Dyepeson
Martins: Congresso derruba 56 vetos de Lula sobre licenciamento ambiental uma
semana após COP30
A
derrubada de 56 dos 63 vetos presidenciais relacionados à Lei de Licenciamento
Ambiental, cujo projeto de lei ficou conhecido como “PL da Devastação”,
consolidou o clima de derrota que pairava entre ambientalistas e deputados da
base do Governo Lula, nesta quinta-feira, 27 de novembro.
O
resultado da sessão que ocorreu de manhã fragiliza as normas de licenciamento
ambiental e ocorre uma semana após a Conferência da ONU sobre Mudanças
Climáticas (COP 30), em Belém, no Pará. A votação teve formato semipresencial e
um cenário de esvaziamento, sendo maior a participação de assessores do que de
parlamentares.
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Por que isso importa?
• Os vetos presidenciais tentavam
preservar alguns princípios do licenciamento ambiental e o controle de órgãos
federais a empreendimentos de impacto ambiental;
• Texto atual, sem os vetos, aumenta o
risco de desmatamento, queimadas e cerceia direitos adquiridos de povos
indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais
Além
dos 56 vetos derrubados, sete tiveram a análise suspensa temporariamente, num
processo classificado como “sobrestamento”. O Licenciamento Ambiental
Especializado (LAE) em fase única está entre os vetos que tiveram a avaliação
adiada. A criação da LAE havia sido mantida pelo governo, mas sem a
possibilidade de um processo monofásico. O PT e o PSOL chegaram a apresentar 28
destaques ao texto, mas todos foram rejeitados.
Entre
os pontos mais criticados por ambientalistas, está a derrubada do veto que
impedia a possibilidade de licenciamento simplificado para projetos de médio
potencial poluidor, através da Licença por Adesão e Compromisso (LAC). As
barragens de Brumadinho e Mariana – que romperam e estão entre os maiores
desastres ambientais do país – são exemplos de empreendimentos que se encaixam
nessa modalidade.
“Isso
vai trazer insegurança territorial para o país e problemas gravíssimos de saúde
pública, de poluição e desmatamento. Para povos e comunidades tradicionais
também é gravíssimo, pois temos visto eles serem atropelados por grandes
empreendimentos”, lamentou Letícia Camargo, consultora do Painel Mar e
integrante do Observatório do Clima.
Para o
coordenador executivo do Instituto Linha D’Água, Henrique Kefalás, a decisão do
Legislativo tem impacto imediato na pesca artesanal e na sobrevivência de
comunidades costeiras. Quase 2 milhões de pessoas vivem da atividade pesqueira
no Brasil, segundo o Ministério da Pesca e Aquicultura (MPA).
“Licenciamento
para abertura de terminais portuários, novas frentes de exploração de petróleo
e iniciativas ainda desconhecidas sendo regidas por uma legislação fragilizada.
(…) É preciso aprimorar o processo de licenciamento, mas não nessa lógica de
flexibilizar, torná-lo autodeclaratório; confiando em empresas que não têm
demonstrado compromisso ético e socioambiental”, pontuou Kefalás.
Deputados
e senadores da oposição e centro, porém, comemoraram a decisão com discursos
focados em desenvolvimento e mais “segurança jurídica” a obras que precisam de
autorização de órgãos ambientais para avançarem.
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Relação estremecida
O líder
do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), tentou adiar pela
segunda vez a sessão de análise dos vetos de Lula; porém, o presidente do
parlamento, senador Davi Alcolumbre (União-AP), se manteve resistente em um
momento em que segue com a relação estremecida com o Planalto.
Alcolumbre
articulava a indicação de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) à cadeira deixada por Luís
Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal (STF), mas teve as expectativas
frustradas após Lula indicar à vaga o atual Advogado-geral da União, Jorge
Messias. Mesmo em Brasília, o senador também decidiu não participar da sanção
da lei que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR), pauta defendida
por ele no parlamento.
Na
sessão do Congresso, no entanto, os diálogos foram de consenso e harmonia.
Randolfe agradeceu Alcolumbre pelos acordos construídos e o colega de Senado
retribuiu o elogio e ainda fez agradecimentos à senadora Teresa Cristina
(PP-MS), ex-ministra da Agricultura na gestão de Jair Bolsonaro, e principal
articuladora do projeto de licenciamento.
Na
véspera da votação no Congresso Nacional, grupos ambientalistas tentaram
mobilizar a opinião pública contra a derrubada dos vetos e realizaram um ato na
manhã da quarta-feira, 26 de novembro. O clima, porém, era de pessimismo.
Durante reunião na Secretária de Relações Institucionais, na terça-feira (26),
líderes governistas já tinham sido alertados sobre a falta de acordo com a
oposição e da chance quase nula de manutenção da maioria dos vetos.
• COP30 frustra lideranças da Marcha das
Mulheres Negras: “não conseguimos avançar”
O saldo
da Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém-PA,
entre 10 e 21 de novembro, ficou longe do esperado por entidades ligadas ao
movimento negro no Brasil. A conclusão foi apontada por ativistas pela justiça
ambiental durante a Marcha das Mulheres Negras, que ocorreu em Brasília, nesta
terça-feira, 25.
“Não
conseguimos avançar numa rota para deixar de usar combustíveis fósseis, então
os eventos extremos passam a ser ainda mais frequentes. Quando nós estamos
lidando com mais chuvas, com mais calor, com mais impossibilidade de um bom
planejamento urbano, você está afetando diretamente essas populações [negras]”,
ressaltou Fernanda Lopes, diretora de programas do Fundo Baobá. A entidade
apoia mais de 1,5 mil iniciativas voltadas à equidade racial e ao enfrentamento
do racismo.
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Por que isso importa?
• A Marcha das Mulheres Negras ocorre pela
segunda vez em Brasília com pautas relacionadas à reparação, igualdade racial e
de gênero.
• As mudanças climáticas e o racismo
ambiental também foram tratados no evento que criou um comitê específico sobre
o tema.
As
insatisfações de Lopes, que se somaram a de outras lideranças presentes na
Marcha, acompanham o coro de ambientalistas e cientistas que criticam a
ausência de metas claras para a redução do desmatamento e de emissões de gases
de efeito estufa no documento final da COP30. Esses são fatores que acentuam o
racismo climático, segundo os participantes da Marcha ouvidos pela Agência
Pública.
O
governo federal chegou a apresentar, na COP30, o “mapa do caminho” para reduzir
a dependência a esse tipo combustível e zerar o desmatamento em âmbito mundial.
Entretanto, não houve consenso, mesmo com a pressão de dezenas de países
favoráveis à iniciativa brasileira. Índia e China estavam entre as nações que
barraram a proposta.
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Mulheres são mais afetadas
A
presidente da União de Negros e Negras pela Igualdade (UNEGRO Brasil), Marina
Duarte, avaliou que as mulheres negras sofrem ainda mais com os efeitos da
emergência climática. Elas somam 60,6 milhões de pessoas no país, quase 28% da
população nacional, segundo dados do Ministério da Igualdade Racial.
“Somos
o maior braço de trabalho do país, mas também somos o menos remunerado e o
menos reconhecido. Isso transcorre no racismo ambiental, porque se recebemos
muito menos, trabalhando muito mais, a gente mantém uma moradia muito mais
precária”, frisou.
Pessoas
negras (pretas e pardas) representam 72,9% da população das favelas, dados do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Além disso, um
relatório da ONG Habitat mostra que 66% dos moradores de áreas de risco são
negros. Conforme o levantamento, cerca de 2 milhões de casas foram danificadas
e 107 mil destruídas por desastres ambientais, entre 2013 e 2022 no Brasil.
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Foz do Amazonas ignorada
Pouco
antes da COP30, o movimento responsável pela Marcha das Mulheres Negras lançou
um manifesto por justiça climática e um comitê específico sobre o tema. O
objetivo é reunir diversas organizações nacionais na construção de um relatório
com demandas de combate à desigualdade racial e social. O documento deve ser
apresentado a autoridades, como parlamentares e ministros de Estado.
Para a
representante do comitê de Justiça Climática da Marcha das Mulheres Negras,
Simy Corrêa, a autorização da Petrobras – concedida em outubro para a
perfuração de um poço de petróleo na Foz do Amazonas – foi outro aspecto
ignorado na COP30. O empreendimento, segundo Corrêa, pode causar prejuízos mais
diretos e imediatos na vida de mulheres negras que moram na costa marítima da
região.
“O
licenciamento ambiental [que permitiu a busca de petróleo na Foz do rio
Amazonas] não considerou toda a sua área de impacto. Isso impacta
especificamente mulheres negras porque os maretórios [territórios de
comunidades costeiras] ao longo da costa do Pará, que vão até o Maranhão, têm
as principais rotas de pescado e marisqueiras. Estamos falando de mulheres
ribeirinhas, que têm ascendência indígena e quilombola”, destacou Corrêa, que
também é membro da Associação de Juristas pela Democracia (ABJD).
Fonte:
Agencia Pública

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