista como aliada de um Estado pós-colonial, contra os impopulares Estados Unidos e o regime pária do apartheid na África do Sul. Isso aumentou a autoconfiança coletiva em relação ao potencial de Cuba para desempenhar um papel global claramente honroso, mas que antes parecia impossível.

A campanha angolana também teve um efeito imprevisto, mas significativo. Ela trouxe um novo foco, tanto popular quanto oficial, para a composição étnica de Cuba. A partir de novembro de 1975, a liderança cubana passou a se referir ao projeto como “o retorno dos escravos”, relembrando o grande número de africanos que os colonialistas espanhóis haviam trazido à força de Angola para impulsionar a produção de açúcar. O nome oficial da campanha foi Operação Carlota, em homenagem a uma famosa rebelde escravizada angolana da época.

Angola, portanto, lembrou aos cubanos o impacto cultural da África em sua sociedade e sua contribuição vital para os padrões econômicos do país, bem como seu radicalismo político (presente nas três rebeliões de independência do século XIX). Isso remodelou o processo de definição de uma identidade cubana como base da revolução e forma de encontrar um lugar no mundo.

“Angola lembrou aos cubanos o impacto cultural da África em sua sociedade e sua contribuição vital para os padrões econômicos do país, bem como para seu radicalismo político.”

Isso era necessário porque os cubanos haviam passado por uma experiência bastante típica, na qual o colonialismo e o neocolonialismo moldaram sua identidade, levando-os a aceitar sua própria inferioridade e a superioridade de seus colonizadores, e a olhar para o norte em busca de aspirações coletivas por uma futura “Cuba Libre”. Esse padrão continuou durante o período da questionável independência de Cuba, entre 1902 e 1958, reforçado pela significativa imigração espanhola até a década de 1930.

Após 1959, novas políticas e a hostilidade dos EUA em relação à Revolução Cubana forçaram o desenvolvimento de uma nova afinidade radical com a América Latina. Isso se expressou por meio do apoio ativo à rebelião armada na região, mas também pelo protagonismo cultural continental seminal da Casa de las Américas. No início da década de 1970, no entanto, a adesão de Cuba ao Comecon, a rede comercial do bloco liderado pelos soviéticos, pôs fim à austeridade da década anterior. As melhorias materiais geraram uma tendência entre os cubanos de se verem como potencialmente parte do “Segundo Mundo”.

O envolvimento cubano em Angola, juntamente com novas formas de colaboração com um Caribe anglófono em processo de radicalização e uma visível guinada à esquerda na América Central, serviu como um poderoso lembrete de que a África sempre deu uma contribuição substancial para a formação da identidade nacional de Cuba. Essa contribuição, porém, foi por muito tempo questionada e contestada, apesar das reformas sociais e das declarações oficiais após a vitória rebelde.

De repente, a cor deixou de ser um tabu (em uma sociedade supostamente daltônica) e passou a representar um elemento fundamental da identidade cubana, da qual os cubanos podiam se orgulhar. A nova onda de austeridade que atingiu Cuba após o colapso da União Soviética e a consequente perda de esperança minaram, em certa medida, essa consciência racial. Mesmo assim, essa consciência agora tinha raízes mais profundas do que antes e continuava sendo uma parte essencial da identidade cubana.

<><> Legados

Diante disso tudo, como os cubanos continuaram a perceber o papel de seu país em Angola? A década de 1980 viu um ligeiro declínio no entusiasmo inicial, com um número estimado de mortes em torno de seis mil, de um total de mais de duzentos mil que serviram no país. Também houve uma tendência, em alguns setores, de enxergar a pressão dos pares como uma forma de pressão estatal, com o voluntariado sendo visto como um meio de indivíduos furarem a fila para moradia ou outros benefícios.

“Em 1988, uma força de mais de cinquenta mil soldados cubanos infligiu uma grande derrota que erodiu o moral do exército sul-africano em Cuito Cuanavale, onde ocorreu uma batalha campal.”

Após uma epidemia de dengue em 1980, espalhou-se o rumor de que ela teria se originado no voluntariado internacionalista. No ano seguinte, o êxodo em massa de mais de 120.000 cubanos pelo porto de Mariel, que chocou o povo cubano e seus líderes, tornou as queixas sobre Angola mais frequentes.

No entanto, o entusiasmo e o orgulho retornaram após os eventos de março de 1988, uma força de mais de cinquenta mil soldados cubanos infligiu uma grande derrota que erodiu o moral do exército sul-africano em Cuito Cuanavale, onde ocorreu uma batalha campal.

O orgulho cresceu à medida que os efeitos da vitória cubana se tornaram claros: as tropas sul-africanas se retiraram de Angola e da Namíbia pouco depois, e o regime do apartheid começou a ruir com a libertação de Mandela em 1990, seguida por sua eleição como presidente do país. Esse sentimento de orgulho sobreviveu (e pode ter ajudado a confortar as pessoas) até mesmo durante a crise do início da década de 1990.

Contudo, a mesma crise também pôs fim à capacidade de Cuba de continuar com sua política de internacionalismo na mesma escala de antes. O fornecimento de ajuda passou a se limitar, em geral, à assistência após desastres naturais ou, como no caso da Palestina, à educação e formação gratuitas para estudantes do Sul Global.

A paciência dos cubanos foi frequentemente testada durante os anos de crise, pois alguns contrastavam suas lutas diárias para sobreviver com suprimentos limitados e racionamento com o que consideravam a generosidade de Cuba no exterior. No geral, porém, o compromisso com a ideia de solidariedade internacional pareceu persistir entre muitos cubanos, sugerindo (mesmo nas circunstâncias mais extremas) que a crença popular na solidariedade ainda exercia alguma influência.

“A Cuba pós-1975 era diferente, e provavelmente ainda estamos descobrindo a extensão e a natureza dessas diferenças.”

Também pode ter contribuído o fato de o histórico de Cuba em fornecer ajuda a outros países, mesmo durante crises, ter despertado significativa simpatia global pelo país. Isso ficou evidente todos os anos, a partir de 1992, nas esmagadoras votações da Assembleia Geral das Nações Unidas contra o embargo dos EUA (ritualmente contestado apenas pelos Estados Unidos e Israel), reforçando a sensação de que Cuba não estava sozinha. Com Donald Trump tendo endurecido ainda mais o embargo, essa simpatia pode parecer uma pequena bênção, mas foi (e talvez ainda seja) uma bênção.

A experiência angolana, portanto, afetou Cuba de diversas maneiras, em sua maioria para melhor. Reforçou muitas das crenças e compromissos do país, angariou muitos aliados e inspirou sentimentos de orgulho (bem como queixas e ressentimentos). A Cuba pós-1975 era diferente, e provavelmente ainda estamos descobrindo a extensão e a natureza dessas diferenças.

 

Fonte: Por Antoni Kapcia - Tradução Pedro Silva, em Jacobin Brasil

 

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