Aquiles
Lins: Brasil escreve uma nova história ao botar Bolsonaro e militares golpistas
na cadeia
A cena
de terça-feira, 25 de novembro de 2025 é histórica. Pela primeira vez desde a
proclamação da República, o Brasil assiste à responsabilização efetiva de um
ex-presidente e de altos oficiais das Forças Armadas por atentarem contra a
Constituição, por tentarem derrubar o Estado Democrático de Direito e por
tramarem, de forma organizada e armada, um golpe de Estado. A decisão da
Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal inaugura um capítulo que gerações de
brasileiros esperaram para ver.
A
Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal concluiu o processo do Núcleo 1 da
trama golpista ocorrida durante o governo de Jair Bolsonaro e, por 4 votos a 1,
condenou os sete réus por crimes como organização criminosa armada, tentativa
de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano
qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
Como
registrar a singularidade deste momento sem lembrar o passado que o cerca?
Desde 1889, golpes militares são parte recorrente da história brasileira — e
quase sempre bem-sucedidos. Em 1930, 1937, 1964, a marca das Forças Armadas
sobrepôs-se ao voto popular e à ordem civil. Mesmo após a redemocratização, o
fantasma da tutela militar nunca se dissipou completamente. Bolsonaro, que se
fez politicamente pela exaltação da ditadura e que repetiu discursos e práticas
racistas, misóginos e lgbtfóbicos, apostou até o fim que seus aliados fardados
manteriam viva essa tradição. Para ele, aceitar a derrota eleitoral nunca foi
uma opção. Se tornou depois, pela imposição dos fatos e pela falta de apoio
internacional à aventura golpista.
O
Brasil de 2025, no entanto, é outro. De todas as rupturas simbolizadas por
estas prisões, a maior delas é o fim de um ciclo de impunidade. O ex-presidente
Jair Bolsonaro começou a cumprir 27 anos e três meses de pena na
Superintendência da Polícia Federal, em Brasília. Generais que ocuparam o topo
da hierarquia do Exército — Augusto Heleno, Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira
— estão encarcerados no Comando Militar do Planalto ou na Vila Militar do Rio.
O almirante Almir Garnier, o único dos três comandantes que aderiu diretamente
ao plano golpista, cumpre 24 anos numa instalação da Marinha. Anderson Torres,
peça-chave da segurança pública no 8 de janeiro, está preso no Complexo da
Papuda. Alexandre Ramagem, condenado a 16 anos, encontra-se foragido em Miami.
A
democracia brasileira, tantas vezes ferida, finalmente reuniu maturidade
institucional para impedir e punir quem tentou destruí-la. Vítimas da ditadura
de 1964, militantes perseguidos, cidadãos que lutaram por décadas pela
responsabilização de agentes da repressão — todos eles, vivos ou não, fazem
parte da moldura moral e histórica que sustentou este dia. Para muitos, ver
generais sendo julgados e punidos dentro da legalidade é presenciar algo que
parecia impossível.
Hoje, o
Brasil escreve uma página que rompe com séculos de submissão do poder civil ao
poder militar. Uma página escrita por instituições que, apesar de ataques,
seguiram funcionando; por cidadãos que defenderam o resultado das urnas. É,
enfim, um dia para se orgulhar de ser brasileiro.
• STF sacramenta a derrota do golpe e
fortalece consolidação democrática. Por Alberto Cantalice
A
decretação da prisão preventiva de Jair Bolsonaro por violação das medidas
cautelares e risco fundado de fuga demonstra a higidez do cumprimento das
decisões judiciais amparadas nos dispositivos do Código de Processo Penal
brasileiro. Seria um tapa na cara das instituições republicanas a fuga do
ex-presidente, condenado pelo STF a penas de prisão em regime fechado.
A
covardia e o desapego ao cumprimento das leis são uma norma nas hostes
bolsonaristas, como demonstram as recentes evasões dos deputados Carla Zambelli
e Alexandre Ramagem, que buscaram refúgio no exterior para não cumprir suas
penas.
Nesses
casos, e no do também deputado federal Eduardo Bolsonaro, causa estranheza a
leniência da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados que, ao arrepio das leis, da
ética e da moralidade, faz "vista grossa" às ações criminosas desses
mesmos parlamentares ao se negar a cassar, como manda a lei, os seus mandatos.
Esse
conjunto de desmandos arruína a já baixa popularidade do Legislativo aos olhos
da população e demonstra que o espírito de corpo deletério está acima dos
interesses da cidadania.
Por
outro lado, o Supremo Tribunal Federal, ao agir firmemente, respeitando o
devido processo legal, o direito ao contraditório e à ampla defesa, julgou e
condenou os líderes da trama golpista que visava não reconhecer o resultado das
eleições de 2022, matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes, e cujo epicentro
foi o nefasto 8 de janeiro, de triste memória.
Ao agir
coerentemente com os ditames da Constituição e focar a punição nos artífices do
golpismo — o ex-presidente, generais e outros militares de alta patente —, o
STF reafirma o princípio de que ninguém, por seu poder, influência ou capital,
está acima das leis, derrubando a "espada de Dâmocles" que pairava
sobre a democracia brasileira, fruto da não punição dos golpistas de 1964 e de
seus porões de assassinos e torturadores.
A não
punibilidade dos golpistas de 1964 está, sem sombra de dúvida, imbricada à dos
golpistas de 2022. A ausência de punição é um estímulo para que se cometam atos
atentatórios ao Estado Democrático de Direito, como se vislumbrou.
A
canhestra e inconstitucional anistia propugnada pelo extremismo direitista,
além de um escárnio, serve de salvo-conduto para o golpismo continuado.
Tal
como no repúdio à PEC da Bandidagem, a sociedade brasileira não aceitará
tamanha afronta. O STF recolocou o Brasil nos trilhos da democracia; cabe à
sociedade respaldá-lo!
• Nunca mais um país ajoelhado diante de
quartéis. Por Washington Araújo
Há dias
que reorganizam a memória coletiva — pelas luzes que acendem, pelos fantasmas
que expulsam, pelas fronteiras que redesenham na consciência nacional.
O 25 de
novembro de 2025 entra nesse registro raro. Não por revanche, não por
espetáculo, não por catarse. Mas por algo mais simples, mais duradouro e mais
difícil: pelo restabelecimento do óbvio. Pelo triunfo do que deveria ter sido
inegociável desde sempre: a democracia como linha de chegada e ponto de
partida, como pacto civilizatório e como limite impermeável à sanha destrutiva
de quem tentou capturá-la.
Os
golpistas, enfim, chegaram ao fim do caminho.
O
Brasil, finalmente, chegou ao começo de outro.
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A cena que diz tudo
Os
meios de comunicação anunciaram, finalmente, aquilo que a História vinha
ensaiando, mas não tinha coragem de afirmar em voz alta: Jair Bolsonaro começou
a cumprir pena de 27 anos e três meses por golpe de Estado.
A frase
seria improvável, se não fosse verdadeira. Seria ficção, se não fosse
documento. Seria exagero, se não fosse sentença transitada em julgado. Game
over. Fim do jogo.
A
notícia correu o mundo e veio acompanhada de outra, inédita na República
brasileira: militares de alta patente presos por atentado à democracia. Não
eram personagens menores. Eram almirantes, generais, um ex-chefe da Defesa, um
ex-chefe do GSI, o ex-comandante da Marinha, um ex-ministro da Justiça. O
coração do Estado, usado como arma contra o próprio Estado.
Agora,
desarmado.
Alexandre
de Moraes — alvo preferencial de quem confundiu bravata com coragem — assinou o
despacho que a História cobrava. E o fez com 29 páginas de fundamentos, provas,
citações jurisprudenciais, recapitulação processual e uma frase que encerra uma
era: “Inexistem recursos cabíveis.”
Para um
país traumatizado por golpes reais, tentativas veladas e ensaios frustrados de
quartel, essa sentença é quase literária: o ponto final de um capítulo muito
mal escrito por mentes e mãos irresponsáveis.
Mas não
havia metáfora nessa tarde de 25 de novembro. Havia documentos. Havia
certidões. Havia mandados. Havia escoltas. Havia algemas invisíveis de
legalidade que finalmente se fecharam.
Lamento
que meu pai — o bom agrônomo, historiador e advogado Adonias Bezerra de Araújo
— não tenha vivido até esta data para testemunhar o desfecho vergonhoso que
nossa história impôs a si mesma. Nasci no Rio Grande do Norte e passei os
primeiros seis anos de vida nos cafundós do Judas, no interior paranaense.
Minha família não fugiu do calor ou do cansaço; fugiu da ditadura militar de
1964, que empurrou vidas inteiras para longe das suas raízes.
Fui uma
planta agreste transplantada para um terreno de geadas severas, e naquele frio
aprendi que o arbítrio tem cheiro, peso e cicatriz.
Conheço
na pele o que um Estado ditatorial pode fazer quando se julga acima da lei,
quando confunde poder com punição, quando trata famílias como números
descartáveis.
Ainda
assim, naquele desterro gelado, aprendi com meus pais que não havia espaço para
ressentimento nem ódio. O que havia, e permanece até hoje, era a obrigação de
lutar por direitos humanos, dignidade e proteção das minorias — sempre pelo
caminho do pacifismo, sempre acreditando que justiça não é vingança, mas
reparação moral do que fomos obrigados a viver. Talvez por isso seja, desde
sempre, apartidário. Quero sempre a liberdade de poder pensar por mim mesmo.
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A solidão de um líder derrotado pelos próprios atos
Bolsonaro
recebeu o oficial de justiça às 16h40. Assinou. Calado. O homem que outrora
vociferava contra urnas, ministros, jornalistas, mulheres, governadores,
vacinas e fatos — agora falava apenas quando autorizado. Seus filhos o
visitaram, um por vez, como quem visita um parente que insistiu em acreditar
que a democracia era um obstáculo, e não um teto protetor.
A
esposa, Michelle, pediu para visitá-lo no dia seguinte. E, sem grande alarde, a
vida seguiu seu percurso burocrático: atos publicados, decisões notificadas,
custódias agendadas. O Brasil não parou como queriam alguns tresloucados. É
assim que democracias respondem a quem tentou destruí-las: com papéis, não com
porretes; com audiências, não com ameaças; com ritos, não com armas.
Bolsonaro
está inelegível até 2060.
Até lá,
o país terá mudado, a geração que hoje vota estará se aposentando, e seus netos
talvez estudem em aulas de História aquilo que ele próprio não conseguiu ler
enquanto escreveu — na prática — o infame manual do golpismo fracassado.
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Os generais, enfim, diante da lei
Augusto
Heleno, general do Exército, que tratava a Constituição com a intimidade de um
bedel de quartel, agora presta exames de corpo de delito.
Paulo
Sérgio Nogueira, general do Exército, que deveria proteger a hierarquia e a
disciplina, foi levado para uma sala separada em um prédio militar, sob
custódia.
Almir
Garnier, almirante, que à frente da Marinha viu o país dividido e escolheu a
pior margem do rio, agora cumpre pena em uma estação de rádio da Marinha.
Braga
Netto, general do Exército, o homem que tentou transformar poder em blindagem,
dorme em uma cela especial na Vila Militar, no Rio de Janeiro.
Todos
os que deveriam ser o freio foram justamente o acelerador de uma aventura que
desrespeitou a liturgia, a memória institucional e a inteligência nacional.
Não
foram presos por divergirem de decisões políticas. Foram presos porque
participaram de uma trama criminosa para derrubar um resultado eleitoral. Não
se trata de opinião. Trata-se de sentença.
E ela
não foi escrita em um canto escuro.
Foi
lavrada pela mais alta corte do país, depois de dois anos de provas,
testemunhas, delações, contraprovas, perícias, votos, audiências e
contraditório pleno. Desde 18 de dezembro de 2023 até aquele fim de tarde de
2025, tudo foi registrado, examinado, impugnado e decidido — como manda uma
democracia que pode até apanhar muito, mas não cai.
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O foragido, a delação e o país diante do espelho
Alexandre
Ramagem, delegado da Polícia Federal, agora deputado sem mandato, escolheu
Miami como refúgio e fantasia como argumento. Não voltará tão cedo. A Justiça
brasileira pede sua prisão. Os EUA assistem, diplomáticos, ao ex-policial
federal transformar fuga em currículo.
Mauro
Cid, coronel do Exército, que tentou proteger o chefe com a submissão de um
escudeiro medieval, acaba perambulando entre o regime aberto e a lembrança de
um país que ele ajudou a quase incendiar. Sua delação premiada faz parte das
provas que derrubaram a farsa. As noites de sexta-feira em que Cid não pode
sair de casa talvez sejam a metáfora perfeita: pequenas prisões para quem
ajudou a construir grandes ameaças. Entrou para o Programa Federal de
Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita).
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A Justiça foi lenta? Foi rápida? Foi dura? Foi branda?
A
pergunta importa menos do que outra: foi justa?
E a
resposta, ao contrário do que esperam os que insistem em ver perseguição onde
há apenas consequência, é simples: Sim, foi.
Porque
ninguém está acima da lei.
Porque
generais respondem por seus atos — não pelos seus uniformes, suas fardas, suas
medalhas militares.
Porque
ex-presidentes cumprem sentença — não cumprem rituais de imunidade.
Porque
as instituições foram testadas e preferiram o caminho mais difícil: o da
legalidade.
José
Múcio, ministro da Defesa, resumiu o momento com uma frase que deveria ser
moldura de parede institucional: “Os CPFs estão sendo responsabilizados e as
instituições preservadas.”
É
exatamente isso que diferencia democracia de vendetta: a regra aplicada ao
indivíduo, não à corporação.
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O país que tentou ser sequestrado
A
tentativa de golpe não foi um delírio coletivo. Foi uma organização criminosa
com metas, hierarquia, tarefas, estratégia e execução. Não começou com atos
descoordenados. Começou no Alvorada, nos discursos inflamados, na desinformação
metódica, nas reuniões com embaixadores, nas lives paranoicas, nos militares
que confundiram disciplina com devoção pessoal, e nos advogados que trocaram o
Direito pelo delírio jurídico, que confundem o príncipe de Maquiavel com o
Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry.
O
Brasil esteve perto do abismo — não por acaso, mas por planejamento minucioso,
ardiloso e mal-ajambrado.
O que
se encerra agora é o processo judicial.
O que
ainda precisa começar é o processo civilizatório de compreender como chegamos
tão perto do pior.
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Os que se indignam porque a lei se cumpriu
Flávio
Bolsonaro, senador, como era previsível, pediu prisão domiciliar para o pai.
Não pediu isso quando seu pai ameaçava ministros. Não pediu isso quando seu pai
inflamava quartéis. Não pediu isso quando seu pai queria usar as Forças Armadas
como muleta política. E não pediu isso quando seu pai dizia que direitos
humanos são coisa para vagabundos.
Pede
agora, quando a lei encontrou o escorregadio destinatário.
A
democracia não funciona como herança familiar.
Funciona
como espelho: reflete apenas os atos. Arthur Schopenhauer advertia que a
liberdade termina no instante da escolha; dali em diante, somos cativos das
consequências que ela produz.
E não
deu outra.
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O Brasil que emerge do outro lado
A
execução da pena não é vitória de um lado sobre o outro. Não é triunfo da
esquerda, nem desforra da mídia, nem revanche de ministros do Supremo. É,
sobretudo, a vitória da legalidade sobre a ilegalidade. É uma lição dolorosa,
mas necessária: quem atenta contra a democracia acaba no banco dos réus — e
permanece ali até que a Constituição dê a última palavra.
O
Brasil não está dividido entre quem gosta ou não gosta de Bolsonaro. Chega de
falsos maniqueísmos. Somos capazes de elaborar a história de forma coesa,
coerente e fluida.
Está
dividido entre quem entende e quem não entende que não existe projeto político
possível fora do Estado de Direito.
E quem
não entende talvez precise estudar o dia 25 de novembro de 2025 como se estuda
um terremoto: não para temer o próximo, mas para se precaver dele.
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O que realmente termina hoje
Termina
o processo.
Termina
a ilusão de impunidade dos que acreditavam que patente é salvo-conduto.
Termina
a fábula dos que vendiam patriotismo enquanto negociavam a democracia no
mercado negro das instituições.
Termina
o ciclo dos que achavam que a História lhes devia permanência.
Termina
o país infantilizado pelo discurso da força.
Termina
— enfim — a época da irresponsabilidade.
E
começa, com todas as dores, custos e traumas, a única página que interessa: a
da reconstrução da confiança.
A
democracia não venceu porque é forte.
Ela
venceu porque é insistente.
Ela
venceu porque, mesmo ferida, escolheu sobreviver.
E, no
fim das contas, é isso que separa o Brasil que cai do Brasil que levanta: a
capacidade de reconhecer que a lei não é uma ameaça — é o que restou de
civilizado entre nós.
Fonte:
Brasil 247

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