COP30:
texto final frustra proposta de Lula e não traz rota para fim de combustíveis
fósseis
As duas
principais propostas lideradas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em
Belém ficaram de fora dos textos finais acordados pelos países
divulgados neste sábado (22/11).
Lula
propôs a inclusão de "mapas do caminho" para o fim do uso de
combustíveis fósseis e para zerar o desmatamento. A sugestão contava com o
apoio de pelo menos 20 países e tinha o suporte de Colômbia, Reino Unido,
França, Suécia e Ilhas Marshall.
Mas o
principal texto, que deve ser chancelado ainda neste sábado e cujas negociações
avançaram pela última madrugada, não trazem nenhuma menção aos planos de Lula.
Não há
sequer menções ao termo "combustíveis fósseis", que segundo
especialistas, representam mais de 80% das emissões de gases do efeito estufa
responsáveis pelo aquecimento do planeta.
Os
"mapas do caminho" são um termo usado para se referir a roteiros que
os países do mundo deveriam seguir para reduzir, de forma gradual, o uso de
combustíveis fósseis e o desmatamento.
A
ausência do mapa sobre combustíveis fósseis acontece após intensa pressão
exercida por países árabes liderados pela Arábia Saudita, mas que também contou
com o apoio de China e Índia, segundo dois negociadores brasileiros ouvidos
pela BBC News Brasil em caráter reservado,
Segundo
o presidente da COP30, o embaixador brasileiro André Corrêa do Lago, a
presidência brasileira da conferência, que dura até o final do ano que vem,
anunciará uma iniciativa sobre o mapa sobre combustíveis fósseis. Ele não
detalhou, em entrevista ao site Amazônia Vox, como essa iniciativa funcionaria,
mas o anúncio deve ser feito nas próximas horas.
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Da esperança à frustração
O
desfecho acontece mesmo após o esforço pessoal de Lula,
que voltou na quarta-feira (19/11) a Belém para se encontrar com ministros de
diversos países numa tentativa de "destravar" as negociações da
COP30.
A
inclusão de um roteiro para levar ao fim gradual do uso de combustíveis fósseis
não estava entre os temas previstos para a COP30, mas o apoio a um texto sobre
o assunto era defendido por países da América Latina como a Colômbia, da Europa
como França, Reino Unido e Suécia, e da Oceania, que tem nações em ilhas
consideradas mais vulneráveis aos efeitos da elevação no nível dos oceanos
causada pelas mudanças climáticas.
Apesar
de estar fora dos mandatos da conferência, o "mapa do
caminho" foi mencionado por Lula durante discursos em
Belém antes e na abertura da conferência.
"O
mundo precisa de um mapa do caminho claro para acabar com essa dependência dos
combustíveis fósseis", disse Lula na
abertura da Cúpula de Líderes da conferência.
A
citação do presidente foi comemorada por ambientalistas, cientistas e algumas
delegações estrangeiras.
Mas com
o passar dos dias, a possibilidade de que um dos textos finais da COP30
contivesse menções sobre o assunto foi diminuindo, gerando reações negativas
entre ambientalistas, cientistas e delegações favoráveis à proposta.
A
redução nas emissões dos combustíveis fósseis é um dos temas mais sensíveis nas
negociações climáticas porque, segundo a comunidade científica, aproximadamente
80% das emissões de gases do efeito estufa que geram as mudanças climáticas são
geradas pela queima desses produtos e pela liberação de CO2 na atmosfera.
A
expectativa entre os apoiadores da proposta era de que um dos textos finais da
COP30, conhecido como "Pacote Político de Belém", contivesse menções
explícitas sobre o "mapa do caminho" proposto por Lula.
"O
que nós queremos é que a COP30 dê um mandato para que esse mapa seja elaborado
e que ele seja um mapa a ser seguido pelos países", disse, então, o
negociador sueco Mattias Frumerie à BBC News Brasil.
A
expectativa, no entanto, deu lugar à apreensão e, agora, à frustração.
Na
terça-feira (18/11), o rascunho de um dos textos onde o tema era tratado trouxe
menções sobre o assunto consideradas vagas por ambientalistas. Em vez de
determinar a elaboração do roteiro, uma das opções no texto previa a criação de
uma "mesa redonda" de ministros para discutir a transição para longe
dos combustíveis fósseis.
Na
sexta-feira, um novo rascunho do texto foi divulgado pela Convenção das Nações
Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCC) e, desta vez, não havia nenhuma menção
ao termo "combustíveis fósseis".
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'Recusa de uma tarefa histórica'
O
rascunho já havia gerado reações negativas entre países favoráveis ao
"mapa do caminho" e de ambientalistas.
"Qualquer
texto sem uma menção clara para reduzir o consumo de combustíveis fósseis é
frustrante e não vai na direção do que a ciência defende", disse à BBC
News Brasil o climatologista brasileiro Carlos Nobre.
A
ministra de Meio Ambiente da Colômbia, Irene Vélez Torres, protestou.
"Essa
COP não pode acabar sem um mapa do caminho claro, justa e equitativo para a
eliminação gradual dos combustíveis fósseis", disse em entrevista coletiva
na sexta-feira.
Mesmo
antes do fracasso, o governo colombiano já havia anunciado a criação de uma
conferência internacional sobre o fim dos combustíveis fósseis e fez o
lançamento de uma declaração cobrando a elaboração deste roteiro.
Ao
todo, 24 países assinaram o documento: Austrália, Áustria, Bélgica, Camboja,
Chile, Colômbia, Costa Rica, Dinamarca, Espanha, Eslovênia, Fiji, Finlândia,
Irlanda, Ilhas Marshall, Jamaica, Luxemburgo, México, Micronésia, Nepal, Países
Baixos, Panamá, Quênia, Vanuatu e Tuvalu.
Apesar
de o governo brasileiro apoiar a criação de um mapa do caminho, o Brasil não
assinou a declaração colombiana.
O
holandês Bas Eickhout, membro do Parlamento Europeu, disse acreditar que os
parceiros de Brics do Brasil pressionaram o presidente Lula a recuar sobre
incluir ou não o mapa do caminho nos textos finais da COP 30.
"Eu
acho que existe muita pressão do Brics sobre Lula, um grupo no qual eles também
vão dizer: 'Você precisa de nós'", disse Eickhout a jornalistas nesta
sexta-feira.
A
especialista em clima e líder de Estratégia Internacional da organização
não-governamental WWF-Brasil, Tatiana Oliveira, criticou o texto.
"A
ausência total de um texto sobre os dois mapas do caminho prometidos , o fim da
dependência aos combustíveis fósseis e, sobretudo, o desmatamento zero até
2030, é a recusa de uma tarefa histórica", disse a ambientalista em
posicionamento feito pela organização.
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O bloqueio dos países dos Brics
Arábia
Saudita, China e Índia exerceram pressão e acabaram bloqueando a proposta de
criação de um roteiro para reduzir o consumo de combustíveis fósseis proposto
por Lula, apurou a reportagem.
Esses
países fazem parte do Brics, grupo de 11 países que também inclui o Brasil,
Rússia, Emirados Árabes Unidos, África do Sul, Etiópia, Irã, Indonésia e Egito.
A BBC
News Brasil tentou contato com os negociadores destes três países nos últimos
três dias, durante a COP30, mas nenhum delegado quis dar declarações.
Arábia
Saudita e China ocupam o segundo e o sexto lugares no ranking de maiores
produtores de petróleo do mundo, respectivamente, de acordo com a Agência
Internacional de Energia (AIE). A China é um dos maiores consumidores do
produto e, atualmente, maior responsável pelas emissões de gases do efeito
estufa no mundo.
A Índia
não está entre os 10 maiores produtores, mas é outro importante consumidor de
combustíveis fósseis, principalmente carvão mineral para gerar eletricidade.
A
contrariedade da China em relação à proposta já havia sido citada em reportagem
do UOL, no início da semana.
Segundo
a reportagem, a diplomacia chinesa afirmou que a posição do país vai refletir o
que os países do Brics já haviam declarado no encontro de líderes do bloco, em
julho deste ano, quando os membros reconheceram que os combustíveis fósseis
ainda tinham papel importante nas economias dos países emergentes.
Outro
negociador ouvido pela BBC News Brasil afirmou que o grupo de países árabes
usou a COP30 para tentar conter o movimento ocorrido dois anos atrás, na COP28,
em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Naquela
ocasião, os países concordaram em incluir uma menção em um dos textos finais da
conferência prevendo a "transição para longe dos combustíveis
fósseis".
A
inclusão do tema no texto final foi considerada uma vitória de cientistas,
ambientalistas e países como os do bloco europeu das pequenas ilhas do Oceano
Pacífico.
O
problema é que apesar da menção, nenhuma medida concreta foi tomada desde então
para pôr em prática o que foi definido em Dubai.
Segundo
este negociador, os países árabes avaliaram que a inclusão do assunto no texto
final da COP28 havia sido um erro e se empenharam para bloquear novos avanços.
Este
negociador afirmou ainda que China e Índia tiveram uma posição mais branda em
relação ao tema.
Também
de acordo com ele, o governo vai aproveitar a ida de Lula à Cúpula de Líderes
do G20 (grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo), na África do Sul,
neste fim de semana, para voltar a defender o assunto.
Fonte:
BBC News Brasil

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