Como
os EUA agiram para sabotar a independência de Angola
Em 11
de novembro de 2025, Angola celebrou o quinquagésimo aniversário de sua
independência, que pôs fim a mais de cinco séculos de domínio português. A luta
pela independência foi longa e sangrenta, marcada por intervenções externas que
transformaram Angola em um campo de batalha da Guerra Fria.
Nesse
sentido, Angola não estava sozinha. Após a Segunda Guerra Mundial, movimentos
de independência africanos surgiram nas colônias francesas, britânicas e
belgas, onde as populações civis haviam sido forçadas a apoiar o esforço de
guerra europeu. Em troca de seus sacrifícios, exigiam direitos políticos,
melhores condições de vida e de trabalho e, por fim, a independência total.
No
início da década de 1960, França, Grã-Bretanha e Bélgica foram forçadas a
ceder. Concederam independência política à maioria de suas colônias em troca de
privilégios econômicos que lhes proporcionavam os mesmos benefícios, mas sem os
transtornos e custos do controle político.
Portugal,
em contraste, era um país empobrecido com uma economia subdesenvolvida. Sem a
mão de obra barata e as matérias-primas vindas de um regime colonial severo, as
indústrias portuguesas não seriam lucrativas. Incapaz de competir em um mercado
desprotegido, Portugal estava, portanto, determinado a manter o controle
político das suas colônias africanas. De 1961 a 1974, travou guerras
devastadoras para as preservar.
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Lutar pela independência
Angola
era a possessão africana mais valiosa de Portugal. Grande produtora de
petróleo, diamantes industriais e café, foi palco de investimentos
significativos por parte de empresas estadunidenses e de outros países
ocidentais. Quando os ventos da mudança sopraram pelo
continente após 1945, os angolanos uniram-se a ativistas de outros países na
luta pelo fim do domínio colonial.
“Quando
os ventos da mudança sopraram pelo continente após 1945, os angolanos
juntaram-se a ativistas de outros países na luta pelo fim do domínio colonial.”
Três
organizações nacionalistas lutavam pela supremacia: o Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA), a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) e
a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA). O reduto do MPLA
situava-se no centro-norte de Angola, incluindo a capital, Luanda. A FNLA tinha
sua base no noroeste, enquanto a UNITA dominava o planalto central.
Os três
movimentos se distinguiam tanto pela ideologia quanto pela geografia. O MPLA
era declaradamente marxista, com ligações ao Partido Comunista Português e,
posteriormente, com Cuba e a União Soviética. A FNLA e a UNITA usaram a
retórica anticomunista para obter apoio internacional, mas aceitaram o apoio da
República Popular da China, que buscava contrabalançar o patrocínio soviético
ao MPLA. Inicialmente, a UNITA adotou uma ideologia maoísta. No entanto,
abandonou essa identidade ao buscar ajuda dos EUA.
Tanto a
FNLA quanto a UNITA rejeitaram a oferta do MPLA de estabelecer uma frente
comum, atacando, em vez disso, os quadros do MPLA. Em 1972, o líder da UNITA,
Jonas Savimbi, assinou um pacto secreto com Portugal,
no qual se comprometia a suspender as operações militares contra a potência
imperial em troca da colaboração portuguesa contra os rivais da organização.
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Aliados de Portugal
Embora
a participação soviética nos territórios portugueses tenha sido mínima na
década de 1960, Lisboa alegou enfrentar uma insurgência comunista apoiada pelos
soviéticos e buscou apoio de seus aliados da OTAN. Os países da OTAN
responderam fornecendo centenas de milhões de dólares em ajuda militar e
econômica, o que permitiu a Portugal financiar suas guerras coloniais e
fortalecer sua economia em declínio.
“Lisboa
alegou estar enfrentando uma insurgência comunista apoiada pelos soviéticos e
buscou apoio de seus aliados da OTAN.”
Foi
através da aliança da OTAN que os Estados Unidos intervieram pela primeira vez.
Como parte do pacto de defesa, os EUA forneceram equipamento militar a Portugal
para a defesa europeia. Embora Washington tenha estipulado que o equipamento
estadunidense não deveria ser usado nas guerras africanas de Lisboa, ignorou a
situação quando o seu aliado enviou armas, tanques, aviões, navios,
helicópteros, napalm e desfolhantes químicos estadunidenses para suas colônias
africanas. Entretanto, militares estadunidenses treinaram milhares de soldados
portugueses em métodos de contra-insurgência.
Em
1974, as guerras coloniais tinham exaurido a economia portuguesa e cobrado um
preço alto das classes mais baixas, cujos filhos, recrutados à força,
suportaram o peso dos combates. Em abril, jovens oficiais do exército
derrubaram o regime português. Estabeleceram um governo de unidade nacional que
incluía líderes dos partidos Socialista e Comunista portugueses e prometeram
pôr fim às guerras coloniais.
Em
Angola, o golpe português alterou drasticamente o cenário. A China intensificou
imediatamente o apoio tanto à FNLA quanto à UNITA, e a CIA seguiu o exemplo. Em
agosto, a União Soviética anunciou seu apoio moral ao MPLA, mas não forneceu
ajuda material. Em vez disso, Moscou instou os três movimentos a resolverem
suas diferenças por meio de negociações.
O
resultado foi uma iniciativa de paz liderada pelos africanos que produziu o
Acordo de Alvor. Assinado por Portugal e pelos três movimentos de libertação em
15 de janeiro de 1975, o acordo obrigava os signatários a formar um governo de
transição que incluísse representantes dos três movimentos e a realizar
eleições para a assembleia constituinte em outubro. A assembleia eleita
escolheria um presidente, e a independência seria concedida em 11 de novembro
de 1975.
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A guerra de Kissinger
OAcordo
de Alvor foi violado quase imediatamente. Embora a FNLA fosse o movimento
militarmente mais forte, o MPLA estava muito mais bem estabelecido entre a
população civil. Havia desenvolvido uma base mais ampla e alcançado maior
mobilização popular do que a FNLA ou a UNITA. A guerra favoreceria a FNLA,
enquanto o ativismo político pacífico beneficiaria o MPLA.
Henry
Kissinger, que serviu aos governos Nixon e Ford como conselheiro de segurança
nacional e secretário de Estado, considerava o MPLA um grupo paramilitar
soviético e estava determinado a erradicá-lo. Rejeitando os conselhos
cautelosos de especialistas em África do Departamento de Estado, ele promoveu
um plano da CIA para minar a organização.
Com o
endosso público de Washington ao Acordo de Alvor como fachada, a CIA retomou o
apoio secreto à FNLA menos de uma semana após a sua assinatura, fornecendo
quantidades crescentes de ajuda militar e econômica. De março a maio, a FNLA
lançou uma série de ataques que mataram ativistas do MPLA na capital e em
outras partes do norte de Angola.
“Convencido
de que os africanos eram incapazes de governar de forma responsável, Henry
Kissinger os considerava alvos fáceis para a propaganda soviética.”
Mais
importante ainda, Washington ofereceu apoio militar e econômico substancial à
FNLA por meio do regime militar de Mobutu Sese Seko no Zaire (atual República
Democrática do Congo). Poucos meses após a assinatura do Acordo de Alvor, mais
de mil soldados zairenses infiltraram-se em Angola para lutar em nome da FNLA.
Convencido
de que os africanos eram incapazes de governar de forma responsável, Kissinger
os considerava alvos fáceis para a propaganda soviética. Certo de que o
Congresso e o público estadunidense se oporiam a outra guerra distante após o
fiasco do Vietnã, Kissinger escondeu sua guerra tanto do
Congresso quanto da população dos EUA, usando representantes para lutar pelos
interesses estadunidenses.
De
acordo com o plano de Kissinger, os regimes de colonos brancos no sul da África
serviriam como policiais regionais, mantendo as populações africanas sob
controle e servindo como um importante baluarte contra a expansão soviética. As
ações de Kissinger em 1975 e 1976 transformaram essa região em mais um campo de
batalha da Guerra Fria.
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A invasão
Moscou respondeu com
relutância à
escalada liderada pelos EUA. Em março de 1975, enviou armas que permitiram ao
MPLA expulsar a FNLA da capital, onde o MPLA tinha significativo apoio popular.
Com
Moscou em jogo, a inteligência sul-africana informou que uma vitória do MPLA só
poderia ser frustrada se o Estado se envolvesse. Em julho daquele ano, os
serviços de inteligência dos EUA e da África do Sul começaram a colaborar.
Agindo em conjunto, Washington e Pretória enviaram armas e veículos avaliados
em dezenas de milhões de dólares para a FNLA e a UNITA.
“Em
outubro, as Forças de Defesa da África do Sul iniciaram o que seria uma invasão
massiva para impedir a ascensão do MPLA.”
Moscou
respondeu novamente, fornecendo ao MPLA mais armas e conselheiros militares. Em
setembro, a Alemanha Oriental seguiu o exemplo, fornecendo armas, instrutores,
pilotos e médicos. Ao final do mês, o MPLA dominava nove das dezesseis
províncias de Angola, incluindo a capital, o litoral de Luanda à Namíbia e o
interior costeiro. Os cinco principais portos de Angola, o enclave petrolífero
de Cabinda e a maior parte do distrito diamantífero de Lunda também estavam sob
controle do MPLA.
Em
outubro, as Forças de Defesa da África do Sul iniciaram o que seria uma invasão
massiva para impedir a ascensão do MPLA. No final do mês, cerca de mil soldados
sul-africanos já estavam entrincheirados em Angola. Outros dois mil soldados,
juntamente com aviões, helicópteros e veículos blindados, estavam posicionados
na fronteira. Unindo-se a unidades da FNLA e da UNITA, tropas zairenses e
mercenários europeus, o contingente sul-africano, com o incentivo da CIA,
começou a avançar sobre a capital, conquistando rapidamente o território que a
FNLA e a UNITA não haviam conseguido conquistar sozinhas.
Até
então, a resposta de Cuba aos pedidos do MPLA havia sido relativamente modesta.
Foi somente após a invasão sul-africana em outubro que Cuba atendeu aos apelos
do MPLA por tropas. Sem querer aprofundar uma tênue distensão com os Estados
Unidos, Moscou se recusou a fornecer tropas soviéticas — ou a transportar
soldados cubanos por via aérea — até depois do Dia da Independência, em 11 de
novembro. Com a desintegração do Acordo de Alvor, ficou claro que quem
controlasse a capital naquele dia determinaria a natureza do governo de Angola.
Convencida
de que a África do Sul tomaria Luanda antes de 11 de novembro, a menos que
fosse impedida por forças externas, Havana não estava disposta a esperar. Em
23 de outubro, soldados cubanos participaram dos combates pela primeira vez. Em
10 de novembro, as forças do MPLA e de Cuba mantiveram Luanda sob o domínio
diante de 2.000 soldados da FNLA e 1.200 soldados zairenses, mais de 100 mercenários
portugueses e conselheiros fornecidos pela África do Sul e pela CIA.
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A independência
Em 11
de novembro, o Alto Comissário português concedeu a independência ao “povo
angolano”, em vez de transferir o poder para qualquer uma das partes em
conflito. O MPLA, que controlava a capital, anunciou a criação da República
Popular de Angola.
Após a
independência, milhares de tropas estrangeiras entraram no país. Tendo esperado
até 11 de novembro para intervir diretamente, a União Soviética embarcou em uma
enorme operação de transporte marítimo e aéreo, enviando mais de 12.000
soldados cubanos entre novembro de 1975 e janeiro de 1976. Enquanto isso,
milhares de soldados sul-africanos e centenas de mercenários europeus,
recrutados e financiados pela CIA, chegaram para auxiliar os rivais do MPLA.
No
final de novembro, o Fundo de Reserva de Contingência secreto da CIA estava
esgotado. Em 19 de dezembro, o jornalista investigativo Seymour Hersh revelou a história da operação
secreta no New York Times, provocando um alvoroço no Congresso.
Envergonhado pelo imbróglio, especialmente pelos detalhes da colaboração dos
EUA com a África do Sul governada pela minoria branca, o Congresso aprovou a
Emenda Clark à Lei de Assistência à Segurança Internacional e Controle de
Exportação de Armas de 1976, que proibia o financiamento de atividades secretas
em Angola. O presidente Gerald Ford, a contragosto, sancionou a lei.
“Sem o
apoio de Pretória, a FNLA e a UNITA entraram em colapso rapidamente. Em
fevereiro de 1976, o MPLA, com a ajuda de Cuba, controlava todo o norte de
Angola.”
Abandonada
por seus aliados, a África do Sul retirou-se de Angola durante os primeiros
meses de 1976. Sem o apoio de Pretória, a FNLA e a UNITA entraram em colapso
rapidamente. Em fevereiro de 1976, o MPLA, com a ajuda de Cuba, controlava todo
o norte de Angola.
Repugnada
pela colaboração entre os rivais do MPLA e a África do Sul do apartheid, a
Organização da Unidade Africana e a grande maioria das nações africanas
reconheceram o governo do MPLA. No início da década de 1980, apenas os Estados
Unidos e a África do Sul continuavam a negar-lhe reconhecimento diplomático.
A
próxima rodada
Aguerra
em Angola estava pausada, mas não havia terminado. Após um breve hiato, a UNITA
retomou a luta. Em 1985, o governo Reagan convenceu o Congresso a revogar a
Emenda Clark e, em 1986, foi reestabelecido o auxílio militar estadunidense à
UNITA, fornecendo à força rebelde algumas das armas estadunidenses mais
sofisticadas do mercado, incluindo mísseis antiaéreos Stinger com busca por
calor. A guerra contra Angola continuou até 2002, quando o líder da UNITA,
Jonas Savimbi, foi morto em combate.
Angola
ainda não se recuperou da devastadora desestabilização causada por guerras que
duraram mais de um quarto de século — guerras que destruíram a infraestrutura
do país, ceifaram a vida de um milhão de pessoas e expulsaram quatro milhões de
suas casas. Com o país em ruínas, líderes corruptos e autoritários tomaram o
poder, transformando Angola em mais um petroestado africano que tira de muitos
para dar a poucos.
Em um
ambiente político que tende a culpar a vítima, os Estados Unidos fariam bem em
lembrar que a intervenção de Washington foi um dos principais fatores que
destruíram as perspectivas de Angola de estabelecer uma democracia bem-sucedida
e um plano de desenvolvimento que privilegiasse as necessidades da maioria em
detrimento das da minoria. Cinquenta anos após a independência de Angola, os
Estados Unidos deveriam reconhecer seu papel na subversão desse sonho e no
preparo do terreno para mais um Estado falido no Sul Global. A história, mais
uma vez, guarda uma lição que faríamos bem em aprender.
Fonte:
Por Elizabeth Schmidt - Tradução Pedro Silva, em Jacobin Brasil

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