Michelle,
filhos, Tarcísio: as fichas de cada 'herdeiro' na disputa pelo capital político
de Bolsonaro
Embora
inelegível e condenado a 27 anos de prisão por golpe de Estado, o ex-presidente
Jair Bolsonaro (PL) ainda tem o trunfo de carregar um grande capital político.
Bolsonaro
aparecia empatado tecnicamente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
em um cenário hipotético no segundo turno na disputa pela Presidência em 2026
na mais recente pesquisa Quaest, do início de novembro, antes de ser preso
preventivamente. O ex-presidente tinha 39% das intenções de voto, diante de 42%
para Lula.
A
pesquisa mostrava que, mesmo sem poder se candidatar, Bolsonaro era o mais
competitivo dentre os nove nomes testados para disputar com Lula.
Ainda
não é possível dizer, com base em pesquisas, se a prisão e o episódio
envolvendo a tornozeleira eletrônica danificada por Bolsonaro, conseguiram
influenciar o eleitorado fiel ao ex-presidente.
"O
cenário segue muito embaralhado", afirma Pablo Ortellado, professor de
Gestão de Políticas Públicas na Universidade de São Paulo (USP) e que estuda o
eleitorado bolsonarista. "Ninguém se viabiliza como candidato competitivo
sem o apoio do Bolsonaro."
Por
isso, o vácuo deixado pelo ex-presidente abre uma competição entre potenciais
herdeiros de seu eleitorado, disputado por governadores da direita, seus filhos
e sua mulher, Michelle Bolsonaro (PL).
Bolsonaro
tem pouco mais de quatro meses para se decidir sobre quem será seu herdeiro
político em 2026, porque este é o tempo que falta para que governadores deixem
seus cargos para disputar a Presidência.
Mas, do
lado estratégico, a menos de um ano para as eleições, ele já estaria atrasado.
"Ele já deveria estar trabalhando na construção de um nome", diz
Ortellado.
De olho
no tempo, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, convocou uma reunião a
portas fechadas com a bancada de deputados e senadores da sigla nesta
segunda-feira (24/11) para tratar de "alinhamento estratégico". No
encontro, segundo noticiou a imprensa, estavam presentes também Michelle, e os
filhos de Bolsonaro, Carlos, Flávio e Jair Renan.
A
família corre para ocupar o espaço deixado pelo ex-presidente antes que outros
façam isso. Nos últimos dias, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) esteve sob os
holofotes, liderando a vigília pelo pai, uma das razões pelas quais ele foi
preso em sala da Polícia Federal em Brasília antes mesmo do início do
cumprimento de sua pena de 27 anos, determinado na terça-feira (25/11).
"Em
termos de análise política estrita, eu creio que Flávio Bolsonaro, dentre os
filhos do ex-presidente Bolsonaro que estão na política, é aquele que melhor
navega o jogo político normal", avalia Creomar de Souza, professor da
Fundação Dom Cabral. "Flávio é o filho do Jair que consegue falar com todo
mundo."
Para
Souza, o senador foi ganhando mais espaço à medida que seu irmão, o deputado
licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), perdeu lugar.
"O
movimento do Flávio me parece que foi se tornando mais agudo à medida que os
equívocos, em algum sentido, do Eduardo foram se tornando mais aparentes,
sobretudo equívocos de política externa", diz o analista político,
sócio-fundador da consultoria Dharma.
Até
pouco tempo, Eduardo Bolsonaro (PL-SP) se posicionava como o mais ativo e vocal
sucessor do pai. No início do ano, foi aos Estados Unidos afirmando que se
dedicaria integralmente na atuação, junto ao governo de Donald Trump, pela
anistia de seu pai.
Até
agosto, Eduardo dizia que seu pai era o candidato, apesar de ele estar
inelegível desde 2023. Pouco tempo depois, já se colocava como herdeiro natural
do posto.
"Eu
sou, na impossibilidade de Jair Bolsonaro, candidato a presidente da República.
Por isso, que o sistema corre e se apressa para tentar me condenar em algum
colegiado, que seja na Primeira Turma do STF, para tentar me deixar
inelegível", afirmou ao portal Metrópoles em setembro.
O
deputado se referia à denúncia que a Procuradoria Geral da República (PGR)
apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) por coação no curso do processo,
que acabou o tornando réu.
"Eduardo
foi se tornando inviável, porque ninguém considera hoje que ele consegue descer
de um avião em um aeroporto brasileiro e não ser preso", diz Souza.
Segundo
a PGR, ele teria articulado para que os Estados Unidos aplicassem sanções
contra o Brasil e autoridades para impedir a condenação de Bolsonaro.
O
deputado nega que este foi seu objetivo, mas já assumiu a influência sobre as
tarifas e outras medidas aplicadas pelo governo de Donald Trump nos últimos
meses.
A
atuação de Eduardo rendeu a ele críticas de aliados e apoiadores de Bolsonaro
de que estaria causando um estrago nas chances da direita vencer em 2026 —
particularmente, se ele for o candidato: 67% dos eleitores ouvidos pela Quaest
dizem que não votariam nele. Bolsonaro foi rejeitado por 60%, e Michelle, por
61%.
Além
disso, foi a mesma ação que levou Alexandre de Moraes a decretar a prisão
domiciliar de Bolsonaro.
Na
semana passada, a suspensão do tarifaço para diversos produtos brasileiros
anunciada por Trump não só mostrou a ineficiência da atuação de Eduardo, como
colocou o governo de Lula como vencedor, segundo a imprensa.
Eduardo
passou então a dar sinais de que apoiaria uma eventual candidatura de Flávio.
"Flavio
ou Eduardo, pouco importa", dizia um post republicado pelo deputado de
autoria do influenciador Paulo Figueiredo, também denunciado por coação pela
PGR pela atuação em prol das sanções americanas. Figueiredo nega a acusação.
"O
que importa, para começar, é uma candidatura que realmente represente o nosso
movimento e não algo escolhido pelo centrão e o STF fazendo Jair Bolsonaro de
refém. Ambos atendem este requisito."
Procurado
pela BBC News Brasil, Flávio Bolsonaro não retornou ao pedido de entrevista.
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Filhos, Michelle e governadores na disputa
À
direita, alguns quadros tentam ser o nome do bolsonarismo na disputa pela
Presidência em 2026: Ronaldo Caiado (União), de Goiás, Ratinho Jr. (PSD), do
Paraná, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais e Tarcísio de Freitas
(Republicanos), de São Paulo.
Para
Creomar de Souza, os governadores considerados presidenciáveis seguem num
discurso de defesa do ex-presidente porque o bolsonarismo virou um
"guarda-sol da direita" no Brasil. Isso é, todos os movimentos de
alguma forma estão abaixo dele.
Mas o
professor avalia que já pode estar acontecendo um movimento na direita de
conversas "à boca pequena" — ou seja, não falar publicamente sobre o
desejo de ver a família Bolsonaro fora do jogo, mas internamente isso estar
claro.
"Para
eles (os governadores), o melhor dos mundos seria uma campanha sem Bolsonaro
com os votos do Bolsonaro."
Até o
momento, na ala dos governadores, Tarcísio desponta como o favorito, e as
pesquisas eleitorais corroboram sua competitividade. Mas, ao menos
publicamente, a família Bolsonaro não embarcou ainda na ideia. Pelo contrário.
À BBC
News Brasil, Eduardo disse, em agosto, que apoiar Tarcísio estava "fora de
cogitação". Na mesma linha, afirmou recentemente ao canal Market Makers no
Youtube que tem "algumas diferenças políticas com o governador
Tarcísio".
"Ele
não está na mesma prateleira que um petista. No entanto, não está na mesma
prateleira que eu no jogo político", disse o deputado.
No
mesmo dia, postou um vídeo dizendo que Tarcísio era o candidato "do
sistema", uma esteira de críticas ao governador paulista que se estendeu
por quase este ano todo.
Nas
postagens mais recentes, Eduardo endossou críticas a articulações que levassem
a uma candidatura que não fosse de um Bolsonaro e cravou: "Na política
funciona assim: quem tem os votos, indica o cabeça de chapa".
Para
Creomar de Souza, os filhos buscam encontrar entre eles um nome para suceder
Bolsonaro porque "essa é potencialmente a última eleição" do
ex-presidente.
"Se
o estado de saúde é tão frágil, se tem uma questão de idade avançada, se tem
uma dificuldade com esforço físico, essa pode ser uma eleição definidora de
legado. E daí talvez haja uma enorme resistência da família de incensar nomes
que sejam de fora, inclusive o Tarcísio, porque o legado tem que ir para um dos
filhos."
Mas,
segundo a cientista política Camila Rocha, do Centro Brasileiro de Análise e
Planejamento (Cebrap), as peças do tabuleiro eleitoral estão ainda muito
embaralhadas para a família do ex-presidente.
"A
sucessão de Bolsonaro está bem complicada. Os filhos são muito mal avaliados
pelo próprio eleitorado do Bolsonaro, baseado em pesquisas que temos feito
desde o início do governo do ex-presidente", diz Rocha.
Ela
afirma que, nas palavras dos eleitores de Bolsonaro, seus filhos são
"imaturos", "irresponsáveis" e "envolvidos com
corrupção".
"Óbvio
que eles têm votos suficientes para serem parlamentares, mas, em uma eleição
presidencial, isso muda. Eles têm uma rejeição bastante grande do próprio
eleitorado do Bolsonaro."
Ainda
assim, ela analisa ser muito pouco provável que ninguém do clã Bolsonaro esteja
em uma chapa apoiada por ele.
"Bolsonaro
indicaria alguém de fora, mas é provável que ao menos o vice seja ocupado por
alguém da família", diz Rocha.
Em
setembro, a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL), falou, pela primeira vez,
sobre a possibilidade de ser candidata. Mas não deixou claro a qual cargo
disputaria.
"Vou
me levantar como uma leoa para defender nossos valores conservadores, verdade e
justiça. Se, para cumprir a vontade de Deus, for necessário assumir uma
candidatura política, estarei pronta para fazer o que ele me pedir",
declarou, ao jornal britânico The Telegraph.
Michelle
tem rodado o país à frente do PL Mulher, núcleo da sigla voltado a incentivar
candidaturas femininas e discutir políticas para mulheres.
"O
impacto da Michelle no crescimento de filiações ao PL Mulher é algo que eu não
me lembro na Nova República", diz Creomar de Souza.
"Eu
nunca vi uma liderança feminina ter um impacto tão prevalecente em um grupo
político eleitoral, ainda mais à direita, como a Michelle tem."
O
analista acredita que a ex-primeira-dama é um "fenômeno popular e
eleitoral".
"Ela
é um fenômeno popular do ponto de vista carismático. Eleitoral, eu não posso
dizer com convicção ainda, porque ela não passou por uma eleição. Mas, para uma
parte importantíssima desse eleitorado bolsonarista, a Michelle representa o
Bolsonaro", diz Souza.
"O
ponto é saber a medida que ela deseja se colocar como um eventual nome da
família e se haverá consenso na família para que ela seja esse nome. O que a
gente tem visto nos movimentos dos filhos, sobretudo o Eduardo e o Flávio, é
que não", prossegue.
"Se
a Michelle não sair candidata a vice ou à Presidência, ela deve possivelmente
ser candidata ao Senado pelo Distrito Federal e, possivelmente, será
eleita."
Camila
Rocha pondera, no entanto, que embora Michelle tenha um apelo maior do que os
filhos de Bolsonaro, ela enfrenta outros obstáculos.
"Michelle
tem menos rejeição por parte do próprio eleitorado do Bolsonaro. Mas sua
rejeição é baseada em machismo, as pessoas entendem que ela não teria voz
própria, que ela seria mais fraca e não teria experiência pregressa."
Já
entre o eleitorado geral, diz a cientista política, a rejeição estaria ligada à
defesa que Michelle, evangélica, faz de um Estado que defenda os valores e
princípios cristãos em detrimento de um Estado laico.
Michelle
Bolsonaro foi procurada, mas não respondeu às perguntas enviadas pela BBC News
Brasil, devido ao prazo curto, segundo sua assessoria.
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Carlos se lança ao Senado por SC
Creomar
de Souza avalia que Carlos Bolsonaro (PL) não está no páreo ainda para ser o
sucessor do pai no cenário político brasileiro.
"O
Carlos é o grande arquiteto operador da comunicação bolsonarista. Mas, de fato,
ele não é o perfil, até aqui. A gente vai ter que esperar para ver se ele vai
ser eleito ao Senado e se projetar, fazendo grandes articulações políticas em
nome da família", diz Souza.
O
analista faz referência aos planos revelado por Carlos no início do mês, de
galgar degraus na política após ocupar o cargo de vereador no Rio de Janeiro
por 24 anos ao se lançar candidato a senador por Santa Catarina.
No
mesmo Estado, outro filho de Bolsonaro, Jair Renan (PL), dá seus primeiros
passos na política como vereador de Balneário Camboriú.
"Jair
Renan provavelmente vai sair candidato a deputado estadual ou a deputado
federal, porque isso é parte dessa dinâmica do bolsonarismo", diz Souza.
Santa
Catarina é um reduto bolsonarista, onde 62% da população votou pela recondução
de Bolsonaro no segundo turno de 2022. Mas o anúncio da candidatura de Carlos
causou uma cisão no PL.
Ocorre
que a deputada federal Caroline de Toni (PL) já havia sido indicada pelo
governador Jorginho Mello (PL) para disputar o Senado.
Como
neste ano são abertas duas vagas de senador por Estado, a situação em Santa
Catarina poderia estar resolvida para o PL, tendo Carlos e Caroline como os
candidatos. Mas foi o contrário. Com Carlos na jogada, tudo se embolou.
A BBC
News apurou que havia um acordo entre Jorginho Mello e Bolsonaro para que cada
um indicasse um nome ao Senado. O governador indicou Caroline de Toni, a
deputada mais votada em 2018 entre os catarinenses.
Ela é
muito próxima dos Bolsonaro. Foi ela que abriu mão da liderança da minoria da
Câmara para que Eduardo assumisse seu lugar para cumprir seu mandato dos
Estados Unidos, o que não foi aceito pelo presidente da Casa, Hugo Motta
(Republicanos-PB).
Para
lançar sua pré-candidatura, Caroline de Toni contou com a anuência de Carlos,
Eduardo e Michelle. Isso teria sido um indicativo de que seu nome era também a
preferência de Bolsonaro, o que deixaria a segunda indicação a cargo do
governador.
Outro
acordo, entre Jorginho e o Progressistas para composição de aliança, mirando
também em tempo de TV, pressupunha que uma das vagas ao Senado seria para a
reeleição do senador Esperidião Amin (PP).
A BBC
News Brasil tentou falar com o governador, por meio de sua assessoria de
imprensa, mas não recebeu resposta. A deputada Caroline de Toni está afastada,
de licença-maternidade.
"A
Carol é querida pela Michelle e por todos nós, mas o Esperidião Amin também
quer a vaga e o Bolsonaro já bateu o martelo que o Carlos vem por Santa
Catarina", disse Valdemar da Costa Neto, presidente do PL, ao jornal O
Globo.
"Até
daria para termos ela e Carlos concorrendo simultaneamente, mas o Esperidião
nunca faltou para nós, ele é da direita. Estamos vendo o que fazemos, cogitamos
pedir para que o Jorginho Mello a coloque de vice."
uís
Felipe G. da Graça, cientista político da Universidade Federal de Santa
Catarina (UFSC), explica que essa aliança é parte de uma estratégia do
governador para ter uma reeleição "tranquila".
"Ele
foi muito bem votado no segundo turno de 2018, com 70% dos votos, e a principal
razão é que ele foi para o segundo turno contra o PT", diz Graça.
"Minha
impressão é que ele está tentando montar uma chapa de modo que a disputa
natural seja com o PT novamente. Por isso, ele deixaria o PP ocupar uma das
vagas ao Senado. Nessa disputa, se não tivesse o Carlos Bolsonaro, a chapa
seria Caroline de Toni e Amin."
Porém,
com Carlos na disputa, o movimento, afirma Graça, tem sido "limar"
Caroline de Toni, que já recebeu propostas de outros partidos. A mais avaliada
tem sido a do partido Novo, segundo fonte próxima à deputada.
Nessa
esteira, Michelle Bolsonaro, que é desafeto público de Carlos, postou
recentemente em suas redes sociais uma foto dela com Caroline dizendo:
"Estou fechada com a Carol de Toni, independentemente da sigla
partidária".
Fonte:
BBC News Brasil

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