domingo, 30 de novembro de 2025

Quem ganha com o fim do licenciamento ambiental?

É o que anunciam os votos da distorcida maioria parlamentar no Brasil que derrubaram os vetos presidenciais ao PL da devastação (Projeto de Lei 151.90/2025). Presente de Natal antecipado de valor incalculável oferecido para os patrocinadores do capitalismo brasileiro de desastres: um licenciamento ambiental mormente declaratório.

Esta lei de exceção, em vias de ser promulgada, foi feita sob medida por advogados da Frente Parlamentar do Agronegócio e das grandes empresas de mineração para legalizar a apropriação de bens públicos nacionais e seu butim generalizado. Trata-se de um acordo estrutural entre frações do grande empresariado neoextrativista e oligarquias regionais conexas para amortecer a democracia por dentro, desativando potenciais mecanismos de regulação e controle das grandes empresas pela sociedade.

O truco está posto pelos Presidentes da Câmara e do Senado: depois de presos os líderes do golpismo e investigados os elos do centrão e do bolsonarismo com o crime financeiro organizado, vejam quem manda agora. As grandes empresas de commodities e suas bancadas de estimação no Congresso não querem admitir sequer marcos mínimos para regulamentar sua corrida desenfreada por terra e território – que vai atropelando povos, biomas e cidades.

Para evitar recortes e caixinhas convenientes, é preciso ressaltar que as dinâmicas de destruição, características da agenda anti-ambiental são replicadas e se redobram em agendas anti-indígena, anti-quilombola, anti-cidade e anti-povo. Por isso não se trata de defender um “tema” ou algo separado. Não há como separar a desenvoltura dos negócios intensivos em recursos naturais do retraimento prático das normativas ambientais, elas mesmas culpadas e incômodas, mesmo quando caladas e inoperantes. Por isso aprovaram este vale-tudo, sem mais cinismos, mesuras ou temores de represálias judiciais.

Basta ver o começo e o fim dessa história: o que era aceito proforma como premissa de legitimidade e soberania nacional entre as décadas de 1980 e 1990 passou a ser representado no discurso empresarial como trava e custo adicional, notadamente a partir do boom de commodities nos anos 2000. Processos de privatização, desregulamentação e liberalização econômica nas últimas três décadas aferraram o país a um modelo de especialização produtiva em suprimentos de matérias-primas. E assim como o hábito faz o monge, o nosso regressivo modelo econômico modula a legislação ambiental à sua imagem e semelhança.

O sequenciamento de arranjos de poder em que agentes privados e agências públicas fundem-se no intuito de intensificar a exploração incondicionada de recursos naturais, implica em uma política de tábula rasa de regulações atinentes ao uso e função não apenas da terra e do território como um todo. Território reconcebido como zona de livre exploração e comércio, não como lugar de sociabilidades diversas e infindas.

Ataque em bloco e simultâneo, para ampliar o alcance dos vetores da pilhagem e extermínio, ensinam os manuais dos estrategistas da guerra assimétrica. Basta criar um bode expiatório que cole: IBAMA, FUNAI, indígenas, ongs, movimentos sociais etc. Qualquer espantalho que sirva para conduzir alguma bolha enraivecida contra estruturas regulatórias incompletas ou sucateadas que passam ser as vilãs do momento.

O emblema que adquiriu o PL lhe caiu como luva: devastar é uma ordem. Eis o desejo da máquina transnacional de extração, processamento e exportação de commodities. A agenda antiambiental, que prossegue e se aprofunda, é a agenda do mundo corporativo que se expande contra todos os outros mundos sociais e ecológicos possíveis. E é por isso este Brazil Inc. tanto depende da livre implantação de minas, pastagens e plantations no tamanho e no volume que forem definidos pelas geometrias cambiantes das chamadas cadeias globais de valor.

A pergunta “Qual democracia?” é necessariamente antecedida pela pergunta “Qual soberania?”. Durante a vigência do Tarifaço imposto pelo Império, setores do agro e da mineração receberam sobejas compensações com recursos públicos. Um enorme esforço diplomático foi empreendido para a retirada de sobretaxas que minariam a pujança da “economia brasileira”. Desfeito o Tarifaço, por meio de acordos sub-reptícios envolvendo terras raras e sobreoferta elétrica para datacenters, e mantidas as benesses concedidas tarifaço, o resultado é um “fogo amigo”, de volta aos “inimigos internos”, uma espécie de tarifaço antiambiental e antinacional, que manda às favas qualquer tipo de contrapartida em termos de emprego, reconhecimento de comunidades tradicionais e proteção dos nossos biomas.

A institucionalização dos interesses diretos dos conglomerados especializados na degradação ambiental e social demonstra que a única competitividade que os capitais fincados no Brasil conhecem é a competitividade espúria, uma competição baseada na minimização dos padrões de reciprocidade – o que dá vazão para limpezas étnicas e sociais profundas.

A trajetória do autolicenciamento dos megaempreendimentos privados chega agora ao clímax da diligente e domesticada chancela “pública” que os imuniza contra eventuais contestações jurídicas, técnicas e sociais. Emplacado este dispositivo de força, nada mais poderia de abalar acordos financeiros e setoriais previamente estabelecidos, apostam. Prognósticos de lucratividade nos marcos desta institucionalidade ambiental rebaixada viram quase-certezas, comemoram.

Surpresas estão reservadas para os que apostam no silenciamento do vivido e rememorado de forma coletiva. Diante deste mortífero presente natalício, despontam novos futuros de vida à vista.

>>> RELEMBRANDO:

O Congresso Nacional derrubou na quinta-feira (27/11) parte dos vetos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Lei Geral do Licenciamento Ambiental, chamada por ambientalistas de "PL da Devastação".

Com a derrubada dos vetos pela Câmara e pelo Senado, voltam a valer algumas regras que haviam sido estabelecidas pelos parlamentares para o licenciamento ambiental e que Lula havia tentado tirar da legislação, sem sucesso.

Assim, a versão dos parlamentares entrará em vigor na forma de nova lei, numa derrota política para o governo.

Foi derrubado o veto de Lula a 52 pontos da lei, como o que amplia a possibilidade de licenciamento autodeclatório e que reduz a participação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em processos do tipo.

Produtores que estejam com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) pendente também foram liberados da necessidade de licenciamento.

A discussão e decisão sobre a Licença Ambiental Especial (LAE) ficará para depois, já que o tema é tratado por uma medida provisória (MP) ainda sob análise do Congresso.

A LAE é voltada para empreendimentos considerados estratégicos pelo governo.

A organização Observatório do Clima afirmou em nota que a votação desta quinta no Congresso "mata" o licenciamento ambiental no Brasil.

"Na prática, os parlamentares reconstruíram o PL da Devastação, que enterra o licenciamento no país. É o pior retrocesso legislativo ambiental da história brasileira desde a aprovação da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981", disse o observatório, afirmando que organizações ambientalistas vão recorrer à Justiça para tentar derrubar a nova lei.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) havia vetado 63 dos quase 400 artigos do projeto de lei que regulamenta o processo de licenciamento ambiental para empreendimentos no Brasil.

Lula vetou artigos como o que facilitava o desmatamento na Mata Atlântica e o que reduzia exigências para empreendimentos considerados de médio porte.

Os vetos foram anunciados no início de agosto por ministros, no último dia que o governo tinha para tomar essa decisão.

O projeto foi batizado como "PL da devastação" por ambientalistas, de um lado; do outro, defendido por segmentos como a bancada do agronegócio no Congresso como uma medida para "destravar" obras e empreendimentos econômicos.

Segundo representantes do Planalto, a estratégia adotada pelo governo foi a de vetar pontos considerados prejudiciais ao meio ambiente e propor, por meio de um novo projeto de lei ou de MP, alternativas ao texto aprovado pelo Legislativo, criticado por cientistas e ambientalistas.

Ambientalistas já criticavam a possibilidade de derrubada dos vetos mesmo antes dela se confirmar nesta quinta-feira.

"A derrubada dos vetos seria um ataque aos fundamentos da nossa política ambiental, conflitando com tudo o que o país defendeu na COP30. Colegiados como o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) e o próprio papel regulamentar da União ficam esvaziados", afirmou Suely Araújo, do Observatório do Clima, antes da votação no Congresso, segundo a Agência Brasil.

Relembre os vetos de Lula e as mudanças decididas pelos parlamentares.

<><> Licença simplificada para empreendimentos

O governo havia vetado um trecho do projeto aprovado pelo Congresso que determinava que empreendimentos de pequeno e médio potencial poluidor pudessem passar pelo Licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC).

Com o veto, apenas os projetos com pequeno potencial poluidor poderiam ser submetidos a este tipo de licenciamento.

Mas os parlamentares voltaram a permitir que empreendimentos de médio porte façam o LAC.

Esta modalidade de licenciamento é mais simples pois não há necessidade de o responsável pelo empreendimento apresentar ou realizar estudos de impacto ambiental.

Para obter a licença, o responsável pelo empreendimento deverá apresentar apenas um Relatório de Caracterização do Empreendimento (RCE).

Autodeclaratório, esse documento deverá conter informações como a localização, dimensões e atividade que se pretende desenvolver.

Para o Observatório do Clima, essa é uma das mudanças mais preocupantes a ser confirmada nesta quinta-feira.

"Com isso, cerca de 90% dos licenciamentos estaduais – que representam a imensa maioria dos licenciamentos do país – poderão ser feitos automaticamente, num apertar de botão. A medida contraria jurisprudência do STF, que já havia vetado autolicenciamento para projetos de médio porte", disse a organização.

<><> Regionalização de critérios para o licenciamento

O governo também havia vetado um trecho do projeto que delegava aos Estados e municípios a possibilidade de estabelecer seus próprios tipos de LAC e critérios sobre potencial poluidor de um empreendimento.

"A proposição legislativa é inconstitucional, pois desconsidera a competência da União para definir regras gerais", dizia um trecho do veto publicado pelo governo em agosto.

Com a derrubada dos vetos pelos parlamentares, os governos locais voltam a ter maior autonomia.

O temor entre ambientalistas é que esta regionalização dos critérios possa reduzir os padrões e exigências ambientais feita por Estados ou municípios.

<><> Mata Atlântica

O governo havia vetado o trecho da lei que retirava o regime de proteção especial previsto na Lei da Mata Atlântica nos casos de supressão da floresta nativa.

A Mata Atlântica é um dos biomas mais ameaçados do Brasil e se entende pela costa brasileira, uma região densamente povoada.

Antes das novas regras de licenciamento ambiental, cabia ao governo federal avaliar o status de conservação do bioma e sua capacidade para suportar eventuais supressões de vegetação nativa.

Com a derrubada do veto de Lula, a lei tira do governo federal essa atribuição.

<><> Povos indígenas e quilombolas

Os parlamentares reverteram o veto de Lula a um dos trechos mais polêmicos da lei que havia sido aprovado pelo Congresso Nacional: o que liberava o processo de licenciamento ambiental sem consulta à Funai e à Fundação Palmares em terras indígenas e quilombolas que ainda não foram homologadas (a última etapa do processo de demarcação desse tipo de território).

Pelas regras anteriores à nova lei, as duas entidades precisavam ser consultadas em processos de licenciamento com impacto direto ou indireto em terras indígenas ou quilombolas, mesmo que estas não tivessem sido homologadas.

Agora, com a decisão do Congresso, comunidades não homologadas não precisarão mais ser consultadas.

Ambientalistas afirmam que essa mudança prejudicará dezenas de povos indígenas e comunidades quilombolas, pois a maioria das terras em que há presença dessas populações ainda não foi homologada.

 

Fonte: Por Luís Fernando Novoa Garzón, em Outras Palavras/Brasil 247

 

Nenhum comentário: