sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Dyepeson Martins: Congresso derruba 56 vetos de Lula sobre licenciamento ambiental uma semana após COP30

A derrubada de 56 dos 63 vetos presidenciais relacionados à Lei de Licenciamento Ambiental, cujo projeto de lei ficou conhecido como “PL da Devastação”, consolidou o clima de derrota que pairava entre ambientalistas e deputados da base do Governo Lula, nesta quinta-feira, 27 de novembro.

O resultado da sessão que ocorreu de manhã fragiliza as normas de licenciamento ambiental e ocorre uma semana após a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em Belém, no Pará. A votação teve formato semipresencial e um cenário de esvaziamento, sendo maior a participação de assessores do que de parlamentares.

<><> Por que isso importa?

•        Os vetos presidenciais tentavam preservar alguns princípios do licenciamento ambiental e o controle de órgãos federais a empreendimentos de impacto ambiental;

•        Texto atual, sem os vetos, aumenta o risco de desmatamento, queimadas e cerceia direitos adquiridos de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais

Além dos 56 vetos derrubados, sete tiveram a análise suspensa temporariamente, num processo classificado como “sobrestamento”. O Licenciamento Ambiental Especializado (LAE) em fase única está entre os vetos que tiveram a avaliação adiada. A criação da LAE havia sido mantida pelo governo, mas sem a possibilidade de um processo monofásico. O PT e o PSOL chegaram a apresentar 28 destaques ao texto, mas todos foram rejeitados.

Entre os pontos mais criticados por ambientalistas, está a derrubada do veto que impedia a possibilidade de licenciamento simplificado para projetos de médio potencial poluidor, através da Licença por Adesão e Compromisso (LAC). As barragens de Brumadinho e Mariana – que romperam e estão entre os maiores desastres ambientais do país – são exemplos de empreendimentos que se encaixam nessa modalidade.

“Isso vai trazer insegurança territorial para o país e problemas gravíssimos de saúde pública, de poluição e desmatamento. Para povos e comunidades tradicionais também é gravíssimo, pois temos visto eles serem atropelados por grandes empreendimentos”, lamentou Letícia Camargo, consultora do Painel Mar e integrante do Observatório do Clima.

Para o coordenador executivo do Instituto Linha D’Água, Henrique Kefalás, a decisão do Legislativo tem impacto imediato na pesca artesanal e na sobrevivência de comunidades costeiras. Quase 2 milhões de pessoas vivem da atividade pesqueira no Brasil, segundo o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA).

“Licenciamento para abertura de terminais portuários, novas frentes de exploração de petróleo e iniciativas ainda desconhecidas sendo regidas por uma legislação fragilizada. (…) É preciso aprimorar o processo de licenciamento, mas não nessa lógica de flexibilizar, torná-lo autodeclaratório; confiando em empresas que não têm demonstrado compromisso ético e socioambiental”, pontuou Kefalás.

Deputados e senadores da oposição e centro, porém, comemoraram a decisão com discursos focados em desenvolvimento e mais “segurança jurídica” a obras que precisam de autorização de órgãos ambientais para avançarem.

<><> Relação estremecida

O líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), tentou adiar pela segunda vez a sessão de análise dos vetos de Lula; porém, o presidente do parlamento, senador Davi Alcolumbre (União-AP), se manteve resistente em um momento em que segue com a relação estremecida com o Planalto.

Alcolumbre articulava a indicação de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à cadeira deixada por Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF), mas teve as expectativas frustradas após Lula indicar à vaga o atual Advogado-geral da União, Jorge Messias. Mesmo em Brasília, o senador também decidiu não participar da sanção da lei que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR), pauta defendida por ele no parlamento.

Na sessão do Congresso, no entanto, os diálogos foram de consenso e harmonia. Randolfe agradeceu Alcolumbre pelos acordos construídos e o colega de Senado retribuiu o elogio e ainda fez agradecimentos à senadora Teresa Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura na gestão de Jair Bolsonaro, e principal articuladora do projeto de licenciamento.

Na véspera da votação no Congresso Nacional, grupos ambientalistas tentaram mobilizar a opinião pública contra a derrubada dos vetos e realizaram um ato na manhã da quarta-feira, 26 de novembro. O clima, porém, era de pessimismo. Durante reunião na Secretária de Relações Institucionais, na terça-feira (26), líderes governistas já tinham sido alertados sobre a falta de acordo com a oposição e da chance quase nula de manutenção da maioria dos vetos.

•        COP30 frustra lideranças da Marcha das Mulheres Negras: “não conseguimos avançar”

O saldo da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém-PA, entre 10 e 21 de novembro, ficou longe do esperado por entidades ligadas ao movimento negro no Brasil. A conclusão foi apontada por ativistas pela justiça ambiental durante a Marcha das Mulheres Negras, que ocorreu em Brasília, nesta terça-feira, 25.

“Não conseguimos avançar numa rota para deixar de usar combustíveis fósseis, então os eventos extremos passam a ser ainda mais frequentes. Quando nós estamos lidando com mais chuvas, com mais calor, com mais impossibilidade de um bom planejamento urbano, você está afetando diretamente essas populações [negras]”, ressaltou Fernanda Lopes, diretora de programas do Fundo Baobá. A entidade apoia mais de 1,5 mil iniciativas voltadas à equidade racial e ao enfrentamento do racismo.

<><> Por que isso importa?

•        A Marcha das Mulheres Negras ocorre pela segunda vez em Brasília com pautas relacionadas à reparação, igualdade racial e de gênero.

•        As mudanças climáticas e o racismo ambiental também foram tratados no evento que criou um comitê específico sobre o tema.

As insatisfações de Lopes, que se somaram a de outras lideranças presentes na Marcha, acompanham o coro de ambientalistas e cientistas que criticam a ausência de metas claras para a redução do desmatamento e de emissões de gases de efeito estufa no documento final da COP30. Esses são fatores que acentuam o racismo climático, segundo os participantes da Marcha ouvidos pela Agência Pública.

O governo federal chegou a apresentar, na COP30, o “mapa do caminho” para reduzir a dependência a esse tipo combustível e zerar o desmatamento em âmbito mundial. Entretanto, não houve consenso, mesmo com a pressão de dezenas de países favoráveis à iniciativa brasileira. Índia e China estavam entre as nações que barraram a proposta.

<><> Mulheres são mais afetadas

A presidente da União de Negros e Negras pela Igualdade (UNEGRO Brasil), Marina Duarte, avaliou que as mulheres negras sofrem ainda mais com os efeitos da emergência climática. Elas somam 60,6 milhões de pessoas no país, quase 28% da população nacional, segundo dados do Ministério da Igualdade Racial.

“Somos o maior braço de trabalho do país, mas também somos o menos remunerado e o menos reconhecido. Isso transcorre no racismo ambiental, porque se recebemos muito menos, trabalhando muito mais, a gente mantém uma moradia muito mais precária”, frisou.

Pessoas negras (pretas e pardas) representam 72,9% da população das favelas, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, um relatório da ONG Habitat mostra que 66% dos moradores de áreas de risco são negros. Conforme o levantamento, cerca de 2 milhões de casas foram danificadas e 107 mil destruídas por desastres ambientais, entre 2013 e 2022 no Brasil.

<><> Foz do Amazonas ignorada

Pouco antes da COP30, o movimento responsável pela Marcha das Mulheres Negras lançou um manifesto por justiça climática e um comitê específico sobre o tema. O objetivo é reunir diversas organizações nacionais na construção de um relatório com demandas de combate à desigualdade racial e social. O documento deve ser apresentado a autoridades, como parlamentares e ministros de Estado.

Para a representante do comitê de Justiça Climática da Marcha das Mulheres Negras, Simy Corrêa, a autorização da Petrobras – concedida em outubro para a perfuração de um poço de petróleo na Foz do Amazonas – foi outro aspecto ignorado na COP30. O empreendimento, segundo Corrêa, pode causar prejuízos mais diretos e imediatos na vida de mulheres negras que moram na costa marítima da região.

“O licenciamento ambiental [que permitiu a busca de petróleo na Foz do rio Amazonas] não considerou toda a sua área de impacto. Isso impacta especificamente mulheres negras porque os maretórios [territórios de comunidades costeiras] ao longo da costa do Pará, que vão até o Maranhão, têm as principais rotas de pescado e marisqueiras. Estamos falando de mulheres ribeirinhas, que têm ascendência indígena e quilombola”, destacou Corrêa, que também é membro da Associação de Juristas pela Democracia (ABJD).

 

Fonte: Agencia Pública

 

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