domingo, 30 de novembro de 2025

Ângela Carrato: O que a mídia não quer ver na tentativa de fuga de Bolsonaro e na fraude do banco Master

Se o Brasil tivesse mídia corporativa minimamente digna deste nome, era para as manchetes de hoje e do resto da semana abordarem insistentemente dois temas:

— Quem estava por trás da fracassada tentativa de fuga de Jair Bolsonaro, que lhe valeu a mudança de prisão domiciliar para preventiva;

— Os desdobramentos da liquidação extrajudicial do banco Master e da prisão de seu dirigente, Daniel Vorcaro, considerada a maior fraude financeira de todos os tempos no país.

Com o fim do processo no STF, que levou à condenação de Bolsonaro e mais seis integrantes do principal núcleo da tentativa golpista de 8 de janeiro de 2023, todos eles já vão iniciar o cumprimento de suas penas.

Daí, o importante agora seria a mídia concentrar-se nos detalhes envolvendo esta tentativa de fuga, bem como na possibilidade de Daniel Vorcaro, que teve o pedido de habeas corpus negado, colocar em prática o que prometia: contar “toda a história” do Master, uma delação premiada que vem tirando o sono de muita gente.

Mas a pergunta que não quer calar é: esta mídia quer ir fundo nestes aspectos ou seus interesses são outros?

A mídia sabe que Bolsonaro (não o bolsonarismo) está acabado. A insistência em mantê-lo nas manchetes passa pelo expediente de não deixar que se apague da memória popular o seu nome, até que defina o candidato que terá seu apoio na disputa com Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2026.

Nenhum dos grandes veículos acredita que Bolsonaro possa ser anistiado, mas manter o assunto em pauta é fundamental para o combate que sempre empreenderam contra a reeleição de Lula.

Quanto ao banco Master, o objetivo é oposto. Apagar, o mais rápido possível, da memória das pessoas, a grossa corrupção perpetrada por este banco, em parceria com o Banco de Brasília (BRB), de propriedade do governo do Distrito Federal. Não por acaso, a mídia prefere tratar o assunto por seu nome técnico: gestão temerária.

Se a mídia corporativa brasileira fosse minimamente digna deste nome, era para estar indo fundo na elucidação de quem auxiliou ou tramou com Bolsonaro o fracassado plano de fuga.

Indícios para tanto não faltam. É quase impossível, por exemplo, ele sozinho ter conseguido queimar a tornozeleira como o fez, sem se queimar, especialmente, como ele disse, tendo alucinações.

Não é estranho uma pessoa, tão doente como alega estar, encontrar-se praticamente sozinho em casa, acompanhado apenas da filha adolescente?

Não é igualmente estranho que uma de suas visitas antes da tentativa de fuga, o deputado federal Nicolas Ferreira (PL-MG), tenha utilizado o telefone celular no recinto, mesmo sendo amplamente sabido que era proibido?

Com quem Nicolas conversou?

Mais estranho ainda é saber que a pouco mais de 200 metros da mansão onde Bolsonaro cumpria prisão domiciliar, existe uma pista para pouso e decolagem de aeronaves. A pista, que tem autorização da ANAC para realizar voos de dia e de noite, pertence à residência do irmão do ex-automobilista e empresário Nelson Piquet. Os leitores mais atentos devem se recordar que foi a Piquet que Bolsonaro confiou a guarda de parte de seu acervo e presentes recebidos durante o mandato.

Vale registrar que Piquet esteve com Bolsonaro em 5 de novembro.

Até uma criança é capaz de ligar os pontos. O “culto religioso” na porta do condomínio onde se localiza a mansão de Bolsonaro serviria para desviar a atenção da polícia, enquanto Bolsonaro tentaria, com a tornozeleira danificada, vencer os 200 metros que o separam da pista de voo.

Sobre esse assunto, nem um pio, com a mídia preferindo concentrar-se na visita (para além de protocolar) da ex-primeira dama, Michelle, ao marido, nas lamúrias dos filhos e na sexta ou sétima versão de Bolsonaro e aliados sobre a tentativa de tirar a tornozeleira.

Tanto espaço para o que não é essencial em relação a Bolsonaro parece talhado sob medida para que a corrupção do banco Master e de seu dono praticamente desaparecesse do noticiário.

E assunto para ser abordado não falta.

O jornal Folha de S. Paulo, na segunda-feira (17), quando Vorcaro foi preso pela Polícia Federal no aeroporto de Guarulhos, prestes a embarcar para a ilha de Malta, publicava como manchete que a instituição havia sido vendida.

O jornal, único a dar a notícia, divulgou, sem qualquer apuração, a versão do banco? Onde ficam a seriedade e a credibilidade jornalísticas?

Uma linha de apuração que deveria estar sendo seguida – mas a mídia foge dela como o diabo da cruz – é a relação entre Daniel Vorcaro, políticos de extrema-direita e bolsonaristas, sendo ele próprio um bolsonarista de primeira hora.

No meio político, as principais conexões de Vorcaro são o presidente do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (União-AP), o deputado federal Ciro Nogueira, líder do PP, e o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).

Cada um a seu modo, tem rabo preso com Vorcaro. O chefe do fundo de pensão do Amapá, Jocildo Lemos, indicado por Alcolumbre, ignorou alertas sobre riscos e investiu R$ 100 milhões em títulos do banco Master, o que causou prejuízos a servidores e aposentados.

Já Ciro Nogueira atuou como lobista de Vorcaro e foi um dos principais articuladores junto ao governador do Distrito Federal, nas negociatas para salvar o Master com dinheiro público via compra pelo Banco de Brasília (BRB).

Nogueira é ainda o elo das tramoias de Vorcaro em outra frente: um de seus assessores, Victor Linhares, é investigado na Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal.

A operação liga a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) a um intrincado esquema de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis, que passa por fintechs instaladas na avenida Faria Lima, o coração financeiro da capital paulista.

Ciro Nogueira é um dos principais articuladores da candidatura do governador de São Paulo, o extremista de direita Tarcísio de Freitas, à presidência da República em 2026.

As questões em torno das falcatruas do banco Master deveriam estar colocando em primeiro plano uma figura proeminente do governo Bolsonaro, o ex-presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Queridinho da mídia, Campos Neto, atual vice-presidente do conselho de administração e chefe global de Políticas Públicas do Nubank, desde julho de 2025, assumiu o lobby das fintechs e tentou uma manobra após reclamar que essas entidades financeiras, que ganharam força durante o governo Bolsonaro, enfrentavam uma carga financeira maior do que os bancos tradicionais.

A equiparação de bancos com fintechs irritou a Federação Nacional de Bancos (Febraban), que denunciou a jogada para as fintechs pagarem menos. Não seria o caso da mídia ouvir os banqueiros tradicionais sobre esse assunto?

Não seria o caso, também, de questionar os motivos que não levaram Campos Neto a investigar as políticas absurdas levadas a cabo pelo banco Master quando à frente do Banco Central?

Igualmente esquecido pela mídia estão os 18 fundos de pensão de estados e municípios que aplicaram em carteiras do banco Master. Somados, os valores chegam a R$ 1,87 bilhão.

Além do já citado Fundo do Estado do Amapá, investiram no Master entre outros, o fundos do Amazonas, do Rio de Janeiro, e de cidades como Angélica (MS), Aparecida de Goiânia (GO), Araras (SP), Cajamar (SP), Campo Grande (MS) e Congonhas (MG).

Coincidentemente, estes estados e quase todas as cidades são administrados por políticos que integram a base bolsonarista.

Apesar de indícios de farta conexão entre bolsonarismo e corrupção financeira, a mídia corporativa prefere tentar fazer pressão contra o governo Lula. Prova disso são algumas manchetes dos principais jornais brasileiros da terça-feira (25).

O jornal O Globo, por exemplo, destaca no que define como “déficit ampliado”, que “O rombo dos Correios e de mais 12 estatais agrava quadro das contas públicas”.

Sem citar que o maior rombo nas contas públicas brasileiras é o pagamento de R$ 1 trilhão a título de juros da dívida pública, a publicação dá sequência à campanha permanente para tentar inviabilizar que o governo Lula consiga investir em políticas públicas.

Campanha agravada pelo permanente combate da família Marinho a todas as estatais brasileiras.

Já a Folha de S. Paulo e o Estado de S. Paulo vão direto para o que imaginam possa ser um duro golpe para o governo e respectivamente mancheteiam: “Motta rompe com líder do PT e agrava desgaste de Lula na Câmara” e “Alcolumbre e Motta ampliam crise entre Congresso e governo”.

A mesma Folha que sempre tratou o “coronel” Arthur Lira, ex-presidente da Câmara, com toda a deferência, mantém a postura no que diz respeito ao seu apadrinhado e sucessor, Hugo Motta (Republicanos-PB).

A publicação de Luis Frias se esquece de que Motta é hoje um dos políticos mais odiados do Brasil, identificado com toda a tentativa de blindagem de parlamentares no que se refere a processos e investigações criminais.

Já o Estado de S. Paulo parece apostar no desgaste de Lula e em dificuldades para o Palácio do Planalto conseguir aprovar de agora em diante o que quer que seja, de projetos do interesse público, ao nome de Jorge Messias como ministro do STF.

As duas manchetes lembram muito a cobertura que esses veículos fizeram do período que antecedeu à abertura do golpe, travestido de impeachment, contra a presidente Dilma Rousseff.

Também naquela época, a gota d’agua que desencadeou o processo foi a posição de Dilma ao não ceder às chantagens do então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha.

Mais existem diferenças fundamentais entre 2016 e 2025.

Pesquisa de opinião da Confederação Nacional do Transporte (CNT), realizada entre 19 e 23 de novembro, revela um quadro amplamente negativo sobre o desempenho do Congresso Nacional.

Os dados mostram que grande parte da população vê a atuação de deputados e senadores como entrave para o avanço do país. Para 40,8% dos ouvidos, o Congresso Nacional atrapalha o desenvolvimento do Brasil, superando os 19,8% que acreditam que o parlamento contribui para o avanço do país.

A percepção negativa se repete em outros importantes indicadores: 37% classificam a atuação do Congresso como ruim ou péssima, ao passo que apenas 17% a consideram positiva.

O levantamento também deixa clara a visão predominante de que o Congresso atua motivado por interesses próprios, distantes das necessidades da sociedade. A título de exemplo, apenas 16,4% acreditam que o parlamento defenda os interesses da população.

Some-se a isso se Dilma estava no início de seu segundo mandato e não tinha clareza sobre a real atuação de seus inimigos, Lula sabe exatamente com quem está lidando.

Sabe quais são os inimigos internos e externos da democracia e do desenvolvimento soberano do Brasil.

Seja como for, essa atuação da mídia corporativa não deixa de funcionar como uma prévia do que teremos nas eleições de 2026.

Como sempre, haverá o triste espetáculo de uma mídia golpista, antinacional e trabalhando contra os interesses da maioria da população brasileira.

A boa notícia é que as próximas eleições podem também nos livrar de todo um conjunto de aventureiros, fisiológicos e corruptos há tempos encastelados no Congresso Nacional.

•        Bolsonaro na Papuda faria jus ao caso e seria pedagógico, para ele e toda a nação. Por Tânia Mandarino

A rigor, a condição de ex-presidente da República não garante automaticamente o direito a cela especial.

O benefício de cela especial é tipicamente previsto na legislação apenas durante a fase de prisão preventiva (enquanto o processo está em andamento) para categorias como ministros de Estado, oficiais das forças armadas, magistrados, membros do ministério múblico, advogados, professores e jornalistas (em legislação específica), e não para o réu que já condenado.

Nesse sentido, o condenado passaria a pagar pelo crime que praticou no mesmo presídio que os demais, a não ser que se enquadre em outras prerrogativas legais (ou que haja critérios médicos).

No caso do ex-presidente Fernando Collor, o STF entendeu que a condição de ex-presidente da República garante o cumprimento da pena em ala especial de presídio, com cela individual.

Eu disse “ala especial de presídio, com cela individual” e não superintendência da polícia federal!

Lula, quando era ex-presidente, passou 580 dias preso na superintendência da polícia federal porque estava cumprindo pena após condenação em segunda instância, ou seja, antes do trânsito em julgado de sua condenação.

A prisão de Fernando Collor de Mello, após a determinação do cumprimento imediato da pena (trânsito em julgado) pelo STF, ocorreu em um presídio comum, e não na sede da Polícia Federal.

Ainda que em uma cela especial dentro de uma ala especial da unidade prisional, Collor, após o trânsito em julgado de sua condenação, foi para o Presídio Baldomero Cavalcanti de Oliveira, em Maceió (AL).

Depois saiu, por questões de idade e estado de saúde alegadas pela defesa (apneia do sono, transtorno bipolar e Parkinson inicial).

Bolsonaro, portanto, teria que ter iniciado o cumprimento da pena definitiva em ala especial da Papuda, ainda que em cela individual.

Mantê-lo na superintendência da PF é muita deferência para um traidor da pátria, golpista, que foi o chefe da orcrim que quis abolir o Estado de Direito no Brasil.

As questões de saúde alegadas agora também vejo como muito precoces, uma vez que, até ontem, ele estava tranquilo comendo farofas, leite condensado, cachorros quentes e todo pirilampo em potentes motocicletas e jet ski.

Compará-lo a Lula então, que nem pena definitiva tinha quando passou injustamente 580 dias preso na PF, é uma infâmia falaciosa que deve ser rechaçada por todos nós.

Não é punitivismo, não é vingança! É escrever corretamente a História, por linhas retas!

Bolsonaro na Papuda faria jus ao caso e seria pedagógico, para ele e para toda a nação.

•        Sem líder claro, direita está dividida após prisão de Bolsonaro, diz Economist

Uma reportagem da revista britânica The Economist publicada nesta sexta-feira (28/11) afirma que a direita brasileira está dividida após a prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, e que não surgiu ainda um líder claro para ser o candidato à eleição presidencial de 2026.

"A menos de um ano das eleições, a direita brasileira não tem um líder claro. As disputas internas entre os potenciais candidatos estão aumentando", afirma a Economist.

A reportagem cita como possíveis candidatos os governadores Tarcísio de Freitas (de São Paulo), Ronaldo Caiado (de Goiás) e Romeu Zema (de Minas Gerais), além de Eduardo e Flávio Bolsonaro.

A revista afirma que há alguns meses "o cenário era bastante diferente", com queda da aprovação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, devido ao aumento do preço dos alimentos e da pouca presença da esquerda nas mídias sociais. Nesse momento, a direita parecia estar em vantagem.

"Em muitos aspectos, a própria família de Bolsonaro é culpada pela mudança na sorte da direita", afirma a reportagem, citando o que chama de lobby de Eduardo Bolsonaro junto aos republicanos contra o julgamento de seu pai.

A resposta americana veio na forma de um tarifaço do governo de Donald Trump contra produtos brasileiros.

"Enquanto Lula chamava a família Bolsonaro de 'traidores da pátria', os ambiciosos candidatos de direita se viram em uma situação delicada. Tentando se dissociar das impopulares tarifas, eles também queriam demonstrar apoio a Bolsonaro: qualquer candidato de direita precisa de sua bênção para ser competitivo nas eleições", afirma a revista.

A Economist pontua que, com as negociações entre Trump e Lula e anúncios de recuos no tarifaço, a direita entrou em uma disputa interna envolvendo a família Bolsonaro e outros candidatos, enquanto o governo Lula "recuperou sua confiança", aprovando medidas populares como o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda.

A revista afirma que a direita "está perdendo o debate sobre soberania, tarifas e impostos", e por isso agora "está atacando o ponto fraco de Lula: a segurança" — citando a ação policial no Rio de Janeiro contra traficantes em outubro.

"Muita coisa ainda pode dar errado para Lula. A maioria dos brasileiros acha que o político de 80 anos não deveria se candidatar novamente. Sua reforma do imposto de renda pode aumentar a inflação ao impulsionar o consumo", afirma a revista.

"Mas, por ora, o maior beneficiário do legado caótico de Bolsonaro é Lula."

 

Fonte:Viomundo/BBC News Brasil

 

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