A
fascinante proposta do Emprego Garantido
Garantir
emprego para todos, e promover essa garantia com fundos públicos? Para alguns,
esta proposta parece politicamente irrealista hoje, mas a economista
estadonidense Pavlina Tcherneva assegura que é perfeitamente racional. É,
aliás, o tema de sua obra A Garantia de Emprego: A Arma Social do Green New
Deal (Editado em francês por La Découverte, 2021).
Para um
indivíduo, sustenta ela, os benefícios sociais de um emprego são sempre
superiores aos de um auxílio, que não permite escapar da precariedade. E o
mesmo vale para a coletividade, se esses empregos forem direcionados para suas
necessidades mais prementes e para a transição ecológica.
Como o
que falta é a vontade política, a ex-conselheira de Bernie Sanders,
especialista e crítica da teoria monetarista, convida os governantes a
reorientar os fundos públicos para o “investimento preventivo”. Este foi um dos
temas de sua conferência de abertura no Fórum Mundial de Economia Social e
Solidária (ESS), em outubro, em Bordeaux, França. Dias antes do evento, ela
concedeu, ao site Alternatives Economiques, a entrevista a seguir:
• Você acha que se pode garantir empregos
para as pessoas assim como se garantem os cuidados de saúde universais. Em que
isso é comparável?
Pavlina
Tcherneva: Vale frisar: todos os países ricos do mundo – exceto os Estados
Unidos — há muito garantem direito à seguridade social e acesso à saúde para
todos. A noção de garantia de emprego, por sua vez, é antiga. O direito a um
trabalho decente remonta à Constituição de 1793, na França. Depois, ela emergiu
no pós-guerra no âmbito do diálogo internacional que teorizou os direitos
universais. Está presente no artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Tudo isso porque o emprego traz inúmeros benefícios sociais: ele
proporciona não apenas um salário, mas também integração social e acesso à
dignidade.
Oferecer
um seguro-desemprego é apenas um substituto pobre para tudo o que um emprego
pode oferecer. Quando as pessoas não têm o que comer, concede-se a elas uma
ajuda alimentar. Se estão desabrigadas, dá-se a elas acesso a um acolhimento de
emergência e a habitações populares. Garante-se às crianças o acesso à educação
pública. Por que não fazer o mesmo com a garantia de emprego?
• Nesse sentido, você questiona a teoria
monetarista ortodoxa, segundo a qual o desemprego é necessário para o bom
funcionamento da economia…
Durante
o New Deal que seguiu a grande depressão dos anos 1930, nos Estados Unidos, o
pleno emprego era um objetivo incontornável das políticas preconizadas pelos
economistas, notadamente os keynesianos. Em seu debate com os monetaristas,
eles defendiam a ideia de que o investimento público e a política fiscal eram
mais importantes do que a política monetária. Mas em 1968, Milton Friedman
promoveu a ideia, em seu discurso à Associação Econômica Americana, de que
visar o pleno emprego era utópico, que sempre haveria pessoas que deixariam seu
trabalho por outro e que tentar criar empregos para elas só pioraria as coisas
e geraria inflação.
Essa
ideia foi retomada por outros economistas, como Franco Modigliani, nos anos
1970, com o conceito de Taxa de Desemprego Não Aceleradora da Inflação (NAIRU).
Segundo ela, a limitação do poder de compra por meio do desemprego reduz as
pressões inflacionárias e serve de estabilizador automático para a economia.
Assim, não se tolera apenas uma taxa de desemprego friccional, relacionada às
saídas e entradas no emprego, mas um certo patamar de desemprego estrutural.
Isso ofereceu uma desculpa perfeita a Ronald Reagan, que presidiu os EUA entre
1981 e 1989, e a Margaret Thatcher, primeira-ministra do Reino Unido entre 1979
e 1990. Eles aproveitaram-se da hiperinflação para atacar os sindicatos e
promover o modelo econômico neoliberal. Foi assim que o conceito de garantia de
emprego desapareceu do debate público.
• Você avalia que a garantia de emprego
serviria de alavanca para o Cuidado e uma transição energética justa. Como?
As
associações, cooperativas, grupos comunitários – o chamado “terceiro setor”, de
uma maneira ampla — ofereceriam um emprego básico a qualquer pessoa que esteja
em busca de trabalho. Assim, quando as empresas privadas reduzissem seus
quadros ou seus investimentos, os trabalhadores não mais mergulhariam na
precariedade. Eles poderiam integrar essa rede de emprego público ou
associativo e cooperativo. Hoje, existem as bolsas e o seguro-desemprego, que
sustentam parte da renda sem oferecer uma estabilidade real. Com uma garantia
de emprego, cada um teria a certeza de poder trabalhar por um salário decente,
o que estabilizaria a economia sem os efeitos destrutivos do desemprego.
Os
empregos públicos propostos responderiam às necessidades sociais e ambientais
frequentemente negligenciadas pelo setor privado. Cuidados com idosos ou
crianças, manutenção e reabilitação das cidades, pequenos trabalhos de
infraestrutura, limpeza após desastres climáticos, etc. Em suma, essa política
visaria a associar segurança econômica e utilidade social, conectando as
pessoas disponíveis às necessidades reais das comunidades.
• É melhor que sejam empregos públicos, ou
no terceiro setor e na economia social e solidária?
Depende
do país. A garantia de emprego tem encontrado aplicações diferentes ao redor do
mundo. Em teoria, nos países desenvolvidos, o setor público pode desempenhar um
papel importante no financiamento dos projetos, na garantia de boas condições
de emprego, de programas de formação. Mas nos Estados Unidos, o setor público é
muito menos sólido, e o papel do terceiro setor é essencial porque essas
organizações já buscam responder a necessidades sociais que os governos
nacionais ou locais não satisfazem. Na França, onde os serviços públicos são
extensos e importantes, a economia social e solidária é muito dinâmica e também
desempenha um papel importante.
É
preciso combinar as duas contribuições. Na França, os Territórios Zero
Desempregados de Longa Duração (TZCLD) foram implementados pelo terceiro setor
com um apoio público. Na Índia, a garantia de emprego é implementada no âmbito
de um programa federal. O governo fornece os fundos, mas o mecanismo é
administrado eficazmente no nível das aldeias. Está na origem de muitos
projetos rurais – por exemplo, na irrigação.
• Onde encontrar o dinheiro?
Como
para qualquer programa público ou rede de proteção social, o financiamento deve
ser público. Certamente, os Estados não têm todos a mesma capacidade
orçamentária, e muito depende do sistema monetário no qual operam. Por exemplo,
na União Europeia, os constrangimentos da zona do euro e os critérios de
Maastricht limitam a margem de manobra orçamentária dos governos. Em sentido
oposto, países como os Estados Unidos ou a Índia, que dispõem de seu próprio
Banco Central, podem financiar os projetos. O verdadeiro limite é político, não
financeiro.
Do
ponto de vista geral, não falta dinheiro, e tudo depende da maneira como os
governos escolhem utilizar seus recursos. Aliás, já se gasta com o
seguro-desemprego, o combate à pobreza ou as emergências climáticas. O
dinheiro, portanto, já é mobilizado, mas frequentemente apenas em reação às
crises. O desafio não é encontrar novos fundos, mas reorientar as finanças
públicas para o investimento preventivo. Apoiar as comunidades, reforçar as
infraestruturas e reduzir a pobreza antes que ela se agrave.
Em
matéria de saúde, sabe-se bem que quanto mais uma população é pobre e frágil,
mais as despesas necessárias para tratá-la aumentam. O mesmo vale para as
crianças: investir desde a mais tenra idade na saúde e na educação é permitir a
formação de indivíduos mais saudáveis, mais realizados e mais produtivos, o que
reforça toda a sociedade. Quando subfinanciamos os programas sociais,
condenamos as jovens gerações a começar a vida com enormes desvantagens. É
preciso considerar a garantia de emprego como um investimento preventivo para a
coletividade.
• Que exemplos da garantia de emprego já
existem ao redor do mundo?
A
garantia de emprego desperta forte interesse internacional. Não é uma ideia
nova, mas foi relançada nos últimos anos, notadamente no âmbito do Green New
Deal nos Estados Unidos e, mais amplamente, diante dos desafios climáticos.
Co-redigi, com o relator especial da ONU sobre a extrema pobreza, Olivier De
Schutter, um relatório sobre o assunto.
Em
2024, minha proposta, elaborada com a deputada europeia Aurore Lalucq, também
levou a esforços para criar uma linha orçamentária no Parlamento Europeu sobre
os empregos “justos e equitativos”, que mencionava exemplos concretos como o
TZCLD. A ideia atrai cada vez mais a atenção em várias regiões do mundo –
América Latina (Colômbia, Argentina, Brasil) e África (África do Sul,
Senegal…). Mas a ação política ainda é limitada. No entanto, invariavelmente, o
programa recebe 70% a 80% de apoio na população, tanto na esquerda quanto na
direita.
• Na França, os Territórios Zero
Desempregados de Longa Duração não se expandem mais por razões orçamentárias.
Em outros países, também. O que se poderia fazer?
É
realmente lamentável, pois trata-se antes de tudo de uma escolha política, e
não de uma restrição orçamentária real. Como mencionei, o governo francês já
financia o apoio aos desempregados, e os TZCLD permitem que os participantes
trabalhem enquanto renunciam voluntariamente a outras ajudas. Da mesma forma, o
Estado terá inevitavelmente de arcar com os custos ligados à crise climática e
ao combate à pobreza. A questão, portanto, não é de meios, mas sim de
prioridades políticas.
Para
fazer avançar a ideia da garantia de emprego, é preciso tanto prosseguir com o
trabalho de advocacy quanto imaginar mecanismos de financiamento inovadores.
São necessários dispositivos nacionais, para os quais o governo avalie
claramente os custos e benefícios da criação de empregos apoiados e de
qualidade. Pode-se colocar em destaque a experiência francesa [o TZCLD] como um
modelo capaz de inspirar uma garantia de emprego em escala europeia. Fundos
europeus poderiam ser, assim, mobilizados. Na realidade, em países como o Reino
Unido, a Bélgica ou a França, os valores já pagos pelo seguro-desemprego
correspondem frequentemente ao que um salário decente representaria. Trata-se,
portanto, simplesmente de redirecionar essas despesas para a criação efetiva de
empregos úteis, em vez de manter as pessoas na inatividade.
• Você defende que se lance um “Plano
Marshall mundial”. Do que se trata?
Esse
Plano Marshall mundial deve ser visto como um programa de reconstrução das
comunidades nos diferentes países. Pois, apesar de uma grave crise social e
ecológica nos países do Norte, não há esforços de mobilização e investimento
massivo comparáveis àqueles do New Deal. No Sul Global, as necessidades mais
elementares ainda não são asseguradas para muitos habitantes: acesso à água, à
educação, à moradia ou às infraestruturas básicas.
Um
verdadeiro plano de reconstrução é, portanto, necessário e não deve ser
confiado apenas a grandes empresas por meio de contratos gigantescos, mas
envolver as próprias populações. É aí que intervém a garantia de emprego: ela
representa a peça que falta nos grandes planos de investimento público.
Construir habitações públicas sem oferecer trabalho é cumprir apenas metade da
tarefa. Da mesma forma, permitir que uma criança vá à escola sem que seus pais
tenham um emprego estável é deixar a família sem segurança econômica
verdadeira. Os esforços de reconstrução devem andar de mãos dadas com programas
de emprego direto, integrando a garantia de um trabalho para todos.
Fonte:
Pavlina Tcherneva, entrevistada em Alternatives Economiques | Tradução: Antonio
Martins, em Outras Palavras

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