SUS
e mudanças climáticas: saídas comunitárias
Realizada
em Belém do Pará, a COP30 “definiu 30 objetivos-chave para a ação climática,
incluindo a promoção de sistemas de saúde resilientes, com foco no
desenvolvimento humano e social. Dessa maneira, o Plano de Ação em Saúde de
Belém propõe políticas públicas para enfrentar os impactos das mudanças
climáticas na saúde, com ações voltadas para eventos extremos, o fortalecimento
de sistemas de alerta precoce e também estratégias de adaptação territorial”
(Abrasco, 2025).
A
atuação do SUS em desastres sustenta-se em três níveis de cuidado. No primeiro
nível estão as ações psicossociais de estabilização emocional e cuidado
coletivo, que visam acionar redes comunitárias, promover bem-estar emocional e
reduzir sofrimento imediato. Em uma camada intermediária, estima-se que 15% a
25% da população vai necessitar de suporte psicológico breve e intervenções
clínicas leves a moderadas. Estima-se que em torno de 2% a 4% da população
necessite de atenção especializada (nível 3), que visa garantir tratamento e
acompanhamento contínuo para transtornos mentais graves ou persistentes. Esse
modelo dá dimensão da importância das ações comunitárias, da solidariedade e da
qualidade da rede de serviços existentes antes do impacto do desastre.
Em
desastres, como o que aconteceu no estado do Paraná, é imprescindível que os
primeiros cuidados psicológicos sejam oferecidos por profissionais muito
experientes e em consonância com o SUS municipal. Em Rio Bonito do Iguaçu,
poucos dias após a passagem do tornado que devastou a cidade, os casos graves e
moderados haviam sido mapeados junto a equipe do município e estão em
acompanhamento a curto, médio e longo prazo. A Força Nacional do SUS (FNSUS)
está presente com equipes experientes em uma escala que está completa para as
próximas semanas. Além das estratégias psicossociais, as equipes da FNSUS
assumiram a urgência e emergência até o município estabilizar a situação.
Em Rio
Bonito do Iguaçu, foram mapeados todos os casos graves e moderados junto à
equipe do município e os casos estão em acompanhamento a curto, médio e longo
prazo. A atuação da FNSUS visa fortalecer as equipes locais, por meio da
valorização do percurso anterior e vínculo com o território, e pode partir da
metodologia de apoio às equipes da Atenção Primária em Saúde (APS). Em Rio
Bonito do Iguaçu, há equipes de saúde consolidadas, com toda a população
coberta pela estratégia de Saúde da Família (ESF) há mais de 10 anos.
A
cozinha solidária do MST, presente em Rio Bonito do Iguaçu, é exemplo de
cuidado coletivo; é um sentimento e uma prática da classe trabalhadora que,
muito antes de existir o MST, está presente no meio desse povo, enquanto
classe. Se materializa em ações coletivas e individuais, em busca do avanço e
resistência na luta contra o sistema que explora. O MST tem na sua essência a
solidariedade; ela é um dos pilares que dão sustentação para o movimento. A
experiência das cozinhas é a forma muito material de solidariedade com o
próximo.
Nesse
contexto, as cozinhas estão se tornando tanto uma prática determinada pela
necessidade como também uma forma de cuidado, transformando alimento em
acalento na hora em que as pessoas não têm o que comer. A estruturação da
cozinha solidária é rápida; nas enchentes do estado do Rio Grande do Sul e
agora, em Rio Bonito do Iguaçu, as cozinhas passaram a operar no segundo dia,
produzindo alimento em escala, o que não é simples.
A
estrutura que permite essa produção resulta do conhecimento de pessoas
assentadas e acampadas que têm domínio do processo da produção de refeições em
escala. A proposta é assentada na solidariedade e faz um contraponto a
iniciativas demagógicas. As cozinhas solidárias produzem alimento saudável, com
qualidade, sabor, cheiro e afeto.
Outra
estratégia são as brigadas de reconstrução, que partem do conceito ampliado da
materialidade do sentimento humano; ou seja, ser humano com alguém que precisa
e não restrito a disputa partidária ou divergência de ideias. A cozinha e as
brigadas são espaços de educação tanto para quem recebe a ajuda como para quem
exercita. É possível ter uma humanidade mais sensível que pode ver o mundo,
aprendendo e ensinando nesse processo.
O
movimento sanitário entende que a resposta à ação climática não pode ser
tratada sem a participação comunitária, em especial dos saberes dos povos
tradicionais e população negra. Populações em situação de vulnerabilidade são
as que produzem menos impacto no ambiente, mas são as que mais sofrem os
efeitos dos desastres causados pelas mudanças climáticas.
Povos
originários, populações quilombolas, movimentos sociais e ambientalistas
indicam alternativas para “adiar o fim do mundo”, como nos ensina Ailton Krenak
(2020); as ações para salvar o planeta passam por resgatar o encantamento pela
vida e por espaços de existência coletiva, assim como denunciar e enfrentar o
capitalismo predatório.
Ao
mesmo tempo, é urgente e necessário salvar as vidas mais expostas aos
desastres. Em tempos em que o conceito de one health é apresentado como
novidade, a saúde coletiva brasileira reafirma a determinação social como
referência fundamental também para o desenho de redes de saúde e atuação em
eventos extremos.
Novembro
encerra com o 14º Abrascão, que traz o tema: Democracia, Equidade e Justiça
Climática: saúde e os enfrentamentos dos desafios do século 21. O tema
escolhido representa o compromisso da Abrasco em destinar espaços para que as
grandes questões presentes no cotidiano da sociedade sejam amplamente
debatidas, tópicos cruciais para a promoção do bem-viver das pessoas. O
congresso da Abrasco terá cursos e mesas que vão abordar o racismo ambiental,
as estratégias de apoio para regiões afetadas por desastres, o fortalecimento
da APS e outros temas importantes para atuação do SUS em Emergências de Saúde
Pública (ESP).
A saúde
coletiva, em seu congresso, tecerá essa complexa trama de conceitos para ação e
análise de intervenções. Nesse contexto, o enfrentamento do impacto das
mudanças climáticas, no Brasil, tem o lastro dos movimentos sociais e,
especialmente, de um sistema de acesso universal que, mais do que nunca,
precisa ser reafirmado e defendido.
Reforçar
características que confiram maior resiliência ao SUS exige enfrentar, de forma
urgente, a escalada de privatizações e a precarização dos vínculos de trabalho,
pois a permanência de equipes locais é que garante a composição de ofertas
externas para produção de cuidados contínuos com orientação comunitária e
territorial. O Congresso de Saúde Coletiva será um espaço de defesa do SUS e
deve apresentar ao Brasil pistas importantes para o fortalecimento de
movimentos, políticas e redes de cuidado orientadas pela determinação
socioambiental da saúde.
Fonte:
Por Liane Beatriz Righi, Débora Noal, Camila dos Santos Gonçalves e Sergio dos
Reis Marques (Chocolate), em Outra Saúde

Nenhum comentário:
Postar um comentário